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Relacées entre politica e 6 economia: Teoria da Escolha Publica Hugo Borsani Universidade Estadual do Norte Fluminense SUMARIO O capitulo apresenta em primeiro lugar as principais caracteristicas que definem a Teoria da Escolha Piblica (TEP) e que a distinguem de outras abordagens tebricas. Seguidamente se analisam as regras de decisio coletiva ¢ seus principais efeitos (regra da maioria, teorema do eleitor mediano eo paradoxo do voto). Finalmente, sao apresentados os conceitos mais recentes da TEP e suas aplicagdes mais relevantes (logrolling, problemas de acio coletiva, grupos de interesse, rent seeking, teorias sobre a burocracia ¢ ciclos politicos-econdmicos). PALAVRAS-CHAVE -xpectativas racionais; agéo coleti cos, Escolha Puiblica; decisao coletiva; lagrollin : grupos, de interesse; rent seeking; burocracia; ciclos po INTRODUGAO A Teoria da Escolha Publica (TEP), Public Choice, é 0 estudo dos processos de decisiio 7 politica numa democracia, utilizando o instrumental analitico da economia, fundamentalmente 08 Conceitos de comportamento racional e auto-interesse que definem 0 homo economicus. Trata-se de um método de andlise baseado nos princfpios econdmicos ¢ aplicado aos objetos de estudo da Ciéncia Politica, tais como as decisoes do Legislativo, os efeitos das regras eleitorais, © comportamento dos grupos de interesse, dos partidos politicos e da burocracia (vide também 0 Capitulo 4), entre outros, A TEP constitui uma abordagem interdisciplinar da relacéo entre € politica.! Ditferente das escolhas privadas feitas pelos individuos sobre bens e servicos de uso privado, objeto da andlise microecondmica da economia neoclissica, a Escolha Piiblica refere- se as decisdes coletivas sobre bens ptiblicos, destacando o fato de que as decisées coletivas sio resultado de decis6es individuais. Ou seja, a TEP se ocupa das decisdes feitas por individuos, integrantes de um grupo ou organismo coletivo, que afetam a todos os integrantes da coletivi- econo! " Sendo 0 comportamento racional um dos conceitos basicos da Teoria da Escolha Piblica, a mesma tem vinculos com a chamada Teoria da Escolha Racional. Porém, essa Gitima possui uma abrangéncia mais ampla, padendo ser aplicada a qualquer fendmeno social, nio se restringindo as relagées entre economia e politica 104 ‘CONOMIA bo SeroR PUntico No Bras ELSEVIER dade. Os objetos principais das andlises da TEP sio as resolugdes tomadas nas diferentes, instituigdes politicas dos Estados democraticos representativos. Um dos principais objetivos dos trabalhos na perspectiva da TEP tem sido determinar como se efetivam os processos politicos € seus efeitos na economia, evidenciando a estrei relagao dos resultados econdmicos com as regras e procedimentos para a tomada de decisoes no Ambito politico. Por essa razio, uma das abordagens da TEP tem tido um carter basicamente positivo, se diferenciando das analises prioritariamente normativas, tanto na Economia como na Ciéncia Politica. Por tradicio, a teoria econdmica focalizou sua andlise no funcionamento do mercado € das escolhas privadas dos individuos (consumidores ou produtores), estando a dimensao politica reduzida basicamente ao estudo dos efeitos das regulagdes do governo sobre 95 precos, a producao eo consumo, propondo diferentes politicas a serem seguidas pelos governos para a obtencio dos melhores resultados macroecondmicos, Na Ciéncia Politica, por sua vez, tém-se definido diferentes objetivos da democracia ¢ teorizado abundantemente sobre 0 funcionamento ideal dos regimes democraticos, destacando-se, em alguns casos, 0 contraste com os resultados e as praticas observadas, porém, com menos énfase no compor- tamento individual como mecanismo explicativo dos resultados politicos. Na abordagem positiva da TEP, 0s esforgos te6ricos buscam decifrar as estratégias