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I - Introdução
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Contribuição ao V Simpósio Crítico de Ciências Penais – Sistema Punitivo: entre obscenidades e resistências,
promovido pelo Grupo de Estudos e Pesquisas Criminais (GEPeC), em Goiânia-Go, de 13 a 15 de maio de 2010.
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Juiz de Direito do Tribunal de Justiça da Bahia
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a) A Cadeia Velha
Assim, qualquer um que infringisse as leis da colônia podia parar na Cadeia Velha. Por
conseguinte, lá se amontoavam todos os tipos de criminosos, incluindo escravos fugidos,
prostitutas, delinqüentes comuns e até mesmo os envolvidos na Inconfidência Mineira foram
presos na Cadeia Velha. Significa dizer, portanto, que não havia qualquer tipo de relação entre o
crime e o castigo ou mesmo a idéia de proporcionalidade da pena e, muito menos, qualquer
possibilidade de recuperação social dos detentos.
A situação da Cadeia Velha se agravou a tal ponto que em 1764, o Conde da Cunha, Vice
Rei do Brasil, escreveu ao Rei de Portugal, D. José I, nos seguintes termos: “A Cadeia desta
cidade é tão pequena, que com grande aperto e incômodo dos presos só poderá recolher até
cento e cinquenta; e porque presentemente tem duzentos e cinquenta e três, se faz preciso que ou
se acrescente a Casa da Prisão (o que custará mais de trinta mil cruzados) ou se não prendam
os que delinquirem aqui em diante por não haver onde se recolham.”
Consta da correspondência oficial que a Cadeia foi reformada em 1767, mas no início do
século seguinte, o viajante inglês John Luccok fez o seguinte relato da dita prisão: “Um edifício
forte e pesado, ao redor do qual tudo é imundície e dentro do qual tudo é repugnante. O
primeiro dos cômodos é barricado de maneira muito semelhante às nossa jaulas de animais
ferozes, e dentro dele vagueiam os presos de modo muito semelhante a eles e com acomodações
não muito superiores”.
Além disso, a corrupção era prática comum na Cadeia Velha. Consta em processos da
época que os carcereiros confiscavam boa parte daquilo que a Santa Casa de Misericórdia
destinava aos detentos, vez que muitos eram escravos “esquecidos” na prisão pelos senhores,
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RODRIGUES, Cynthia Campelo. A Bastilha brasileira. Revista História Viva, São Paulo, ano VI, n. 76. p. 66-71. Fev. 2010.
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sendo socorridos pela Santa Casa ou obtinham permissão para pedirem esmolas, presos a uma
corrente, na frente da prisão, podendo chegar até o meio da rua. Na verdade, a legislação
portuguesa da época dispensava o governo da alimentação dos presos, incumbência que cabia à
família, amigos ou instituições de caridade.
Como não podia deixar de ser, a violência contra os presos era algo absolutamente
comum na época. Em processo envolvendo um carcereiro consta o depoimento de um detento
relatando a morte de um negro chamado Vicente: “... e praticar tanto em veras e tanto como
homem bárbaro que estando na prisão dos Pardos, um por nome Vicente, sem levante ou
maldade punível lhe mandou dar uma roda de pau, que até o deixar quase morto, e assim mesmo
o meteu no segredo, de onde o tirou, passados alguns dias, e o mandou para a Enxovia da
Guiné, com ordem ao Juiz José Desidério para não deixar chegar a grade. E logo o preso
Vicente depois foi removido para a dita Enxovia da Guiné, com tal recomendação do carcereiro,
logo também entrou a agonizar e por isso o juiz mandou fazendo levar, chegado que ele foi a
Enfermaria, morreu sem confissão ou sacramento”.
A Cadeia Velha foi desativada após a chegada da Família Real ao Rio de Janeiro, em
1808, e finalmente demolida no início do século XX. Em seu lugar, foi construído o atual Palácio
Tiradentes, sede da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, em homenagem aos inconfidentes
mineiros4 que lá estiveram presos no final do Século XVIII.
