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NOVAS NARRATIVAS IMERSIVAS EM


VIDEOGAMES: UMA ANÁLISE DO JOGO SILENT HILL:
SHATTERED MEMORIES

03/2010

GT 1 – Jogos eletrônicos e narrativas

VI Seminário Jogos Eletrônicos, Educação e Comunicação


UNEB 06 e 07 de Maio de 2010

Autor:
Matias Sebastião Peruyera
matiasperuyera@gmail.com

Gustavo Guilherme Lopes


gustavo@mt2.com.br

Faculdade Internacional de Curitiba – FACINTER


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Resumo

A série Silent Hill se caracteriza por jogos com cenários próprios de um pesadelo.
Apesar de terem personagens bem construídos, uma estética própria e um roteiro complexo, o
último jogo da série, Silent Hill: Shattered Memories, traz inovações que o deixam mais próximo
a jogos como Shenmue e Heavy Rain, que têm narrativas mais próximas à linguagem
cinematográfica, eliminando distrações para focar na história; além de se aproveitar de
recursos tecnológicos e narrativos para garantir a imersão do jogador. Outro aspecto inovador
do jogo é que ele analisa o comportamento do jogador para criar uma personalidade para o
protagonista do jogo, o que é inédito na indústria.
Todos esses fatores, se bem não fazem que o jogo quebre paradigmas, contribuem
para a evolução da narrativa dos videogames.

Palavras-chave

Jogos eletrônicos, videogames, narrativas, interatividade, imersão

Introdução

Este artigo analisa as mudanças introduzidas no último jogo de


videogame da série Silent Hill, “Silent Hill: Shattered Memories”. Ele se
diferencia dos anteriores da série por focar mais na interatividade e imersão do
jogador na história do que em lutas com inimigos e resolução de puzzles. Isso
o deixa mais próximo da linguagem cinematográfica do que os games
tradicionais.
Neste trabalho serão analisados os jogos anteriores da série, os
elementos que permaneceram e os elementos que o novo jogo traz. Também
será analisada a construção da personalidade do avatar através das atitudes
do jogador, outro elemento importante desta nova versão do game. Para tanto,
serão consideradas as versões para consoles; e no caso de Shattered
Memories, a versão para Nintendo Wii.

Os jogos prévios da série Shattered Memories

Os cenários da série (a cidade de Silent Hill e outras cidades) variam


entre um estado de desolação, com uma neblina constante (para causar
angústia e claustrofobia) e a cidade abandonada por completo, sem nenhum
habitante e com monstros que os avatares devem combater. Outro estado, o
chamado otherworld, é uma realidade paralela que é uma versão infernal dos
mesmos ambientes.
Os jogos se passam tanto em ambientes externos como internos. Na
cidade, ruas bloqueadas limitam o caminho, forçando o jogador a ir até locais
como escolas e hospitais, onde se desenvolverão ações mais específicas; é
onde acontece a maioria dos puzzles, que geralmente requerem juntar objetos
espalhados por vários lugares, para executar uma ação necessária a dar
continuidade ao jogo, como por exemplo, encontrar as chaves corretas para
abrir uma porta.
Algumas ruas ou ambientes são dispensáveis para o andamento do
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jogo, mas servem para obter objetos, pistas, itens que recuperam a vitalidade
(life1) do personagem e armas.
O jogo somente pode ser salvo em locais determinados e o game over2
acontece quando o personagem principal perde todo seu life. Nesse caso, o
jogo recomeça desde o último ponto onde o jogador salvou a partida.
Os personagens usam uma lanterna, que ilumina e atrai os inimigos, e
um rádio quebrado que emite estática quando monstros estão próximos. Além
disso, podem ser encontradas diversas armas durante o jogo.
Os diferentes finais do game dependem do jogador ter executado ou
não determinadas ações. Geralmente variam entre finais “bons”, quando o
avatar cumpre seu objetivo, e “ruins”, quando além de não cumprir seu
objetivo, este ainda causa danos a outros NPCs (non player characters).
Completar o jogo demora em média 6 a 12 horas (não precisam ser
consecutivas, pois há a opção de salvar para continuar em outro momento).
A interação é similar nas diversas plataformas disponíveis, apesar das
diferenças de imersão entre consoles, PCs e consoles portáteis.

