Você está na página 1de 3

ESTRANHEZAS QUÂNTICAS

Julho 2007

NO INíCIO DO SÉCULO 20, A FíSICA MUDOU DE CARA, E O


MUNDO PASSOU A CONVIVER COM CONCEITOS COMPLEXOS
COMO O DO ÁTOMO. CEM ANOS DEPOIS, AINDA ESTAMOS
APRENDENDO A LIDAR COM ELES

"Com o passar dos anos, ficou claro que o mundo do muito


pequeno não tem nada a ver com oque percebemos com os
nossos sentidos. O átomo não é um mini Sistema Solar"

MARCELO GLEISER, de 47 anos,


é professor do Dartmouth College, nos Estados Unidos, e autor de
cinco livros sobre ciência e conhecimento

As três primeiras décadas do século 20 foram intensamente


dramáticas para os físicos. Uma nova visão de mundo foi
essencialmente forçada garganta abaixo, causando muito rancor e
confusão. Até então, físicos descreviam a realidade por meio dos
conceitos da mecânica newtoniana, a chamada "física clássica".

Segundo ela, o resultado de nossas medidas são independentes do


observador. Acontecimentos seguem uma relação simples de causa
e efeito: se chuto a bola, ela se move. Se não chuto, fica parada.
Todo mundo vê a mesma coisa acontecer. Os movimentos são
contínuos: quando a bola anda, traça uma linha no espaço, sua tra-
jetória. As leis de movimento de Newton são perfeitamente
adequadas para descrever esse movimento. O sucesso parecia
total. Alguns físicos chegaram até a declarar que a física estava
essencialmente completa.

Foi então que os problemas começaram a surgir. Uma série de


experiências realizadas em laboratório geravam efeitos
inexplicáveis pela física clássica. A crise era inevitável.

O culpado era o átomo, começando pelo mais simples, o de


hidrogênio, com um próton no núcleo e um elétron girando à sua
volta. Em 1911, Ernest Rutherford propôs que a maior parte da
massa de um átomo está concentrada em seu núcleo minúsculo.
As proporções eram mesmo bizarras: se você ampliar um núcleo
100 trilhões de vezes, ele fica do tamanho de uma azeitona. Agora,
ponha essa azeitona no centro do gramado do Maracanã. Os
elétrons estarão girando além das arquibancadas!

Segundo a física clássica, o átomo deveria ser altamente instável:


os elétrons deveriam espiralar e cair sobre o núcleo. Átomos não
deveriam existir. O que fazer? Foi necessário postular uma nova
física, obedecendo a leis e ditando comportamentos completamente
diferentes dos da física newtoniana, a física do nosso dia-a-dia.

Com o passar dos anos, ficou claro que o mundo do muito pequeno
não tem nada a ver com o que percebemos com os nossos
sentidos. Por exemplo, o átomo não é um mini Sistema Solar, e
elétrons e prótons não são bolinhas de bilhar. Na verdade, não
sabemos o que são elétrons e prótons. Sabemos apenas fazer
medidas e interpretar os resultados de experimentos em termos de
entidades chamadas elétrons e prótons.

O conceito de trajetória, como a da bola já citada, teve de ser


abandonado. Quando fazemos a medida que detecta o elétron (por
meio, por exemplo, de sua carga elétrica), ele "aparece" em um
determinado local. Antes de fazermos a medida, não sabemos onde
está. A matemática da mecânica quântica, como ficou chamada a
nova física do muito pequeno, nos permite calcular a probabilidade
de encontrarmos o elétron numa determinada posição. A certeza
que existia com a física clássica deixa de existir.

Ficou claro que o ato de medir interfere com o que está sendo medi-
do. Essa "interação" entre o observador e o objeto dá vazão a
inúmeras especulações - na maioria absurdas - sobre a relação
entre o observador e a realidade física, exploradas com afinco e
oportunismo por vários autores new age. Não há dúvida de que o
mundo quântico é estranho.

Mas essa estranheza é limitada a efeitos que ocorrem em


dimensões minúsculas e que envolvem energias desprezíveis para
processos macroscópicos complexos envolvendo humanos ou suas
mentes. A passagem do quântico ao clássico, do átomo ao
microscópio, literalmente destrói a possibilidade de que efeitos
quânticos possam interferir no mundo clássico, o mundo onde
vivemos e pensamos.
Sem dúvida, podemos melhorar nossas vidas se pensarmos
positivamente sobre elas e trabalharmos com dedicação para atingir
nossos objetivos e realizar nossos sonhos. Mas esse sucesso não
será devido aos elétrons e aos quanta, mas ao nosso esforço pes-
soal de construir uma vida melhor para nós e para os que amamos.

Fonte:
Revista Galileu – edição 192 – julho 2007 – coluna Horizontes –
Página 33.

Você também pode gostar