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EXPERIÊNCIA

CRIATIVA: PROTÓTIPO
DE JOGOS EM
CONSTRUCT

Gabriel Fonseca Silva


Introdução ao
design de games
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Definir jogos digitais e seus elementos.


 Descrever o design de games: conceito e tipos de jogos.
 Discutir os papéis de um game designer como criador de experiências.

Introdução
Com a queda no preço de computadores pessoais e smartphones e
aumento de sua capacidade de processamento, a indústria do entrete-
nimento tem sido tomada por jogos digitais. O principal atrativo dessa
mídia é permitir que o usuário tenha uma interação direta com a expe-
riência, ao contrário de mídias tradicionais, como cinema, livros e teatro.
Diversos profissionais participam do desenvolvimento de um jogo digital.
Programadores são encarregados de implementar as regras do jogo,
artistas de criar uma estética única e escritores de montar uma narrativa
rica e interessante. Dentro dessa equipe multidisciplinar está o designer
de games, responsável por moldar o jogo e suas regras para proporcionar
uma experiência interativa e cativante para seus jogadores.
Neste capítulo, você vai estudar diferentes definições usadas para
estabelecer o que é um jogo e quais distinções devem ser feitas quando
lidamos com jogos digitais. Você também vai aprender a distinguir jogos
de diferentes plataformas e quais elementos são mais comuns em cada
grupo. Por fim, entenderá o papel e as responsabilidades de um game
designer dentro de uma equipe de desenvolvimento, sua relação com
os jogadores, a criação de experiências interativas e quais passos devem
ser tomados para se tornar um designer de games.
2 Introdução ao design de games

Jogos digitais e suas características


Antes de tentarmos definir o que são jogos digitais, precisamos primeiro ter
uma definição para o termo “jogo”, pois ao usá-lo podemos estar falando sobre
jogos de cartas, jogos de tabuleiros ou jogos atléticos, como uma partida de
futebol ou uma brincadeira de pega-pega (pique-pega). Definir o que são jogos
pode ser uma tarefa complicada, pois não temos um vocabulário formal para
diversos dos termos e elementos relacionados a esse universo, mas todos temos
alguma preconcepção do que é um jogo ou do que ele deve conter. Sabemos
que jogos são divertidos, mas também precisamos definir diversão. Schell
(2014, p. 36, tradução nossa) diz que “[...] diversão é prazer com surpresas”.
Essa definição é baseada no estudo de Berns (2001), segundo o qual o cérebro
considera prazeres inesperados mais recompensadores do que os esperados.
Isso pode explicar o que torna certos jogos tão cativantes para os jogadores,
já que podemos ser surpreendidos pelas ações dos nossos adversários, por
alguma mudança na trama do jogo ou por algum evento aleatório em um jogo
digital. A partir dessa descrição de diversão, vejamos algumas definições para
o termo jogo cunhadas por profissionais e pesquisadores da área.
Segundo Avedon e Sutton-Smith (1971, p. 405, tradução nossa): “[...] jogos
são o exercício voluntário de sistemas de controle, em que há uma disputa entre
poderes, confinada por regras para produzir um resultado desequilibrado”. Essa
definição, apesar de antiga, captura pontos muito pertinentes a jogos, como
a participação voluntária e a presença de regras. O termo “desequilibrado”
indica que em algum momento havia um equilíbrio que foi desfeito, o que nem
sempre é correto em jogos. Há casos em que o jogador é colocado proposital-
mente em uma situação de desvantagem para exigir que apresente a melhor
estratégia possível. Já o trecho sobre “disputa entre poderes” também possui
suas falhas. Quando jogamos Tetris, por exemplo, não estamos diretamente
disputando contra a máquina ou outros jogadores.
De acordo com Brathwaite e Schreiber (2008, p. 6, tradução nossa):

[...] um jogo é uma atividade com regras. É uma forma de brincar que nor-
malmente, mas nem sempre, envolve conflito entre os jogadores, contra o
próprio jogo ou contra aleatoriedade/destino/sorte. A maioria dos jogos possui
objetivos, mas nem todos. A maioria dos jogos possui pontos iniciais e finais
estabelecidos, mas nem todos. A maioria dos jogos exige tomada de decisões
por parte dos jogadores, mas nem todos. Um jogo digital é um jogo (como
definido acima) que utiliza uma tela de vídeo de algum tipo, de alguma forma.
Introdução ao design de games 3