Silent Hill

O primeiro jogo da série, lançado para Playstation em 1999, narra a


história de Harry Mason, uma pessoa comum que leva Cheryl, sua filha
adotiva, a Silent Hill. Quase chegando à cidade, ele faz uma manobra brusca
para desviar seu carro de uma criança que está no meio da estrada e sofre um
acidente. Quando ele volta a si, Cheryl não está mais no carro. Harry sai então
à procura de sua filha, e encontra a policial Cybill, que promete ajudá-lo. Logo
Harry descobrirá que por trás do desaparecimento de sua filha se esconde uma
seita que quer ressuscitar um deus pagão.
São quatro finais possíveis para este game, que dependem do jogador
encontrar dois elementos fundamentais à trama; as diferentes combinações
deles nos dão quatro finais diferentes. Se ele encontrar os dois, o final será
“bom”. Encontrar somente um dos elementos leva a dois finais diferentes. E
não encontrar nenhum leva ao final “ruim”.

Silent Hill 2

O segundo jogo da série foi lançado para os consoles Playstation 2,


XBox e para PC no ano de 2001. O personagem principal é James Sunderland,
que recebeu uma carta de sua esposa Mary, morta alguns anos antes, dizendo
para encontrá-lo onde passaram a lua de mel, em Silent Hill, que ainda não
havia se tornado uma cidade-fantasma. Lá, ele encontra Maria, uma stripper
idêntica a sua esposa, porém com uma personalidade mais forte que a de
Mary. Novamente a lanterna, o rádio com estática e as armas são os
instrumentos necessários para se chegar ao final, porém os temas desse jogo
são menos místicos, mais psicológicos e sexuais, com um roteiro controverso
que envolve assuntos como eutanásia, estupro, incesto e suicídio.
O final também apresenta variáveis, porém de maneira menos lógica
que o primeiro jogo. O final depende do comportamento do jogador com
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relação à lembrança de Mary, com relação a Maria, e com relação a ele


mesmo. Por exemplo, o jogador tem uma foto e uma carta da esposa, e ver
esses objetos freqüentemente demonstra amor pela esposa. Cuidar de Maria
demonstra apreço por ela. E não recuperar o life depois de uma luta é um fator
que denota falta de auto-estima. Esses e vários outros fatores influem sobre
qual dos quatro finais será alcançado. Nenhum deles pode ser considerado um
final “feliz” ou “ruim”. Esta metodologia é um precedente para a mecânica de
Silent Hill: Shattered Memories.

Silent Hill 3

A personagem principal é Heather, filha de Harry Mason (protagonista


do primeiro jogo), que aparece ainda bebê nos finais “bons” do primeiro jogo da
série. Ela está em um shopping center quando é encontrada por um detetive
que diz saber coisas do seu passado. Ela entra no banheiro para fugir dele, o
shopping muda para o otherworld. No meio do jogo, ela deve ir a Silent Hill
para investigar seu passado.
Somente o final “bom” pode ser alcançado da primeira vez que se joga.
Jogando de novo, é possível conseguir o final “possessed”, matando o maior
número de inimigos possível e recebendo dano com freqüência. Além disso, há
uma cena em um confessionário, que a resposta também ajuda a conseguir
esse final.

Silent Hill 4: The Room

Um dia, Henry Townshend acorda em seu apartamento, na cidade de


Ashfield, com a porta trancada por dentro com correntes e cadeados, que ele
não pode abrir. Os vizinhos parecem ignorá-lo, e tudo que ele pode ver do
mundo exterior é o que ele vê pela janela, pelo olho mágico da porta, e por um
buraco pelo qual se pode ver o quarto de sua vizinha, Eileen. Ele descobre um
buraco na parede do banheiro, uma espécie de portal que o leva para vários
lugares nos quais a história se desenrola.
O final, assim como no primeiro jogo, há dois fatores cujas
combinações levam a quatro finais diferentes, novamente variando entre um
final “bom” e um “ruim”. Porém, no primeiro jogo eram ações pontuais; neste
caso, ambos devem ser trabalhados durante o jogo para se conseguir o final
desejado.

Silent Hill: Origins

Lançado em 2008, conta os acontecimentos prévios ao primeiro jogo.


