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1 Sócio do escritório Rodrigues Gonçalves Advogados Associados. Professor de Direito Empresarial da FATEC/SP.
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP e em História na Universidade de
São Paulo - USP. Advogado especializado em Direito Informático.
ferramenta, no âmbito dos direitos fundamentais, como este direito-meio relaciona-se na prática
com outros direitos e garantias trazidas nas Constituições modernas, a fim de que o Estado
efetive políticas públicas de Inclusão Digital, com o objetivo de diminuir a exclusão social,
promovendo acesso à educação e à cultura, dentre outras possibilidades.
Apesar da variedade enorme de possibilidades de instrumentos e meios para se conectar com a
Internet, devido ao alto custo de implementação de novas tecnologias ou até mesmo a
impossibilidade atual de sua difusão, tais como satélite, rádio, rede elétrica (PLC – power line
communication), a maioria dos usuários que acessam à “Grande Rede” utilizam-se de fios e cabos
telefônicos, via discada ou por banda larga, à preços elevados e de difícil instalação nos lares e
comunidades com menor poder aquisitivo.
1. Globalização e Internet
2 Por incrível que possa parecer, o programa de inclusão digital da Grã Bretanha, em recente estudo divulgado
(http://www.citizensonline.org.uk), constatou que praticamente metade da população britânica não possui acesso
residencial à Internet.
3 Tributação e Internet, in Tributação e Internet, 2001, págs. 261 e 262.
4 Devemos ressaltar que não é sedimentada a nomenclatura acima colocada nem mesmo razões acadêmicas para
sustentar a existência de uma área autônoma do Direito para estudos específicos sobre Internet. Acreditamos que
não exista ainda razões para a sistematização científica de uma cadeira de Direito do Espaço Virtual, também
denominado Direito Informático, Direito da Alta Tecnologia. Dentre todos os nomes que possam sintetizar a idéia
de estudos Direito e Internet a nomeclatura mais falha é a de Direito Eletrônico, pois não capta conceitualmente
todas as complexas relações existentes. Nos informa o Prof. Newton de Lucca: “De nossa parte, fizemos o que
cosmopolitismo e tecnicalidade.
Para Newton de Lucca, Multidisciplinariedade é a
interdisciplinariedade que ocorre “não apenas entre os vários ramos do Direito, mas igualmente
com outros ramos do conhecimento científico como, por exemplo, a engenharia eletrônica”. O
Cosmopolitismo é a “vocação universal do direito do espaço virtual”, então, “neste sentido, os
chamados 'Códigos Deontológicos', também designados como 'de boa conduta', procuram
destacar a importância de serem criados, nos vários países, organismos que participem,
desenvolvam e organizem a cooperação internacional de tal modo que o caráter cosmopolita da
Internet não seja um entrave à boa aplicação das normas regulamentares.” E a Tecnicalidade
determina que “o direito do espaço virtual será marcado por conceitos extremamente técnicos”,
criados para estas novas realidades jurídicas, “tais como: documento eletrônico, assinatura digital,
criptografia assimétrica, chave pública, chave privada, certificação e assim por diante5.”
Dessa forma, face a esta instrumentalização tecnológica, o Estado é
bombardeado pelas rápidas inovações trazidas pela Internet, sofrendo profundas transformações
na forma de prescrever e de executar normas, que, não poucas vezes, ficam obsoletas ao não
abrangerem a realidade mutante destes meios, tanto espacial quanto pessoalmente.
Neste duplo movimento de interação e choque dos fenômenos
jurídico e tecnológico, mais especificamente das ferramentas de informação e comunicação, o
Estado Democrático de Direito, tal como conhecido anteriormente6, não pode mais atender
eficientemente aos novos desafios propostos pelo mundo globalizado, em que a demanda supera
em muito a sua capacidade de tomada de decisões7.
Diante disto, a ordem jurídica internacional e organismos não estatais
(empresas multinacionais, detentores do poderio econômico-tecnológico, etc.) preenchem esta
ausência do Estado em regular estas complexas relações e acabam por tomar à frente nas
decisões políticas relevantes.
julgamos nos competir: propusemos a criação, ao Chefe do Departamento de Direito Comercial, de uma cadeira de
Direito do Espaço Virtual nos cursos de Pós-Graduação na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, já
aprovada pelo Coordenador da Pós-Graduação, ad referendum da Comissõa competente. A iniciativa não é de todo
nova: já existe uma disciplina, na Universidade Católica da Argentina, para 'Advogado especializado em Direito de
Alta Tecnologia' e, na Costa Rica, um Curso de 'Direito Informático'”.
5 Títulos e Contratos Eletrônicos, ob. cit., pág. 70.
6Assim define Bobbio: “Do ponto de vista de uma definição formal e instrumental, condição necessária e suficiente
para que exista um Estado é que sobre um determinado território se tenha formado um poder em condição de tomar
decisões e emanar os comandos correspondentes, vinculatórios para todos aqueles que vivem naquele território e
efetivamente cumpridos pela grande maioria dos destinatários na maior parte dos casos em que a obediência é
requisitada.” Estado, Governo e Sociedade, 2003, p. 95.
