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A LEI N.

12234/2010 E A PRESCRIÇÃO RETROATIVA

Rogério Roberto Gonçalves de Abreu

Com a Lei n. 12234, de 05 de maio de 2010, o art. 110 do Código Penal


brasileiro ficou com a seguinte redação:

Prescrição depois de transitar em julgado sentença final


condenatória

Art. 110 – A prescrição depois de transitar em julgado a


sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-
se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam
de um terço, se o condenado é reincidente. (Redação dada
pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

§ 1º A prescrição, depois da sentença condenatória com


trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido
seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em
nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da
denúncia ou queixa. (Redação dada pela Lei nº 12.234, de
2010).

§ 2º (Revogado pela Lei nº 12.234, de 2010).

O Código Penal brasileiro previa a prescrição da pretensão punitiva (que


alguns chamam de prescrição da ação penal) com base na pena concretamente
aplicada pelo poder judiciário (sentença ou acórdão) e determinava que ela fosse
verificada em cada um dos intervalos entre a data do fato e cada uma das causas
interruptivas do curso do prazo prescricional (CP, 117).

O que a nova Lei n. 12234/2010 fez foi eliminar um desses intervalos, aquele
que vai desde a data do fato até o recebimento da denúncia, que passa a ter seu
prazo prescricional exclusivamente definido em função da pena máxima
abstratamente cominada ao fato pela norma penal incriminadora.

Embora pareça, à primeira vista, que a modificação foi tímida demais, não
posso concordar com isso. Na verdade, se levarmos em conta a série de iniciativas
atuais com relação ao controle das atividades judiciais com relação à celeridade
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processual e à efetividade da função jurisdicional, veremos que as perspectivas são


extremamente alvissareiras.

O intervalo de tempo que não conta mais para a prescrição pela pena
aplicada concretamente na sentença era justamente aquele sobre o qual o poder
judiciário não tinha como interferir de forma decisiva. Trata-se do intervalo de tempo
apropriado para os trabalhos de investigação criminal a serem desenvolvidos pela
polícia e para a formação do convencimento do representante do Ministério Público
sobre o ajuizamento da ação penal. Nesse momento, tem lugar o inquérito policial
ou a apuração administrativa do fato pelos órgãos de controle interno ou externo da
Administração Pública. Não há como o juiz controlar o tempo necessário para que os
órgãos respectivamente competentes terminem os trabalhos de investigação.

Antes da Lei n. 12234/2010, também nesse intervalo se contava a prescrição


com base na pena em concreto, mesmo que uma eventual demora nele ocorrida não
tivesse nada a ver com o trabalho do poder judiciário, e mesmo que nesse
andamento em nada pudesse interferir.

Vejamos um exemplo: os crimes previstos no art. 1º, I e II, do Decreto-Lei n.


201/67 (crimes de responsabilidade praticados por prefeitos) tem penas privativas de
liberdade abstratamente cominadas de dois a doze anos. De acordo com a pena
máxima, o prazo prescricional seria de dezesseis anos (CP, 109, II). Se a apuração
do fato pelos órgãos de controle interno ou externo e pela autoridade policial no
inquérito durarem cinco anos, não teria havido prescrição. Contudo, se o juiz do
processo, em seu final, condenar o réu na pena mínima de dois anos, o prazo
prescricional será de quatro anos (CP, 109, V). Como entre a data do fato e o
recebimento a denúncia decorreram cinco anos, a pretensão punitiva do fato estaria
definitivamente prescrita.

Nesse caso, sem que se possa atribuir ao poder judiciário qualquer


responsabilidade pela demora na apuração do fato, o réu terá sido beneficiado pela
incidência do prazo de prescrição de acordo com a pena concretamente aplicada
pelo juiz no processo. Evitando esse tipo de coisa, o novo art. 110 do Código Penal
proíbe, em qualquer circunstância, que a contagem do prazo prescricional de acordo
com a pena em concreto seja feita levando-se em conta o intervalo entre a data do
fato e o recebimento da denúncia ou da queixa.
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A partir de agora, a prescrição da pretensão punitiva com base na pena


concretamente aplicada, após o trânsito em julgado para a acusação (o que significa
que não poderá mais haver aumento de pena, sendo aquela a pena máxima que
poderá sofrer o réu ao final), somente poderá ser contada nos intervalos entre
marcos interruptivos posteriores à denúncia ou queixa.

Como a demora no curso do processo pode bem ser fiscalizada e controlada


pelo poder judiciário, evita-se que o juiz seja obrigado a reconhecer a prescrição
pela pena em concreto por demora que nem lhe possa ser atribuída e que tampouco
poderia ter agido para evitar. A demora que interessa agora é a mora judicial, não
mais a mora administrativa, a mora policial ou a mora atribuível ao Ministério
Público.

Veja-se que a Constituição Federal prevê como princípio a razoável duração


do processo, o que se aplica tanto ao processo civil quanto ao processo penal, pois
é direito do acusado ver sua situação definitivamente julgada pelo Estado-juiz no
menor tempo possível, eliminando-se a instabilidade naturalmente gerada pela
condição de réu em um processo criminal. Por outro lado, temos o Conselho
Nacional de Justiça atuando em prol do controle sobre o tempo de duração média
dos processos judiciais. Além disso, há reformas processuais que cada vez mais
otimizam a prestação do serviço judicial, conferindo ao juiz meios para levar à cabo
sua função da forma mais rápida e justa possível.

Por tudo isso, aquilo a que me referi acima como mora judicial é um
fenômeno hoje em dia extremamente combatido por diversas vias e instrumentos, de
forma que a prescrição da pretensão punitiva com base na pena em concreto –
prescrição retroativa – a partir do recebimento da denúncia ou da queixa tende a ser
um fenômeno em extinção. Quanto ao intervalo anterior à denúncia ou queixa,
cuidou a Lei n. 12234/2010 de impedir que seja levado em conta para efeito de
prescrição retroativa, sempre se lhe aplicando a prescrição de acordo com a pena
máxima abstratamente cominada para o crime.

Em resumo, a Lei n. 12234, de 05 de maio de 2010, trouxe à comunidade


jurídica brasileira e, sobretudo, à justiça criminal uma notícia boa e, por que não
dizer, bastante promissora.

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