Você está na página 1de 6

Crime de Agressão no Direito Penal Internacional: definições e desafios na sua

aplicação

Por Cláudio Foquiço1

1. Introdução
o crime de agressão é um dos crimes da competência do Tribunal Penal Internacional
de Justiça (TPIJ), juntamente com o crime de genocídio, crimes contra a humanidade e
crimes de guerra.2 Ao contrário dessas três categorias de crimes acima referidos, o
crime de agressão continua sem definição. Apesar da falta de consenso quanto a
definição do crime de agrressão devido à opiniões divergentes sobre o âmbito de
aplicação e o modus operandi para condenar pela prática do tal crime, o TPIJ entrou em
vigor em 1 Jullho de 2002, após a ratificação do Estatuto de Roma por seis Estados.3
Neste sentido, a tarefa de definir o crime de agressão foi atribuída à Assembleia Geral
dos Estados signatários, conforme o disposto no número 2 do artigo 5 do Estatuto do
TPIJ, que prevê o seguinte:

O tribunal deve exercer jurisdição sobre o crime de agressão assim que a disposição for
adoptada em conformidade com os artigos 121 e 123, definindo o crime e estabelecendo
as condições sobre as quais o Tribunal exercerá sua jurisdição em relação ao crime de
agressão. Contudo, a tal disposição deve ser compatível com as disposições relevantes
da Carta das Nações Unidas.

Todavia, os artigos 121 e 123 do Estatuto do TPIJ sobre as disposições inerentes


alteração e a revisão dos estatutos prevê sete anos como requisito para qualquer
alteração do Estatuto do TPIJ. Entretanto, o objectivo deste artigo é discutir as

1
Licenciado em Direito(Universidade Católica de Moçambique) Mestrado em Direito(Universidade de
Pretória) República da Africa de Sul; endereco electrónico: claudiofoquico@hotmail.com
2
Artigo 5 do Estatuto deRoma que estabelece of quadro juridico do Tribunal Penal Internacional de
Justica. O Estatuto entrou em vigor no dia 1 de Julho de 2002.
3
Nserenko D. (2003) Defining the crime of aggression: An important Agenda item for the Assembly of the
State parties to the Rome Statute to the International Criminal Court. 1
definições apresentadas e os desafios na aplicabilidade do crime de agressão no
âmbito do Direito Penal Internacional.

2. Definições
A Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1974, adoptou a seguinte definição de
agressão:
Agressão é o uso da força armada por um Estado contra a soberania, integridade
territorial ou a independência política de outro Estado, ou de qualquer outro modo
incompatível com a Carta das Nações Unidas.

Para se chegar a um acordo sobre a definição supra, o projecto de código de crimes


contra a paz e a segurança da humanidade de 1954 foi objecto de análise minuciosa. A
tal definição foi primeiramente utilizada para orientar o Conselho de Segurança a
determinar a agressão por parte do Estado.

Com a criação do TPIJ, a referida definição foi revista e a discussão ascendeu a outros
níveis. A razão subjacente era de extender o âmbito de aplicação do crime de agressão,
ou seja, ir além da responsabilidade do Estado e responsabilizar os indivíduos
responsáveis por crimes penais, com vista a consolidar aplicação das disposições do
Direito Internacional.4 No entanto, a definição supra é insuficiente e não está em
conformidade com o princípio geral de direito penal nullum crime sine lege, onde os
elementos do crime devem ser claramente enunciados, para evitar qualquer
ambiguidade. Tendo como base o tal princípio, nenhuma analogia é permitida em
norma incriminatória e em caso de ambiguidade na definição a aplicabilidade se torna
mais fragilizada. Entretanto, esta deve ser interpretada em favor da pessoa a ser
investigada, processada ou condenada.5

Em 1996, a Comissão de Direito Internacional (CDI) introduziu uma outra definição do


crime de agressão, tal como estabelecido no artigo 16 do projecto de código de crimes
contra a paz e a segurança da humanidade de 1954 que previa o seguinte:

4
Dustein, Y(2001) War, Agression & Self-Defence, 108
5
Artigo 22 do Estatuto de Roma (TPIJ). 18

2
Aquele que, na qualidade de líder ou organizador, participar activamente ou ordenar o
planejamento, preparação, iniciação ou declaração de agressão cometida por um Estado
deve ser responsável pelo crime de agressão.6