7Aliás, constata o grande mestre italiano Norberto Bobbio: “Além do mais, diante da rapidez com que são dirigidas ao
governo as demandas da parte dos cidadãos, torna-se contrastante a lentidão que os complexos procedimentos de um
sistema político democrático impõem à classe política no momento de tomar as decisões adequadas. Cria-se assim uma
verdadeira defasagem entre o mecanismo de imissão e o mecanismo de emissão, o primeiro em ritmo sempre mais
acelerado e o segundo em ritmo sempre mais lento. Ou seja, exatamente ao contrário do que ocorre num sistema
autocrático, que está em condições de controlar a demanda por ter sufocado a autonomia da sociedade civil e é
efetivamente muito mais rápido na resposta por não ter que observar os complexos procedimentos decisórios próprios
de um sistema parlamentar. Sinteticamente: a democracia tem a demanda fácil e a resposta difícil; a autocracia, ao
contrário, está em condições de tornar a demanda mais difícil e dispõe de maior facilidade para dar respostas.” Futuro
da Democracia, 1981, pág. 36.
Enrique Ricardo Lewandowski reconhece a força deste fenômeno:
“Num sentido estrito, a globalização, cujo ritmo acelerou-se significativamente a partir do final da
Segunda Guerra Mundial, e mais ainda após o término da Guerra Fria, configura um fenômeno
econômico, que corresponde a uma intensa circulação de bens, capitais e tecnologia através das
fronteiras nacionais, com a conseqüente criação de um mercado mundial. Representa uma nova
etapa na evolução do capitalismo, tornada possível pelo extraordinário avanço tecnológico nos
campos da comunicação e da informática, caracterizando-se basicamente pela descentralização
da produção, que se distribui por diversos países e regiões, ao sabor dos interesses das
empresas multinacionais”8.
Em razão deste processo de globalização da economia, muitos
9
autores acreditam que o Estado, cuja soberania é “una, indivisível, inalienável e imprescritível”, tal
como formulada por Rousseau no seu Contrato Social, estaria ultrapassado e desatualizado.
Alguns deles10, como solução, apregoam a volta do Estado mínimo liberal, o qual deveria delegar
seus poderes para que “pessoas e as organizações dentro de sua área de atuação tenham uma
conduta determinada, satisfaçam suas necessidades e respondam às suas demandas”11.
Neste novo mundo econômico criado, o real passa cada vez mais a
ser virtual, inacessível e obscuro à grande parte da população. As tomadas de decisões, ainda
que de interesse popular, não são mais públicas nem compreendidas. As camadas populares
somente tomam ciência após definidas as decisões e apenas no momento de sua imposição
mediante mecanismos jurídicos, os quais devem ser acriticamente observados12.
Esta mudança do paradigma estatal é reconhecida por Jorge
Miranda, em que Povo, Território e Soberania, tradicionalmente considerados como os elementos
essenciais do Estado, são agora tidos como meros indicativos de sua existência; “o Estado é um
caso histórico de existência política e esta, por seu turno, uma manifestação do social, qualificada
ou específica”13.
No mesmo sentido, manifesta-se Konrad Hesse: “À compreensão do
Estado atual, que descobriu a historicidade de seu objeto (e de sua própria historicidade), está
proibido o recurso a semelhantes idéias de Estado como uma unidade situada do outro lado das
forças históricas reais, determinada, substancial-imutável; isso tanto mais que o desenvolvimento
industrial moderno e as alterações, que ele produziu, não mais admitem descuidar o problema da
formação da unidade política e isolar o ‘Estado’ de seu substrato sociológico”14.
8 Lewandowski, Globalização, Regionalização e Soberania, pág. 363.
9 Cinthia Weber acredita que a legitimidade, as competências e as fronteiras dos Estados constituem realidades frágeis
e transitórias. Susan Strange, por seu lado, vê o declínio deste tipo de Estado soberano, pois ele não consegue atuar
eficientemente na execução das leis, o controle da moeda, o combate à violência e a prestação de serviços
essenciais. Esta opinião de Susan Strange é igualmente compartilhada por Smith e Naím. Aliás, todos estes autores
foram citados por Enrique Ricardo Lewandowski, que traz muitas outras opiniões neste sentido (2002, p. 311 e
segs.).
10 Dentre eles Kenichi Ohmae, Ursula Tafe, Robert Jackson.
11 ROSENAU, citado por Lewandowski, 2002, p. 313-314.
12 Noam Chomsky, O lucro ou as pessoas?, 2002, pág. 43.
13 Manual de Direito Constitucional, pág. 21-31.
14 Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, pág. 31.
1.1. Virtualização e Descentralização
15 Pierre Levy pensa diferentemente este processo de virtualização: “A virtualização pode ser definida como o
movimento inverso da atualização. Consiste em uma passagem do atual ao virtual, em uma 'elevação à potência' da
entidade considerada. A virtualização não é uma desrealização (a transformação de uma realidade num conjunto de
possíveis), mas uma mutação de identidade, um deslocamento do centro de gravidade ontológico do objeto
considerado: em vez de se definir principalmente por sua atualidade (uma 'solução'), a entidade passa a encontrar
sua consistência essencial num campo problemático. Virtualizar um entidade qualquer consiste em descobrir uma
questão geral à qual ela se relaciona, em fazer mutar a entidade em direção a essa interrogação e em redefinir a
atualidade de partida como resposta a uma questão particular.”
16 Tributação na Internet, ob. cit., p. 264.
que direcionam e padronizam os dados neles trafegados.
