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INCLUSÃO DIGITAL: Uma Limitação ao poder de Tributar

Victor Hugo Pereira Gonçalves1

Neste início do séc. XXI, a Internet, cuja utilização no âmbito mundial


se intensificou nos últimos dez anos, tornou-se uma necessidade para uma parcela da população
mundial, e com potencial de se tornar essencial, num futuro não muito distante, na vida cotidiana
moderna. Neste novo paradigma de relações sociais, informações e os dados precisam ser
trocados de forma rápida e constante por pessoas físicas e jurídicas.
A Internet facilita acessos a banco de dados, livros, publicações, cujos efeitos
imediatos são a ampliação do acesso ao conhecimento, o encurtamento das distâncias entre as
pessoas de diferentes partes do mundo e, principalmente, a implementação efetiva e real da
participação democrática dos cidadãos nos processos decisórios.
No âmbito comercial, a empresa que não tiver a sua estrutura conectada com o
mundo virtual estará, em qualquer sentido que analisarmos a situação, perdendo dinheiro, pois os
seus custos ficarão mais altos dos que utilizam a Internet. Podem ser citados como exemplos, o
desenvolvimento da logística dos transportes, a facilitação do envio de correspondências por meio
informático, a otimização dos recursos humanos, o pagamento de impostos e inserção dos
mesmos nos sistemas dos administradores públicos, dentre outros. A interatividade com os
clientes e parceiros, de outra forma, ficará mais difícil e mais dispendiosa, enfim, uma série de
prejuízos que nada ajudaria e só traria a derrocada do comércio num mundo extremente
competitivo e internacionalizado.
Da mesma maneira, os governos estão se utilizando das vantagens da Internet,
pois ampliam, a baixos custos, o acesso dos cidadãos às informações, produtos e serviços
públicos, além de proporcionarem a implementação de uma maior participação democrática, o que
chamam de governo eletrônico ou e-governement.
Dentro deste panorama em que o governo, empresários e pessoas físicas, no
caso dos diários (os blogs), deverão estar presentes no mundo da Internet, as questões a ela
relativas necessitam de uma abordagem técnico-jurídica para a implementação efetiva de um
novo direito fundamental, um direito-meio, um direito-garantia, o direito à Inclusão Digital, em
decorrência direta dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, do direito à
informação e de ser informado, da liberdade de expressão, da privacidade, da livre iniciativa, da
livre concorrência, da publicidade, moralidade e da legalidade.
Tendo em vista que a Internet já é um instrumento de comunicação e informação
poderoso, tanto para os países ricos quanto para os que estão em desenvolvimento, há a
necessidade de refletir, pesquisar e estudar, em razão da crescente difusão desta nova

1 Sócio do escritório Rodrigues Gonçalves Advogados Associados. Professor de Direito Empresarial da FATEC/SP.
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP e em História na Universidade de
São Paulo - USP. Advogado especializado em Direito Informático.
ferramenta, no âmbito dos direitos fundamentais, como este direito-meio relaciona-se na prática
com outros direitos e garantias trazidas nas Constituições modernas, a fim de que o Estado
efetive políticas públicas de Inclusão Digital, com o objetivo de diminuir a exclusão social,
promovendo acesso à educação e à cultura, dentre outras possibilidades.
Apesar da variedade enorme de possibilidades de instrumentos e meios para se conectar com a
Internet, devido ao alto custo de implementação de novas tecnologias ou até mesmo a
impossibilidade atual de sua difusão, tais como satélite, rádio, rede elétrica (PLC – power line
communication), a maioria dos usuários que acessam à “Grande Rede” utilizam-se de fios e cabos
telefônicos, via discada ou por banda larga, à preços elevados e de difícil instalação nos lares e
comunidades com menor poder aquisitivo.

1. Globalização e Internet

Sem nos aprofundarmos na análise de como estão sendo


introduzidas estas novas tecnologias de informação e comunicação, pois nem todos têm acesso a
estas ferramentas, criando-se a exclusão digital de uma parcela relevante da população brasileira
(e por quê não mundial?2), estes serviços públicos e privados prestados via Internet atingem
sobremaneira a forma como instrumentalizamos o mundo jurídico.
André Ramos Tavares complementa esta idéia: “Essas novas formas
de relações sociais começam, porém, a gerar conflitos que reclamam uma aplicação mais
especializada, vale dizer, setorizada, do Direito, tanto do Direito enquanto ciência como do Direito
positivo, em seus diversos ramos. Assim acontece, para citar os exemplos mais comuns, com o
Direito Penal, ao lidar com aquilo que se denomina 'crimes cibernéticos' ou com o Direito Civil, ao
deparar-se com novas realidades, engendradas pela absoluta novidade decorrente da
denominada 'tecnologia da informação', que obriga a uma reflexão sobre os tradicionais institutos
e seus respectivos regimes jurídicos, tendo como exemplos emblemáticos deste enfrentamento os
contratos e os direitos autorais na rede de comunicação mundial, sem se falar do próprio Direito
Comercial, com seus tradicionais institutos e apego excessivo às formalidades e mesmo com o
Direito do Consumidor que, sendo um setor bastante recente do Direito, não escapou às
dificuldades criadas pela recente propagação das relações virtualmente estabelecidas”3.
Diante disto, constata o eminente desembargador Newton de Lucca
três características fundamentais do Direito do Espaço Virtual4: multidisciplinariedade,

2 Por incrível que possa parecer, o programa de inclusão digital da Grã Bretanha, em recente estudo divulgado
(http://www.citizensonline.org.uk), constatou que praticamente metade da população britânica não possui acesso
residencial à Internet.
3 Tributação e Internet, in Tributação e Internet, 2001, págs. 261 e 262.
4 Devemos ressaltar que não é sedimentada a nomenclatura acima colocada nem mesmo razões acadêmicas para
sustentar a existência de uma área autônoma do Direito para estudos específicos sobre Internet. Acreditamos que
não exista ainda razões para a sistematização científica de uma cadeira de Direito do Espaço Virtual, também
denominado Direito Informático, Direito da Alta Tecnologia. Dentre todos os nomes que possam sintetizar a idéia
de estudos Direito e Internet a nomeclatura mais falha é a de Direito Eletrônico, pois não capta conceitualmente
todas as complexas relações existentes. Nos informa o Prof. Newton de Lucca: “De nossa parte, fizemos o que
cosmopolitismo e tecnicalidade.
Para Newton de Lucca, Multidisciplinariedade é a
interdisciplinariedade que ocorre “não apenas entre os vários ramos do Direito, mas igualmente
com outros ramos do conhecimento científico como, por exemplo, a engenharia eletrônica”. O
Cosmopolitismo é a “vocação universal do direito do espaço virtual”, então, “neste sentido, os
chamados 'Códigos Deontológicos', também designados como 'de boa conduta', procuram
destacar a importância de serem criados, nos vários países, organismos que participem,
desenvolvam e organizem a cooperação internacional de tal modo que o caráter cosmopolita da
Internet não seja um entrave à boa aplicação das normas regulamentares.” E a Tecnicalidade
determina que “o direito do espaço virtual será marcado por conceitos extremamente técnicos”,
criados para estas novas realidades jurídicas, “tais como: documento eletrônico, assinatura digital,
criptografia assimétrica, chave pública, chave privada, certificação e assim por diante5.”
Dessa forma, face a esta instrumentalização tecnológica, o Estado é
bombardeado pelas rápidas inovações trazidas pela Internet, sofrendo profundas transformações
na forma de prescrever e de executar normas, que, não poucas vezes, ficam obsoletas ao não
abrangerem a realidade mutante destes meios, tanto espacial quanto pessoalmente.
Neste duplo movimento de interação e choque dos fenômenos
jurídico e tecnológico, mais especificamente das ferramentas de informação e comunicação, o
Estado Democrático de Direito, tal como conhecido anteriormente6, não pode mais atender
eficientemente aos novos desafios propostos pelo mundo globalizado, em que a demanda supera
em muito a sua capacidade de tomada de decisões7.
Diante disto, a ordem jurídica internacional e organismos não estatais
(empresas multinacionais, detentores do poderio econômico-tecnológico, etc.) preenchem esta
ausência do Estado em regular estas complexas relações e acabam por tomar à frente nas
decisões políticas relevantes.

