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VENDO O INVISÍVEL

16-09-2007

No final do século 19, não se sabia o que era um átomo

MARCELO GLEISER,
é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover
(EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo".

Aos leitores intrigados pelo título, pensando que se refere a


fantasmas e outras entidades sobrenaturais, peço desculpas.
O "invisível" aqui está relacionado com o mundo do muito pequeno,
dos átomos e seus componentes. Quando aprendemos na escola
que tudo é feito de átomos, pouco sabemos sobre como essa
profunda descoberta foi feita.

A história é longa e tem seu prelúdio na Grécia Antiga, em torno de


400 a.C., quando dois filósofos, Leucipo e Demócrito, propuseram
que tudo era composto de pequenos tijolos indivisíveis, que
chamaram de átomos.

Muita coisa aconteceu de lá até o final do século 19, que é quando


a nossa história começa de fato. Resumindo esses 2.300 anos,
posso dizer que os átomos foram esquecidos, relembrados por
gigantes como Newton, esquecidos mais uma vez, até serem
resgatados por John Dalton e outros pioneiros que mostraram que
os elementos químicos tinham de ser feitos de átomos de massas
diferentes. Porém, até o final do século 19, ninguém sabia o que era
um átomo.

Em 1897, o inglês J. J. Thomson abriu as portas para o mundo dos


átomos ao descobrir o elétron. Thomson mostrou que os átomos de
todos os elementos não são indivisíveis, como se acreditava até
então, mas sim formados por partículas (ou "corpúsculos", como ele
os chamou) ainda menores. Thomson examinou a radiação que se
propaga no chamado tubo catódico, uma versão menos sofisticada
dos antigos tubos de TV, concluindo que se tratava de partículas
com carga elétrica negativa. A menor massa que se conhecia, a de
um átomo de hidrogênio, o mais leve e abundante dos elementos
químicos, era duas mil vezes maior que a dessas partículas.
Encontrar essa regularidade no coração da matéria é algo
extraordinário: os átomos de todos os elementos, que compõem
tudo o que vemos na natureza, têm essas partículas neles, que
foram mais tarde chamadas de elétrons. Era claro que as diferentes
massas atômicas deveriam estar relacionadas com o número de
elétrons nos átomos. Sabia-se que os átomos eram eletricamente
neutros, o que indicava a presença neles de carga positiva de igual
valor. De alguma forma, essa carga positiva deveria contribuir muito
mais do que os elétrons para a massa total do átomo. Mas que
massa era essa?

O desafio era tentar ver o invisível. Átomos têm diâmetros de


aproximadamente um décimo de bilionésimo de metro, muito além
do poder de microscópios, ao menos os do início do século 20.
Ninguém "vê", propriamente, um elétron. O que se mede são seus
efeitos, as correntes elétricas que criam, por exemplo. A partir deles,
sua existência e suas propriedades são inferidas. Essa é uma
diferença fundamental entre a física do dia-a-dia, palpável e
concreta, e a física atômica e subatômica, invisível e indireta.

Como, então, ver o invisível?

Entra em cena o neozelandês Ernest Rutherford, que estudou com


Thomson em Cambridge. Rutherford sabia que os elementos
radioativos, como o urânio, emitem radiação de altas energias: por
que não usá-la como projéteis atirados contra os átomos, feito
balas? Rutherford bombardeou átomos de ouro com partículas alfa.

Para seu espanto, notou que algumas eram ricocheteadas a


ângulos de mais de 90 graus, como se houvessem colidido com
algo muito denso e pequeno. A maioria passava direto, levemente
defletida. Rutherford concluiu que seus resultados só poderiam ser
explicados se toda a carga positiva estivesse numa região central
dez mil vezes menor do que o átomo!

Descobriu o núcleo atômico, sem jamais tê-lo "visto".


MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth
College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do
Mundo".

Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe1609200702.htm

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