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GAME DESIGN BÁSICO:

TÉTRADE DE SCHELL
Bruno Castro

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O professor como
game designer

Nos últimos anos, diversas instituições de a cada ano e, assim, garantir a diversão
ensino brasileiras têm incorporado ao seu de bilhões de jogadores. Mas isso
catálogo formações específicas para game não significa que o game design deva
designers, que é como o mercado nomeia interessar somente a quem procura um
os profissionais capacitados para projetar diploma específico ou uma carreira nessa
jogos digitais. indústria. Profissionais da Educação, por
exemplo, têm muito a ganhar estudando
Essa tendência é explicada,
os fundamentos desse fascinante domínio
primordialmente, pela expansão da
para incorporá-lo ao seu ferramental
indústria de jogos que, em escala global,
didático e compartilhá-lo com os alunos
está ávida por mão de obra qualificada
sob sua responsabilidade.
para continuar lançando títulos novos

2 Game design básico: tétrade de Schell


Primeiramente, como já foi mencionado, o fenômeno do aluno-jogador está
amplamente difundido, de modo que, muito provavelmente, sua turma possui
adeptos de games para celular ou outras plataformas.
Sendo assim, é natural que, quando instigados a abrir a “caixa preta” de um
jogo digital – isto é, descobrir o passo a passo que foi percorrido para criá-lo –,
os alunos que têm familiaridade com games queiram se engajar na atividade,
ainda mais considerando que, após aprender a fazer um jogo, o aluno pode
colocar esse conhecimento em prática e jogar algo que ele mesmo criou.
É como se, diante de uma turma com afeição por brigadeiros, o professor
propusesse uma seção de culinária para ensinar a fazer esse tipo de doce e,
no encerramento, cada um dos participantes provasse um brigadeiro feito por
suas próprias mãos.

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Um segundo aspecto do game design que justifica seu uso por professores é
sua aplicabilidade a desafios próprios do plano de ensino com o qual se esteja
trabalhando. É fácil visualizar isso na prática quando se confrontam objetivos
de aprendizagem com alguns benefícios peculiares que o ato de projetar jogos
proporciona.
Se, por exemplo, um professor da área de Edificações precisa explicar aos
alunos os riscos de um cálculo estrutural malfeito, pode solicitar que a turma
desenvolva um game em que o jogador seleciona materiais para construir
uma casa e, depois, clica em um botão para verificar se aquela obra dará
certo. O resultado do clique seria a exibição de uma animação mostrando: a) a
construção estável recebendo seus moradores, caso os insumos tenham sido
escolhidos corretamente, ou b) a casa desmoronando, caso algum material de
construção tenha faltado.

Note que o desenvolvimento de um jogo como esse requer o domínio de


técnicas de game design, mas, sobretudo, exige que o aluno revise os conceitos
de cálculo estrutural para estabelecer as regras envolvidas. Assim, a um
docente que já domine bem o cálculo estrutural faltará somente aprender o
básico de game design para conduzir uma atividade como essa.

4 Game design básico: tétrade de Schell


A Tétrade de Schell

A produção de um jogo digital, desde a concepção até a entrega de algo jogável


para ser apreciado pelo público-alvo, passa por diferentes estágios, como
criação de personagens, escolha das regras do jogo etc. Em certa medida,
pode-se comparar esse fluxo de trabalho ao que é seguido por você, professor,
antes de conduzir uma aula: é preciso percorrer etapas, como determinar
os objetivos a serem perseguidos, escolher os recursos a serem empregados
e programar a execução de atividades dentro de um intervalo temporal
predeterminado.
Para facilitar a etapa inicial do projeto de um jogo digital, que é a concepção,
é costume adotar modelos conceituais para listar os elementos que devem
ser atendidos. Um modelo bastante usual entre os game designers é a Tétrade
Elementar, também conhecida como Tétrade de Schell, em homenagem ao seu
criador, Jesse Schell.

O americano Jesse Schell é game


designer, escritor, professor universitário
e fundador da Schell Games. Atualmente,
leciona Tecnologia de Entretenimento na
Carnegie Mellon University (CMU).
No início de sua carreira, trabalhou como
engenheiro de software na IBM e nos
laboratórios Bell. Depois, mudou-se para
Los Angeles para trabalhar na Disney
Imagineering, subsidiária do grupo Walt
Disney, responsável pelo projeto de seus
parques temáticos.