individuais dos diferentes atores que intervém nos processos de decisio coletiva dos governos democraticos, e determinar seus possiveis resultados (legislacdo aprovada e implementada), segundo as dis uicGes politicas existentes, como por exemplo, os diferentes procedimentos de votacio (maioria simples, maioria qualificada, unanimidade). A énfase na relevancia das regras e instituicdes sob as quais as decisGes politicas so tomadas nas democracias diferencia a TEP da economia neoclassica mais tradicional. As preferéncias individuais ¢ as regras e procedimentos de deciso coletiva resultam nas escolhas coletivas € constituem os elementos basicos de andlise da TEP ‘Te6ricos da Escolha Paiblica também tém incluido andlises do tipo normative quando 0 objetivo € estudar os processos pelos quais sto escolhidas as regras ¢ instituigGes que definem as decisdes coletivas no governo e a forma como sio escolhidos seus integrantes, as chamadas ‘egras do jogo”. Tratam-se das regras que regulam e delimitam o préprio proceso decisé das opgdes piiblicas e que definem os procedimentos de decisao tanto no Parlamento quanto no conjunto das instituigdes politicas (Legislativo, Executivo, Judiciério, burocracia). Essas regras também definem a relagao entre as instituigdes € os cidados, individualmente (como eleitores) ou organizados (como grupos de interesse). Essa abordagem da TER, conhecida também como Economia Constitucional (Constitutional Political Economy), tem se ocupado com a escolha das regras e instituigées mais adequadas para a tomada de decisdes que beneficiam o interesse coletivo. A TEP se contrapds as concepg6es politicas e econdmicas predominantes a partir do se- gundo pés-guerra, inspiradas nas idéias de Keynes e em sua confianca na capacidade do pro- cesso politico de adotar medidas impulsoras do bem-estar do conjunto da sociedade e do Estado como corretor das falhas do mercado, idéias que deram origem a chamada economia do bem-estar ou Estado de Bem-estar (Welfare State). A base dessa confianga nos resultados das politicas piiblicas estava tanto na eficiéncia do controle ptiblico sobre as variaveis econdmicas, como em uma visio positiva da capacidade € motivacao das elites tecnocraticas, “a visio tecnocratica e benigna do processo democratico”. | A idéia de que a conducao econdmica do governo pode ser orientada exclusivamente pelo interesse puiblico, através da capacidade dos politicos e técnicos do governo, para a elaboracio de politicas publicas eficazes na corregao das falhas do mercado, foi questionada UR: Se sid * Willet & Banaian (1988). [RELAGOES BYTRE POLETICA # ECONOMIA: TEORA DA ESCOLIHA PUBLICA 105 pela TEP na andlise dos processos de decisio politica. Segundo essa anilise, politicos e buro- cratas, da mesma forma que empresirios € consumidores na economia neoclassica, so atores racionais e est4o motivados pelo interesse préprio, que no caso dos politicos consiste em atingir o poder e/ou manter-se nele. Isso resulta muitas vezes no fracasso das politicas publicas em satisfazer de forma eficaz ao conjunto da sociedade ou mesmo A maioria da populagio através de politicas em prol do bem comum. A concluso da TEP é que existem falhas na agao dos governos, da mesma forma que existem falhas no funcionamento do mercado Dois pressupostos basicos de andlise da TEP sio 0 comportamento racional ¢ o interesse / préprio, ambos considerados motivadores das preferéncias individuais de governantes ¢ eleitores. Um terceiro elemento fundamental € 0 conjunto de regras € instituigGes poltticas. Segundo a perspectiva da TEP, a escolha das politicas ptiblicas dos governos é resultante de opcoes motivadas por preferéncias individuais, feitas sob determinadas regras e procedimentos de decisio coletiva. Em face de tais regras, cada participante escolhe sua estratégia segundo 0 critério de maior utilidade individual (maximizagdo