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De todos os presos que passaram pela Cadeia Velha, os inconfidentes foram os mais famosos. Dentre eles, o alferes que se
tornou historicamente conhecido como Tiradentes. De acordo com as Ordenações Filipinas, vigentes à época, a pena de morte se
dividia em ―natural cruel‖ e ―natural atroz‖. No primeiro caso, o corpo do condenado podia ser cortado, enterrado vivo, rompido,
quebrado arrastado, esquartejado, queimado ou esmagado. No segundo caso, o condenado tinha os bens confiscados, podia ser
esquartejado depois de morto. Tiradentes, no entanto, foi condenado a outro tipo de morte previsto no Direito Português: ―a
morte natural para sempre.‖ Essa pena proibia o sepultamento do corpo do condenado, que deveria ser esquartejado e as partes
expostas até a decomposição completa.
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o Ministro Presidente do STF: “É uma deficiência que beira, em certas situações, a falência
total. Há casos específicos que têm sido ultimamente ventilados, até pela própria imprensa, que
envergonham o país. Eu não quero citar particularmente, mas há casos de tratamento
vergonhoso, em que na verdade o que se faz ao preso é um crime do Estado contra o cidadão.” 5
Esta é a visão, portanto do Ministro Presidente da mais alta corte de justiça do Brasil: o
Supremo Tribunal Federal, o Tribunal guardião da Constituição Federal.
Eis a ementa:
A Ementa é clara e não precisa de comentários: O Juiz que homologa prisão em flagrante
torna-se responsável pelo preso e o descumprimento de preceitos fundamentais previstos na
Constituição Federal importa em violação à Lei Orgânica da Magistratura (Loman) e aplicação
de pena de aposentadoria compulsória. No caso específico, entendeu o eminente Conselheiro do
CNJ que a Juíza descumpriu o preceito fundamental do artigo 5º, XLVIII, ou seja, “a pena será
cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do
apenado”.
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In < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=124315 > acesso em 10.05.2010
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Para que não paire dúvidas, importante transcrever o dispositivo do “acórdão” que
aposentou compulsoriamente a Juíza:
Diante de todos estes fatos e relatos não é possível deixar de reconhecer que a magistrada,
violou seus deveres funcionais, deixou de observar sua obrigação de garantidora da não
violação dos direitos e garantias fundamentais da menor Lidiany e assim, em conclusão,
tenho por suficientemente provadas as imputações relacionadas na Portaria inaugural.
(grifei).
Em face do exposto, julgo procedentes as imputações formuladas no presente
procedimento administrativo disciplinar para aplicar a Juíza CLARICE MARIA DE
ANDRADE, como incursa no artigo, 35, incisos I e III, da Lei Complementar nº 35, de
14 de março de 1979 (LOMAN), a pena de aposentadoria compulsória, com proventos
proporcionais ao tempo de serviço, de acordo com os artigos 28 e 42, inciso V, ambos da
já mencionada Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979, e o artigo 5º da
Resolução nº 30, de 07 de março de 2007, deste Conselho Nacional de Justiça.
(Art. 35- São deveres do Magistrado: I Cumprir e fazer cumprir, com
independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício; III
- determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem
nos prazos legais;)
São estes, portanto, os três casos que devem nos inspirar neste diálogo sobre as
obscenidades e resistências frente ao sistema punitivo brasileiro: (i) a longa história de violação
aos Direitos Humanos no sistema prisional brasileiro, (ii) a constatação desse fato pela mais alta
autoridade judiciária brasileira e, por fim, (iii) o entendimento do CNJ de que o Juiz, ao decidir
pela manutenção da prisão decorrente do flagrante, é responsável pela prisão e condições do
encarceramento.
Dito isto, entendo de fundamental importância um rápido relato acerca das estatísticas de
outros países referente à população carcerária e a relação de pessoas presas por cada 100 mil
habitantes.
De acordo com estudo do International Centre for Prisions Studies, do King’s College
London, existia no mundo, em dezembro de 2008, cerca de 9,8 milhões de pessoas presas.