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A Tétrade de Schell atribui aos jogos quatro elementos distintos: mecânica,
narrativa, tecnologia e estética, que precisam ser tratados pelo game designer
com atenção para proporcionar a melhor experiência possível ao jogador.

Narrativa

Mecânica Estética

Tecnologia

Figura 1 – Tétrade de Schell


Fonte: Adaptado de Schell (2008)

Nenhum desses elementos é superior ao demais, embora os jogadores nem


sempre consigam perceber os quatro de modo claro. A seguir, confira a
explicação de cada um deles.

O b j etiv o

6 Game design básico: tétrade de Schell


Mecânica

Este elemento diz respeito às regras do jogo e às ações que são requeridas do jogador
a todo instante durante a partida. Definir a mecânica do jogo é o que se precisa fazer
para determinar o comportamento esperado e as possibilidades que serão oferecidas
ao jogador.

Nos jogos de videogame com temática de futebol, por exemplo, as mecânicas


reproduzem as regras do esporte: driblar, passar a bola, chutar a gol etc.

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Uma abordagem bastante simples e objetiva para determinar a mecânica de
um jogo é descrever cada momento da experiência do jogador, desde quando
começa a partida até o encerramento (que normalmente ocorre com uma
vitória ou derrota), respondendo a estas perguntas:

A
Qual é o objetivo principal do jogador (o que ele pode esperar
atingir ao final da partida)?

B
Qual é objetivo secundário do jogador (o que ele pode esperar
atingir neste instante)?

C
Quais ações o jogador pode fazer agora (pular, caminhar, clicar
etc.)?

D
Como o jogo reagirá a cada uma dessas possíveis ações?
Dedique especial atenção à última pergunta, porque ela se relaciona com os
circuitos de punição e recompensa ao jogador que o seu jogo terá. Dizendo
de outro modo, procure estabelecer regras justas de atribuição de pontos ou
outros elementos que o jogador receba quando agir da forma esperada, ou
perca, caso contrário.
No processo de desenvolvimento de um game, há uma etapa para testes na
qual se verifica o quão justas essas regras são e qual o seu impacto na diversão
e engajamento do jogador, para, então, se fazer os ajustes necessários. A esse
processo de refinamento da mecânica se dá o nome de balanceamento.

Quer se aprofundar a respeito das mecânicas de jogos?


Consulte o artigo a seguir:

Para quem E se você quiser conhecer uma abordagem avançada


sobre o tema, acesse este outro artigo:
é curioso
Narrativa

Ao falar de narrativa, está-se diante de um vasto campo de possibilidades no projeto


de jogos, tendo em vista que esse elemento se refere à história que o game utiliza como
pano de fundo, ou àquela que o próprio jogador constrói com suas escolhas ao longo
da partida.

A narrativa que serve como pano de funciona a narrativa de fundo, imagine


fundo começa logo no primeiro contato que caiu em suas mãos um jogo fictício
com o game e acompanha o jogador chamado “Aventureiros da Selva”. O
o tempo todo. Isso pode acontecer de título sugere que existem personagens
maneira explícita, com textos ou imagens vivendo algo extraordinário relacionado à
que façam a história se desenrolar, ou natureza, portanto, seu primeiro contato
implícita, conforme o progresso do com o game partirá obrigatoriamente
jogador (por exemplo, se o jogador dessa premissa. É importante ter em
encontra um pote de ouro no cenário e mente as suposições que o título do jogo
se apodera dele, fica subentendida uma leva o jogador a fazer e traçar um arco
narrativa de enriquecimento). narrativo correspondente.
Para compreender ainda melhor como

10 Game design básico: tétrade de Schell


Além da narrativa de fundo, o jogo pode contemplar um desenvolvimento de história
interativo, de modo que as escolhas do jogador é que determinam para qual direção a
trama caminhará.

Essa modalidade narrativa requer que o game designer se coloque no lugar do jogador
com o máximo de empatia possível, para elaborar bifurcações na trama que façam
sentido e mantenham o engajamento em alta. A seguir, um exemplo de como funciona
uma bifurcação em uma história interativa:

Início

Personagem
controlado pelo Personagem
Enfrentar o leão?
jogador encontra vence o leão?
um leão na estrada.

Não Sim Não Sim

Personagem foge Personagem Personagem


Batalha entre o
do leão por uma perde 5 pontos e ganha 5 pontos e
personagem e o
trilha alternativa. retorna ao início prossegue pela
leão.
da cena. estrada.