Essa definição é um pouco frustrante, pois, embora defina praticamente


todos os elementos de um jogo, como a presença de regras, conflitos e vitória
ou derrota, deixa claro que cada trecho é valido para a maioria dos jogos, mas
não sempre.
Salen e Zimmerman (2004, p. 11, tradução nossa) propõem uma definição
mais concisa para o termo: “[...] um jogo é um sistema em que os jogadores
participam de um conflito artificial, definido por regras, que tem um resul-
tado quantificável”. Nessa definição, um sistema é um conjunto de pequenos
elementos que, quando unidos, formam algo mais complexo. Há certa ênfase
no termo “artificial”, para indicar que os jogos encontram-se em um tempo-
-espaço separados da vida real e que o que acontece nos limites de um jogo
não deve ter impacto fora dele. O foco neste termo é a principal diferença
entre esta definição e aquela proposta por Avedon e Sutton-Smith (1971). Além
disso, por “resultado quantificável”, Salen e Zimmerman (2004) defendem
que jogos possuem um objetivo, e que ele é encerrado quando um jogador
ganha ou perde.
Salen e Zimmerman (2004) expandem sua definição anterior para incluir
jogos digitais, concentrando-se em quatro características exclusivas deles:

1. Interatividade imediata, porém reduzida: jogos digitais geram uma


resposta imediata quando o jogador interage com eles. Após cada ação
realizada pelo jogador, um conjunto do sistema é ativado, oferecendo
feedback instantâneo e executando ações necessárias para que o jogo
continue. Um equívoco sobre jogos digitais e outras mídias interativas
é acreditar que oferecem uma grande variedade de interações; na ver-
dade cada interação deve ser gerenciada por um sistema restrito e ter
suas regras bem definidas. Em comparação, em um jogo analógico as
possibilidades de interação ficam restritas apenas às limitações físicas
dos jogadores.
2. Manipulação de informação: jogos digitais, por debaixo dos panos, são
grandes sistemas de armazenamento e manipulação de informações.
Para um jogo, os modelos 3D dos personagens, as imagens dos menus,
os diálogos entre personagens e os cálculos de movimentação e dano
não passam de informações armazenadas que são alteradas quando
necessário.
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3. Sistemas complexos automatizados: jogos digitais podem automatizar


regras e conjuntos de ações tão complexos que seriam inviáveis em jogos
analógicos. Esses sistemas podem ser responsáveis por sincronizarem
a movimentação de centenas de personagens, calcular o resultado do
impacto de uma explosão e simular o voo de uma aeronave. Segundo
Dunningan (2000), essa automatização pode gerar um efeito de caixa
preta, em que as regras internas do jogo ficam omitidas do jogador.
Em comparação, em jogos analógicos os sistemas de jogo estão bem
na frente do jogador.
4. Comunicação conectada: jogos digitais podem facilitar a comunicação
entre jogadores, mesmo que a grandes distâncias entre si. Existem
diversas formas de comunicação digital, como troca de mensagens ou
chamadas de vídeo. Jogos digitais utilizam alguns desses elementos,
como chats dentro dos jogos e em alguns casos o uso de canais de voz
entre equipes.

Schell (2014) produziu uma análise a partir das diversas tentativas de


definição para o termo “jogo”, incluindo as mencionadas anteriormente. Essa
análise buscou encontrar pontos em comum entre as diferentes definições
que ajudassem a definir o que é um jogo e também a filtrar não jogos que se
encaixassem nas definições. Como síntese, Schell estabeleceu uma lista de
dez qualidades-chave para jogos:

1. Jogos devem ser disputados intencionalmente.


2. Jogos possuem objetivos.
3. Jogos possuem conflitos.
4. Jogos possuem regras.
5. Jogos podem ser vencidos ou perdidos.
6. Jogos são interativos.
7. Jogos possuem desafios.
8. Jogos podem criar seu próprio valor interno.
9. Jogos cativam seus jogadores.
10. Jogos são sistemas fechados.