Diante disto, os dados, o virtual carrega em si informações sobre a
sua origem, tamanho, caminho e destino, que é dividida ao longo de toda a rede de comunicação
desde o emissor até o receptor, deixando suas marcas por onde passa. Aliás, seria esdrúxulo
pensar, tal como vislumbram muitos, que a informação ou os dados virtuais não pudessem ser
localizados num meio físico, sem qualquer direção ou sentido. Seríamos levados a acreditar que
uma carta enviada pelo correio, sem endereço, pudesse chegar ao receptor pela obra do acaso.
Assim, a virtualização das informações, exponencializada pela
estrutura da Internet, não é tão abstrata que deixe de prescindir de sua existência material
completamente. De igual maneira, o fato da Internet ser descentralizada e não-hierarquizada, não
traduz-se no anonimato absoluto de seus agentes, que impeça a verificação da existência física
deles17.
17 Se pensássemos assim, não haveria jamais a captura de criminosos “virtuais”, tal como a quadrilha que construía
sites falsos (http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u91680.shtml, acessado no dia 12.04.2004 às
16:00hs)
18 Ver Pierre Levy, O Que é Virtual?, pág. 15 e segs
19 Lewandowski, ob. cit., pág. 367.
que, eventualmente, se encontra num país que admite o jogo e, portanto, não estará cometendo
infração alguma (deixemos de lado o exame específico da lei penal brasileira), ou será que ele
está 'trazendo' o cassino para a sua máquina e, se assim for, estará jogando no Brasil e
cometendo um infração punível no Brasil?”20
Assim, para se evitar tais situações, o Estado, para se impor no
mundo virtualizado, aparentemente sem fronteiras e veloz, criado pela Internet, tem de trabalhar
em busca de ampliar o seu âmbito de atuação, a fim de atender melhor os anseios de seus
cidadãos, bem como para fazer prevalecer sua soberania internamente frente a estes novos
desafios.
Tal prevalência do Estado tem em vista a consecução dos seus
próprios objetivos constitucionais, como seus limites, de garantir aos seus cidadãos o direito a
dignidade humana, a informação, a liberdade de comunicação, a privacidade21, liberdade de
opinião, a liberdade de expressão cultural, artística, intelectual, científica e direitos conexos etc.,
os quais não pode delegar a ninguém, a não ser que seja parcialmente para a melhor
implementação de seus princípios.
2. Tributação e Internet
20 Texto Poderes da Fiscalização Tributária, in Direito e Internet, 2001, págs. 172 e 173.
21 Sobre privacidade e informática nos ensina José Afonso da Silva: “O intenso desenvolvimento de complexa rede de
fichários eletrônicos, especialmente sobre dados pessoais, constitui poderosa ameaça à privacidade das pessoas. O
amplo sistema de informações computadorizadas gera um processo de esquadrinhamento das pessoas, que ficam
com sua individualidade inteiramente devassada. O perigo é tão maior quanto mais a utilização da informática
facilita a interconexão de fichários com a possibilidade de formar grandes bancos de dados que desvendem a vida
dos indivíduos, sem sua autorização e até sem seu conhecimento. “A Constituição não descurou dessa ameaça.
Tutela a privacidade das pessoas, como vimos acima. Mais do que isso, acolheu um instituto típico e específico para
a efetividade dessa tutela, que é o habeas data, que merecerá nossa consideração mais adiante.” Curso de Direito
Constitucional, 1998, págs. 212 e 213.
pela lei.
Roque Antonio Carrazza amplia ainda mais este entendimento: “O
Estado de Direito limita os poderes públicos, isto é, concretiza-se numa proibição de agir em
desfavor das pessoas. Por isso, nele, para a melhor defesa dos direitos individuais, sociais,
coletivos e difusos, a Constituição vincula não só o administrador e o juiz, mas o próprio
legislador. De fato, tais direitos são protegidos também diante da lei, que deve se ajustar aos
preceitos constitucionais. A garantia disso está no controle da constitucionalidade, que, na maioria
dos ordenamentos jurídicos, é levado a efeito pelo Poder Judiciário”22.
Desta forma, a legalidade, como não poderia deixar de ser, é o
primeiro e primordial princípio23 constitucional tributário de atuação do Estado em relação à
Internet.
Assim, o princípio da legalidade, que orienta e limita a intervenção
estatal, no campo do Direito Tributário é ainda mais específico, que é o princípio da legalidade
estrita ou da reserva da lei, veda às pessoas de direito público instituírem ou aumentarem tributos
sem que lei estabeleça.
Contudo, o princípio da legalidade estrita deve estar harmonizado
dentro do sistema tributário constitucional, devendo, assim, conviver com outros princípios para a
melhor interpretação do fato jurídico em si.
Até parece óbvia tal conclusão, mas diante da complexidade
fenomenológica das novas tecnologias de informação e comunicação, poderia-se, por analogia,
utilizar-se de uma determinada interpretação e situação atual, a fim açambarcar um determinado
funcionamento da Internet e de suas relações econômicas.
Contudo, na aplicação da analogia, como método interpretativo da
legislação tributária, existe a ressalva legal do art. 108 do CTN, que determina:
“Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade
competente para aplicar a legislação tributária utilizará
sucessivamente, na ordem indicada:
I – a analogia;
(...)
§ 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de
tributo não previsto em lei.”
