Você está na página 1de 4

TEMPO PASCAL. QUARTA SEMANA.

SEGUNDA-FEIRA

69. DESEJOS DE SANTIDADE


– Querer ser santo é o primeiro passo necessário para percorrer o caminho até o fim. Desejos
sinceros e eficazes.

– O aburguesamento e a tibieza matam os desejos de santidade. Estar vigilantes.

– Contar com a graça de Deus e com o tempo. Evitar o desânimo na luta por melhorar.

I. COMO A CORÇA ANSEIA pelas águas vivas, assim a minha alma


suspira por vós, ó meu Deus. Minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo;
quando irei e contemplarei a face de Deus?1 Assim rezamos na liturgia da
Missa de hoje. A corça que procura saciar a sua sede na fonte é a figura que
o salmista emprega para descrever o desejo de Deus que se aninha no
coração do homem recto: sede de Deus, ânsias de Deus! Eis a aspiração de
quem não se conforma com os êxitos oferecidos pelo mundo para satisfazer
os sonhos humanos.

De que serve ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua


alma?2 Esta pergunta de Jesus situa-nos de um modo radical perante o
grandioso horizonte da nossa vida, de uma vida cuja razão última está em
Deus. Minha alma tem sede de Deus! Os santos foram homens e mulheres
que, no meio de todos os seus defeitos, tiveram um grande desejo de saciar-
se de Deus. Cada um de nós pode perguntar-se: tenho verdadeiramente
desejos de ser santo? Mais ainda: gostaria de ser santo? A resposta, sem
dúvida, será afirmativa: sim. Mas devemos procurar que não seja uma
resposta teórica, porque, para alguns, a santidade pode ser “um ideal
inacessível, um lugar comum da ascética, mas não um fim concreto, uma
realidade viva”3. Nós queremos torná-la realidade com a graça do Senhor.

Assim a minha alma suspira por vós, ó meu Deus. Temos que começar por
fomentar na nossa alma o desejo de santidade, dizendo ao Senhor: “Sim,
quero ser santo”; ou ao menos, se me vejo débil e fraco, “quero ter desejos de
ser santo”. E para que a dúvida se dissipe, para que a santidade não fique
num som vazio, fixemos o nosso olhar em Cristo: “O Senhor Jesus, Mestre e
Modelo divino de toda a perfeição, pregou a todos e a cada um dos discípulos
de qualquer condição a santidade de vida, da qual Ele mesmo é o autor e
consumador, dizendo: Sede, portanto, perfeitos, como também vosso Pai
celestial é perfeito (Mt 5, 48)”4.

Ele é o iniciador. Se não fosse assim, nunca nos passaria pela cabeça a
possibilidade de aspirar à santidade. Mas Jesus estabelece-a como um
preceito: Sede perfeitos, e por isso não é de estranhar que a Igreja faça
ressoar com força essas palavras ao ouvido dos seus filhos: “Todos os fiéis
cristãos estão, pois, convidados e obrigados a procurar a santidade e a
perfeição dentro do seu estado”5.

Como consequência, que clara deve ser a nossa ânsia de santidade! Na


Sagrada Escritura, o profeta Daniel é chamado vir desideriorum, “varão de
desejos”6. Oxalá cada um de nós merecesse esse nome! Porque ter desejos,
querer ser santo, é o passo necessário para tomar a decisão de empreender
o caminho com o firme propósito de percorrê-lo até o fim: “... ainda que me
canse, ainda que não possa, ainda que arrebente, ainda que morra”7.

“Deixa que a tua alma se consuma em desejos... Desejos de amor, de


esquecimento próprio, de santidade, de Céu... Não te detenhas a pensar se
chegarás alguma vez a vê-los realizados, como te sugerirá algum sisudo
conselheiro; aviva-os cada vez mais, porque o Espírito Santo diz que Lhe
agradam os «varões de desejos». – Desejos operantes, que tens de pôr em
prática na tarefa quotidiana”8.

Portanto, é preciso que examinemos se os nossos desejos de santidade


são sinceros e eficazes; mais ainda, se os encaramos como uma “obrigação”
– como vimos que diz o Concílio Vaticano II –, em resposta aos
requerimentos divinos. À luz desse exame, talvez achemos a explicação para
tanta fraqueza, para tanta falta de vontade na luta interior. “Dizes que sim,
que queres. – Está bem. – Mas... queres como um avaro quer o seu ouro,
como uma mãe quer ao seu filho, como um ambicioso quer as honras, ou
como um pobre sensual quer o seu prazer? – Não? Então não queres”9.

II. A CONVERSÃO DO CENTURIÃO Cornélio, que se lê na primeira leitura


da Missa, demonstra que Deus não faz distinção de pessoas. São Pedro
explica aos outros Apóstolos o que lhe aconteceu: O Espírito Santo desceu
sobre eles, assim como no princípio descera sobre nós10.

A força do Espírito Santo não conhece limites nem barreiras, como não as
conheceu no caso de Cornélio, que não pertencia à raça nem ao povo judeu.
Também não as conhece na nossa vida pessoal: por um lado, temos que
desejar ser santos; por outro, se Deus não edifica a casa, em vão trabalham
os que a constroem11. A humildade far-nos-á contar sempre e antes de mais
nada com a graça de Deus. Depois, virá o nosso esforço pessoal por adquirir
virtudes e, juntamente com esse esforço, o nosso empenho apostólico, pois
não podemos pensar numa santidade pessoal que ignore os outros, pois isso
seria um contra-senso; e, por último, o nosso desejo de estar com Cristo na
Cruz, quer dizer, de ser mortificados, de não rejeitar o sacrifício nem em
coisas pequenas nem, se for preciso, nas grandes.