Com essa lista, podemos definir o termo “jogo digital” como um jogo
que possui essas qualidades e que utiliza alguma tecnologia digital, como
computadores ou celulares, como meio de interação com o jogador. Agora,
vamos estudar um pouco sobre os elementos que compõem um jogo digital.
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A Tétrade Elementar
Segundo Schell (2014), existem diversas maneiras de dividir os elementos que
compõem um jogo. Uma dessas maneiras é a que ele chama de Tétrade Elementar,
que pode ser vista na Figura 1. Ela é composta por quatro elementos relacionados.

Figura 1. Tétrade Elementar.


Fonte: Adaptada de Schell (2014).

Como se pode ver na figura, a Tétrade Elementar é composta por quatro


elementos relacionados:

 Estética: como o jogo é visto e ouvido pelo jogador, não apenas na


qualidade dos gráficos e trilha sonora, mas também na temática e
ambientação de cada cenário e do mundo como um todo. A estética
costuma receber certo destaque, pois é o primeiro elemento com que o
jogador tem contato ao ver um jogo (sem necessariamente tê-lo jogado).
 Mecânica: o conjunto de regras do jogo, composto pelos objetivos do
jogador e o que ele pode e não pode fazer para atingir esses objetivos.
A mecânica também é o principal ponto de contato entre o jogador e o
resto do jogo. É ela que permite que o usuário tenha uma experiência
interativa e mais imersiva.
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 História: composta pela sequência de eventos que ocorrem no jogo,


pelos diálogos entre jogadores e personagens do mundo, pelo enredo já
estabelecido no mundo e pela sua evolução enquanto o jogo é disputado.
 Tecnologia: inclui tanto o software em que o jogo é desenvolvido quanto
os elementos de hardware usados, como o tipo de controle manuseado.
É a tecnologia utilizada que permite ou não que certo nível gráfico seja
alcançado ou que determinada mecânica possa ser criada.

Os itens da Tétrade Elementar também foram posicionados de uma maneira


específica, a fim de representar o quanto cada elemento está visível para o
jogador. Segundo esse esquema, a estética situa-se na parte superior, por
ser o elemento com que o jogador mais tem contato e por ser o primeiro a
ser notado. A mecânica e a história ficam em um nível intermediário, pois é
necessário que o jogador dedique mais tempo ao jogo para que explore esses
dois elementos. Quanto mais o jogador interage com o jogo, mais domínio ele
tem das mecânicas e suas possíveis combinações, e mais a história do jogo se
desenvolve, pois ele vai progredindo ao longo dela. Na parte inferior da Tétrade
Elementar, situa-se o elemento mais distanciado do jogador, a tecnologia. Ela
é colocada nesse ponto porque o jogador não precisa ter um conhecimento
profundo, nem um contato direto, com o software e o hardware em que o jogo
está sendo executando para desfrutar da experiência do jogo.
Schell (2014) também comenta que nenhum elemento da Tétrade Elementar
é mais importante que outro para o game designer. Apesar da tecnologia estar
menos visível para o jogador, é ela que permite que jogos mais inovadores,
complexos e graficamente exigentes sejam produzidos. O designer precisa
levar em consideração todos os quatro elementos para que eles funcionem em
sintonia e melhorem a experiência proporcionada por cada jogo.

Uma boa prática para o game designer é tentar reconhecer as principais mecânicas de
jogos mais antigos, pois elas tendem a ser mais simples e ter elementos mais identificá-
veis. Essa prática também permite que o profissional entenda as decisões tomadas pela
equipe de desenvolvimento que resultaram nessas mecânicas. Analisemos algumas
das mecânicas básicas do jogo Super Mario Bros. (Nintendo, 1985), começando pelas
ações que o jogador pode realizar:
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 O jogador pode andar para os lados.