dos beneficios). As decisoes politicas e econdmicas dos governos democraticos dependem das instituicdes politicas existentes € das decisdes dos agentes ou atores politicos, econdmicos e sociais que intervém nessas decisdes. O presidente, a coaliz4o de partidos no governo, 0 Legislativo, 0 Judicidrio, a administragdo publica, os partidos politicos, os grupos de interesse, todos interferem na defini¢io ¢ implementacio das politicas piblicas. As escolhas coletivas sempre sio o resultado de um embate de preferéncias individuais regulado por regras ¢ procedimentos a que determinam a relagio entre os participantes e a forma de se chegar a um resultado: -decisio coletiva. Ademais, uma caracteristica essencial dos governos democraticos, que influencia as decisdes adotadas sobre escolhas ptiblicas, é que eles devem se submeter, periodicamente, a eleicées competitivas, com resultado incerto e definidas pelo maior néimero de votes. ‘As cronologias sobre a origem ¢ a evolucio da TEP geralmente comecam no século XVIII, com o matemitico francés Marqués de Condorcet € sua descrigao do “paradoxo do voto”. A origem contempordnea da perspectiva da Escolha Publica se situa entre fins da década i de 1950 ¢ meados dos anos 60. E quase um consenso considerar como trabalho fundador da TEP The Calculus of Consent, dos economistas James Buchanan‘ e Gordon Tullok. O cientista politico Anthony Downs (An Economic Theory of Democracy, 1957),* ¢ os economistas Mancur Olson (The Logic of Collective Action, 1965)° € William Riker (The Theory of Political Coalitions, 1962) também so considerados pela maioria dos estudiosos do tema, co-fundadores dessa perspectiva de andlise. O trabalho de Joseph Schumpeter, Capitalism, Socialism and Democracy,? pode ser visto como um precursor da andlise politica da TEP Segundo Schumpeter, a atividade politica pode ser equiparada ao mercado, na qual os politicos representam os empresirios € 08 votos representam 0 dinheiro. Como os politicos precisam dos votos para ganhar eleigGes € chegar ao poder e/ou manter-se nele, procuraram maximizar os votos do eleitorado da mesma forma que os empresarios procuram maximizar o lucro. > A-TEP se contrapés também a alguns pressupostos da ortadoxia neoclissica, em particular a possbilidade de agregar preferéncias individuaisracionais em uma curva de preferéncias sociais, ea adocio do critério de otimalidade de Pareto (se todos os individuos de uma sociedade preferem a opgio x ay, x sera também o resultado da escolha social) como condicto suficiente de eficiéncia das escolhas coletivas (Arrow, 1951; McNutt, 1997, Ver a nota de rodapé n? 10 neste capitulo). * Prémio Nobel de Economia 1986 pela contribuigio na érea da Escolha Piblica * Traducio para o portugués: Una Teoria Econémica da Demoeracia, Edusp, S40 Paulo, 1999, Tradugio para o portugues: A Ligica da Agdo Coletiva, Edusp, Sho Paulo, 1999. * Traducio para 0 portugués: Capitation, Socialiono e Democracia, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1984. ELSEVI Junto com 0s trabalhos mencionados, o livro de Kenneth Arrow, Social Choice and Indi- vidual Valwes,* deve ser considerado um dos precursores da perspectiva da TEP. O trabalho de Arrow deu origem também a chamada Teoria da Escolha Social (Sacial Choice),® que esta estrei- tamente interligada 4 TEP, na medida em que o objeto de andlise dessa tiltima sio as escolhas coletivas feitas nas instituicdes politicas. Porém, a preocupacao da Teoria da Escolha Social do esté em saber como sio efetivamente tomadas as decisoes coletivas no Ambito politico (como € 0 caso da TEP), mas em determinar quais s4o, ou deveriam ser, os procedimentos demoeraticos que garantem escothas do conjunto da sociedade (escolhas sociais),!