julgamos nos competir: propusemos a criação, ao Chefe do Departamento de Direito Comercial, de uma cadeira de
Direito do Espaço Virtual nos cursos de Pós-Graduação na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, já
aprovada pelo Coordenador da Pós-Graduação, ad referendum da Comissõa competente. A iniciativa não é de todo
nova: já existe uma disciplina, na Universidade Católica da Argentina, para 'Advogado especializado em Direito de
Alta Tecnologia' e, na Costa Rica, um Curso de 'Direito Informático'”.
5 Títulos e Contratos Eletrônicos, ob. cit., pág. 70.
6Assim define Bobbio: “Do ponto de vista de uma definição formal e instrumental, condição necessária e suficiente
para que exista um Estado é que sobre um determinado território se tenha formado um poder em condição de tomar
decisões e emanar os comandos correspondentes, vinculatórios para todos aqueles que vivem naquele território e
efetivamente cumpridos pela grande maioria dos destinatários na maior parte dos casos em que a obediência é
requisitada.” Estado, Governo e Sociedade, 2003, p. 95.
7Aliás, constata o grande mestre italiano Norberto Bobbio: “Além do mais, diante da rapidez com que são dirigidas ao
governo as demandas da parte dos cidadãos, torna-se contrastante a lentidão que os complexos procedimentos de um
sistema político democrático impõem à classe política no momento de tomar as decisões adequadas. Cria-se assim uma
verdadeira defasagem entre o mecanismo de imissão e o mecanismo de emissão, o primeiro em ritmo sempre mais
acelerado e o segundo em ritmo sempre mais lento. Ou seja, exatamente ao contrário do que ocorre num sistema
autocrático, que está em condições de controlar a demanda por ter sufocado a autonomia da sociedade civil e é
efetivamente muito mais rápido na resposta por não ter que observar os complexos procedimentos decisórios próprios
de um sistema parlamentar. Sinteticamente: a democracia tem a demanda fácil e a resposta difícil; a autocracia, ao
contrário, está em condições de tornar a demanda mais difícil e dispõe de maior facilidade para dar respostas.” Futuro
da Democracia, 1981, pág. 36.
Enrique Ricardo Lewandowski reconhece a força deste fenômeno:
“Num sentido estrito, a globalização, cujo ritmo acelerou-se significativamente a partir do final da
Segunda Guerra Mundial, e mais ainda após o término da Guerra Fria, configura um fenômeno
econômico, que corresponde a uma intensa circulação de bens, capitais e tecnologia através das
fronteiras nacionais, com a conseqüente criação de um mercado mundial. Representa uma nova
etapa na evolução do capitalismo, tornada possível pelo extraordinário avanço tecnológico nos
campos da comunicação e da informática, caracterizando-se basicamente pela descentralização
da produção, que se distribui por diversos países e regiões, ao sabor dos interesses das
empresas multinacionais”8.
Em razão deste processo de globalização da economia, muitos
9
autores acreditam que o Estado, cuja soberania é “una, indivisível, inalienável e imprescritível”, tal
como formulada por Rousseau no seu Contrato Social, estaria ultrapassado e desatualizado.
Alguns deles10, como solução, apregoam a volta do Estado mínimo liberal, o qual deveria delegar
seus poderes para que “pessoas e as organizações dentro de sua área de atuação tenham uma
conduta determinada, satisfaçam suas necessidades e respondam às suas demandas”11.
Neste novo mundo econômico criado, o real passa cada vez mais a
ser virtual, inacessível e obscuro à grande parte da população. As tomadas de decisões, ainda
que de interesse popular, não são mais públicas nem compreendidas. As camadas populares
somente tomam ciência após definidas as decisões e apenas no momento de sua imposição
mediante mecanismos jurídicos, os quais devem ser acriticamente observados12.
Esta mudança do paradigma estatal é reconhecida por Jorge
Miranda, em que Povo, Território e Soberania, tradicionalmente considerados como os elementos
essenciais do Estado, são agora tidos como meros indicativos de sua existência; “o Estado é um
caso histórico de existência política e esta, por seu turno, uma manifestação do social, qualificada
ou específica”13.
No mesmo sentido, manifesta-se Konrad Hesse: “À compreensão do
Estado atual, que descobriu a historicidade de seu objeto (e de sua própria historicidade), está
proibido o recurso a semelhantes idéias de Estado como uma unidade situada do outro lado das
forças históricas reais, determinada, substancial-imutável; isso tanto mais que o desenvolvimento
industrial moderno e as alterações, que ele produziu, não mais admitem descuidar o problema da
formação da unidade política e isolar o ‘Estado’ de seu substrato sociológico”14.
8 Lewandowski, Globalização, Regionalização e Soberania, pág. 363.
9 Cinthia Weber acredita que a legitimidade, as competências e as fronteiras dos Estados constituem realidades frágeis
e transitórias. Susan Strange, por seu lado, vê o declínio deste tipo de Estado soberano, pois ele não consegue atuar
eficientemente na execução das leis, o controle da moeda, o combate à violência e a prestação de serviços
essenciais. Esta opinião de Susan Strange é igualmente compartilhada por Smith e Naím. Aliás, todos estes autores
foram citados por Enrique Ricardo Lewandowski, que traz muitas outras opiniões neste sentido (2002, p. 311 e
segs.).
10 Dentre eles Kenichi Ohmae, Ursula Tafe, Robert Jackson.
11 ROSENAU, citado por Lewandowski, 2002, p. 313-314.
12 Noam Chomsky, O lucro ou as pessoas?, 2002, pág. 43.
13 Manual de Direito Constitucional, pág. 21-31.
14 Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, pág. 31.
1.1. Virtualização e Descentralização

Tal percepção da ausência do Estados nos fenômenos da


globalização, quando transposta à analise das tecnologias de informação e comunicação,
ilustradas pela Internet, é igualmente feita talvez em decorrência das próprias características
deste meio de comunicação, quais sejam, a virtualização de seus objetos e a descentralização de
seu funcionamento.
Nos ensina André Ramos Tavares: “Pela própria característica das
comunicações via Internet, que acontecem num ambiente virtual, vale dizer, não materializado
(embora referente a situações reais15), não é possível precisar o território do Estado no qual
ocorrem, de fato, essas relações . Detecta-se, aqui, um dos grandes desafios impostos ao Direito
nacional, que só pode ser soberanamente aplicado dentro dos limites físicos do seu respectivo
Estado. É preciso uma norma, que só seria admissível se aplicada em âmbito mundial, para
indicar (ficticiamente) o foro adequado para a solução de eventuais controvérsias decorrentes
daquela situação.”
Continua André Ramos Tavares: “Outro problema é o da
descentralização da Internet, sua característica mais marcante. Sem que haja um órgão central
que a administre, não é possível controlar a titularidade, responsabilidade, o conteúdo, a
autenticidade e os efeitos (incluindo os destinatários) das informações que por ela circulam.”16
A Internet virtualiza, no sentido de imaterializar, todos os seus
objetos, informações, comunicações, pensamentos e bens. Mesmo aqueles bens tangíveis,
palpáveis no mundo real, eles são ofertados de maneira virtual. Existe a expectativa em obtê-los
da mesma maneira em que foi oferecida no website, mas não há certeza de que o produto ou
serviço venha da mesma forma do que explicitada. Aquele que compra o faz sob um
conhecimento, uma idéia, a priori, de que aquele objeto é o que parece ser.
Desta maneira, o que diferencia o bem intangível do tangível ofertado
pela Internet é o meio utilizado para a entrega dele até o destinatário.
Contudo, esta virtualização não é absoluta e sem rastros, pois o
caminho pelo qual a informação virtual trafega do emissor ao receptor é real e palpável. Dessa
forma, os instrumentos necessários à virtualização são atuais e reais, localizados no espaço físico
determinado pelas redes físicas de telecomunicações, roteadores e protocolos de Internet (IP),

15 Pierre Levy pensa diferentemente este processo de virtualização: “A virtualização pode ser definida como o
movimento inverso da atualização. Consiste em uma passagem do atual ao virtual, em uma 'elevação à potência' da
entidade considerada. A virtualização não é uma desrealização (a transformação de uma realidade num conjunto de
possíveis), mas uma mutação de identidade, um deslocamento do centro de gravidade ontológico do objeto
considerado: em vez de se definir principalmente por sua atualidade (uma 'solução'), a entidade passa a encontrar
sua consistência essencial num campo problemático. Virtualizar um entidade qualquer consiste em descobrir uma
questão geral à qual ela se relaciona, em fazer mutar a entidade em direção a essa interrogação e em redefinir a
atualidade de partida como resposta a uma questão particular.”
16 Tributação na Internet, ob. cit., p. 264.
que direcionam e padronizam os dados neles trafegados.
Diante disto, os dados, o virtual carrega em si informações sobre a
sua origem, tamanho, caminho e destino, que é dividida ao longo de toda a rede de comunicação
desde o emissor até o receptor, deixando suas marcas por onde passa. Aliás, seria esdrúxulo
pensar, tal como vislumbram muitos, que a informação ou os dados virtuais não pudessem ser
localizados num meio físico, sem qualquer direção ou sentido. Seríamos levados a acreditar que
uma carta enviada pelo correio, sem endereço, pudesse chegar ao receptor pela obra do acaso.
Assim, a virtualização das informações, exponencializada pela
estrutura da Internet, não é tão abstrata que deixe de prescindir de sua existência material
completamente. De igual maneira, o fato da Internet ser descentralizada e não-hierarquizada, não
traduz-se no anonimato absoluto de seus agentes, que impeça a verificação da existência física
deles17.

1.2. A Soberania do Estado frente à Internet

Reconhece-se este fenômeno da globalização e das novas


tecnologias de informação e comunicação, contudo, acreditamos que deve o Estado exercer o seu
poder soberano internamente, a fim de impor sanções e comportamentos sobre as ações
realizadas pelos seus súditos, seja em ambiente virtual, atual, real ou possível18, o qual a Internet
se insere.
Se o Estado, ao criar ficções jurídicas que possam estipular padrões
para o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação, visando a liberdade e a
igualdade dos seus cidadãos, não conseguir per si abranger, controlar e sancionar toda a
complexidade dos fenômenos, trazidos por estas novas tecnologias, e da velocidade de sua
propagação no tempo e no espaço, deve ele conjugar esforços com outros Estados para obter
uma resposta mais eficaz a estes novos desafios.
Para tanto, deve ocorrer a “delegação de alguns poderes a
autoridades supranacionais, para emprestar maior eficácia à ação estatal”, a fim de incrementar
“as possibilidades políticas de seu exercício”19.
Cabe aqui lembrar o exemplo singelo e bem significativo trazido por
Marco Aurélio Greco dos problemas existentes das imposições legais sobre Internet, face a sua
virtualização e descentralização: “Figuremos a seguinte hipótese: uma pessoa física, em sua
residência, liga o computador e entra num cassino na Internet. Deixemos de lado, no momento, o
tratamento específico que a lei penal brasileira possa dar ao caso. Fixemo-nos no problema
subjacente. Caberia fazer a seguinte pergunta: será que esta pessoa está 'entrando' num cassino,

17 Se pensássemos assim, não haveria jamais a captura de criminosos “virtuais”, tal como a quadrilha que construía
sites falsos (http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u91680.shtml, acessado no dia 12.04.2004 às
16:00hs)
18 Ver Pierre Levy, O Que é Virtual?, pág. 15 e segs
19 Lewandowski, ob. cit., pág. 367.
que, eventualmente, se encontra num país que admite o jogo e, portanto, não estará cometendo
infração alguma (deixemos de lado o exame específico da lei penal brasileira), ou será que ele
está 'trazendo' o cassino para a sua máquina e, se assim for, estará jogando no Brasil e
cometendo um infração punível no Brasil?”20
Assim, para se evitar tais situações, o Estado, para se impor no
mundo virtualizado, aparentemente sem fronteiras e veloz, criado pela Internet, tem de trabalhar
em busca de ampliar o seu âmbito de atuação, a fim de atender melhor os anseios de seus
cidadãos, bem como para fazer prevalecer sua soberania internamente frente a estes novos
desafios.
Tal prevalência do Estado tem em vista a consecução dos seus
próprios objetivos constitucionais, como seus limites, de garantir aos seus cidadãos o direito a
dignidade humana, a informação, a liberdade de comunicação, a privacidade21, liberdade de
opinião, a liberdade de expressão cultural, artística, intelectual, científica e direitos conexos etc.,
os quais não pode delegar a ninguém, a não ser que seja parcialmente para a melhor
implementação de seus princípios.