 O jogador pode pular, e o jogo possui gravidade.
 O jogador pode pular por cima de plataformas e caminhar por elas.
 Algumas plataformas podem ser quebradas quando o personagem entra em
contato com a parte de baixo delas.
Agora, pensando no conflito entre o jogador e cenário/inimigos:
 O jogador não pode cair em buracos.
 Entrar em contato com inimigos faz o jogador perder.
 Alguns inimigos podem ser derrotados ao pular em cima deles.
O jogo possui muitas outras mecânicas mais complexas e conectadas, mas vamos
nos concentrar apenas nas que definimos até agora. Podemos perceber que o designer
projetou um jogo que é acessível e fácil de aprender, pois o personagem apenas pula
e anda para os lados. Também podemos notar que o jogo foca na movimentação e
posicionamento do personagem, pois o jogador não possui uma forma confiável de
ataque.

O que é design de game?


Vamos começar assegurando que não aja equívocos quanto ao termo game
design, pois é muito comum que ele seja associado com a área de produção de
arte para jogos (game art). Esse equívoco acontece porque a palavra design
é frequentemente associada com design visual e design gráfico. Também é
comum que game design seja confundido com game development (desenvol-
vimento de jogos) e com a área de programação. Embora programação e arte
sejam elementos muito importantes para jogos digitais, game design é uma
área a parte. O design deve estar associado à concepção e ao desenvolvimento
de um projeto e tomada de decisões.
Brathwaite e Schreiber (2008) definem game design como o processo
de criar conteúdo e regras para jogos. Eles também definem que um bom
processo de game design é aquele que cria objetivos que motivam o jogador
a alcançar seus objetivos e regras que ele deve obedecer, realizando decisões
significativas para cumprir suas metas. Já Schell (2014 p. xxxviii, tradução
nossa) define game design como “[...] o ato de definir o que um jogo deve ser”.
Quando usamos o termo game developer, estamos falando de todas as
pessoas que participam do processo de desenvolvimento de um jogo. Artistas,
programadores, músicos, diretores de projeto, animadores são todos desenvol-
vedores. O papel de um game designer é tomar as decisões necessárias para
moldar o jogo da maneira que a equipe de desenvolvimento deseja. O quão
alto um personagem pula, o quão punitiva é a morte de um personagem, as
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recompensas ao concluir uma missão e o conjunto de regras e mecânicas do


jogo são decisões tomadas pela equipe (ou individuo) de game design.
Toda aplicação de design tem como foco o seu usuário e suas respectivas
motivações e desejos. Como o jogador é o usuário do design de games, deve-
mos levar em consideração seus objetivos ao jogar um jogo. O game designer
sempre deve lembrar der encarar o seu jogo pelo ponto de vista do jogador e
de questioná-lo a partir dessa perspectiva. Assim, deve fazer perguntas como:

 O que eu posso esperar ao jogar este jogo?


 Quais são seus controles?
 Se eu fizer uma determinada sequência de ações, eu terei tal resultado?
 Qual é o meu objetivo neste nível?
 Existe alguma mecânica que eu ainda não descobri?
 O que me motiva a querer vencer este jogo?

Um game designer também deve criar oportunidades para que o jogador


tome decisões significativas, parando e ponderando o resultado de suas ações
dentro do jogo. Nesse sentido, eis exemplos do que deve se passar na cabeça
de um jogador: “Colocar esta peça aqui irá me prejudicar agora, mas irá me
dar grandes vantagens num futuro próximo”, “movimentar minhas tropas para
esta posição não me deixará mais próximo de vencer, mas irá prejudicar meu
adversário”. Caso o jogo proponha duas opções para uma determinada situação e
ambas levem ao mesmo resultado, é preferível que não sejam oferecidas opções.
Agora que definimos o papel de um designer, vamos estudar algumas formas
de classificação de jogos. Tentamos dividir jogos em grupos que possuem
mecânicas, temáticas ou tecnologia semelhantes. Para um game designer, o
uso desses rótulos pode ser muito útil no momento de pesquisar referências
em jogos parecidos e estudar o público de cada tipo do jogo.