Figura 2 – Fluxo de uma história interativa


Fonte: Do autor (2021)

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Tecnologia

A tecnologia de um jogo digital diz respeito ao dispositivo eletrônico no qual ele


será executado (computador, celular, videogame etc.), aos recursos de software
empregados para o seu desenvolvimento (linguagens de programação de jogos,
por exemplo) e aos programas que eventualmente sejam necessários para jogá-lo
(navegador de internet, por exemplo).
Os periféricos com os quais o jogador interage no jogo também fazem parte da
tecnologia, podendo incluir teclado, mouse, joystick, óculos de realidade virtual,
webcam, fones de ouvido e qualquer outro dispositivo necessário para proporcionar
uma boa experiência.

12 Game design básico: tétrade de Schell


Quando se trata de uso de games no Para o cenário específico do EaD,
ensino presencial, é costume que a recomenda-se o uso de jogos que possam
tecnologia na qual os jogos se basearão ser executados dentro do navegador de
seja integralmente fornecida pela internet que o aluno já esteja usando
instituição de ensino, sob a forma de para acompanhar as aulas. Isso diminui
laboratórios de tecnologia equipados problemas com dispersão que poderiam
com computadores ou tablets e conexão surgir caso fosse requerido algum outro
com a internet. No caso do EaD (Ensino a dispositivo. Adicionalmente, pode-se
Distância), você deve ponderar quais são avaliar a viabilidade de projetar jogos
as exigências de hardware e software que para uso em celulares, admitindo-se
podem ser estabelecidas em relação um contexto em que o acesso a esse
aos alunos. dispositivo seja fácil para toda a turma.

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Estética

A estética é normalmente o primeiro ponto de contato do jogador com o


game, pois esse elemento abrange todos os aspectos audiovisuais da sua
experiência e tende a chamar a atenção.
São aspectos estéticos de um jogo digital: as cores, formas, músicas,
cenários e animações, bem como qualquer outro aspecto que impacte os
cinco sentidos humanos.

Figura 3 – Exemplo de cenário de um game com estética 2D

Figura 4 – Exemplo de cenário de game com estética 3D


Em relação ao aspecto imagético do jogo, a estética se ocupa de
questões como:

A
O jogo apresentará imagens 2D (bidimensionais) ou 3D
(tridimensionais)?

B
A técnica empregada para a criação das imagens será fotorrealista
(imitando o mundo real com o máximo de fidelidade possível) ou
cartunesca (com mais liberdade para retratar objetos e pessoas)?

C
O tom das imagens será mais otimista, com cores alegres e
vibrantes, ou deverá transmitir uma atmosfera de seriedade, com
cores frias e suaves?

D
Quais cores, fontes e outros atributos visuais serão empregados nos
textos exibidos para o jogador durante o jogo?

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Para projetar os sons a serem emitidos pelo jogo, também há um conjunto
de perguntas a se considerar:

A
Quais emoções os sons do jogo devem representar? (Exemplos:
calma, suspense, serenidade).

B
Que tipo de instrumentos musicais devem constar na trilha sonora?
(Exemplos: orquestra, sintetizadores, violão).

C
Quais efeitos sonoros farão parte do game? (Exemplos: som de mola
quando o personagem pula, tilintar de moedas quando abre um
baú de tesouro, grito quando sofre uma colisão).

D
Haverá gravação de falas para os diálogos do jogo? Se sim, com
quais vozes?

Aqui então você pôde acompanhar detalhes da Tétrade de Schell a teoria


básica necessária para compreender melhor o mundo do game design.

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REFERÊNCIAS
HUNICKE R., LEBLANC M.; ZUBEK R. MDA: A Formal Approach to
Game Design and Game Research. National Conference of Artificial
Intelligence, 19., Challenges in Games AI Workshop, Vol. 4, 1722, 2004.
Proceedings... San Jose (CA, USA): AAAI Press, 2004.

KOSTER, R. A Theory of Fun for Game Design. Phoenix (AZ, USA):


Paraglyph Press, 2004.

MATTAR, J. Games em Educação: Como os nativos digitais


aprendem. São Paulo: Pearson, 2009.

SCHELL, J. The Art of Game Design: A Book of Lenses. Burlington,


MA: Morgan Kaufmann, 2008.

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