A CDI inspirou-se na Carta de Londres conforme interpretado e aplicado pelo Tribunal


Militar Internacional.7 No entanto, esta definição em si é melhor que o anterior mas
também padece de limitações na medida em que ela não cumpre com dois elementos
fundamentais dos crimes internacionais existentes: (i) o acto criminoso, e (ii) a
consciência criminosa.8 Com efeito, o artigo 30 do Estatuto do TPIJ claramente prevê
que ‘salvo disposição em contrário, uma pessoa poderá ser criminalmente responsável
e punida por um crime da competência do tribunal se apenas os elementos materiais
são cometidos com intenção e conhecimento.’

Para além dos elementos materiais, o elemento mental também é relevante para a
determinação da responsabilidade criminal. Pois, isto significa que a pessoa têm que ter
a intenção de causar danos e está consciente sobre as consequências e os danos que
advirão com o curso de suas acções. A conduta do indivíduo é extremamente
indispensável para a determinação da responsabilidade criminal do indivíduo.9 Porém, a
definição supra se limita nos elementos materiais e não é suficiente para abarcar e
responsabilizar criminalmente os indivíduos. Portanto, afim de indivíduos serem
responsabilizados criminalmente os elementos materiais devem ser acompanhados do
elemento mental.

Há um outro aspecto que não está claro, a definição parece presumir que o crime de
agressão é intrinsecamente ligada à responsabilidade do Estado. Por exemplo, na
situação em que um grupo rebeldes esteja sobre o controlo e domínio de uma parte do
país, como são os casos de Uganda, República Democrática de Congo e o Sudão e, se
eventualmente atacar os países vizinhos será que o tal acto deve ser atribuído ao
Estado? Prima facie, o Estado em causa é responsável por um acto de agressão antes

6
Supra
7
Dustein (no. 4 supra) 108
8
Supra
9
Cassese, A(2007) On Some Problematical Aspects of the Crime of Aggression 120

3
de se efectuar investigações exaustivas com vista a apurar a verdade material. Embora,
assim seja, há outras questões que se colocam no âmbito do procedimento criminal.

Será relevante no âmbito do TPIJ que os indivíduos que cometam um crime de


agressão seja membro do Estado com a decisão política ou militar, para efeitos de
determinação da responsabilidade criminal? É evidente que os crimes internacionais
são cometidos por homens e não por entidades abstratas que nem o Estado.10 Será que
a correlação do acto de agressão e de responsabilidade do Estado são elementos
indispensáveis no procedimento criminal?

O Grupo de Trabalho Especial decidiu que o crime de agressão é um crime de liderança. O autor
deve estar, no entanto, numa posição que o garanta efectivamente o poder de controle sobre ou
11
direcionar a acção política ou militar de um Estado enquanto a cometer o crime de agressão.

Este crime parece estar centrado no Estado. Qica os ataques realizados por grupos
rebeldes terão o regime diferente? Em caso afrimativo, a mesma definição é insuficiente
para contemplar o grupo rebeldes e outras fracções militares que não tenham nenhuma
conexão com o Estado uma vez que estes não exerçam nehuma posição de liderança
ou de direcção no Estado.

3. Desafios
Se, eventualmente, qualquer acordo sobre a definição do crime de agressão seja
alcançado e incorporado no Estatuto do TPIJ que, em princípio, pode ser alterado no
início de 2010, tendo em conta que a exigência de 7 anos, tal como estabelecido no
artigo 121 será preenchida. Caso o Estatuto do TPIJ seja alterado, há desafios
assinalar. O Estatuto do TPIJ exige que a disposição sobre o crime de agressão seja
coerente com a Carta das Nações Unidas.12

De acordo com a Carta das Nações Unidas, a 'paz e segurança internacional’ faz parte
do mandato do Conselho de Segurança e artigo 39 da Carta das Nações Unidas prevê
que:

10
Ferencz; B.() Enabling the International Criminal Court to punish aggression 1
11
Http: www.iccnow.org (consultado no dia 4 de Dezembro de 2009)
12
Supra

4
O Conselho de Segurança determinará a existência de qualquer ameaça à paz, violação
da paz ou acto de agressão e fará recomendações ou decidirá que medidas serão
tomadas de acordo com os artigos 41 e 42 para manter e restaurar a paz e a segurança.