O caminhoneiro Travis Grady salva uma menina (Alessa Gillespie, personagem
chave do primeiro jogo) de um incêndio. Ele desmaia e acorda no meio da
cidade de Silent Hill, onde procura a menina em um hospital, mas ninguém
sabe nada sobre ela.
Os finais, assim como no terceiro jogo, são dois. O “ruim” só pode ser
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alcançado na segunda vez que se joga. Para alcançá-lo, também se deve


matar o maior número possível de inimigos.

Silent Hill: Homecoming

Lançado em 2008 para XBox 360, Playstation 3 e PC, tem Alex


Shepherd como personagem principal. Ele volta da guerra e encontra sua
cidade, Shepherd’s Glen, envolta em neblina e com monstros na rua. A mãe de
Alex está em estado catatônico e seu pai e irmão menor estão desaparecidos.
Ele começa a investigar e as pistas o levam a Silent Hill, cidade vizinha a
Shepherd’s Glen.
O final do jogo é determinado por duas ações pontuais que levam a
quatro finais diferentes, assim como no primeiro jogo.

A mecânica de Shattered Memories

Silent Hill: Shattered Memories é uma releitura dos acontecimentos


narrados no jogo que deu início à série. Essa releitura se dá com o avatar indo
a uma sessão de terapia para trabalhar com as lembranças do que aconteceu
nesse primeiro jogo. O terapeuta entrega uma folha de teste com várias
questões, que deverão ser respondidas antes de o jogo começar.

Figura 1: tela de Silent Hill, mostrando o plano aberto, o mais comum no jogo.

A jogabilidade e estética de Shattered Memories difere bastante dos


jogos anteriores. Em vez de usar planos abertos, a câmera mostra Harry em
um plano médio que às vezes se transforma em um plano subjetivo,
reservando o plano mais aberto para algumas ocasiões (Figs. 1 e 2). A cidade
ainda tem o aspecto angustiante, mas o otherworld deixa de ser um cenário
infernal avermelhado para ser uma cidade congelada, com blocos de gelo
gigantes e montanhas de neve obstruindo passagens. Não há armas e nem
itens que aumentem o life do personagem. Não há lugares específicos para
salvar; o jogador pode salvar a qualquer momento. Inimigos aparecem
somente no otherworld, mas desta vez Harry não pode matá-los; o jogador
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somente pode se defender deles enquanto procura uma rota de escape. Se


Harry for capturado e morto, o jogador simplesmente tem de refazer a rota de
escape até conseguir.

Figura 2: tela de Silent Hill Shattered memories, com um plano mais fechado. Este plano é
mantido em boa parte do jogo, junto com planos subjetivos.

Quebra de paradigmas

1- Consoles

A série Silent Hill costumava se beneficiar das possibilidades das


plataformas mais modernas disponíveis no mercado. Enquanto Homecoming
foi lançado para XBox 360 e Playstation 3 (os consoles mais poderosos da
chamada 7ª geração), além de uma versão para PC, Shattered Memories foi
lançado para o Nintendo Wii, console com capacidade de processamento
menor, mas cujos controles que detectam movimento permitem uma interação
mais natural com o jogo. Também foram lançadas versões para Playstation 2 e
Playstation Portable, porém não têm o recurso de detecção de movimentos.
A escolha por esses consoles indica também uma tentativa de oferecer
o jogo a um público menos “hardcore” 3. Grande parte dos usuários do Wii são
jogadores casuais, que poderiam gostar de uma versão mais fácil de jogar do
que os jogos anteriores.

2- Armas e inimigos

Não há armas em Shattered Memories. Como explicado, os inimigos


aparecem somente durante algumas seqüências em que Harry vai para o
otherworld gélido. Mais do que dificultar o progresso do jogo, servem para
quebrar um pouco a exploração com momentos de mais ação; não poder ata-
car os monstros aumenta o clima angustiante e ao mesmo tempo ressalta o
fato que Harry é uma pessoa comum. Fora desses momentos, o jogador não
precisa se preocupar com ataques e pode prestar mais atenção na história.
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Imersão

Videogames se diferenciam de outras mídias pela maneira como lidam


com a imersão do jogador/ espectador:

Seu maior mérito encontra-se na alçada da imersão: enquanto os meios de


reprodução tradicionais, como o cinema, clamam por uma imersão passiva,
onde o leitor (já que tudo, de certa forma, é texto simplesmente absorve o que
é transmitido e a interação é praticamente condensada ao ato da interpretação
textual, o videogame transpõe todo esse processo a um patamar diferente, onde a
imersão se dá de forma muito mais palpável. (...) Isso acontece porque os games não
se utilizam da estrutura familiar da narrativa para contar suas histórias, ao invés disso,
eles se baseiam na estrutura semiótica alternativa conhecida como simulação.
(FALCÃO, 2007)

A simulação citada por FALCÃO é maior em Shattered Memories,


principalmente graças aos sensores de movimento do Wii: o movimento é
usado em lutas, para mexer objetos, resolver puzzles. O Wiimote4 emula uma
lanterna, controlando o facho de luz. O altofalante do Wiimote também é usado
para emular um telefone celular; é através dele que sai o som das conversas e
mensagens de voz que fazem parte da trama principal ou das tramas paralelas
da história.
O celular também serve para fazer ligações a pessoas encontradas no
desenrolar do jogo. Essas ligações podem ser feitas a qualquer momento (e
provavelmente terão influência no final, como veremos a seguir). Também é
possível (e às vezes, necessário) ligar para telefones que aparecem em
cartazes ou avisos.
O telefone também serve de interface para certas tarefas do jogo,
como salvar, o que colabora para a imersão. “Não queremos que você veja
uma tela de interface de usuário neste jogo, não queremos te puxar para fora
do jogo, então é tudo em tempo real, tudo no jogo”, disse Sam Barlow,
designer-chefe da Climax (produtora), em entrevista ao site IGN. (BARLOW,
2009)
Shattered Memories troca o plano aberto dos jogos anteriores por um
plano médio que passa freqüentemente a uma câmera subjetiva. Em parte
graças a este tipo de plano, tudo o que está escrito é legível e os objetos têm
detalhes minuciosos.

Um único save

Ao contrário dos anteriores, o jogo não permite usar vários arquivos de


save5. Cada partida só pode ser salva por cima de seu próprio arquivo. Isso faz
com que cada jogo seja único, e incita o jogador a jogar novamente, testar
outras opções, ou inclusive dar ao personagem outra personalidade que o
levará a caminhos e finais diferentes.
Isso também aumenta o replay value. Não é possível descobrir as
diferentes ramificações da trama sem começar o jogo do zero. O que também
estimula a interpretação de papéis diferentes a cada jogo.
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Puzzles

Nos jogos anteriores, muitos puzzles envolviam problemas de lógica e


recolher determinados objetos para avançar no jogo. Em Shattered Memories,
os puzzles são muito mais fáceis. Se há uma porta que precisa ser aberta, a
chave estará no mesmo ambiente, e bem sinalizada. O máximo de esforço é
interagir com mecanismos simples, cuja função, mais do que desafiar o
jogador, é deixá-lo mais imerso no universo do jogo.

Histórias paralelas

Os rádios sempre cumpriram um papel importante na série, emitindo


ruídos quando inimigos se aproximavam. Aqui é o celular de Harry que faz
barulho, mas não quando há inimigos, e sim quando há “lembranças” por perto.
Em alguns ambientes, o jogador deve caminhar até um ponto onde terá uma
breve visão de um fato passado, e logo depois receberá uma mensagem de
voz ou de texto contando fragmentos de histórias que se passaram nesses
ambientes. Outras “lembranças” aparecem em forma de objetos sem
importância para a trama, os chamados mementos, que, segundo o próprio
jogo, alguma vez tiveram importância para alguém. Alguns deles fazem
referência a Harry e sua família.
Também há personagens secundários, cada um com suas histórias,
que Harry encontra durante sua busca. Suas histórias por vezes parecem não
encaixar na trama, mas depois começam a fazer sentido.
Esses recursos ajudam a entender a cidade de Silent Hill como um
lugar onde há mais histórias além das vividas pelos protagonistas dos jogos; a
cidade aparece como um lugar que já foi normal e não somente como uma
cidade-fantasma habitada por monstros.