2. Tributação e Internet

A intervenção na ordem social, por meio da arrecadação de tributos,


faz parte suas funções primordiais do Estado, a fim de manter todos os seus deveres
constitucionais para com os seus cidadãos. O Estado, em face da sua necessidade de
arrecadação fiscal, possui participação ativa mais presente no campo do Direito Tributário, o qual
sempre busca novas formas e diferenciadas de ampliar os recolhimentos de tributos.
O Estado brasileiro, neste sentido, possui imensa criatividade e ânsia
de criar novas soluções tributárias, a fim de impingir aos seus cidadãos mais e mais tributos, com
o fulcro de encobrir a sua ineficiência e incompetência administrativa.
Neste panorama, a Internet, cujo incremento de transações
comerciais e de usuários tem sensivelmente aumentado nos últimos anos, vislumbra-se como um
campo aberto à intervenção estatal na arrecadação fiscal de tributos sobre estas novas formas
econômicas de atividades sociais.
Contudo, com o surgimento do Estado Democrático e Social de
Direito, a tributação antigamente realizada de forma despótica passou a ser delimitada e regida

20 Texto Poderes da Fiscalização Tributária, in Direito e Internet, 2001, págs. 172 e 173.
21 Sobre privacidade e informática nos ensina José Afonso da Silva: “O intenso desenvolvimento de complexa rede de
fichários eletrônicos, especialmente sobre dados pessoais, constitui poderosa ameaça à privacidade das pessoas. O
amplo sistema de informações computadorizadas gera um processo de esquadrinhamento das pessoas, que ficam
com sua individualidade inteiramente devassada. O perigo é tão maior quanto mais a utilização da informática
facilita a interconexão de fichários com a possibilidade de formar grandes bancos de dados que desvendem a vida
dos indivíduos, sem sua autorização e até sem seu conhecimento. “A Constituição não descurou dessa ameaça.
Tutela a privacidade das pessoas, como vimos acima. Mais do que isso, acolheu um instituto típico e específico para
a efetividade dessa tutela, que é o habeas data, que merecerá nossa consideração mais adiante.” Curso de Direito
Constitucional, 1998, págs. 212 e 213.
pela lei.
Roque Antonio Carrazza amplia ainda mais este entendimento: “O
Estado de Direito limita os poderes públicos, isto é, concretiza-se numa proibição de agir em
desfavor das pessoas. Por isso, nele, para a melhor defesa dos direitos individuais, sociais,
coletivos e difusos, a Constituição vincula não só o administrador e o juiz, mas o próprio
legislador. De fato, tais direitos são protegidos também diante da lei, que deve se ajustar aos
preceitos constitucionais. A garantia disso está no controle da constitucionalidade, que, na maioria
dos ordenamentos jurídicos, é levado a efeito pelo Poder Judiciário”22.
Desta forma, a legalidade, como não poderia deixar de ser, é o
primeiro e primordial princípio23 constitucional tributário de atuação do Estado em relação à
Internet.
Assim, o princípio da legalidade, que orienta e limita a intervenção
estatal, no campo do Direito Tributário é ainda mais específico, que é o princípio da legalidade
estrita ou da reserva da lei, veda às pessoas de direito público instituírem ou aumentarem tributos
sem que lei estabeleça.
Contudo, o princípio da legalidade estrita deve estar harmonizado
dentro do sistema tributário constitucional, devendo, assim, conviver com outros princípios para a
melhor interpretação do fato jurídico em si.
Até parece óbvia tal conclusão, mas diante da complexidade
fenomenológica das novas tecnologias de informação e comunicação, poderia-se, por analogia,
utilizar-se de uma determinada interpretação e situação atual, a fim açambarcar um determinado
funcionamento da Internet e de suas relações econômicas.
Contudo, na aplicação da analogia, como método interpretativo da
legislação tributária, existe a ressalva legal do art. 108 do CTN, que determina:
“Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade
competente para aplicar a legislação tributária utilizará
sucessivamente, na ordem indicada:
I – a analogia;
(...)
§ 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de
tributo não previsto em lei.”
Ora, diante destas novas tecnologias de informação e comunicação
não há emprego de analogia que não resulte em quebra do princípio da legalidade estrita, a que
deve obedecer o poder tributário. Estas tecnologias de informação e comunicação trabalham com
22 Curso de Direito Constitucional Tributário, pág. 163.
23 Princípio, na lição clássica de Celso Antonio Bandeira de Mello, é o “mandamento nuclear de um sistema,
verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhe o espírito e
servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do
sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside
a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo” (in Carlos
Ari Sundfeld, Fundamentos do Direito Público, 1996, pág. 140.)
conceitos diferenciados de convergência, que alteram, incrementam, diferenciam as formas da
relações econômicas e sociais a cada momento.
Vejamos um exemplo singelo destes desafios do mundo jurídico-
tributário em relação a questão sobre qual tributo incide nos serviços prestados pelo provedor de
acesso à Internet. Há três anos atrás saíram alguns livros abordando o tema24. A doutrina e a
jurisprudência divergiam, e ainda divergem, se o imposto aplicável ao provedor de acesso à
Internet seria o ICMS de competência estadual ou não25. A maioria apóia que o provedor de
acesso deva recolher o imposto municipal ISS, se houver previsão legal que os inclua no rol de
serviços por ele enumerados.
Contudo, todos estes doutrinadores escreveram sobre o provimento
de acesso à Internet num mercado, à época, dominado pelo acesso discado (dial up). Desde
então, o mercado de acesso à Internet alterou-se sensivelmente. Hoje há uma crescente
participação das tecnologias de acesso à Internet via banda larga26.
Tecnicamente, com a utilização destas tecnologias, não há a
necessidade de se contratar provedores de acesso à Internet. Os próprios aparelhos de
telecomunicações realizam a conexão dos usuários à grande rede mundial de computadores.
Será que a doutrina e jurisprudência majoritárias mudariam seu posicionamento para se admitir a
incidência do ICMS sobre o provimento de acesso à Internet, já que são as próprias empresas de
telecomunicações que fornecem o serviço de comunicação?
Dessa forma, a fim de se evitar tais complicações tão perniciosas à
correta interpretação da subsunção da norma ao fato jurídico tributário, antes de se pensar no
princípio da legalidade, mais importante para este novo fenômeno da Internet há a necessidade
de se utilizar do princípio da segurança jurídica.
Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho: “Não há por que
confundir a certeza do direito naquela acepção de índole sintática, com o cânone da segurança
jurídica. Aquele é atributo essencial, sem o que não se produz enunciado normativo com sentido
deôntico; este último é decorrência de fatores sistêmicos que utilizam o primeiro de modo racional
e objetivo, mas dirigido à implantação de um valor específico, qual seja o de coordenar o fluxo das
interações inter-humanas, no sentido de propagar no seio da comunidade social o sentimento de
previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos da regulação da conduta. Tal sentimento tranquiliza os
cidadãos, abrindo espaço para o planejamento de ações futuras, cuja disciplina jurídica
conhecem, confiantes que estão no modo pelo qual a aplicação das normas do direito se realiza.
Concomitantemente, a certeza do tratamento normativo dos fatos já consumados, dos direitos

24 Direito e Internet – Relações jurídicas na sociedade informatizada, org. Ives Gandra da Silva Martins e Marco
Aurélio Greco; Tributação na Internet, coord. Ives Gandra da Silva Martins; e Internet e Direito de Marco Aurélio
Greco
25 Não havia à época do lançamento destes artigos previsão na lei o elenco dos serviços de acesso à Internet do
pagamento do ISS, o que inviabiliza a cobrança do imposto sobre tais serviços. Aliás, o anexo da lei complementar
n. 116/03 não determinou expressamente que os provedores de acesso à Internet devam pagar o ISS
26 As tecnologias mais comuns são a ADSL, o rádio e via satélite. A ADSL é mais comum, pois realizada através das
linhas telefônicas já instaladas.
adquiridos e da força da coisa julgada, lhes dá a garantia do passado. Essa bidirecionalidade
passado/futuro é fundamental para que se estabeleça o clima de de segurança das relações
jurídicas, motivo por que dissemos que o princípio depende de fatores sistêmicos.27”
O princípio da segurança jurídica reforça e dá sentido ao princípio da
legalidade estrita, orienta a interpretação dos fenômenos, dos fatos jurídicos tributários, do mais
simples aos mais complexos, tais como os relacionados às tecnologias de informação e
comunicação.
Luís Roberto Barroso esclarece este entendimento: “O ponto de
partida do intérprete há que ser sempre os princípios constitucionais, que são o conjunto de
normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de
forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como
fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A atividade de
interpretação da Constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema
a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra
concreta que vai reger a espécie”.28
Assim, no quadro destas transformações constantes, a interpretação
dos fatos e da norma tributária a serem aplicadas pelo poder tributante têm de se adequar à
orientação sistemática que estes princípios da segurança jurídica e da legalidade impõem, a fim
de que não se tornem obsoletas, incoerentes, impossíveis em relação ao objeto que pretende
regular.
Contribui muito para uma confusão de definições e regras no direito
brasileiro na tributação da Internet, o excesso de normas e tipos de tributos federais, estaduais e
municipais, os quais muitas vezes embaralham os próprios especialistas que labutam diariamente
nesta empreitada, tanto no campo tributário quanto do informático.
Para confundir ainda mais a aplicação correta das normas tributárias
constitucionais e legais, existem as limitações ao poder de tributar, que estão inseridas no art. 150
da CF 1988, que instituem princípios e garantias dos contribuintes frente ao Estado. Por isso, há
que se realizar uma interpretação de todo o ordenamento para não se criar incongruências entre
direitos e garantias constitucionais, individuais e coletivas, e poderes-deveres de tributação do
Estado.