A relação de presos por habitante também tem os EUA em primeiro lugar com 756 presos
por cada 100 mil habitantes, depois a Rússia com 629 presos por cada 100 mil habitantes. Depois
Ruanda com 604 presos por cada 100 mil habitantes. Vejamos mais alguns países:
Na Europa ocidental, a média é de 95 presos por 100 mil habitantes, na América do Sul a
média é de 154. No Caribe, a média é de 324,5 presos por 100 mil habitantes. Não ouso
apresentar qualquer justificativa para o caso da Índia em face da complexidade das relações
sociais naquele país.
Nas estatísticas divulgadas recentemente pelo CNJ, o índice brasileiro em 2009 seria de
229 presos por cada grupo de 100 mil habitantes. Será que nosso destino é aproximar-se da
média dos EUA (756) ou da Europa Ocidental (95)?
Os detalhes sobre o caso brasileiro, conforme adiantado no início deste trabalho, estão
contidos no Sistema de Informações Penitenciárias – Infopen, do Ministério da Justiça.
O que se acentua de extrema gravidade neste quadro é que o déficit no sistema brasileiro
é de 139.266. Só em São Paulo, por exemplo, segundo a estatística do Infopen, o déficit é de
52.741 vagas. Isto significa dizer que os atuais presídios estão com população muito acima da
capacidade e, muito provável, também neste aspecto, em conflito com os Direitos Humanos mais
básicos.
Brasil – 2000/2009
Ano Total de presos
2000 232.755
2001 233.859
2002 239.345
2003 308.304
2004 336.358
2005 361.402
2006 401.236
2007 422.590
2008 451.429
2009 473.626
Fonte: Infopen - Ministério da Justiça
É evidente que a compreensão plena desse fenômeno somente se dará com a compreensão do
processo histórico vivido pelo País durante este período, bem como com a percepção do que
ocorreu nos campos da economia, política e do jurídico nesta década.
No Brasil, impossível não lembrar, vivemos sob a égide da Constituição Federal de 1988,
mas de outro lado com uma avalanche de normas punitivas e agravantes de penas para crimes já
tipificados em outras leis.
Vejamos.
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Como se vê, os Estados do Nordeste Brasileiro (AL, MA, PI e BA) tem média abaixo de
100 presos por cada 100 mil habitantes, ou seja, indicadores dos países mais desenvolvidos da
Europa Ocidental. Evidente que este indicador dos Estados Nordestinos não significa que
alcançaram o nível de países da Europa em termos de Política Criminal. Empiricamente,
podemos dizer que os indicadores refletem, na verdade, a deficiência do sistema de segurança
pública e do Poder Judiciário desses Estados.
Sendo verdadeira esta reflexão, podemos então concluir que o percentual brasileiro de
presos por cada 100 mil habitantes seria bem superior aos 229 informados pelo CNJ caso
houvesse uma uniformização no funcionamento do sistema policial e judicial, tomando-se por
base os Estados do Sul e Sudeste do Brasil.
V - Presos provisórios
O Supremo Tribunal Federal tem decidido, reiteradamente, que a pena não pode ser
cumprida antecipadamente em respeito ao princípio constitucional da presunção da inocência.
Nas prisões do Brasil, no entanto, em dezembro de 2009, encontram-se na condição de presos
provisórios, cerca de 143.941 homens e 8.671 mulheres, totalizando 156.612 pessoas detidas
provisoriamente.
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Vejamos, também, a evolução deste quadro no período compreendido entre 2000 a 2009:
Com relação ao grau de escolaridade, nenhuma surpresa. A grande maioria dos presos
tem baixíssima escolaridade enquanto uma parcela ínfima teve acesso ao ensino superior.
Vê- se no quadro acima o que já era de se esperar: 77,11% dos presos tem grau de
escolaridade até o fundamental e apenas 1,12% tem escolaridade referente a superior incompleto
ou completo. O que se sabe ainda, considerando que são presos necessariamente com idade
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superior a 18 anos, é que apenas o ensino fundamental não qualifica nenhum deles para qualquer
atividade profissional, seja dentro ou fora do sistema penitenciário.
