Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Marlene Guirado
Psicóloga, psicanalista e analista institucional
âmbito escolar, em especial, nas salas de aula. Mesmo assim, ainda não se tem um consensual
Desta maneira, o conceito de indisciplina, não é estático, uniforme, nem tão pouco,
universal. Estando relacionado com valores que variam ao longo da história, entre diferentes culturas e
mesma palavra, que analisadas separadamente, possibilitam inúmeras conclusões. Tais definições
1
É professor na Fundação Visconde de Cairu e nos cursos de formação de professores em serviço oferecidos pela
Universidade do Estado da Bahia. Na pós-graduação medeia informações sobre formação de professores, currículo e
intersubjetividades na FVC, ABEC, FSBA, UNIFACS e UNESI. Estuda Narrativas do Professorado.
apresentam-se como: “todo ato ou dito contrário à disciplina que leva à desordem, à desobediência, à
rebelião”. Já o termo disciplina, seria “o regime de ordem imposta ou simplesmente consentida, que
este fenômeno relaciona-se com o momento histórico em que a instituição de ensino vivencia e com
os objetivos que ela pretende atingir. Assim, a instituição-escola, vem assumindo diferenciadas
posições, no que tange ao fenômeno da indisciplina, de acordo com as pedagogias adotadas (liberal,
tradicional, comportamentalista, construtivista, critica, das diferenças, dentre outras.) ao longo de sua
historicidade.
que no ensino tradicional ou conservado2, a disciplina é o meio mais eficaz para assegurar a
professor e “comportava-se” de acordo com as regras previamente elaboradas por uma conjuntura
escolar, tudo isto favorecido por uma relação pedagógica vertical, onde o professor detém o poder
Contudo, o aluno que por algum motivo desrespeitasse estas regras, receberia o título de
sejam eles expressos pelas surras com palmatórias, pelo ajoelhar em grãos de milhos, puxões de
orelhas, bélicos, dentre tantos outros, numa instituição escolar que concebia a educação como o
da estimulação externa, sendo a escola considerada como uma agência educacional que deverá adotar
forma peculiar de “controle”, de acordo com os comportamentos que pretende instalar e manter. Desta
forma, os comportamentos desejados serão instalados e mantidos por elogios, notas, prêmios,
2
Termo ambíguo que engloba variados sentidos e significados.
reconhecimento, etc., sendo, estes comportamentos, produto do meio e relativo a ele. (Mizukami,
1986)
recreativa; deixando o aluno de costas para os colegas e com o rosto direcionado à parede, além de
tendo o aluno disciplinado aquele que é solidário, participante e respeitador das regras do grupo.
Por sua vez, a abordagem humanista, vem centrando todos os enfoques no aluno,
conduta social, não apenas escolar. Portanto, a educação é compreendida em seu sentido amplo,
educando o homem, sujeito histórico e não apenas, a pessoa em situação escolar. É o elemento que
disciplinar é o aconselhamento na tentativa de que o aluno tome consciência dos limites da vida
grupal, não havendo uma punição. Esta abordagem, ainda é questionada sob a justificativa de que a
obra de C. Rogers não fora realizada para a educação em si, mas para a terapia. (Mizukami, 1986)
estabelecidas entre sujeito e objeto, não se enfatizando, no processo, nem o professor nem o aluno,
Para isto, Jean Piaget, biólogo suíço, em sua obra “O juízo de moral na criança”,
publicada originalmente em 1932, estabelece que “toda moral consiste num sistema de regras, e a
essência de toda moralidade de ser procurada no respeito que o sujeito adquire por essas regras”
O sufixo nomia vem do grego nomos que significa regras. Assim sendo, anomia referi-
ultima fase, significa que o sujeito já sabe da existência de regras para viver em sociedade, mas a fonte
no ambiente escolar. Isto porque, mesmo a moralidade estando relacionadas às regras, nem todas as
regras têm vínculos com a moral. É fato, que em algumas escolas existem regras que não se fundam
nos princípios de igualdade e justiça, tornando-se imoral e, qualquer tipo de transgressão seria
possibilidade de autonomia.
pedagógica, não havendo, assim, imposição e conscientização dos sujeitos envolvidos no processo,
acredita ser nas trocas que a consciência ingênua será transformada (Freire, 1981). A indisciplina,
sociedade e que para compreendê-la é necessário entender a teia das relações sociais vivenciadas fora
deste ambiente.
pela conjuntura escolar, sendo percebida como a possibilidade de ousar a pedido “da voz e da vez”, no
aluno contra o professor e deste último contra o diretor, do diretor contra o seu superior, e de todos
demarcação limitada de um local, local este ocupado por sujeitos à disciplinar, poder-se-ia usufruir de
coordenadores e professores.
corrigir comportamentos leves como atraso, interrupções, desalinhamentos nas filas, ausências,
insolências, sujeiras, atitudes “incorretas”, além de castigos leves, privações e pequenas humilhações
para aqueles que não cumprirem o regulamento. Em nossas escolas, e no estudo de sua história, é
E por fim, os exames, que servem de controle normatizante, uma vigilância que permite
quantificar, qualificar, classificar e punir. Esta proposta confunde-se, em parte, com as concepções de
avaliação construídas por muitos dos profissionais de ensino, ainda no início do século XXI, para
formas de separação dos indivíduos, no ambiente limitado escolar, através de fileiras de carteiras nas
salas, de filas nos corredores, no pátio, isto porque, facilitariam os controles de vigilâncias.
portanto, o valor da disciplina está na capacidade de adestrar a pessoa humana. Levando esta
funcionalidade para as salas de aula, ela se justificaria a medida que os alunos aprendessem a levantar
as mãos antes de falar, a levantar-se antes do diretor ou visitante adentrar a sala, permanecer em suas
carteiras, respeitar o sinal para usar o sanitário, dentre tantos outros exemplos que além de controle
ociosidade, pois é de fundamental importância não perder o “tempo” da/para escola. Percebe-se que as
Unidades de Ensino, refletem em muito esta idéia com os horários para estudar, brincar, lanchar, sair,
instituições que pretendem padronizar o ator social, falsificando o discurso de fomentar em seus
Neste contexto, Foucault (1996) afirma que em todo ambiente onde se estabelece uma
aprisionados pelo poder: podemos sempre modificar sua dominação e segundo uma
estratégia precisa” (1986:241). Contudo, são estas práticas legitimadas em sala de aula, por
professores, que em sua grande maioria desconhecem a complexidade do fato, de seus atos, repetindo
das idéias em torno da compreensão de territorialidade em ser jovem, em ser professor, em ser gestor,
etc., que os atores constituintes/constituídos nos ambientes de aprendizagem reflitam, a partir das suas
experienciados pelo professor, nos processos de mediação pedagógica, requer uma análise acerca da
sociedade nas quais estes atores e atrizes sociais estão inseridos, e em especial, o processo de
AQUINO, Júlio Groppa. Indisciplina na escola: alternativas e práticas. São Paulo: Summus, 1996.
ARAUJO, U.F. Moralidade e indisciplina: uma leitura possível a partir do referencial piagetiano.
IN: AQUINO, Júlio Groppa. (Org.) Confronto na sala de aula. Uma leitura institucional da relação
professor-aluno. São Paulo: Summus, 1996.
PIAGET, J. O juízo moral na criança (E. Lenardon, Trad.). São Paulo, SP: Summus, 1994.