Ora, diante destas novas tecnologias de informação e comunicação
não há emprego de analogia que não resulte em quebra do princípio da legalidade estrita, a que
deve obedecer o poder tributário. Estas tecnologias de informação e comunicação trabalham com
22 Curso de Direito Constitucional Tributário, pág. 163.
23 Princípio, na lição clássica de Celso Antonio Bandeira de Mello, é o “mandamento nuclear de um sistema,
verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhe o espírito e
servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do
sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside
a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo” (in Carlos
Ari Sundfeld, Fundamentos do Direito Público, 1996, pág. 140.)
conceitos diferenciados de convergência, que alteram, incrementam, diferenciam as formas da
relações econômicas e sociais a cada momento.
Vejamos um exemplo singelo destes desafios do mundo jurídico-
tributário em relação a questão sobre qual tributo incide nos serviços prestados pelo provedor de
acesso à Internet. Há três anos atrás saíram alguns livros abordando o tema24. A doutrina e a
jurisprudência divergiam, e ainda divergem, se o imposto aplicável ao provedor de acesso à
Internet seria o ICMS de competência estadual ou não25. A maioria apóia que o provedor de
acesso deva recolher o imposto municipal ISS, se houver previsão legal que os inclua no rol de
serviços por ele enumerados.
Contudo, todos estes doutrinadores escreveram sobre o provimento
de acesso à Internet num mercado, à época, dominado pelo acesso discado (dial up). Desde
então, o mercado de acesso à Internet alterou-se sensivelmente. Hoje há uma crescente
participação das tecnologias de acesso à Internet via banda larga26.
Tecnicamente, com a utilização destas tecnologias, não há a
necessidade de se contratar provedores de acesso à Internet. Os próprios aparelhos de
telecomunicações realizam a conexão dos usuários à grande rede mundial de computadores.
Será que a doutrina e jurisprudência majoritárias mudariam seu posicionamento para se admitir a
incidência do ICMS sobre o provimento de acesso à Internet, já que são as próprias empresas de
telecomunicações que fornecem o serviço de comunicação?
Dessa forma, a fim de se evitar tais complicações tão perniciosas à
correta interpretação da subsunção da norma ao fato jurídico tributário, antes de se pensar no
princípio da legalidade, mais importante para este novo fenômeno da Internet há a necessidade
de se utilizar do princípio da segurança jurídica.
Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho: “Não há por que
confundir a certeza do direito naquela acepção de índole sintática, com o cânone da segurança
jurídica. Aquele é atributo essencial, sem o que não se produz enunciado normativo com sentido
deôntico; este último é decorrência de fatores sistêmicos que utilizam o primeiro de modo racional
e objetivo, mas dirigido à implantação de um valor específico, qual seja o de coordenar o fluxo das
interações inter-humanas, no sentido de propagar no seio da comunidade social o sentimento de
previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos da regulação da conduta. Tal sentimento tranquiliza os
cidadãos, abrindo espaço para o planejamento de ações futuras, cuja disciplina jurídica
conhecem, confiantes que estão no modo pelo qual a aplicação das normas do direito se realiza.
Concomitantemente, a certeza do tratamento normativo dos fatos já consumados, dos direitos
24 Direito e Internet – Relações jurídicas na sociedade informatizada, org. Ives Gandra da Silva Martins e Marco
Aurélio Greco; Tributação na Internet, coord. Ives Gandra da Silva Martins; e Internet e Direito de Marco Aurélio
Greco
25 Não havia à época do lançamento destes artigos previsão na lei o elenco dos serviços de acesso à Internet do
pagamento do ISS, o que inviabiliza a cobrança do imposto sobre tais serviços. Aliás, o anexo da lei complementar
n. 116/03 não determinou expressamente que os provedores de acesso à Internet devam pagar o ISS
26 As tecnologias mais comuns são a ADSL, o rádio e via satélite. A ADSL é mais comum, pois realizada através das
linhas telefônicas já instaladas.
adquiridos e da força da coisa julgada, lhes dá a garantia do passado. Essa bidirecionalidade
passado/futuro é fundamental para que se estabeleça o clima de de segurança das relações
jurídicas, motivo por que dissemos que o princípio depende de fatores sistêmicos.27”
O princípio da segurança jurídica reforça e dá sentido ao princípio da
legalidade estrita, orienta a interpretação dos fenômenos, dos fatos jurídicos tributários, do mais
simples aos mais complexos, tais como os relacionados às tecnologias de informação e
comunicação.
Luís Roberto Barroso esclarece este entendimento: “O ponto de
partida do intérprete há que ser sempre os princípios constitucionais, que são o conjunto de
normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de
forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como
fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A atividade de
interpretação da Constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema
a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra
concreta que vai reger a espécie”.28
Assim, no quadro destas transformações constantes, a interpretação
dos fatos e da norma tributária a serem aplicadas pelo poder tributante têm de se adequar à
orientação sistemática que estes princípios da segurança jurídica e da legalidade impõem, a fim
de que não se tornem obsoletas, incoerentes, impossíveis em relação ao objeto que pretende
regular.
Contribui muito para uma confusão de definições e regras no direito
brasileiro na tributação da Internet, o excesso de normas e tipos de tributos federais, estaduais e
municipais, os quais muitas vezes embaralham os próprios especialistas que labutam diariamente
nesta empreitada, tanto no campo tributário quanto do informático.