Para atender aos objetivos deste estudo, reduzimos as categorias de delitos cometidos
apenas em relação aos crimes contra a pessoa, contra o patrimônio e decorrentes de tráfico de
entorpecentes. Ressalte-se, todavia, que no Relatório do Sistema Infopen estão informados
também as categorias de crimes contra a “paz pública”, contra a “fé pública”, contra a
“administração pública”, “praticados por particular contra a administração pública” e, por
fim, crimes relacionados à legislação específica, incluído o ECA, Lei Maria da Penha, Tortura,
Meio ambiente, Desarmamento e Entorpecentes.
Vê-se aqui que mais da metade dos presos cometeram crimes contra o patrimônio, ou
seja, contra bens disponíveis. Somando-se os crimes contra o patrimônio com os crimes
relacionados ao tráfico, portanto, teríamos o percentual de 73,98% dos crimes, ou seja, quase três
quartos. De outro lado, somando-se os crimes contra a vida com os crimes contra os costumes,
teríamos um percentual de apenas 16,86%.
Uma última observação com relação a este quadro diz respeito ao percentual de crimes
relacionados ao tráfico de entorpecentes praticados por mulheres. O Infopen não oferece mais
detalhes sobre este percentual, mas o que se sabe empiricamente é que boa parte dessas mulheres
são flagradas ao tentarem introduzir drogas nos presídios a pedido de seus companheiros que lá
se encontram. Muitas vezes, portanto, são primárias e de bons antecedentes, mas terminam
condenados e presas pelo crime de tráfico.
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Vê-se aqui outro quadro desalentador: 311.116 presos contam com menos de 35 anos de
idade e este número representa 74,5% do total dos presos. Isto significa, portanto, que quase três
quartos dos presos são pessoas em plena idade produtiva, ou seja, entre 18 e 35 anos de idade.
Uma rápida conclusão, portanto, indica que 77% da população carcerária brasileira tem
grau de escolaridade até o ensino fundamental, 74,5% estão na faixa etária de 18 a 35 anos de
idade e 73,98% cometeram crime contra o patrimônio ou por tráfico de entorpecente.
É hora de nos perguntar, portanto, o que se tem realizado e proposto pelo Poder Judiciário
brasileiro em face desta realidade. Neste sentido, nos limites deste trabalho, abordaremos
algumas tentativas isoladas de magistrados brasileiros e ações institucionais promovidas do CNJ.
Segundo Ministro, o sistema sofre de superlotação, algumas varas de execução penal não
contam com estrutura mínima de funcionamento, existe um déficit de 167 mil vagas no sistema
prisional, milhares de mandados de prisão a serem cumpridos, cumprimento de penas provisórias
que ultrapassam o teto legal para o delito que cometeram e um flagrante paradoxo: “milhares de
réus encontram-se soltos, sem perspectiva de julgamento, ao tempo em que outros tantos se
acham ilegalmente encarcerados, com excesso de prazo na prisão cautelar ou no cumprimento
da pena.” (Anexo).
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Vamos observar, portanto, as ações do CNJ com relação às iniciativas dos juízes de
primeiro grau e, em seguida, os números dos Mutirões Carcerários.
A entrevista que o Juiz de Direito Livingsthon José Machado concedeu ao Jornal Folha
de São Paulo, (Anexo), é um marco da luta da magistratura brasileira em defesa da Constituição
de 1988.
Antes do CNJ, a decisão do Juiz havia sido revogada pela Corregedoria Geral da Justiça
do TJSP e a questão foi levada ao CNJ através de Procedimento de Controle Administrativo
(2008.10.00.000239-7) requerido pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, pela
Comissão de Direitos Humanos da seccional de Tupã (SP) da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB) e pelo Ministério Público do Estado de São Paulo.
Em seu voto, o relator registrou que o problema de fundo deste procedimento "concerne
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à incapacidade do Estado em gerir de modo adequado a execução penal". E levantou uma série
de razões sociológicas para explicar "os motivos pelos quais dificilmente políticas de execução
penal pautam de modo prioritário as agendas dos governos. A origem do problema, contudo,
não se encontra somente em motins, rebeliões e violações sistemáticas de direitos humanos; ela
remonta à própria noção de estrutura da sociedade, seus fins e métodos de controle social".