Classificação de jogos
Com a popularização de jogos digitais, naturalmente surgiram termos para
classificar qualquer jogo que não se encaixasse nessa definição. Alguns profis-
sionais utilizam o termo “jogo não digital” para estabelecer a distinção entre
os dois grupos, enquanto outros utilizam o termo “jogo de mesa”, oriundo
do inglês table top game. Como na área da engenharia elétrica e eletrônica é
comum a distinção entre sinais analógicos e digitais, o termo jogo analógico
começou a ganhar mais popularidade como oposto ao termo jogo digital. No
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âmbito dos jogos analógicos, podemos encontrar diferentes subcategorias


relacionadas aos materiais utilizados para a execução do jogo.
Jogos de cartas utilizam baralhos como seu principal componente. Os jogos
mais conhecidos utilizam um ou mais baralhos tradicionais de 52 cartas (13
valores e 4 naipes), como pôquer, canastra e paciência. Também é possível
que os jogos utilizem um baralho customizado, como Uno e Cards Against
Humanity, ou que os jogadores possam montar seus próprios conjuntos, como
em Magic: The Gathering e Yu-Gi-Oh.
Jogos de dados usam a ação de rolar um ou mais dados, normalmente de
seis faces, como principal mecânica de jogo. Por não ser possível prever o
valor de um dado, a sorte é um fator bastante presente no transcorrer desses
jogos. General (Yahtzee) é um dos jogos de dados mais famosos.
Jogos de tabuleiro são os jogos analógicos mais comuns e apresentam
uma grande variedade de mecânicas disponíveis. Qualquer jogo que possua
um tabuleiro ou campo de jogo pode ser considerado um jogo de tabuleiro. É
comum que eles utilizem elementos de outros jogos analógicos, como dados
para controlar o movimento dos personagens ou cartas que permitem realizar
alguma ação especial. Jogos de tabuleiro podem ser focados em estratégia,
como Xadrez e Go, ou totalmente baseados na sorte, como Jogo da Vida e
Snakes and Ladders.
Role-Playing Games (RPGs) de mesa apresentam algumas diferenças em
relação aos outros tipos de jogos analógicos. Possuem uma estrutura de regras
definidas, mas que podem ser moldadas pelo mestre. O mestre é o respon-
sável por controlar o fluxo da narrativa, descrever cenários e guiar os outros
jogadores, funcionando como um moderador. RPGs também utilizam itens
de outros jogos, como dados para definir o sucesso de uma ação e tabuleiros
para conduzir uma batalha. Exemplos de RPGs seriam os jogos Dungeons &
Dragons, Dark Ages e Tormenta RPG.
Atividades esportivas, como futebol e basquete, e brincadeiras, como
pega-pega e esconde-esconde, se encaixam na definição de jogos, mas não
necessariamente utilizam algum material durante sua execução. Schell (2014)
define esse tipo de atividade como “jogos atléticos”, podendo ser considerada
uma terceira categoria, junto a jogos analógicos e jogos digitais.
Por sua vez, os jogos digitais também possuem suas próprias classificações.
Podemos agrupar jogos que possuem mecânicas parecidas, qualidade gráfica
semelhante ou objetivos em comum. De modo similar aos jogos analógicos,
os jogos digitais podem ser classificados de acordo com os tipos de materiais
utilizados, na chamada classificação por plataformas.
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Plataformas
Quando falamos em plataformas, estamos definindo em qual hardware po-
demos jogar um jogo digital.
As plataformas para jogos digitais são:

 Computadores pessoais (PCs): jogos compatíveis com computadores.


Também devemos levar em consideração com quais sistemas operacio-
nais um jogo pode ser compatível (Windows, MacOS ou Linux). Jogos
para PC utilizam mouse e teclado como dispositivo de entrada (input).
 Console: o hardware especializado para executar cada jogo. Os con-
soles tem um preço menor quando comparados com computadores de
desempenho próximo. Consoles utilizam controles customizados para
input. Exemplos: Xbox One, PlayStation 4, Wii U.
 Handheld (portátil): assim como os consoles, dispositivos handheld
possuem um hardware especializado para jogos, mas com um tamanho e
peso bem menores. Como contraponto, estes dispositivos apresentam uma
capacidade de processamento inferior e dependem de bateria para funcio-
nar. Os controles de dispositivos portáteis costumam estar distribuídos
em volta de sua carcaça. Exemplos: Nintendo Switch, PlayStation Vita.
 Arcade (fliperama): ao contrário de consoles e dispositivos portáteis,
fliperamas tem um hardware especializado para a execução de apenas
um jogo. Eles foram uma das primeiras plataformas a serem criadas
e são responsáveis pela popularização dos jogos digitais no final da
década de 1970 e inicio de 1980, com jogos como Space Invaders e
Pac-Man. É comum que fliperamas exijam o uso de uma moeda ou ficha
para funcionar. Sua popularidade caiu com o surgimento de consoles
e o barateamento de PCs, mas ainda são utilizados em cassinos como
máquinas caça-níquel.
 Mobile (móvel): podem ser jogados em celulares ou tablets. A interação
do jogador com dispositivos móveis é feita por meio do toque na tela.