O fator role-playing

Como o jogo adverte no início, “this game plays you as much as you
play it” 6. Assim como em Silent Hill 2, o jogo recolhe informação sobre a
personalidade do jogador. Além de analisar suas atitudes, como em SH2 e
SH4, ele usa as respostas dos testes aplicados pelo terapeuta. Por exemplo,
durante o jogo há uma cena com latas que podem ser de refrigerante ou
cerveja; isso depende de como o jogador respondeu uma pergunta do teste
inicial sobre gostar ou não de álcool. Outras variáveis incluem caminhos que
abrem ou fecham, o momento em que aparecerão alguns personagens, sua
roupa e atitudes, entre outras. (por exemplo, a policial Cybil pode aparecer
sensual e doce, como uma policial normal, ou mais masculinizada e agressiva,
dependendo das respostas, como mostra a Figura 3). Até pequenas atitudes
como olhar para uma mulher trocando de roupa influenciam no rumo do jogo.
9

Figura 3: as três versões da policial Cybil: a mais sensual e amigável, a normal, e a mais
masculinizada e agressiva. Algumas respostas ao teste inicial é o que determina qual
aparecerá.

Isso permite que o jogador deixe transparecer sua personalidade, ou


escolha atuar de determinada maneira. Ele pode se colocar no papel de um pai
que procura sua filha, ou pode explorar mais os ambientes.
Os finais possuem pouca variação, mas são levadas em conta as
escolhas feitas nos testes e as atitudes tomadas durante o jogo. As nuances
são tantas que mesmo jogadores mais experientes, que costumam escrever
walkthroughs7, não conseguiram catalogar todas as causas e efeitos.

Construção do personagem

Com o avanço da tecnologia usada em videogames, os personagens


ficaram cada vez mais complexos, com mais personalidade e melhor
construídos, como afirma o game designer Steve Meretzky. Outro game
designer, Rob Fulop, tem outro ponto de vista:

Quando você joga um jogo 10 mil vezes, os gráficos ficam invisíveis. Tudo vira
impulso. Não é a parte do seu cérebro que processa o roteiro, o personagem, a
história. Se você assiste um filme, você se torna o herói – Gilgamesh, Indiana Jones,
James Bond, quem quer que seja. Os garotos dizem que querem ser isso. Em um jogo,
Mario não é um herói. Eu não quero ser ele, ele é eu. Mario é um cursor. (FULOP
apud ROSENBERG, 1993)

FRASCA concorda com a falta de personalidade dos personagens de


videogames, e que quanto mais liberdade dada ao jogador, menos
personalidade o personagem tem.
Os personagens de Silent Hill, principais e secundários, são muito bem
construídos. Cada um tem um passado, uma história, uma personalidade bem
definida, que é apresentada ao jogador já no guia que acompanha o jogo, e vai
se definindo no decorrer do mesmo, através de suas falas e durante as
cutscenes. Porém, essa personalidade não se manifesta durante os momentos
de ação; ele somente deve se defender dos inimigos e buscar os elementos
necessários para resolver os puzzles.
Em Silent Hill 2, as atitudes que determinam o final servem para definir
quem o jogador ama mais, Mary ou Maria, mas não são suficientes para
falarmos em personalidade. Já Shattered Memories leva isso a outro patamar:
as atitudes são mais sutis ainda, e determinam a personalidade de Harry
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Mason. Ele tem um passado, uma missão, mas quem determina sua
personalidade (e por consequencia o final da história) é o jogador.

Figura 4: tela de Shenmue II. O primeiro jogo da série foi lançado pela Sega em 1999 e foi
pioneiro em oferecer um ambiente possível de ser explorado quase por completo.

Figura 5: tela de Heavy Rain, lançado em 2010. Assim como Silent Hill, quase não há
elementos de interface na tela.

Conclusão

A aproximação dos games com a linguagem cinematográfica não é


inédita; em 1999 foi lançado Shenmue, a primeira superprodução do setor de
jogos, que conta a saga de Ryu Hazuki e a vingança da morte do seu pai
(Figura 4); ou os jogos da produtora francesa Quantic Dream, como o recém
lançado Heavy Rain (Figura 5), jogo sobre um assassino serial de crianças, no
qual o jogador alterna entre quatro personagens.
Há jogos que por trás da ação de jogar escondem bons roteiros, como
as séries de terror Resident Evil e Fatal Frame, vários RPGs8 e shooters9 como
Bioshock. Silent Hill: Shattered Memories, também dono de um bom roteiro,
propõe aproveitar mais a história do que cansar o jogador com desafios
tediosos, e usa os recursos próprios dos games para proporcionar uma
imersão somente possível nos jogos eletrônicos.
A indústria de jogos, cujos lucros já superam os da indústria do cinema,
11