De acordo com o Conselheiro Jorge Maurique, a grave situação enfrentada pelas casas
prisionais de São Paulo é comum em todo o País e no mundo. Ao sugerir a criação da Comissão,
o conselheiro alertou para a gravidade da crise: "O problema, portanto, é macro, sistêmico,
mundial e complexo, não apenas restrito aos estabelecimentos prisionais do caso em tela e, à
toda evidência, não sendo resolúvel por meio de medidas isoladas, sejam adotadas por
magistrado, em sua atividade fiscalizatória e correcional da execução penal, seja por parte
deste Conselho, em seu papel de controlador dos referidos atos. Para um problema de tamanha
grandeza, faz-se mister soluções igualmente complexas e tomadas com suporte de um número
maior de pessoas e instituições. Se há algo de errado com o sistema, é necessário que este
sistema seja alterado; o que não se pode permitir é que este mesmo sistema seja subvertido em
sua ordem, sob pena de que seja instaurada uma situação de desordem, de antidemocracia e de
supressão do diálogo institucional. Em resumo, incorre-se no risco de se inviabilizar o próprio
sistema prisional, por pior que seja seu modelo atual, ainda mais por que praticamente não há
no Brasil estabelecimento carcerário que não tenha excedido seus limites. É infelizmente a triste
realidade que se atesta diariamente nos noticiários nacionais e nas atividades correcionais
judiciais." 6
Conclui-se, portanto, que não são aceitas pela cúpula do Poder Judiciário iniciativas
isoladas da magistratura brasileira o enfrentamento da questão, tendo como fundamento o
respeito às garantias fundamentais e aos Direitos Humanos dos presos.
6
In < http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3915:conselho-cria-grupo-para-analisar-situa-
dos-presos-e-execus-de-pena-no-pa&catid=1:notas&Itemid=675 > acesso em 10.05.2010
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b) Os Mutirões Carcerários
Os dados publicados pelo CNJ não permitem uma análise mais detalhada sobre o perfil
dos presos beneficiados. Assim, por exemplo, não sabemos quais os delitos que cometeram, qual
a escolaridade, a que pena foram condenados, quanto tempo de pena já tinham cumprido e,
finalmente, o futuro deles após a liberdade.9
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In < http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=10311&Itemid=1123 > acesso em 10.05.2010
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In < http://www.cnj.jus.br/mutirao_carcerario/index.wsp> acesso em 10.05.2010
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O caso do detento Gildeon Ribeiro dos Santos, noticiado no site do CNJ, é emblemático: ―Depois de passar quase 18 anos preso
em uma penitenciária de São Luis (MA), Gildeon Ribeiro dos Santos, 34 anos, vai finalmente poder rever sua família, neste
sábado (6/3), em Imperatriz (MA), cidade que fica a 530 km da capital, no sudoeste maranhense. Ao ganhar liberdade
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As liberdades e benefícios concedidos, no entanto, com base no que foi divulgado, não
tem relação com a falta de estrutura das penitenciárias e violação das garantias fundamentais dos
presos, mas apenas a aspectos processuais.
Não custa lembrar que no Brasil Colônia, aos presos da Cadeia Velha, a Santa Casa de
Misericórdia socorria com enfermeiros, remédios, comida e advogados. Não há registro, no
entanto, que os misericordiosos padres da Santa Casa de Misericórdia tivessem promovido
algum protesto com relação à própria Cadeia Velha ou à violação dos direitos mais básicos dos
detentos.
X – Desfazendo mitos
Segundo Loïc Wacquant, três mitos amplamente divulgados pelo governo e imprensa,
dominam o debate contemporâneo sobre a violência criminal nos EUA. O primeiro pretende que
a política penal no país peca por uma condescendência perene; o segundo afirma que a repressão
é uma política bem sucedida, ao passo que o Estado se revela congenitamente impotente no
domínio social, salvo quando adota a mesma atitude punitiva; o terceiro sustenta que o
encarceramento se torna, no final das contas, por seu efeito neutralizante, menos caro do que o
somatório dos crimes que evita.10
condicional nesta sexta-feira (5/3), depois de ter seu processo analisado pelo mutirão carcerário do CNJ, Gildeon recebeu a
passagem para voltar a sua cidade, roupa e um auxílio em dinheiro para alimentação, fruto de uma parceria entre o Conselho, a
prefeitura de São Luís, o Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), e o governo do estado. "Vão me colocar no ônibus e quando
eu chegar lá, minha mãe estará me esperando. Se não fosse isso, não sei como voltaria para casa, teria que pedir carona, ou
ajuda para alguém", disse.