Com efeito, o Conselho de Segurança tem responsabilidade primária em matéria de


‘paz e segurança internacional.’ Membros do Grupo de Trabalho Especial sobre crime
de agressão discutida a proposta de futura relação entre o TIPJ e o Conselho de
Segurança em matéria de processos judiciais sobre os crimes de agressão levantaram
duas questões pertinentes: a primeira, era de saber se a deliberação do Conselho de
Segurança sobre a agressão deve abranger a determinação, para efeitos de processos
do TPIJ com vista a instrução de processo crime. Este é um dos desafios decorrentes
de tal coerência com a Carta das Nações Unidas.

Com respeito ao processo decisório no Conselho de Segurança, onde os cinco


membros permanentes têm direito de veto, possivelmente poderá minar a
independência e eficácia do TPIJ no exercício efectivo das suas funções. A segunda era
de saber se seria suficiente para o TPIJ notificar o Conselho de Segurança de um
inquérito sobre a agressão de modo a decidir se irá proceder a uma determinação
independente, ou se o Tribunal Internacional de Justiça, a Assembléia Geral das
Nações Unidas, ou TPIJ poderia determinar a existência de um acto do estado de
agressão.13

O pressuposto subjacente é que o Conselho de Segurança tem competência exclusiva


para se pronunciar sobre a existência de agressão e outras violações contidos na
referida disposição, tal como acordado pela CDI. 14 Além disso, essa determinação
vincula todos os órgãos, incluindo o TPIJ, que poderá lidar com as consequências
jurídicas consideradas relevantes para a responsabilidade individual criminal
decorrentes de tal determinação.15 Outros argumentam que a competência do Conselho
de Segurança é primária, mas não exclusiva, para determinar um acto de agressão, e
que a ausência de uma determinação pelo Conselho de Segurança não deve impedir o

13
Supra
14
Nserenko ( no.3 supra) 506
15
Supra

5
Tribunal de prosseguir com o caso.16 Outros ainda, advogam que já que o Conselho
de Segurança pode referir a situação ao Tribunal de Justiça e adiar um inquérito em
conformidade com o artigo 13 e 16 do Estatuto de Roma, respectivamente, nenhuma
disposição adicional sobre uma determinação prévia de um acto de agressão será
necessário.17

Para além dos desafios supra existem outros desafios a considerar que são: primeiro,
os requisitos para a alteração do Estatuto do TPIJ e, segundo, à jurisdição do TPIJ
sobre os crimes de agressão. Em primeiro lugar, o artigo 121 (5) aplica-se a alterações
aos artigos 5, 6, 7 e 8, onde estão previstos crimes internacionais sob a jurisdição do
TPIJ e exige o acordo de uma maioria de dois terço do dos Estados signatários para
alterar o Estatuto. Em segundo lugar, qualquer alteração às disposições que definam os
crimes da competência do Tribunal de Justiça só se aplicará a todos os Estados
signatários, que ratificam a alteração. Ademais, a alteração entra em vigor um ano após
o depósito do seu instrumento de ratificação. Assim sendo, a jurisdição do Tribunal
sobre a agressão se limita aos Estados signatários que ratificaram a alteração. No
entanto, a alteração seria aplicada, em determinadas circunstâncias, quando os
nacionais dos Estados não signatários, como Moçambique, Somália ou Estados Unidos
de América, que cometam crimes, que constam da alteração, no território do Estado
signatários, quando esta estiver em vigor.18

4 - Conclusões
O Grupo de Trabalho Especial para o crime de agressão ainda não apresentou uma
definição aceitável de crime de agressão a incorporar no Estatuto do TPIJ, que pode
eventualmente ser alterado em Dezembro 2010 considerando que o TPIJ entrou em
vigor em 2002. Existem desafios relevantes e pertinentes a destacar tais como a
relação entre o Conselho de Segurança e do TPIJ atinente a iniciativa de se pronunciar
sobre a agressão já que a definição deve estar de conformidade com a Carta das
Nações Unidas. O quórum para alterar o Estatuto do TPIJ é outro desafio a considerar e
ainda, a jurisdição do TPIJ sobre os crimes de agressão, será limitada às partes de
Estados que ratificaram a alteração.

16
No.11 supra
17
Supra
18
Supra

Você também pode gostar