Para confundir ainda mais a aplicação correta das normas tributárias
constitucionais e legais, existem as limitações ao poder de tributar, que estão inseridas no art. 150
da CF 1988, que instituem princípios e garantias dos contribuintes frente ao Estado. Por isso, há
que se realizar uma interpretação de todo o ordenamento para não se criar incongruências entre
direitos e garantias constitucionais, individuais e coletivas, e poderes-deveres de tributação do
Estado.
política, não podem deixar de lado a criação de certas regras constitucionais de não-incidência, que devem ser
obedecidas na discriminação de rendas. Tais regras erigem-se em princípios fundamentais do regime, que devem ser
resguardados acima de tudo”. (Manual de Direito Tributário, pág. 141)
30 Falcão, Amílcar apud Nogueira, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 14ª edição, São Paulo, Saraiva,1995, p.
167.
31 Curso de Direito Tributário. 14ª edição. São Paulo: Ed. Malheiros, 1998, p. 206.
32 in José Afonso da Silva. Ob. cit., pág. 97.
33 Idem, pág. 97.
etc.34.
As normas de imunidade têm como objetivo fazer valer a aplicação
dos princípios jurídicos constitucionais no campo tributário, a fim de que o Estado, impedido de
criar leis sobre determinados assuntos, não se esqueça dos princípios humanos fundamentais que
unem e formam uma nação e que a impulsiona para o desenvolvimento social.
A interpretação das normas imunizantes não pode fugir jamais da
busca de uma perspectiva que atenda melhor a sociedade brasileira e de todos os
desdobramentos da vida moderna, dinâmica e imprevisível.
Ao se procurar os princípios jurídicos constitucionais inseridos nas
normas da imunidade tributária, estará se instaurando a análise axiológica benéfica à efetividade
da Constituição Federal, que sem isso seria inútil.
Entretanto, penso que com as novas tecnologias de informação e comunicação poderemos, no futuro não muito
distante, exercer efetivamente cada qual o seu poder de administrar os assuntos mais importantes do Estado e decidir
diretamente sobre os rumos da sociedade democraticamente, tal como os gregos idealizaram, mas não cumpriram
completamente.
39 José Afonso da Silva entende a “educação como processo de reconstrução da experiência é um atributo da pessoa
humana, e, por isso, tem que ser comum a todos. É essa concepção que a Constituição agasalha nos arts. 205 a 214,
quando declara que ela é um direito de todos e dever do Estado.” (Ob. Cit., pág. 800).
40 Miguel Reale em estudo brilhante e complexo sobre as fundações filosóficas da cultura e sua implicação no mundo
jurídico, assim se expressou: “A cultura é um patrimônio de bens que o homem acumula através da História, mas
não é apenas um cabedal de bens. O ser humano por si mesmo burila-se ou aprimora-se em seus atos mais naturais.
Cremos que o homem assinala um processo de aprimoramento crescente através das idades. O homem civilizado, o
homem culto, reveste-se de certa 'dignidade' ao realizar os atos mais naturais da vida, enriquecido de algo
denunciador de aperfeiçoamento no seio da espécie, em contraste com a rude animalidade do homem primitivo.
Temos, assim, de chegar à convicção de que não é cultura apenas o produto da atividade do homem, porque também
é cultura a atividade mesma do homem enquanto subordinada a regras. A maneira de ser, de viver, de comportar-
se, em uma palavra, a conduta social é um dos elementos componentes da cultura, como é cultura um utensílio
culinário ou um avião de bombardeio”. (grifos do Autor) (Filosofia do Direito, 1990, pág. 222)
41 De acordo com Sampaio Dória, liberdade de pensamento “é o direito de exprimir, por qualquer forma, o que se
penseem ciência, religião, arte, ou o que for.” (in José Afonso da Silva, ob. Cit., 1998, pág. 244)
42 O dever do Estado em relação à educação e à cultura do povo está inserido no art. 205 que determina: “A educação,
direito de todos e dever do Estado e da família...”. Em relação à cultura, o Estado “garantirá a todos o pleno
exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a
difusão das manifestações culturais” (art. 215 da CF de 1988).
43 Art. 174 da CF de 1988. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma
da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e
indicativo para o setor privado.
44 Cf. Jornal Valor Econômico de 21.03.2006, Caderno Especial de Tecnologia e Telecomunicações
atos e abrir para a participação, cada vez maior e intensa, dos cidadãos na formação do processo
decisório45.
Neste sentido, em face desta atuação diuturna do Estado brasileiro
de buscar na Internet uma forma de melhorar a prestação de seus serviços, há a necessidade de
se construir a conjunção completa de suas intenções, fomentando a difusão do acesso à Internet
a todos. Se assim não for, de nada adiantará os magníficos investimentos em informatização, se a
população não puder usufruir de todo este aparato.
Em recente levantamento feito46, percebe-se que o número de
pessoas com computadores com acesso à Internet nos lares brasileiros é bem insignificante, se
compararmos com os serviços públicos que podem ser racionalizados nos chamados e-
governement47.
Em razão disto, é primordial ao Estado realizar políticas públicas, a
fim de se diminuir a exclusão digital do cidadão brasileiro, permitindo acesso às máquinas
(hardwares e softwares) e aos meios que façam o cidadão desenvolver-se autonomamente nestes
novos ambientes. Há que se transformar a Internet no veículo de idéias de todos, repetindo uma
expressão muito feliz de Roque Carrazza, ao se referir à imunidade tributária de livros, sem o qual
não há desenvolvimento do país na nova sociedade global.