In < http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=10200:libertados-pelo-mutirao-no-ma-recebem-
apoio-para-voltar-para-casa&catid=1:notas&Itemid=675 > acesso em 10.05.2010
10
Wacquant, Loïc. Punir os Pobres. A nova gestão da miséria nos Estados Unidos. 3 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
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Os números apresentados neste estudo, porém, destronam estes mitos ao demonstrar que
o nível de encarceramento, em comparação com países desenvolvidos da Europa Ocidental, é
muito alto no Brasil; que a população carcerária cresceu assustadoramente na última década e,
mesmo assim, a criminalidade apenas cresceu e ganhou novos contornos no mesmo período.
Por fim, os mutirões carcerários promovidos pelo CNJ, ao anunciar a libertação de mais
de 20 mil presos por excesso no cumprimento da pena, demonstram claramente que não há
condescendência do sistema para quem é pobre e desamparado de boa defesa. Com efeito, a
estatística disponibilizada pelo CNJ não informa detalhes sobre os detentos beneficiados pelos
mutirões carcerários, mas não é difícil supor que se trata de delinquantes comuns, analfabetos e
desamparados de defesa.
XI – Conclusão
De outro lado, podemos afirmar que o problema da superlotação dos presídios brasileiros
é antigo e histórico, desde os tempos da Cadeia Velha, bem como é antiga a política de maus
tratos, abandono e violação dos direitos dos presos. Séculos se passaram, mais crimes foram
tipificados, mais penas agravadas e, por lógica, a população carcerária só aumentou a cada ano,
principalmente na última década. Sem dúvidas é o Estado do Bem Estar dando lugar ao Estado
Penal.
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Além disso, é interessante observar que as mais altas autoridades judiciárias brasileiras
denunciam o caos do sistema penitenciário brasileiro, mas os Tribunais e CNJ não acolhem as
iniciativas dos juízes de primeiro grau em defesa da Constituição e no cumprimento dos Direitos
Humanos dos Presos. Ao contrário, são promovidos mutirões carcerários para libertar presos
pobres, sem defesa, com direito à liberdade assegurado em Lei, apenas em razão de falhas
processuais na execução da pena, mas sem tocar na grande ferida que é o próprio sistema
penitenciário, violador das garantias fundamentais de toda a população carcerária.
a) Até quando vamos continuar aceitando o atual sistema prisional fundamentado apenas na
justificativa de que, por enquanto, não temos nada melhor?
b) Até quando seremos cúmplices de constantes violações aos Direitos Humanos na medida
em que continuamos, a cada dia, condenando réus a regime fechado em penitenciárias
superlotadas, ou seja, o Estado-Juiz cometendo crimes contra o cidadão, conforme
discursou o Ministro Peluso?
e) Por fim, qual o papel do Direito e das Ciências Penais na superação desse quadro de
horrores?
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Enfim, este é o debate para o qual convido a todos os “artesãos” do Direito e defensores
dos Direitos Humanos a enfrentar e, por consequência, promover um verdadeiro “mutirão
constitucional” que também tivesse olhos para as violações dos Direitos Humanos, além das
violações do Processo Penal, contribuindo, efetivamente, para a construção da democracia e
fortalecimento do Estado Democrático de Direito.
Anexo I
Comecemos pelo óbvio: preso é gente. E gente precisa de alimento, educação e trabalho. No
Brasil, porém, a realidade às vezes consegue revogar até axiomas. Aqui, os presídios não são
casas correcionais socializadoras, mas depósitos de seres humanos que, lá chegando, se
transformam em coisas - pelo menos aos olhos apáticos da maioria - e como tal são amiúde
tratados.