° sobre diver- sos assuntos, de forma tal que essas escolhas sejam realmente a agregacio de_ preferéncias individuais que efetivamente maximizem a satisfacao ou bem-estar do conjunto social (social welfare). Um outro objetivo da Escolha Social é achar formas adequadas de mensurar essa satisfacdo ou bem-estar social (vide Capitulo 19). Nas proximas secdes, so apresentados os principais conceitos desenvolvidos na pers- pectiva da TER, comecando por trés das primeiras andlises te6ricas sobre as regras de decisio coletiva e seus principais efeitos (regra da maioria, teorema do eleitor mediano e paradoxo do voto) € continuando com os conceitos centrais da Escolha piiblica e suas aplicagbes mais, relevantes (logrolling, problemas de agio coletiva e grupos de interesse, rent seeking, teorias sobre a burocracia (vide também 0 Capitulo 7) ¢ ciclos politicos-econémicos. REGRA DA MAIORIA. Os dois sistemas de votagio mais simples no processo de decisio coletiva sio a regra da unanimidade ¢ a regra da maioria. Como todos sao afetados pelas decisdes dos governos acerca da proviso de bens piiblicos, a unanimidade é a regra mais adequada para se obter um resultado satisfat6rio. Nesse sentido, essa é a tinica forma de votagio que permite atingir 0 6timo de Pareto na determinacao da quantidade de bens ptiblicos a ser produzida ¢ 0s tributos a serem pagos para sua produgio. Podemos notar, entretanto, que 0 alto custo (em tempo) demandado para que decis6es unanimes sejam atingidas impossibilita a adogdo dessa regra nas modernas democracias, ficando restrita a resolugdes entre pequenos grupos. Descartada a regra da unanimidade nas decisées coletivas de grandes grupos, as decisoes nas instituigdes democriticas devem ser tomadas pela maioria. A questo agora reside em determinar qual € a maioria étima, Amplas maiorias (maioria absoluta, maioria de dois tercos etc.) demandam tempo para sua construgao. Destarte, individuos cujos custos de oportunidade sao elevados preferem maiorias menos amplas, como a maioria simples, por exemplo. Como os custos de formagio de maiorias diferem segundo os temas, para Buchanan e Tullock,"® a determinacao dos votos necessdrios para os diferentes tipos de matérias deve ser estabelecida na elaboragdo das normas constitucionais, ou seja, na escolha das regras do jogo, quando ninguém conhece sua futura posi¢ao nesse ou naquele tema. No entanto, a decisio sobre 0 * Prémio Nobel de Economia 1972 por seus trabalhos sobre escolha sociale equiltbrio econdmico. ® Junto com Arrow, Amartya Sen, Prémio Nobel de Economia 1998, & um dos mais renomados tebricos nessa area 'W Arrow identifica o sistema de mercado e o sistema de eleico como os dois métodos de escolha social que permitern agregar as preferéncias de todos (ou muitos de) os individuos integrantes da sociedade numa moderna democracia. ‘Outras duas formas de escolha socal sio: por convengSes culturaise religiosas (escolha social coletiva no demacritica) ‘ou pela decisio de um individuo ou pequeno grupo de individuos (escolha social nao coletiva e no democratica: ditadura). Arrow (1951). © Buchanan & Tullock (1962) pyrene a aaa RELAgors EvrRe rOLTIca & ECONOMIA: TEOREA DA ESCOLEHA PURLICA~ 107 quantum de maioria necessério para deliberar sobre os diferentes assuntos deveria ser consen- sual, Como 0 consenso é raro ¢ dificil, o problema se desloca para a determinagio das maiorias requeridas para decidir a qualidade das maiorias. A regra da maioria, especialmente a maioria simples, € objeto de critica por parte dos autores da TEP. Sem desconhecer 0 carater pragmatic desse mecanismo nas modernas democracias, so assinaladas suas limitagées como procedimento capaz de levar a decisées coletivas dtimas. ‘A maioria simples é 0 menor niimero de votos necessario para uma tomada de decisio, de forma a evitar a aprovacio simultanea de temas mutuamente contraditérios. Quando uma decisio politica é aprovada por maioria, além do problema da determinacéo da produ eficiente do bem piblico (alocagio eficiente dos recursos), surge a questio da redistribuicio de bem-estar em favor dos integrantes da maioria que aprovou a medida. O efeito redistributivo da regra da maioria simples foi descrito por Tullock!