3. Dos Limites ao Poder de Tributar: Da Imunidade

O legislador constitucional, sabedor da ânsia arrecadatória do


Estado, estipulou limitações ao seu poder de tributar, que, em face a outros princípios basilares da
sociedade brasileira, os quais considera mais importantes29, pois se direcionam à formação e
27 Curso de Direito Tributário, pág. 108.
28 Citado por Roque Antonio Carrazza, op. cit., pág. 35.
29 Já bem ressaltou Sérgio Pinto Martins: “Em face da doutrina, nenhuma imunidade fiscal deveria ser admissível,
pois implicaria uma 'desigualdade'. Entretanto, as instituições modernas, com objetivos de alta relevância social e
crescimento do país e de seu povo (sujeitos), institui a não incidência dos impostos sobre algumas
pessoas e fatos jurídicos e a sua respectiva incompetência.
Segundo AMILCAR FALCÃO, imunidade é “uma forma qualificada ou especial de não-
incidência, por supressão, na Constituição, da competência impositiva ou do poder de tributar,
quando se configuram certos pressupostos, situações ou circunstâncias previstos pelo estatuto
supremo. Esquematicamente, poder-se-ia exprimir a mesma idéia do modo seguinte: a
Constituição faz, originalmente, a distribuição da competência impositiva ou do poder de tributar;
ao fazer a outorga dessa competência, condiciona-a, ou melhor, clausula-a, declarando os casos
em que ela não poderá ser exercida. A imunidade é, assim, uma forma de não-incidência pela
supressão da competência impositiva para tributar certos fatos, situações ou pessoas, por
disposição constitucional”30.
Assim, a interpretação das imunidades tributárias, em face de seu
locus constitucional, não está sujeita à regra restritiva do art. 111 do Código Tributário Nacional,
que determina a exegese literal de suas normas. O alcance do art. 111 do CTN não atinge as
normas constitucionais, o que inviabiliza a interpretação restritiva e literal do conceito de
imunidade tributária. Por isso, há que se buscar nos princípios constitucionais o sentido
teleológico da prescrição das imunidades tributárias aos legisladores e quais os valores que ela
visa resguardar na sociedade, religiosos, políticos, educacionais, sociais etc.
Hugo de Brito Machado, neste passo, expressou o seu pensamento:
“A melhor interpretação das normas da Constituição é aquela capaz de lhes garantir a máxima
efetividade. Toda imunidade tem por fim a realização de um princípio que o constituinte
considerou importante para a nação”31.
Aqui, utilizando-se da classificação realizada por Gomes Canotilho,
que diferencia em duas categorias os princípios constitucionais: os princípios político-
constitucionais e os jurídicos constitucionais32.
A grosso modo, os princípios políticos-constitucionais são “as normas
fundamentais de que derivam logicamente (e em que, portanto, já se manifestam implicitamente)
as normas particulares regulando imediatamente relações específicas da vida social”. Assim, elas
“traduzem as opções políticas fundamentais conformadoras da Constituição”33.
Enquanto que o princípios jurídicos constitucionais são
desdobramentos dos princípios fundamentais, ou seja, “são princípios constitucionais gerais
informadores da ordem jurídica nacional”, tais como do ensino, da cultura, dos direitos sociais

política, não podem deixar de lado a criação de certas regras constitucionais de não-incidência, que devem ser
obedecidas na discriminação de rendas. Tais regras erigem-se em princípios fundamentais do regime, que devem ser
resguardados acima de tudo”. (Manual de Direito Tributário, pág. 141)
30 Falcão, Amílcar apud Nogueira, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 14ª edição, São Paulo, Saraiva,1995, p.
167.
31 Curso de Direito Tributário. 14ª edição. São Paulo: Ed. Malheiros, 1998, p. 206.
32 in José Afonso da Silva. Ob. cit., pág. 97.
33 Idem, pág. 97.
etc.34.
As normas de imunidade têm como objetivo fazer valer a aplicação
dos princípios jurídicos constitucionais no campo tributário, a fim de que o Estado, impedido de
criar leis sobre determinados assuntos, não se esqueça dos princípios humanos fundamentais que
unem e formam uma nação e que a impulsiona para o desenvolvimento social.
A interpretação das normas imunizantes não pode fugir jamais da
busca de uma perspectiva que atenda melhor a sociedade brasileira e de todos os
desdobramentos da vida moderna, dinâmica e imprevisível.
Ao se procurar os princípios jurídicos constitucionais inseridos nas
normas da imunidade tributária, estará se instaurando a análise axiológica benéfica à efetividade
da Constituição Federal, que sem isso seria inútil.

4. Da Internet como “Veículo de Idéias”

A Internet é o maior instrumento de comunicação já inventado pelo


homem, tanto pelo alcance de sua transmissão como pelo conteúdo que pode ser disponibilizado.
A Internet é uma ferramenta que traz novos desafios à capacidade humana, transformando a
todos na sua forma de interagir, de se comunicar e obter informações.
O mundo virtual de alta velocidade altera a forma como o ser
humano convive, recebe e produz o conhecimento. A Internet trouxe uma nova perspectiva da
construção do pensamento e do ensino. O método linear e seqüencial, que a educação tradicional
adotou a partir do séc. XVIII, não pode mais sobreviver neste novo mundo informático em que o
hipertexto corrompe a uniformidade da leitura e compele o leitor a novas experiências
relacionadas à original, ampliando-as e inovando-as35.
Pierre Levy traz questões relevantes à estas colocações:
“Tecnicamente, um hipertexto é um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser
palavras, páginas, imagens, gráficos ou partes de gráficos, seqüências sonoras, documentos
complexos que podem eles mesmo ser hipertextos. Os itens de informação não são ligado
linearmente, como em uma corda, mas cada um deles, ou a maioria, estende suas conexões em
estrela, de modo reticular. Navegar em um hipertexto significa portanto desenhar um percurso em
uma rede que pode ser tão complicada quanto possível. Porque cada nó pode, por sua vez,
conter uma rede inteira.
“Funcionalmente, um hipertexto é um tipo de programa para