O Estado, na sua atual ausência completa até por falta de recursos,
tem que fomentar as condições especiais que poderá permitir à iniciativa privada distribuir os
meios e ferramentas para municiar a grande massa hoje excluída a ter acesso à estas tecnologias
de informação e comunicação.
Os meios legais que o Estado têm em suas mãos para realizar estes
incentivos são as políticas públicas. Uma de suas formas são os incentivos fiscais concedidos aos
empreendedores para o desenvolvimento sócio-econômico de uma determinada região, um
segmento comercial, uma necessidade populacional.
A despeito do seu alto investimento nestas novas tecnologias de
informação e comunicação, a fim de se reduzir custos operacionais e tornar mais eficiente a sua
45 Indicativo deste novo panorama das práticas governamentais nas esferas federais, estaduais e municipais, são as
chamadas consultas públicas realizadas tanto pela administração direta quanto indireta. Exemplo recente, mas que
deixou a desejar pela obscuridade das decisões envolvidas e para quem elas seriam direcionadas, forma as Consultas
Públicas acerca dos novos serviços de comunicação.
46 O site IDG Now fez um levantamento sobre telefones fixos, celulares, computadores e computadores com acesso à
Internet em cada Estado brasileiro, cruzando dados dos diversos institutos de pesquisa.
(http://idgnow.uol.com.br/mercado/2006/03/16/idgnoticia.2006-03-15.558347966, acessado no dia 16.03.2006, às
16h30min)
47 A título ilustrativo, através dos sites governamentais podemos fazer a declaração do Imposto de Renda
(www.receita.fazenda.gov.br), participar de licitações (www.comprasnet.gov.br), obter certidões negativas de
débito, de imóveis (www.cartorio24horas.com.br) etc.
estrutura adminitrativa, a União, os Estados e Municípios, bem como suas autarquias direta ou
indiretas, não vêm criando as condições regulatórias que poderiam auxiliar na ampliação e no
desenvolvimento da Internet como ferramenta de transposição e combate às desigualdades
sociais, tão presentes no dia-a-dia do cidadão brasileiro.
Infelizmente, muito pelo contrário, as dificuldades são homéricas
para o cidadão que se aventura a navegar e se aculturar das benesses da rede mundial de
computadores. Os altos preços dos computadores onde se incide uma carga enorme de impostos
sobre a sua comercialização.
Aliás, este cenário se repete em grau maior quando se olha para os
provedores de acesso à Internet. Além da alta carga de impostos, que está em torno de 40% do
serviço de comunicação, o prestadores de serviços de provimento de acesso à Internet estão
relegados à incompetência adminitrativa da ANATEL48, que impede a fomentação e distribuição do
mercado consumidor destes serviços para todos os confins deste país49.
Dentro deste quadro caótico de má administração da res publica e da
falta de visão para antever as necessidades e caminhos da sociedade por parte da estrutura
complexa do Estado brasileiro, há que se recorrer para a Constituição cidadã, que, a despeito das
suas incongruências marcantes50, tem o condão de obrigar e lembrar a todos quais são as
finalidades estatais e quais serão os direcionamentos das políticas públicas de desenvolvimento
do país.
Vital Moreira já consignou, em telas vivas, o papel da Constituição
nas transformações sociais, como objeto e sujeito: “A constituição não pode deixar de ser
pensada também como um problema de facto e o papel da investigação não pode ser o de
renunciar ao facto para preservar a pureza da constituição, mas sim a de identificar a relação que
existe entre dois factos ou conjuntos de factos sociais, entre fenómenos económicos-sociais e
político-jurídicos, na sua autonomia recíproca, nas suas relações dialéticas, naquilo que na
realidade económico-social é constitutivo da constituição, naquilo que nesta é constitutivo da
realidade económico-social. Perder de vista a dimensão social, económica, da constituição e vice-
versa, bem como ignorar o que nestas duas perspectivas é diferente, significaria atirar a
48 Situação esta que já foi devidamente analisada no Capítulo 1 deste trabalho.
49 Em nota acima, trouxemos a notícia divulgada pelo site IDG Now em que se faz a análise do mercado de
computadores e Internet neste país. É lamentável constatar que as desigualdades sociais percebidas entre as regiões
se mantêm em termos de exclusão digital. Os acessos à Internet estão concentrados nos grandes centros do Sudeste e
do Sul do país e bastante ínfimas no Norte e Nordeste. Assim, percebe-se a inexistência cabal de políticas públicas
para o desenvolvimento do país de forma uniforme, em relação à estas novas tecnologias de informação e
comunicação. Na verdade, o Estado não apresentou soluções que visam aproveitar as enormes capacidades
educacionais e comerciais da Internet, que vem sendo empreendidas por ele. Tudo isto, aliás, é um contrasenso em
relação aos caminhos perseguidos pelo Estado, já que os cidadãos de forma geral não conseguem entender a quem
tais investimentos estão tentando atingir, já que ele, principal parte do processo, não pode ter acesso à sociedade da
Informação. Cf. Capítulo 1 deste Livro.