Temos que estar prevenidos para não nos aproximarmos de Deus com
regateios, querendo tornar compatível o amor a Deus com aquilo que não lhe
agrada. Devemos esforçar-nos por alimentar continuamente na oração os
nossos desejos de santidade, pedindo a Deus a graça de saber lutar todos os
dias, de saber descobrir no exame de consciência em que pontos o nosso
amor se está apagando. Os desejos de santidade tornar-se-ão realidade
mediante o cumprimento delicado dos nossos actos de piedade, sem
abandoná-los nem adiá-los seja por que motivo for, sem nos deixarmos levar
pelo estado de ânimo nem pelos sentimentos, pois “a alma que ama a Deus
de verdade não deixa, por preguiça, de fazer o que pode para encontrar o
Filho de Deus, seu Amado. E depois de ter feito tudo o que pode, não fica
satisfeita, pois pensa que não fez nada”12.

A humildade é a virtude que não nos deixará dar-nos ingenuamente por


satisfeitos com o que já fizemos, nem nos deixará ficar somente em desejos
teóricos, pois sempre nos fará ver que podemos fazer mais para traduzir
esses desejos em obras de amor, impedindo que a realidade dos nossos
pecados, ofensas e negligências deite por terra os nossos sonhos. A
humildade não corta as asas dos desejos, mas faz-nos compreender a
necessidade de recorrermos a Deus para convertê-los em realidade. Com a
graça divina, faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para que as
virtudes se desenvolvam na nossa alma, de modo a afastarmos os
obstáculos, a evitarmos as ocasiões de pecar e a resistirmos com valentia às
tentações.

III. MINHA ALMA tem sede de Deus, do Deus vivo. Mas será compatível
essa sede com a consciência dos nossos defeitos e mesmo das nossas
quedas? Sim, porque não são santos os que nunca pecaram, mas os que
sempre se levantaram. Renunciar à santidade porque nos vemos cheios de
defeitos é uma manifestação disfarçada de soberba e uma evidente covardia,
que acabará por afogar os nossos desejos de Deus. “Abater-se demasiado e
sucumbir perante as adversidades é próprio de uma alma covarde e que não
tem a vigorosa virtude de confiar nas promessas do Senhor”13.

Deixar Deus, abandonar a luta porque temos defeitos ou porque existem


adversidades é um grave erro, uma tentação muito subtil e muito perigosa,
que nos pode levar a essa manifestação de soberba que é a pusilanimidade,
a falta de ânimo e valor para tolerar as desgraças ou para tentar realizar
coisas grandes. Talvez precisemos de não criar falsas ilusões, porque
quereríamos ser santos em um só dia, e isso não é possível, a não ser que
Deus decida fazer um milagre, que não tem por que fazê-lo, pois nos dá
contínua e progressivamente – pelos canais ordinários – as graças de que
necessitamos.

O desejo de sermos santos, quando é eficaz, consiste num impulso


consciente e decidido que nos leva a usar de todos os meios para alcançar a
santidade. Sem desejos, não há nada a fazer; nem sequer se tenta. Mas
somente com desejos não se vai a parte nenhuma. “É preciso, pois, ter
paciência, e não pretender desterrar num só dia tantos maus hábitos que
adquirimos pelo pouco cuidado que tivemos com a nossa saúde espiritual”14.

Deus conta com o tempo e é paciente com cada um de nós. Se


desanimamos com a lentidão do nosso avanço espiritual, temos que lembrar-
nos de como é péssimo afastar-se do bem, deter-se diante das dificuldades e
descoroçoar-se com os defeitos próprios. Precisamente nessas circunstâncias
é que Deus nos pode conceder mais luzes para examinarmos melhor a nossa
consciência e para empreendermos com mais ânimo a luta em muitos outros
pontos de batalha, lembrando-nos de que os santos sempre se consideraram
grandes pecadores e justamente por isso procuraram aproximar-se mais de
Deus por meio da oração e da mortificação, confiantes na misericórdia divina:
“Esperemos com paciência que haveremos de melhorar e, ao invés de nos
inquietarmos por termos feito pouco no passado, procuremos com diligência
fazer mais no futuro”15.

Como a corça anseia pelas águas vivas, assim a minha alma suspira por
vós, ó meu Deus. Mantenhamos vivo o desejo de Deus; alimentemos todos os
dias a fogueira da nossa fé e da nossa esperança com o fogo do amor a
Deus, que aviva as nossas virtudes e queima a nossa miséria, e saciaremos a
nossa sede de santidade em águas que saltam até a vida eterna16.

(1) Sl 41; Salmo responsorial da Missa da segunda-feira da quarta semana do Tempo Pascal;
(2) Mt 16, 26; (3) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 96; (4) Conc. Vat. II, Const.
Lumen gentium, 40; (5) ib., 42; (6) Dan 9, 23; (7) Santa Teresa, Caminho de perfeição, 21, 2;
(8) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 628; (9) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 316; (10)
At 11, 15-17; (11) Sl 126, 1; (12) São João da Cruz, Cântico espiritual, 3, 1; (13) São Basílio,
Homilias sobre a alegria; em F. Fernandez Carvajal, Antologia de textos, n. 1781; (14) J.
Tissot, A arte de aproveitar as próprias faltas, pág. 14; (15) ib., págs. 24-25; (16) cfr. Jo 4, 14.

(Fonte: Website de Francisco Fernández Carvajal AQUI)

Você também pode gostar