34 Ibidem, pág. 97.


35 Pierre Levy, estudando as tecnologias da inteligência, já analisou: “Na época atual, a técnica é uma das dimensões
fundamentais onde está em jogo a transformação do mundo humano por ele mesmo. A incidência cada vez mais
pregnante das realidades tecnoeconômicas sobre todos os aspectos da vida social, e também os deslocamentos
menos visíveis que ocorrem na esfera intelectual obrigam-nos a reconhecer a técnica como um dos mais importantes
temas filosóficos e políticos de nosso tempo. Ora, somos forçados a constatar o distanciamento alucinante entre a
natureza dos problemas colocados à coletividade humana pela situação mundial da evolução técnica e o estado do
debate 'coletivo' sobre o assunto, ou antes do debate mediático.” (As Tecnologias da Inteligência, pág. 7)
organização de conhecimentos ou dados, a aquisição de informações e a comunicação”36.
Além do hipertexto, a Internet traz novas experiências à vivência do
ser humano como o envio de imagens, sons, vídeos, músicas etc. De fato, a Internet é o único
veículo de comunicação e informação que faz a interação quase que simultânea entre o
transmissor e o receptor. O sujeito do conhecimento é, ao mesmo tempo, objeto, produtor e
receptor. Daí advém a principal característica da Internet e o que a torna tão essencial no mundo
contemporâneo. Não há mais o isolamento do sujeito do conhecimento e sim o compartilhamento
de idéias em todos os cantos do globo entre todos os sujeitos, o que torna o fruto das pesquisas
tão dinâmica quanto a forma da interatividade e disponibilidade dos resultados delas.
Diante disto, fica evidente a necessidade da sociedade brasileira,
ricos e pobres, estarem em contato com estas experiências novas ensino e de obtenção de
educação.
Desta forma, o acesso à Internet é imprescindível para os cidadãos
brasileiros poderem usufruir das benesses proporcionadas por este novo modo de obter e
produzir conhecimento e interagir socialmente.
A Internet está transformando as fronteiras físicas em meros limites
corporais. Ela persegue incessantemente à ilimitada capacidade da mente do ser humano que
pode recortar o pensamento de maneira infinita, desdobrando-o em visões diversas, divergentes e
até coincidentes, aglutinando-os dentro do chamado ciberespaço.
É através da Internet, por estas suas características, que está se
travando as batalhas do século XXI pelo poder, em todas suas formas, pela liberdade, pelo
comércio, pelo direito, pela saúde, pela dignidade, pela indignação etc.
Por isso que neste espaço virtual, que é também real e possível37, o
Estado brasileiro deve prover e facilitar o acesso de todos os seus cidadãos, a fim de alçarem-nos
a este desafio hercúleo de tentar buscar um novo caminho para a diminuição das desigualdades
sociais, por meio das tecnologias de informação e comunicação. Estas serão as ferramentas que
tornarão o ser humano efetivamente iguais em poder de decisão, porque viabiliza a todos os
meios democráticos efetivos de autodeterminarem os rumos, objetivos e princípios que o Estado
deverá perseguir. O cidadão, em tempo real, toma ciência das notícias, verifica os resultados da
administração, inteira-se, de fato, da publicidade dos atos de governo e poderá votar sobre os
projetos de lei38.
36 Ob. Cit., pág. 33.
37 Cf. Pierre Lévy. O que é Virtual?
38 Num exercício não muito longe de raciocínio, percebe-se que a sociedade atua da informação poderá chegar perto
do que foi o auge da sociedade ateniense do séc. V a.C. A sociedade ateniense chegou ao seu auge quando os
cidadãos tomavam diretamente as decisões sobre os rumos da pólis. Logicamente, devemos considerar que havia
barreiras para a classificação de um home como ser humano. Os gregos excluíam mulheres, libertos e escravos,
quase 80% da população, da condição de cidadão.
Por outro lado, a sociedade contemporânea, com muito sacrifício, abriu para todo o povo a condição de cidadão.
Contudo, dada a inviablidade de se praticar a democracia diretamente, instituiu-se a democracia indireta com a
eleição de representantes. Aí não mais o cidadão que decide sobre os rumos da nação e sim uma instância mediata, o
parlamento, que detém o poder efetivo que emana do povo. A delegação do poder gera insatisfação e conturbação
social.
Se o Estado impedir ou dificultar o acesso dos cidadãos à Internet,
estará retirando e impedindo a possibilidade do desenvolvimento social atual e futuro da
sociedade ao direito constitucional à educação39, à cultura40, a liberdade de pensamento41, a sua
autoderminação e à dignidade humana, constrangendo quaisquer maneiras de superação da
realidade histórico-social.
Outrossim, o Estado deve prover os meios necessários ao seu
alcance para que se viabilize, efetivamente, o ingresso de todos os seus súditos aos meios de
comunicação e informação42.
O art. 208, inc. V, da Constituição Federal impõe ao Estado o dever
de conceder “o acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística,
segundo a capacidade de cada um”.
Interessante é anotar o que prescreve o art. 218, caput, da
Constituição Federal, onde o Estado “promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a
pesquisa e a capacitação tecnológicas”.
O Estado, dentro destas políticas públicas que deverá promover para
realizar eficazmente a promoção do desenvolvimento científico e tecnológico do país, tem de agir
positivamente para liderar e incentivar os agentes privados a consecução destes objetivos
constitucionais43.
Há que se ressaltar que o Estado brasileiro é um dos precussores e
grande incentivador da implantação de novas tecnologias de informação e comunicação44 para
diminuir custos da gestão administrativa de governo, bem como dar maior publicidade aos seus

Entretanto, penso que com as novas tecnologias de informação e comunicação poderemos, no futuro não muito
distante, exercer efetivamente cada qual o seu poder de administrar os assuntos mais importantes do Estado e decidir
diretamente sobre os rumos da sociedade democraticamente, tal como os gregos idealizaram, mas não cumpriram
completamente.
39 José Afonso da Silva entende a “educação como processo de reconstrução da experiência é um atributo da pessoa
humana, e, por isso, tem que ser comum a todos. É essa concepção que a Constituição agasalha nos arts. 205 a 214,
quando declara que ela é um direito de todos e dever do Estado.” (Ob. Cit., pág. 800).
40 Miguel Reale em estudo brilhante e complexo sobre as fundações filosóficas da cultura e sua implicação no mundo
jurídico, assim se expressou: “A cultura é um patrimônio de bens que o homem acumula através da História, mas
não é apenas um cabedal de bens. O ser humano por si mesmo burila-se ou aprimora-se em seus atos mais naturais.
Cremos que o homem assinala um processo de aprimoramento crescente através das idades. O homem civilizado, o
homem culto, reveste-se de certa 'dignidade' ao realizar os atos mais naturais da vida, enriquecido de algo
denunciador de aperfeiçoamento no seio da espécie, em contraste com a rude animalidade do homem primitivo.
Temos, assim, de chegar à convicção de que não é cultura apenas o produto da atividade do homem, porque também
é cultura a atividade mesma do homem enquanto subordinada a regras. A maneira de ser, de viver, de comportar-
se, em uma palavra, a conduta social é um dos elementos componentes da cultura, como é cultura um utensílio
culinário ou um avião de bombardeio”. (grifos do Autor) (Filosofia do Direito, 1990, pág. 222)
41 De acordo com Sampaio Dória, liberdade de pensamento “é o direito de exprimir, por qualquer forma, o que se
penseem ciência, religião, arte, ou o que for.” (in José Afonso da Silva, ob. Cit., 1998, pág. 244)
42 O dever do Estado em relação à educação e à cultura do povo está inserido no art. 205 que determina: “A educação,
direito de todos e dever do Estado e da família...”. Em relação à cultura, o Estado “garantirá a todos o pleno
exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a
difusão das manifestações culturais” (art. 215 da CF de 1988).
43 Art. 174 da CF de 1988. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma
da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e
indicativo para o setor privado.
44 Cf. Jornal Valor Econômico de 21.03.2006, Caderno Especial de Tecnologia e Telecomunicações
atos e abrir para a participação, cada vez maior e intensa, dos cidadãos na formação do processo
decisório45.
Neste sentido, em face desta atuação diuturna do Estado brasileiro
de buscar na Internet uma forma de melhorar a prestação de seus serviços, há a necessidade de
se construir a conjunção completa de suas intenções, fomentando a difusão do acesso à Internet
a todos. Se assim não for, de nada adiantará os magníficos investimentos em informatização, se a
população não puder usufruir de todo este aparato.
Em recente levantamento feito46, percebe-se que o número de
pessoas com computadores com acesso à Internet nos lares brasileiros é bem insignificante, se
compararmos com os serviços públicos que podem ser racionalizados nos chamados e-
governement47.
Em razão disto, é primordial ao Estado realizar políticas públicas, a
fim de se diminuir a exclusão digital do cidadão brasileiro, permitindo acesso às máquinas
(hardwares e softwares) e aos meios que façam o cidadão desenvolver-se autonomamente nestes
novos ambientes. Há que se transformar a Internet no veículo de idéias de todos, repetindo uma
expressão muito feliz de Roque Carrazza, ao se referir à imunidade tributária de livros, sem o qual
não há desenvolvimento do país na nova sociedade global.
O Estado, na sua atual ausência completa até por falta de recursos,
tem que fomentar as condições especiais que poderá permitir à iniciativa privada distribuir os
meios e ferramentas para municiar a grande massa hoje excluída a ter acesso à estas tecnologias
de informação e comunicação.

5. A Imunidade Tributária dos Computadores e do Acesso à Internet: a interpretação extensiva do


art. 150, inc. VI, alínea d, da CF de 1988

Os meios legais que o Estado têm em suas mãos para realizar estes
incentivos são as políticas públicas. Uma de suas formas são os incentivos fiscais concedidos aos
empreendedores para o desenvolvimento sócio-econômico de uma determinada região, um
segmento comercial, uma necessidade populacional.
A despeito do seu alto investimento nestas novas tecnologias de
informação e comunicação, a fim de se reduzir custos operacionais e tornar mais eficiente a sua