tem um papel cada vez mais importante na chamada indústria cultural. Os


gêneros se influenciam e se retroalimentam, e Shattered Memories é um bom
exemplo disso. Apesar de não se aproximar tanto do cinema como Shenmue e
Heavy Rain, Shattered Memories também toma muitos elementos dele,
colaborando para descobrir novas maneiras de contar histórias e para
aproveitar melhor as possibilidades dos games, que estão cada vez mais longe
do estereótipo de jogos de tiros e têm cada vez mais identidade própria.

1
Puzzles, ou quebra-cabeças, são situações em que o jogador deve resolver problemas de
lógica e inteligência.
2
Fim do jogo, em inglês. Termo típico dos videogames.
3
Denominação para jogadores mais experientes e dedicados à atividade de jogar.
4
Controle principal do console Wii, conta com sensores de movimento, aceleração e de
posição. Conta também com um pequeno alto-falante.
5
Recurso que permite salvar em um arquivo o progresso do jogo, para continuar em outro
momento.
6
“Este jogo joga você tanto quanto você o joga”
7
Conhecidos no Brasil como “detonados”, são guias que orientam o jogador sobre como
avançar no jogo.
8
Role-Playing Games. Em videogames, o termo se refere a jogos nos quais a história tem um
caráter mais épico e mais demorado, com vários personagens.
9
Jogos de ação caracterizados pelo uso de armas de fogo.
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Referências

BARLOW, Sam apud Matt CASAMASSINA. “Silent Hill: Shattered Memories


Interview”. Disponível em http://wii.ign.com/articles/971/971319p1.html. Último
acesso: 24/3/2010.

FALCÃO, Thiago . “Quando Metaversos Colidem: Mundos Virtuais e suas


conseqüências na correspondência entre Real e Simulação”. UFBA, 2007.

FRASCA, Gonzalo. “Rethinking Agency and Immersion: playing with videogame


characters.” Siggraph, 2001.

FULOP, Rob apud ROSENBERG, Scott. “The Latest Action Heroes”. Wired
Magazine, 3/1/1993. Disponível em
http://www.wired.com/wired/archive/3.01/action.heroes.html?pg=3. Último acesso:
24/3/2010.

MERETZKY, Steve. “Building Character: An Analysis of Character Creation”,


Gamasutra, 2001. Disponível em http://www.gamasutra.com/
resource_guide/20011119/meretzky_01.htm. Último acesso: 24/3/2010.

Jogos

SILENT HILL, produzido e editado pela Konami, lançado em 1999 para Playstation.

SILENT HILL 2, produzido e editado pela Konami, lançado em 2001 para Playstation2,
XBox e PC.

SILENT HILL 3, produzido e editado pela Konami, lançado em 2003 para Playstation 2
e PC.

SILENT HILL 4: THE ROOM, produzido e editado pela Konami, lançado em 2004 para
Playstation 2, XBox e PC.

SILENT HILL ORIGINS, produzido pela Climax e editado pela Konami, lançado em
2007 para Playstation Portable e em 2008 para Playstation 2.

SILENT HILL HOMECOMING, produzido pela The Collective e editado pela Konami,
lançado em 2008 para Playstation 3, XBox 360 e PC.

SILENT HILL: SHATTERED MEMORIES, produzido pela Climax e editado pela Konami, lançado
em 2009 para Wii e em 2010 para Playstation 2 e Playstation Portable.

SHENMUE, produzido pela Sega-AM2 e editado pela Sega, lançado em 1999 para Dreamcast.

HEAVY RAIN, produzido e editado pela Quantic Dream, lançado em 2010 para Playstation 3.

RESIDENT EVIL, série de jogos lançados entre 1999 e 2009, editados pela Capcom
para várias plataformas.

FATAL FRAME, série de jogos lançados entre 2001 e 2008, editados pela Capcom
para várias plataformas.

BIOSHOCK, produzido e editado pela 2K, lançado em 2008 para PS3, XBox 360 e
PC.

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