É comum que jogos sejam desenvolvidos para mais que uma plataforma,
como PCs e consoles. Nesses casos, é necessário que o game designer planeje
as ações dos jogadores, pois os meios de interação entre o jogador e o har-
dware são específicos de cada plataforma. Essas peculiaridades e limitações
também devem ser levadas em consideração no momento de definir o tipo de
experiência que será criada para o jogador.
Introdução ao design de games 11

No contexto de computação, input significa entrada de dados e ocorre quando um


usuário envia informações para o computador através de algum dispositivo, chamado
de periférico. Em jogos digitais, os métodos de inputs são os diferentes modos como
um jogador pode controlar e fornecer informação a um jogo. Jogos para computador
utilizam o mouse e o teclado; jogos para console utilizam gamepads (controles); jogos
para celular utilizam telas sensíveis ao toque.
Output é o oposto de input e ocorre quando o computador envia alguma informação
para o usuário. Os métodos mais comuns de output são a saída de vídeo e a saída de
áudio. Celulares e alguns gamepads também podem utilizar um motor de vibração
como output.
Hardware se refere à parte física de um dispositivo, seja ele um computador, console,
etc. Carcaças, telas, botões, processadores, memórias e alto-falantes fazem parte do
hardware.
Software é o programa presente em cada dispositivo e que possui as instruções
lógicas que devem ser executadas. São responsáveis pela manipulação dos dados
armazenados em um dispositivo.

Criação de experiências
Bruce Dickinson, vocalista da banda Iron Maiden, comentou (BRUCE..., 2017)
em uma entrevista que seu papel é de um contador de histórias e que ter se
tornado vocalista é apenas o meio que ele escolheu para conta-las. Caso não
pudesse cantar, escolheria outro meio, como o teatro ou a escrita. De modo
similar, o papel de um game designer é ser um criador de experiências que
escolheu os jogos, sejam analógicos ou digitais, como meio de expressar
sua arte. Caso os jogos não fossem uma possibilidade, é provável que game
designers optassem por outros meios, como se tornar diretor de cinema,
roteirista de peças de teatro ou projetista de montanhas-russas para parques
de diversões (antiga profissão de Jesse Schell).
Quando comparamos esses diferentes meios de proporcionar experiências,
podemos perceber que os jogos possuem um elemento que os diferenciam
dos demais: são uma mídia interativa e possuem uma relação direta com seu
expectador. Podemos definir mídias mais clássicas, como o cinema, como uma
mídia linear que cria uma experiência também linear. Mesmo que um filme
possa contar uma história por meio de uma narrativa não linear, a maneira
como ela é apresentada para o espectador é linear.
12 Introdução ao design de games