50 Ótimas são as observações do Prof. Sérgio Rezende de Barros em suas aulas na Faculdade de Direito da USP e em
seus textos, onde o digníssimo mestre sempre alerta sobre os desvios e erros crassos de lógica jurídico-
constitucional (art. 66, § 7º), que acabam por distorcer a aplicação da Constituição cidadã. Assinala também para o
esgotamento do modelo constitucional, havendo a necessidade de se buscar e pensar outras formas que superem a
rigidez constitucional, a fim de não se entrar na armadilha ideológica que esta forma normativa estabelece. Cf. Vital
Moreira, ob. cit., pág. 180.
constituição para fora das suas condições de vida”51.
A Internet, a olhos vistos, tornou-se um instrumento tecnológico de
muita utilidade em qualquer campo de interação e atuação do ser humano. As distâncias
tornaram-se insignificantes e irrelevante. A quantidade de informação e a velocidade de tráfego
superam em muito a capacidade de absorvermos todas elas. O dinamismo dos negócios e da vida
é em tempo real.
A Constituição cidadã, em 1988, não podia prever esta pequena
revolução das novas tecnologias, que mudaram toda a perspectiva e o caminho do ser humano no
séc. XXI. Entretanto, a Constituição trouxe, explícita ou implícitamente, princípios que ampliam a
interpretação de suas normas e, dessa forma, pode-se alcançar fatos não previstos no momento
da sua promulgação.
Na exegese do sistema normativo constitucional percebe-se
claramente que o legislador elegeu valores e princípios que asseguram ao cidadão direitos e
garantias individuais e coletivas, que visam proporcionar-lhe a vida digna, a igualdade, a
liberdade, à segurança e à propriedade.
Dentre estes princípios maiores discorrem-se outros que lhes dão
amplitude, conteúdo e sentido no correr diuturno do cidadão em seu convívio social, tais como o
direito à informação, à liberdade de pensamento, à educação, à cultura, à privacidade etc. Estes
princípios irradiam-se sobre todo ordenamento impondo ao Estado deveres os quais não podem
ser afastados52.
O Direito Tributário também é atingido, como não poderia deixar de
sê-lo, pelo conjunto normativo e axiológico destes princípios constitucionais que asseguram
direitos e garantias individuais e coletivas. Isto se torna mais perceptível no elenco das
imunidades tributárias, que limitam e impedem o poder do Estado para instituir tributos. As
imunidades visam atender estes direitos constitucionais protetivos e elas próprias tornam-se
partes deles, a partir do momento que não podem ser afastadas nem por emendas
constitucionais, integrando-se aos direitos fundamentais53. Assim, as regras de imunidade
57 Já sinalizou anteriormente Hugo de Brito Machado: “A imunidade do livro, jornal ou periódico, e do papel
destinado a sua impressão, há de ser entendida em seu sentido finalístico.”
58 Cf. Roque Carrazza. Ob. Cit., pág. 445.
59 Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, p. 339.
este benefício fiscal instituído para proteger direito tão
importante ao exercício da democracia, por força de um juízo
subjetivo acerca da qualidade cultural ou do valor pedagógico
de uma publicação destinada ao público infanto-juvenil.
4. Recurso extraordinário conhecido e provido. (grifo nosso) (STF,
Resp. n. 221239-SP, Min. Rel. Ellen Gracie, DJU em 06.08.2004,
pág. 61, v.u.)
60 "Imunidade Tributária. Livro. Constituição, artigo 19, III, alínea d. Em se tratando de norma constitucional relativa
as imunidades tributárias genéricas, admite-se a interpretação ampla, de modo a transparecerem os princípios e
postulados nela consagrado. O livro, como objeto da imunidade tributária, não é apenas o produto acabado, mas o
conjunto de serviços que o realiza, desde a redação, até a revisão de obra, sem restrição dos valores que o formam e que
a Constituição protege.” (Recurso Extraordinário 102.141/RJ, de 18.10.1985, Relator: Ministro Carlos Madeira)
61 “Imunidade – impostos, livros, jornais e periódicos – Artigo 150, inciso VI, alínea d, da Constituição Federal. A
razão de ser da imunidade prevista no texto constitucional, e nada surge sem uma causa, uma razão suficiente, uma
necessidade, está no interesse da sociedade em ver afastados procedimentos, ainda que normalizados, capazes de inibir
a
produção material e intelectual de livros, jornais e periódicos. O benefício constitucional alcança não só o papel
utilizado diretamente na confecção dos bens referidos, como também insumos nela consumidos como são os filmes e
papéis fotográficos” (STF, Resp. n. 174.476/SP, DJU 26.9.1996, Min. Rel. Maurício Corrêa)
62 Resp. n. 183.403/SP, julg. Em 7.11.2002, Min. Rel. Ministro Marco Aurélio. Cabe transcrever parte do voto do Min.
Rel. Marco Aurélio, que assim expressou o seu entendimento sobre imunidade tributária: “O objetivo maior do preceito
constitucional realmente não é outro senão o estímulo, em si, à cultura, pouco importando que, no preceito, não se
aluda, de forma expressa a apostilas que, em última análise, podem ser tidas como a simplificação de um livro.
Abandone-se a interpretação meramente verbal, gramatical: embora seduzindo, por ser a mais fácil, deve ser observada
em conjunto com métodos mais seguros, como é o teleológico. O reconhecimento, pela Corte de origem, do conteúdo,
de veiculação de mensagens de comunicação, de pensamento em contexto de cultura, é suficiente a dizer-se da
fidelidade do Órgão Julgador de origem à Carta da República.”
63 STF, Resp. n. 101.441, DJU de 19.8.1988, Min. Rel. Sydney Sanches.
ROM.