45 Indicativo deste novo panorama das práticas governamentais nas esferas federais, estaduais e municipais, são as
chamadas consultas públicas realizadas tanto pela administração direta quanto indireta. Exemplo recente, mas que
deixou a desejar pela obscuridade das decisões envolvidas e para quem elas seriam direcionadas, forma as Consultas
Públicas acerca dos novos serviços de comunicação.
46 O site IDG Now fez um levantamento sobre telefones fixos, celulares, computadores e computadores com acesso à
Internet em cada Estado brasileiro, cruzando dados dos diversos institutos de pesquisa.
(http://idgnow.uol.com.br/mercado/2006/03/16/idgnoticia.2006-03-15.558347966, acessado no dia 16.03.2006, às
16h30min)
47 A título ilustrativo, através dos sites governamentais podemos fazer a declaração do Imposto de Renda
(www.receita.fazenda.gov.br), participar de licitações (www.comprasnet.gov.br), obter certidões negativas de
débito, de imóveis (www.cartorio24horas.com.br) etc.
estrutura adminitrativa, a União, os Estados e Municípios, bem como suas autarquias direta ou
indiretas, não vêm criando as condições regulatórias que poderiam auxiliar na ampliação e no
desenvolvimento da Internet como ferramenta de transposição e combate às desigualdades
sociais, tão presentes no dia-a-dia do cidadão brasileiro.
Infelizmente, muito pelo contrário, as dificuldades são homéricas
para o cidadão que se aventura a navegar e se aculturar das benesses da rede mundial de
computadores. Os altos preços dos computadores onde se incide uma carga enorme de impostos
sobre a sua comercialização.
Aliás, este cenário se repete em grau maior quando se olha para os
provedores de acesso à Internet. Além da alta carga de impostos, que está em torno de 40% do
serviço de comunicação, o prestadores de serviços de provimento de acesso à Internet estão
relegados à incompetência adminitrativa da ANATEL48, que impede a fomentação e distribuição do
mercado consumidor destes serviços para todos os confins deste país49.
Dentro deste quadro caótico de má administração da res publica e da
falta de visão para antever as necessidades e caminhos da sociedade por parte da estrutura
complexa do Estado brasileiro, há que se recorrer para a Constituição cidadã, que, a despeito das
suas incongruências marcantes50, tem o condão de obrigar e lembrar a todos quais são as
finalidades estatais e quais serão os direcionamentos das políticas públicas de desenvolvimento
do país.
Vital Moreira já consignou, em telas vivas, o papel da Constituição
nas transformações sociais, como objeto e sujeito: “A constituição não pode deixar de ser
pensada também como um problema de facto e o papel da investigação não pode ser o de
renunciar ao facto para preservar a pureza da constituição, mas sim a de identificar a relação que
existe entre dois factos ou conjuntos de factos sociais, entre fenómenos económicos-sociais e
político-jurídicos, na sua autonomia recíproca, nas suas relações dialéticas, naquilo que na
realidade económico-social é constitutivo da constituição, naquilo que nesta é constitutivo da
realidade económico-social. Perder de vista a dimensão social, económica, da constituição e vice-
versa, bem como ignorar o que nestas duas perspectivas é diferente, significaria atirar a
48 Situação esta que já foi devidamente analisada no Capítulo 1 deste trabalho.
49 Em nota acima, trouxemos a notícia divulgada pelo site IDG Now em que se faz a análise do mercado de
computadores e Internet neste país. É lamentável constatar que as desigualdades sociais percebidas entre as regiões
se mantêm em termos de exclusão digital. Os acessos à Internet estão concentrados nos grandes centros do Sudeste e
do Sul do país e bastante ínfimas no Norte e Nordeste. Assim, percebe-se a inexistência cabal de políticas públicas
para o desenvolvimento do país de forma uniforme, em relação à estas novas tecnologias de informação e
comunicação. Na verdade, o Estado não apresentou soluções que visam aproveitar as enormes capacidades
educacionais e comerciais da Internet, que vem sendo empreendidas por ele. Tudo isto, aliás, é um contrasenso em
relação aos caminhos perseguidos pelo Estado, já que os cidadãos de forma geral não conseguem entender a quem
tais investimentos estão tentando atingir, já que ele, principal parte do processo, não pode ter acesso à sociedade da
Informação. Cf. Capítulo 1 deste Livro.
50 Ótimas são as observações do Prof. Sérgio Rezende de Barros em suas aulas na Faculdade de Direito da USP e em
seus textos, onde o digníssimo mestre sempre alerta sobre os desvios e erros crassos de lógica jurídico-
constitucional (art. 66, § 7º), que acabam por distorcer a aplicação da Constituição cidadã. Assinala também para o
esgotamento do modelo constitucional, havendo a necessidade de se buscar e pensar outras formas que superem a
rigidez constitucional, a fim de não se entrar na armadilha ideológica que esta forma normativa estabelece. Cf. Vital
Moreira, ob. cit., pág. 180.
constituição para fora das suas condições de vida”51.
A Internet, a olhos vistos, tornou-se um instrumento tecnológico de
muita utilidade em qualquer campo de interação e atuação do ser humano. As distâncias
tornaram-se insignificantes e irrelevante. A quantidade de informação e a velocidade de tráfego
superam em muito a capacidade de absorvermos todas elas. O dinamismo dos negócios e da vida
é em tempo real.
A Constituição cidadã, em 1988, não podia prever esta pequena
revolução das novas tecnologias, que mudaram toda a perspectiva e o caminho do ser humano no
séc. XXI. Entretanto, a Constituição trouxe, explícita ou implícitamente, princípios que ampliam a
interpretação de suas normas e, dessa forma, pode-se alcançar fatos não previstos no momento
da sua promulgação.
Na exegese do sistema normativo constitucional percebe-se
claramente que o legislador elegeu valores e princípios que asseguram ao cidadão direitos e
garantias individuais e coletivas, que visam proporcionar-lhe a vida digna, a igualdade, a
liberdade, à segurança e à propriedade.
Dentre estes princípios maiores discorrem-se outros que lhes dão
amplitude, conteúdo e sentido no correr diuturno do cidadão em seu convívio social, tais como o
direito à informação, à liberdade de pensamento, à educação, à cultura, à privacidade etc. Estes
princípios irradiam-se sobre todo ordenamento impondo ao Estado deveres os quais não podem
ser afastados52.
O Direito Tributário também é atingido, como não poderia deixar de
sê-lo, pelo conjunto normativo e axiológico destes princípios constitucionais que asseguram
direitos e garantias individuais e coletivas. Isto se torna mais perceptível no elenco das
imunidades tributárias, que limitam e impedem o poder do Estado para instituir tributos. As
imunidades visam atender estes direitos constitucionais protetivos e elas próprias tornam-se
partes deles, a partir do momento que não podem ser afastadas nem por emendas
constitucionais, integrando-se aos direitos fundamentais53. Assim, as regras de imunidade

51 Economia e Constituição, págs. 15 e 16.


52 De fato, a Constituição foi criada no séc. XVIII com a finalidade precípua de acabar com a arbitrariedade do
aparelho estatal absolutista monárquico. O Estado não poderia ser mais personificado na pessoa do soberano mas
sim em princípios e normas que deveriam atender a todos os súditos, para que não pudesse ser ele o próprio fator de
insegurança jurídica e social. Vital Moreira foi mais a fundo: “(...) A constituição fora um dos objectivos
fundamentais da burguesia e uma bandeira de luta na revolução, não apenas porque com ela se haveria de
domesticar o estado absoluto, mas acima de tudo – e essa domesticação era um meio para isso – porque nela se
haveria de fixar uma nova forma social, assente numa sociedade de homens economicamente independentes,
trantando entre si 'privadamente', livres de todo o constrangimento externo, e cujo fundamento era a abertura ao
pleno desenvolvimento de um novo modo económico. A constituição surgia pois como estatuto constitutivo de uma
formação social, o qual garantia a autonomia do estado e da economia e o consequente estabelecimento do
económico como domínio de uma 'sociedade civil', baseada na propriedade e na igualdade, ambas garantidas na
constituição. A propriedade não era apenas uma baliza face ao estado, não era apenas 'direito de liberdade', era
também instituição de ordem económica, cuja defesa se impunha ao estado, e direito do indivíduo (face ao estado) à
defesa da sua propriedade; o princípio da igualdade não era apenas um princípio das relações do estado com os
indivíduos, pretendia-se também o princípio jurídico determinante da estrutura social” Ob. Cit., págs. 178 e 179.
53 Direitos fundamentais, em palavras de José Afonso da Silva, “são situações jurídicas, objetivas e subjetivas,
definidas no direito positivo, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana”. Ob. Cit., pág. 183.
tributária estão situadas nas chamadas cláusulas pétreas impostas pelo art. 60, § 4º, IV, da
Constituição Federal de 198854.
Roque Carrazza já frisou, neste sentido, de que “o direito à
imunidade é uma garantia fundamental constitucionalmente assegurada ao contribuinte, que
nenhuma lei, poder ou autoridade pode anular”55.
Neste imbricamento em que a imunidade tributária assegura direitos
fundamentais até por ser um dos direitos fundamentais, que se realiza dentro dela a consecução
dos objetivos constitucionais, tais como a proteção dos templos de culto religiosos, as instituições
educacionais, de assistência social, de sindicatos de trabalhadores, dos partidos políticos, dos
entes políticos e dos livros, jornais, periódicos e o papel destinados a sua impressão.
Porém, a imunidade tributária, como direito fundamental, não pode
ficar estacionada no tempo, sem historicidade, devendo acompanhar o desenvolvimento da
sociedade e de suas necessidades diuturnas. Por isso, que as imunidades tributárias do art. 150,
inc. VI, não podem ser interpretadas restritivamente, pois estaria em choque com a sua função
precípua dentro do sistema constitucional.
Em relação à Internet, fenômeno sócio-econômico global, cuja
importância verifica-se do uso cotidiano de todos os segmentos das sociedades, privados ou
públicos, em que se alteraram os paradigmas de produção e obtenção de educação, cultura, de
aprimoramento profissional e pessoal, as imunidades tributárias devem atender e responder aos
anseios de inclusão às benesses imensuráveis do mundo digital requeridas pelos contribuintes,
que têm direito constitucional à cidadania, a dignidade humana e aos valores sociais do trabalho e
da livre iniciativa (art. 1, incs. II, III e IV), proporcionadas pelas novas tecnologias de informação e
comunicação. Já dissemos anteriormente56, juntamente com Marco Aurélio Serau Jr., que a
inclusão é um direito fundamental do cidadão, tendo em vista a sua característica polissêmica de
reunir vários conceitos numa só idéia, que viabiliza todos eles.
A Internet não é somente política de Estado, sendo apenas uma de
suas facetas, é projeto de atuação social de todos os brasileiros. É necessidade inerente ao
desenvolvimento profissional e pessoal da nação rumo à Sociedade Mundial da Informação.
Ao harmonizar o fato e a idéia irresistível de que a Internet veio para
ficar e revolucionar as relações humanas e na difusão do conhecimento, tal como a invenção de
Gutemberg fez para o livro, com o conceito de imunidade tributária dos “livros, jornais, periódicos
e o papel destinado à sua impressão”, constata-se que o provimento de acesso à Internet e os
seus insumos, basicamente computadores e softwares, tanto para empresas como para o
cidadão, não podem ser tributados pela total incompetência do legislador infraconstitucional de
54 Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
(...)
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
(...)
IV – os direitos e garantias individuais
55 Ob. Cit., pág. 422.
56 Cf., neste livro, Capítulo “Inclusão Digital: A Busca da Igualdade Material”.
fazê-lo. Se pensarmos diferentemente disto, incorreria o Estado numa contradição lógica em sua
atuação, bem como na exegese dos mandamentos constitucionais.
Concluiu-se acima que a interpretação das normas imunizantes deve
ser extensiva e não restritiva, como orienta o art. 111 do CTN, a fim de atender ao sentido
teleológico de suas normas para além dos tempos e de acordo com as transformações sociais57.
Por isso, a Internet já na atualidade, e ainda mais no futuro, é tão importante para a inclusão do
cidadão aos meios de superação das desigualdades e da exclusão social. E é na extensão do
conceito de livros como “veículo de idéias”58, que a Internet encontra o seu fundamento
constitucional para se inserir no art. 150, inc. VI, alínea d.
Aliomar Baleeiro, em definição clássica, já apontou o direcionamento
constitucional: “A Constituição alveja duplo objetivo ao estatuir essa imunidade: amparar e
estimular a cultura através dos livros, periódicos e jornais; garantir a liberdade de manifestação do
pensamento, o direito de crítica e a propaganda partidária”59.