Já houve tentativas de introduzir interatividade em mídias como o cinema


ou o teatro. Há filmes em que os membros da plateia recebem dispositivos
para votar em opções que alteram os eventos do enredo. E há peças de teatro
em que o público participa e interage com os atores ou tomam decisões sobre
o rumo da sessão. Essas práticas, apesar de criarem uma nova experiência
para o participante, acabam prejudicando o usuário que escolheu a opção com
menos votos ou cujas escolhas não foram levadas em consideração, tomando um
rumo diferente do que ele queria. Por sua vez, os jogos têm uma relação muito
mais próxima com o jogador e valorizam mais a escolha individual. O filme
Black Mirror: Bandersnatch (Netflix, 2018) e livros ao estilo choose your own
adventure (escolha sua própria aventura) têm tratamento mais individualizado
com o usuário, apesar de se limitarem a “escolha uma entre tais opções”.
Ao analisar novamente a Tétrade Elementar (Figura 1), podemos perceber
que mídias lineares apresentam a mesma estrutura, porém sem a presença
das mecânicas. O espectador ainda tem um maior contato com a estética e
um contato moderado com a história, sendo que a tecnologia pode lhe passar
despercebida. A falta desse elemento interativo dificulta a criação de um
estado de equilíbrio entre os demais. Tal ausência também aumenta o grau
de exigência de qualidade que cada elemento deve ter para proporcionar uma
experiência imersiva. Assim, nas mídias lineares, essa exigência motiva tanto
criadores de experiências quando a própria indústria a pesquisar e produzir
novas tecnologias, com características inovadoras que sejam capazes de elevar
o nível tanto da história quanto da estética.
Quando uma nova tecnologia é lançada, como óculos de realidade virtual,
um novo controle ou um smartwatch, um game designer não deve se concentrar
no funcionamento interno dessa tecnologia. A especificação do hardware, a
linguagem de programação necessária para desenvolver cada tecnologia ou o
seu preço não são informações com que um game designer deva se preocupar.
O que ele deve se perguntar é “o que essa tecnologia é capaz de fazer?”, “quais
inovações ela pode trazer para meus jogos?” e “quais novas experiências eu
posso criar com elas?”.
Um dos objetivos iniciais do desenvolvimento da realidade aumentada era
o treinamento de funcionários, fazendo um texto instrucional aparecer em uma
tela ao reconhecer um objeto. Outra aplicação era permitir que robôs guiados
remotamente pudessem reconhecer conexões, rótulos e objetos em ambientes
pequenos de fábricas onde não é seguro para humanos navegar. Mesmo não
tendo sido projetada para jogos digitais, game designers observaram e estu-
daram essa tecnologia e perceberam seu potencial em criar uma experiência
inovadora e imersiva.
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Criação de jogos com um objetivo em comum


Alguns estúdios desenvolvem a cultura, mesmo que não intencionalmente,
de que seus jogos devem ter algum objetivo em comum, seja o de evocar
alguma emoção ou satisfazer algum desejo específico no jogador. Rami
Ismail (2016), do estúdio Vlambeer, comentou durante o evento Dash Games
que sua equipe busca desenvolver jogos que tenham as mecânicas mais
satisfatórias possíveis de se jogar, mesmo sacrificando o desenvolvimento da
história e a qualidade dos gráficos. Em seus jogos, as explosões e impactos
contra inimigos são exagerados. As sessões de jogos são curtas, às vezes
não durando nem um minuto, e logo que se encerram já recomeçam, para
que a ação não se interrompa.
Pawel Miechowski (2016), da 11 bit studios, comentou que um dos principais
objetivos dos jogos de seu estúdio é proporcionar uma experiência que cause
um peso emocional e certa angústia em seus jogadores, e que é papel de toda
equipe de desenvolvimento tentar criar essa experiência. Seus jogos sempre
colocam o jogador em uma situação em que não existe uma resposta correta, e
cada decisão, por mais benefícios que traga, deve trazer também algum custo.
This War of Mine (11 Bit Studio, 2014), o jogo mais reconhecido do estúdio,
coloca o jogador na pele de um civil tentando sobreviver em uma zona de
guerra, e cada escolha sua acarreta um risco ou prejuízo. “Devo tentar coletar
mais recursos à noite, mesmo correndo o risco de ter minha casa invadida?”
e “Será que trocar munição por alimentos com essa pessoa é seguro?” são
questionamentos que o jogador se faz durante o jogo, gerando justamente
a experiência de incerteza e insegurança ao tomar decisões planejada pela
equipe de desenvolvimento.
Frostpunk (11 Bit Studio, 2018) é um dos jogos mais recentes do estúdio e
apresenta uma experiência bem parecida, mesmo com uma temática bastante
diferente. Neste jogo, o mundo foi tomado por um frio intenso e grupos de
grandes cidades foram forçados a fugir para o norte, onde podem ser encon-
tradas imensas reservas de carvão. O jogador é colocado como capitão dessa
pequena comunidade e é encarregado de assegurar a sobrevivência de seu povo.
Como os recursos são escassos e o frio é uma ameaça constante, o jogador
precisa, além de gerenciar a cidade, tomar decisões relacionadas à qualidade
de trabalho, à alimentação e à saúde de sua população.
Jenova Chen, da thatgamecompany, comentou que busca proporcionar uma
experiência muito diferente em seus jogos. Os game designers do estúdio par-
tem de uma sensação ou emoção almejada como o centro da experiência, sem
se preocupar se o jogo irá se encaixar em algum gênero ou seguir convenções.
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O jogo Flower (Thatgamecompany, 2009) (Figura 2), por exemplo, busca