Essa constatação vem sendo escancarada diariamente ao País, desde que o Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) pôs em execução o Programa dos Mutirões Carcerários.
As deficiências são de toda ordem: desde a já conhecida superpopulação, a exigir investimentos
muito mais consistentes na estrutura carcerária, até o lixo acumulado e a infestação por ratos,
cuja solução é de simplicidade absoluta. No âmbito do sistema de justiça, faltam técnicos e
estrutura mínima de funcionamento em algumas varas de execuções penais. Enquanto
escasseiam defensores, sobram processos aguardando instrução, num quadro em que o excesso
de prazo passa a ser a regra.
De fato, os mutirões carcerários constataram um inadmissível déficit de mais de 167 mil vagas
no sistema prisional - que hoje mantém mais de 473 mil pessoas e cresce em média 7,11% ao
ano. Esse número é ainda mais grave se considerados os milhares de mandados de prisão que
ainda não foram cumpridos. Sem dúvida, o total gasto pela União no ano passado para
construção de presídios é insuficiente e não atinge sequer 3% dos recursos essenciais para a
criação dessas vagas.
A ineficiência sistêmica é mais flagrante no paradoxo de que milhares de réus encontram-se
soltos, sem perspectiva de julgamento, ao tempo em que outros tantos se acham ilegalmente
encarcerados, com excesso de prazo na prisão cautelar ou no cumprimento da pena. E o mais
aviltante: muitos presidiários cumprem, provisoriamente, penas que ultrapassam o teto legal
fixado para o delito que cometeram.
É para reverter tais ignomínias que o CNJ trabalha.
Em um ano e meio de trabalho e após examinados mais de 111 mil processos, foram concedidos
cerca de 34 mil benefícios previstos na Lei de Execução Penal, entre os quais mais de 20,7 mil
liberdades. Em outras palavras, por dia, 36 pessoas indevidamente encarceradas reouveram o
vital direito à liberdade. Quanto à racionalização dos gastos - decisiva num sistema carcerário em
que a superlotação é a regra -, os mutirões resultaram na realocação de vagas equivalentes à
capacidade de 40 presídios médios. Não é pouco, mas há muito ainda por fazer.
A Lei de Execuções Penais determina que os condenados trabalhem ou tenham acesso ao ensino
fundamental. Todavia, recente tese de doutorado defendida na Universidade Estadual do Rio de
Janeiro revela que, em 2008, a média de presos sem trabalho gira em torno de 76% e apenas
17,3% estudam. Também de acordo com a pesquisa, entre os detidos que trabalham, a
probabilidade de reincidência cai a 48%. Para os que estudam, reduz-se a 39%.
Ora, o alto índice de reincidência demonstra que o sistema prisional não atende ao seu principal
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Anexo II
Entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo pelo Juiz Livingsthon José Machado
Qual era a situação carcerária quando o senhor assumiu a Vara de Execuções Criminais
em Contagem?
Livingsthon José Machado — À época [2005], havia seis unidades prisionais [em delegacias] e
uma prisão de segurança máxima. As seis delegacias tinham presídios em situação
irregular. Num distrito, em razão do excesso de presos, o delegado pôs uma grade no corredor,
que virou uma cela com 28 presos.
corregedor despachar. Foi distribuído ao relator Paulo Lobo, que, após alguns meses, disse que
não conhecia da revisão [não seria o caso de julgar], porque eu já havia ajuizado recurso
ordinário no STJ. Eram coisas diferentes. No CNJ, alego que não houve desobediência. No STJ,
contesto a decisão do tribunal. Contra essa denegação do CNJ, há um mandado de segurança no
Supremo Tribunal Federal, cujo relator é o ministro Menezes Direito, que indeferiu a liminar.
Agora, o tribunal em Minas abriu processo para minha aposentadoria compulsória.
Por que o senhor não aceitou a remoção para uma vara cível?
Machado — Há recursos a serem decididos. Se eu assumisse, estaria aceitando a punição.
Fonte: http://www.conjur.com.br/2009-mai-27/juiz-mandou-soltar-presos-contagem-deixar-
magistratura