5.1.Cometários à Jurisprudência da Imunidade Tributária de Livros

A Jurisprudência, principalmente do Supremo Tribunal Federal,


caminha firme no entendimento de que a imunidade tributária deve ser interpretada de forma
ampla e extensiva, sempre tendo em mente a busca pelo seu sentido teleológico contido na
norma.
A jurisprudência do STF, acompanhando entendimento propugnado
neste trabalho, já decidiu que álbum de figurinhas é abraçado pelas vestes da imunidade
tributária, que deve ter como objetivos precípuos assegurar os princípios constitucionais dos
direito e garantias individuais e coletivas. Assim, foi ementado o v. acórdão:
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. ART. 150, VI, "D"
DA CF/88. "ÁLBUM DE FIGURINHAS". ADMISSIBILIDADE.
1. A imunidade tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel
destinado à sua impressão tem por escopo evitar embaraços ao
exercício da liberdade de expressão intelectual, artística,
científica e de comunicação, bem como facilitar o acesso da
população à cultura, à informação e à educação.
2. O Constituinte, ao instituir esta benesse, não fez ressalvas quanto
ao valor artístico ou didático, à relevância das informações
divulgadas ou à qualidade cultural de uma publicação.
3. Não cabe ao aplicador da norma constitucional em tela afastar

57 Já sinalizou anteriormente Hugo de Brito Machado: “A imunidade do livro, jornal ou periódico, e do papel
destinado a sua impressão, há de ser entendida em seu sentido finalístico.”
58 Cf. Roque Carrazza. Ob. Cit., pág. 445.
59 Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, p. 339.
este benefício fiscal instituído para proteger direito tão
importante ao exercício da democracia, por força de um juízo
subjetivo acerca da qualidade cultural ou do valor pedagógico
de uma publicação destinada ao público infanto-juvenil.
4. Recurso extraordinário conhecido e provido. (grifo nosso) (STF,
Resp. n. 221239-SP, Min. Rel. Ellen Gracie, DJU em 06.08.2004,
pág. 61, v.u.)

É de se salientar o direcionamento do guardião da Carta Magna de


que o exercício da democracia faz-se também através do uso da imunidade tributária, a fim de se
evitar distorções que possam fundar um dirigismo nas liberdades constitucionais de comunicação,
expressão e restrições ao direito à cultura, à informação e à educação.
Este é posicionamento consolidado do STF de ampliar a
interpretação da imunidade tributária que vem desde a década de 1980, antes mesmo da
60
promulgação da Constituição Federal atual , pois a imunidade deve atender a um interesse
socialmente considerado de todos61.
O STF, neste passo exegético, fixou raízes nesta visão jurídico-social
e, em suas decisões, procurou atender a todos os reclamos dos contribuintes, que atingiam esta
perspectiva constitucional. Assim, foi-se garantindo a imunidade tributária aos álbuns de
figurinhas, tal como transcrito acima, apostilas educativas62 e listas telefônicas63.
Recentemente, em coerência com jurisprudência consolidada no
STF, os demais Tribunais do país têm entendido que os livros, jornais e periódicos editados no
formato de CD-Rom para computadores são albergados pelo conceito constitucional da imunidade
tributária:
“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. JORNAL. CD-

60 "Imunidade Tributária. Livro. Constituição, artigo 19, III, alínea d. Em se tratando de norma constitucional relativa
as imunidades tributárias genéricas, admite-se a interpretação ampla, de modo a transparecerem os princípios e
postulados nela consagrado. O livro, como objeto da imunidade tributária, não é apenas o produto acabado, mas o
conjunto de serviços que o realiza, desde a redação, até a revisão de obra, sem restrição dos valores que o formam e que
a Constituição protege.” (Recurso Extraordinário 102.141/RJ, de 18.10.1985, Relator: Ministro Carlos Madeira)
61 “Imunidade – impostos, livros, jornais e periódicos – Artigo 150, inciso VI, alínea d, da Constituição Federal. A
razão de ser da imunidade prevista no texto constitucional, e nada surge sem uma causa, uma razão suficiente, uma
necessidade, está no interesse da sociedade em ver afastados procedimentos, ainda que normalizados, capazes de inibir
a
produção material e intelectual de livros, jornais e periódicos. O benefício constitucional alcança não só o papel
utilizado diretamente na confecção dos bens referidos, como também insumos nela consumidos como são os filmes e
papéis fotográficos” (STF, Resp. n. 174.476/SP, DJU 26.9.1996, Min. Rel. Maurício Corrêa)
62 Resp. n. 183.403/SP, julg. Em 7.11.2002, Min. Rel. Ministro Marco Aurélio. Cabe transcrever parte do voto do Min.
Rel. Marco Aurélio, que assim expressou o seu entendimento sobre imunidade tributária: “O objetivo maior do preceito
constitucional realmente não é outro senão o estímulo, em si, à cultura, pouco importando que, no preceito, não se
aluda, de forma expressa a apostilas que, em última análise, podem ser tidas como a simplificação de um livro.
Abandone-se a interpretação meramente verbal, gramatical: embora seduzindo, por ser a mais fácil, deve ser observada
em conjunto com métodos mais seguros, como é o teleológico. O reconhecimento, pela Corte de origem, do conteúdo,
de veiculação de mensagens de comunicação, de pensamento em contexto de cultura, é suficiente a dizer-se da
fidelidade do Órgão Julgador de origem à Carta da República.”
63 STF, Resp. n. 101.441, DJU de 19.8.1988, Min. Rel. Sydney Sanches.
ROM.
1. O fato de o jornal não ser feito de papel, mas veiculado em CD-
ROM, não é óbice ao reconhecimento da imunidade do artigo 150,
VI, d, da CF, porquanto isto não o desnatura como um dos meios de
informação protegidos contra a tributação.
2. Interpretação sistemática e teleológica do texto constitucional,
segundo a qual a imunidade visa a dar efetividade aos princípios da
livre manifestação de pensamento, de expressão da atividade
intelectual, artística, científica e de comunicação, de acesso à
informação e aos meios necessários para tal, o que deságua, em
última análise, no direito de educação, que deve ser fomentado pelo
Estado visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho,
havendo liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o
pensamento, a arte e o saber (art. 5º, IV, IX, XIV, 205, 206, II, etc.).
3. Apelo e remessa oficial improvidos.” (TRF 4ª Região, 2ª Turma, AC
n. 199804010908885-SC, Des. Rel. João Pedro Gebran Neto, julg.
em 03.08.2000, DJU 25.10.2000, pág. 349)

“Apelação Cível. Mandado de Segurança. Imunidade concernente ao


ICMS. Inteligência do artigo 150, VI, d, da Constituição Federal.
Comercialização do dicionário Aurélio Eletrônico por processamento
de dados, com pertinência exc lusiva ao seu conteúdo cultural –
“software”. A lição de Aliomar Baleeiro: “Livros, jornais, e periódicos
transitem aquela idéias, informações, comentários, narrações reais
ou fictícias sobre todos os interesses humanos, por meio de
caracteres alfabéticos ou por imagens e, ainda, por signos Braile
destinado a cegos”. A limitação ao poder de tributar encontra
respaldo e inspiração no princípio “no tax on knowledges”. Segurança
concedida.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,
Apelação Cível 1996.001.01801.)
É neste arcabouço jurídico-constitucional, tendo em vista as
transformações sócio-tecnológicas que a sociedade pode sofrer, que a jurisprudência construiu as
bases para a ampliação da exegese da imunidade tributária em busca da solidificação dos
fundamentos que formarão o país de amanhã.
É, neste sentido, que a tese defendida aqui está em conformidade
com a perspectiva proferida pelos tribunais, que, na evolução dos meios de transmissão e difusão
do conhecimento, pode a imunidade abraçar o provimento de acesso à Internet, os computadores
e os softwares necessários para a conexão64.