evocar emoções positivas e uma sensação de leveza no jogador. Nele, o jogador
apenas representa um conjunto de pétalas sendo levadas por uma brisa, sem
nenhum adversário ou conflito. Por sua vez, o jogo Journey (Thatgamecom-
pany, 2012) retrata o misticismo da jornada, sem se preocupar com o destino.
Seus desenvolvedores tentaram criar certa afeição entre o jogador, o mundo que
está sendo explorado e os personagens que ele vai encontrando, personagens
que por sinal não recebem nomes nem falam em momento algum.

Figura 2. Captura de tela do jogo Flower.


Fonte: Flower ([2019], documento on-line).

Quem se torna um designer de games deve levar em consideração diversos


fatores em seus jogos: regras, mecânicas, plataformas, desejos do jogador, a
experiência que deseja proporcionar. Porém, é preciso entender que o que
realmente diferencia um verdadeiro designer de games é o ato de projetar
jogos na prática. Assim, mesmo que você não tenha experiência com nenhuma
linguagem de programação, arte ou ferramentas de desenvolvimento, você
ainda pode planejar jogos com papel e caneta. A partir daí, esses jogos podem
permanecer como jogos analógicos ou se tornarem jogos digitais quando você
adquirir experiência com uma ferramenta de prototipação.
Analise aqueles jogos que você aprecia e tente entender o que lhe cativa
neles. Tente definir a experiência que o designer queria proporcionar. Pergunte-
Introdução ao design de games 15

-se: quais mecânicas realçaram esta experiência, quais mecânicas prejudicaram


a experiência, o que poderia ter sido feito para melhorar este jogo?
Ao projetar um jogo, pesquise jogos que tiveram objetivos parecidos.
Descubra o que funcionou, o que não funcionou e o que mais se destacou entre
seus jogadores. Não jogue apenas por jogar. Jogue para se divertir, aprender
e se aperfeiçoar.
Agora que você tem conhecimento sobre as funções de um designer de
games, já pode começar a projetar seus próprios jogos. Planeje o tipo de
experiência que deseja proporcionar e descreva como devem ser os quatro
elementos de seu jogo. Nesse caso, concentre-se inicialmente nas mecânicas
e busque utilizar a estética para complementá-las, pois nem todos os jogos
possuem uma história bem desenvolvida em seus estágios iniciais e existem
diversas ferramentas disponíveis para facilitar a programação de um jogo. Em
seguida, defina qual será a plataforma-alvo e como o jogo será controlado.
Por fim, leve sempre em consideração as decisões e os objetivos do jogador
ao tomar essas decisões. Hora de iniciar a criação de seus jogos.

AVEDON, E.; SUTTON-SMITH, B. The study of games. New York: John Wiley & Sons, 1971.
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BRATHWAITE, B.; SCHREIBER, I. Challenges for game designers. 1st ed. Newton: Charles
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BRUCE Dickinson found out he had throat cancer via Google. [S. l.: s. n.], 2017. 1 vídeo
(12 min). Publicado pelo canal Skavlan. Disponível em: https://www.youtube.com/
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SCHELL, J. The art of game design: a book of lenses. 2nd ed. Oxford: Elsevier, 2014.

Leitura recomendada
KAPP, K. M.; BOLLER, S. Core dynamics: a key element in instructional game design.
ATD, 2017. Disponível em: https://www.td.org/insights/core-dynamics-a-key-element-
-in-instructional-game-design. Acesso em: 14 nov. 2019.

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