1. O fato de o jornal não ser feito de papel, mas veiculado em CD-
ROM, não é óbice ao reconhecimento da imunidade do artigo 150,
VI, d, da CF, porquanto isto não o desnatura como um dos meios de
informação protegidos contra a tributação.
2. Interpretação sistemática e teleológica do texto constitucional,
segundo a qual a imunidade visa a dar efetividade aos princípios da
livre manifestação de pensamento, de expressão da atividade
intelectual, artística, científica e de comunicação, de acesso à
informação e aos meios necessários para tal, o que deságua, em
última análise, no direito de educação, que deve ser fomentado pelo
Estado visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho,
havendo liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o
pensamento, a arte e o saber (art. 5º, IV, IX, XIV, 205, 206, II, etc.).
3. Apelo e remessa oficial improvidos.” (TRF 4ª Região, 2ª Turma, AC
n. 199804010908885-SC, Des. Rel. João Pedro Gebran Neto, julg.
em 03.08.2000, DJU 25.10.2000, pág. 349)
produtos da moderna tecnologia, são hoje de fundamental importância para a realização desse mesmo objetivo, a
resposta afirmativa se impõe.” Ob. Cit., p. 206.
69 Texto Tributação na Internet. ob. cit., pág. 398.
70 Texto Tributação na Internet, ob cit., pág. 83.
71 Além dos doutrinadores já elencados no corpo do texto, acompanham este entendimento Ives Gandra Martins,
Sacha Calmo Navarro Coêlho, Newton de Lucca, Francisco de Assis Alves, Antonio Carlos Rodrigues do Amaral e
Sérgio Kawasaki. Deve-se ressaltar que perfila na corrente contrária o não menos conceituado André Ramos
Tavares.
72 http://scholar.google.com.br, acessado no dia 23.03.2006, às 12h30min.
73 http://www.dominiopublico.gov.br, acessado no dia 23.03.2006, às 12h35min.
indivíduos entre si, para a sua mútua e própria preservação, ante as necessidades que os
acometem no processo de sua evolução, às quais eles respondem ou correspondem elaborando
valores, que enformam esses deveres como poderes e esses poderes como deveres, de todos
para com cada um e de cada um para com todos, a fim de realizar a humanidade que lhes é
comum e, em assim sendo, conformam entre eles uma comunidade humana, ao mesmo tempo
cambiante e invariante, durante um certo tempo e lugar de sua (condição) histórica”74. Mais
adiante o professor elucida: “Esses valores variáveis em momentos e lugares, mas permanentes
nos tempos e espaços maiores da sociedade e de sua história, geram constantes ou invariantes
axiológicas que determinam e motivam por condições humanitárias-comunitárias o Direito e os
direitos como direitos humanos, especificamente aumentando em quantidade e qualidade o
conteúdo humano já próprio de todo o Direito genericamente, pela só virtude de sua natureza
histórico-social como disciplina maior da sociedade dos indivíduos humanos e da substância dela:
a comunidade humana básica”75.
E é com esta perspectiva da historicidade do conceito de imunidade
tributária, que deve ser ampliada a sua interpretação para englobar os sujeitos e materiais
envolvidos no provimento de acesso à Internet.
O acesso à Internet, tanto em sua conexão discada ou em banda
larga, deve ser livre, por suas próprias características, de qualquer intervenção tributária, que
inviabiliza, na prática, a difusão desta forma de se obter informação e comunicação. Ficou
constatada através da pesquisa do site IDG Now, que a atual política pública para as novas
tecnologias é insuficiente para difundir e incluir digitalmente o cidadão no mundo telemático. Há
defasagens visíveis que aprofundam os desequilíbrios sociais do mundo real. A perpetuação do
status quo informático, sem mudanças neste panorama, será marca registrada da crueldade da
sociedade brasileira mais uma vez impetrada contra a maioria de seu povo.
O Estado tem o direito de tributar os cidadãos e seu patrimônio.
Entretanto, o Estado não pode fazê-lo quando a tributação ataca direitos fundamentais dos
cidadãos e a sua própria condição de existência, o que acaba sendo diminuída pela atuação
pesada de seu poder. Dessa forma, é proibido ao Estado criar tributos que estejam relacionados
com os meios físicos que permitem o ingresso do cidadão à Grande Rede de Informação.
Em relação aos computadores e softwares, a imunidade tributária
deve ser obrigatória, tal como o provimento de acesso à Internet, pois eles são componentes
intrínsecos deste complexo serviço76. A conexão ainda não pode se realizar se estes
instrumentos. Dessa forma, há que se considerar, por construção lógica, que todos estes
instrumentos são um só no que tange ao provimento de acesso à Internet, devendo eles serem
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77 Difícil questão na prática consiste em relação ao software. Contudo, acredito que os softwares, que deverão ser
imunizados tributariamente, são aqueles necessários para que o computador possa realizar a conexão à Internet, ou
seja, são os sistemas operacionais e os browsers somente. Conforme se percebe do uso diário dos computadores, os
browsers geralmente vêm acoplado ao sistema operacional ou são obtidos gratuitamente na Internet. Por isso, a
imunidade tributária deve atingir somente à compra do sistema operacional, só se o cidadão optar por uma solução
proprietária, tal como o Mac OS ou o Windows XP, pois no sistema Linux a sua gratuidade impede a incidência de
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