5.2. A imunidade tributária do Provimento de Acesso à Internet e dos instrumentos necessários

A jurisprudência trouxe novas perspectivas à análise do conceito de


imunidade tributária. Ela construiu os alicerces necessários para a evolução doutrinária da
imunidade para além da letra fria da lei e a trouxe para a palpitação do mundo moderno
informático, devendo atender as expectativas do cidadão que precisa destes instrumentos
tecnológicos de informação e comunicação.
A doutrina, neste caminho, ampliando o conceito de livro e trazendo-
o para a nova realidade social, já o engloba na era da informática: “A nosso ver, no entanto,
devem ser equiparados ao livro, para fins de imunidade, os veículos de idéias, que hoje lhe fazem
as vezes (livros eletrônicos) ou, até, o substituem. Tal é o caso – desde que didáticos ou
científicos – dos discos, dos disquetes de computador, dos CD-Roms, dos slides, dos
videocassetes, dos filmes etc”65. Mais adiante assevara: “Logo extraindo, em sua integralidade, a
substância da comunicação escrita que o constituinte gravou no texto da Lei Maior, não temos
dúvida em proclamar que, além do livro convencional, também outros meios de comunicação de
idéias, conhecimentos e informações são abrangidos pela imunidade”66.
Deve-se acrescentar a lição de Angela Maria Pacheco, que dá
acabamento interessante à concepção de livro como “o conteúdo de um veículo que divulga
informação, ciência, ficção, arte, idéias e cultura, no vasto domínio do conhecimento humano. A
matéria, na qual o livro se impregna, se identifica, completa-o mas não o define. O conceito
necessário e suficiente de livro diz respeito ao seu conteúdo, finalidade e publicidade”67.
Marilene Talarico Martins Rodrigues, procurando um sentido mais
atual e condizente com a idéia de livro e o que ele protege e garante aos cidadãos, conseguiu
inseri-lo na nova sociedade da Informação: “Em se tratando de interpretação da imunidade
tributária, deve-se levar em consideração as finalidades protegidas pela imunidade constitucional
outorgada aos livros, aos jornais e aos periódicos, de: a) manifestação da cultura; b) prestação de
informações; c) liberdade de expressão68.” E complementa, “E se o jornal é imune, à evidência
64 Dentre as perspectivas tecnológicas, para o futuro, acreditam os especialistas, em razão do Ipv6, novo protocolo de
Internet, poderemos acessar a Internet na geladeira, no carro, no banheiro e até num liquidificador. A grande questão
é: se estes meios tecnológicos aumentam as possibilidades de acesso à cultura, à educação, a liberdade de expressão,
dentre outros princípios constitucionais, o que impede que a imunidade tributária não alcance estes novos meios?
65 Idem, pág. 445. Hugo de Brito Machado também se alinha à interpretação de Roque Carrazza, concluindo “que o
disposto no art. 150, inciso, VI, alínea d, aplica-se também a livros contidos em CD-Rom, disquetes, na Internet, ou em
qualquer outro suporte físico. E, ainda, que da mesma forma como o papel destinado a impressão de livros, jornais e
periódicos é imune, também estão albergados pela imunidade os suportes físicos dos livros, jornais e periódicos
eletrônicos (CDs, DVDs, disquetes ou similares que sejam destinados a sua gravação" (Tributação na Internet, ob. cit.,
p. 99).
66 Ibidem, pág. 453.
67 Imunidade Tributária do Livro, in "Imunidade Tributária do Livro Eletrônico", IOB, Coordenação Geral de Hugo de
Brito Machado, p. 15.
68 Hugo de Brito Machado salientou que, “A imunidade dos livros, jornais e periódicos tem por fim assegurar a
liberdade de expressão do pensamento e a disseminação da cultura. Como é inegável que os meios magnéticos,
que as notícias e editoriais são por ele veiculados também o são, pois fazem parte integrante do
todo que é o jornal e não há jornal sem notícias que são por ele veiculadas. Da mesma forma
ocorre com a comunicação jornalística e de natureza editorial, independente do meio como é a
notícia veiculada, se pela Internet ou outro meio, como a impressão tradicional em papel”69.
O saudoso Celso Ribeiro Bastos seguiu neste passo e incrementou
um pouco mais os já ricos entendimentos acima trazidos: “Diante do exposto, resta claro que a
imunidade tributária prevista no art. 150, inc. VI, letra d, da Carta Magna é aplicável à
comunicação jornalística e de natureza editorial via internet, uma vez que esta se presta a
divulgação de informações, cultura e educação. Nesse sentido exercem a mesma função
dsempenhada pelos livros, jornais e periódicos publicados em papel. Ademais, admitindo-se o
caráter teleológico da imunidade tributária, pouco importa o tipo de veículo que divulga as
informações, a cultura e a educação. O Texto Constitucional não mencionou nada a respeito da
comunicação jornalística e de natureza editorial via internet apenas porque naquela época a sua
utilização era mínima. Nada obstante isso, cabe à interpretação a difícil tarefa de se transformar
em um elemento de constante renovação da ordem jurídica, de maneira a atender, dentro de
certos limites oriundos da forma pela qual a norma está posta, às mudanças operadas no seio da
sociedade. Portanto, pela identidade de motivos pelos quais se imuniza o livro, deve-se imunizar
também a comunicação jornalística e de natureza editorial via internet, pois ambos cumprem a
mesma finalidade”70.
Celso Ribeiro Bastos, nos desdobramentos do seu raciocínio,
liderando a doutrina majoritária71 e jurisprudência trazida acima, colocou-nos à frente da porta de
entrada da possibilidade de ampliação do conceito de livro para a Internet, sendo este um
instrumento poderoso da difusão e da construção da idéia, do conhecimento neste mundo
contemporâneo da sociedade da informação.
Cabe lembrar nestas linhas que o site de buscas Google está
disponibilizando livros digitalizados na rede para pesquisas e compras72. O Governo Federal
brasileiro também disponibiliza em seu site73 obras digitalizadas, que já estão em domínio público.
A Internet é o campo aberto e infinito para as inflexões,
aprofundamentos, compartilhamentos e potencialização de um novo modo de conhecer através
de dados, um direito humano fundamental do cidadão no sec. XXI.
Sérgio Resende de Barros assim descreve estes direitos inerentes a
cada pessoa: “Os direitos humanos são poderes que ao mesmo tempo são deveres de todos os

produtos da moderna tecnologia, são hoje de fundamental importância para a realização desse mesmo objetivo, a
resposta afirmativa se impõe.” Ob. Cit., p. 206.
69 Texto Tributação na Internet. ob. cit., pág. 398.
70 Texto Tributação na Internet, ob cit., pág. 83.
71 Além dos doutrinadores já elencados no corpo do texto, acompanham este entendimento Ives Gandra Martins,
Sacha Calmo Navarro Coêlho, Newton de Lucca, Francisco de Assis Alves, Antonio Carlos Rodrigues do Amaral e
Sérgio Kawasaki. Deve-se ressaltar que perfila na corrente contrária o não menos conceituado André Ramos
Tavares.
72 http://scholar.google.com.br, acessado no dia 23.03.2006, às 12h30min.
73 http://www.dominiopublico.gov.br, acessado no dia 23.03.2006, às 12h35min.
indivíduos entre si, para a sua mútua e própria preservação, ante as necessidades que os
acometem no processo de sua evolução, às quais eles respondem ou correspondem elaborando
valores, que enformam esses deveres como poderes e esses poderes como deveres, de todos
para com cada um e de cada um para com todos, a fim de realizar a humanidade que lhes é
comum e, em assim sendo, conformam entre eles uma comunidade humana, ao mesmo tempo
cambiante e invariante, durante um certo tempo e lugar de sua (condição) histórica”74. Mais
adiante o professor elucida: “Esses valores variáveis em momentos e lugares, mas permanentes
nos tempos e espaços maiores da sociedade e de sua história, geram constantes ou invariantes
axiológicas que determinam e motivam por condições humanitárias-comunitárias o Direito e os
direitos como direitos humanos, especificamente aumentando em quantidade e qualidade o
conteúdo humano já próprio de todo o Direito genericamente, pela só virtude de sua natureza
histórico-social como disciplina maior da sociedade dos indivíduos humanos e da substância dela:
a comunidade humana básica”75.
E é com esta perspectiva da historicidade do conceito de imunidade
tributária, que deve ser ampliada a sua interpretação para englobar os sujeitos e materiais
envolvidos no provimento de acesso à Internet.
O acesso à Internet, tanto em sua conexão discada ou em banda
larga, deve ser livre, por suas próprias características, de qualquer intervenção tributária, que
inviabiliza, na prática, a difusão desta forma de se obter informação e comunicação. Ficou
constatada através da pesquisa do site IDG Now, que a atual política pública para as novas
tecnologias é insuficiente para difundir e incluir digitalmente o cidadão no mundo telemático. Há
defasagens visíveis que aprofundam os desequilíbrios sociais do mundo real. A perpetuação do
status quo informático, sem mudanças neste panorama, será marca registrada da crueldade da
sociedade brasileira mais uma vez impetrada contra a maioria de seu povo.
O Estado tem o direito de tributar os cidadãos e seu patrimônio.
Entretanto, o Estado não pode fazê-lo quando a tributação ataca direitos fundamentais dos
cidadãos e a sua própria condição de existência, o que acaba sendo diminuída pela atuação
pesada de seu poder. Dessa forma, é proibido ao Estado criar tributos que estejam relacionados
com os meios físicos que permitem o ingresso do cidadão à Grande Rede de Informação.
Em relação aos computadores e softwares, a imunidade tributária
deve ser obrigatória, tal como o provimento de acesso à Internet, pois eles são componentes
intrínsecos deste complexo serviço76. A conexão ainda não pode se realizar se estes
instrumentos. Dessa forma, há que se considerar, por construção lógica, que todos estes
instrumentos são um só no que tange ao provimento de acesso à Internet, devendo eles serem

74 Direitos Humanos – Paradoxo da Civilização, pág. 447.


75 Idem, pág. 447.
76 Hoje em dia, efetivamente, a conexão à Internet é realizada basicamente por meio de computadores e softwares. No
futuro, acredito que poderemos acessar à Internet em qualquer lugar e em qualquer instrumento eletrônico, pois com
a novas configurações do protocolo de Internet (Ipv6 – www.ipv6forum.com) há possibilidades infinitas para a
distribuição destas localizações necessárias à conexão da Internet.
albergados pela imunidade77.
A imunidade tributária ao provimento de acesso à Internet, aos
computadores e aos softwares, atende aos anseios de todos, sociedade civil e Estado, pois far-se-
á, através dos meios tecnológicos de informação e comunicação, uma possível pequena
revolução no país. Aí será por meio da imunidade tributária que se iniciará um novo modo de se
construir uma nação mais digna e justa.

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DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 8ª edição. São Paulo: Ed.


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77 Difícil questão na prática consiste em relação ao software. Contudo, acredito que os softwares, que deverão ser
imunizados tributariamente, são aqueles necessários para que o computador possa realizar a conexão à Internet, ou
seja, são os sistemas operacionais e os browsers somente. Conforme se percebe do uso diário dos computadores, os
browsers geralmente vêm acoplado ao sistema operacional ou são obtidos gratuitamente na Internet. Por isso, a
imunidade tributária deve atingir somente à compra do sistema operacional, só se o cidadão optar por uma solução
proprietária, tal como o Mac OS ou o Windows XP, pois no sistema Linux a sua gratuidade impede a incidência de
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