® com 0 exemplo dos 100 fazendeiros. No exemplo, 0 acesso das respectivas fazendas & rodovia principal se faz por estradas vicinais que atendem a cada quatro ou cinco fazendeiros. A decisio acerca de quais estradas reparar e conservar, com determinado nivel de qualidade e segundo um determinado custo para cada fazendeiro, néo pode ser alcancada por unanimidade, com 0 que se impée a formagao de uma coalizio majoritaria. Essa decisdo majoritéria, entretanto, deve levar a que se aprove reparar somente os caminhos utilizados pelos membros da coalizio, com 0 custo distribuido entre os 100 fazendeiros. Nesse exemplo, portanto, a regra da maioria leva a uma redistribuicao, transferindo bem-estar dos 49 fazendeiros que pagaram os impostos, mas nao obtiveram a reparacéo dos caminhos que Ihes servem, para os 51 fazendeiros que tiveram suas estradas reparadas com custos reduzidos & metade. Desse modo, as coalizées majoritarias podem redistribuir a seu favor, seja através dos beneficios auferidos (no exemplo dos fazendeiros de Tullock, melhores estradas pelo mesmo imposto) ou pelos custos incorridos (igual quantidade e qualidade do bem ptiblico a menor pre¢o).. ‘Uma das principais limitagbes da regra da maioria é a impossibilidade de considerar a intensidade das preferéncias. Os individuos geralmente tém diferentes graus de preferéncias sobre os bens publicos a serem oferecidos pelos governos. Por isso, o resultado de uma decisio majoritéria pode ser ineficiente do_ponto de vista econdmico, isso é, a maioria pode ficar insatisfeita com a quantidade de bens publicos produzida. Alguns prefeririam mais, outros menos. Da mesma forma, a regra da maioria pode culminar na rejeigio de determinada proposta, mas se a intensidade das preferéncias fosse computada, o conjunto da sociedade poderia estar melhor (mais satisfeito) com a aprovaco da medida. A diferente intensidade das _preferéncias € analisada com mais detalhes na Seco “Logrolling”, mais adiante neste capitulo, - TEOREMA DO ELEITOR MEDIANO. Como foi visto na seco anterior, a regra da maioria pode nio satisfazer A maioria dos cidadaos de uma democracia. Especialmente, individuos com preferéncias mais atfpicas € distantes da média da populacdo serdo os menos satisfeitos. Os tedricos da Escolha Piblica n formalizaco essa analise através do teorema do eleitor mediano. O modelo mais simples utilizado para explicar 0 teorema do eleitor mediano supée uma situacao de democracia direta— quando os eleitores votam diretamente na aprovacio ou rejeigao de projetos de lei endo em representantes ou partidos politicos ~ e um universo de somente trés eleitores, o menor mimero para o qual a regra da maioria é relevante para uma tomada de decisio coletiva. Suponha, por exemplo, que 0 tema a ser votado seja o servico de seguranca ® Tullock (1959), 108 — Kconowsn vo Seror Puntico No Brast ELSEVIER piiblica (policia), isso é, a quantidade de forca policial que deve ser provida pelo governo. Nesse exemplo, outros pressupostos do modelo sao: * Maior servico de seguranga significa maior bem-estar * Cada individu deve pagar mais imposto por mais policia (independente de os impostos pagos serem ou nao igualmente distribuidos por todos). * Cada individuo tem preferéncias diferentes sobre a quantidade de policia necessaria (6tima). Os beneficios individuais de mais forca policial, além da quantidade considerada 6tima por cada individuo, sao inferiores a0 montante pago em impostos por seguranca ea quantidade de forca policial passa a ser considerada maior do que a realmente necessaria. * Todos os individuos desejam um minimo de servigo policial + Cada eleitor vota de forma independent, isto é, segundo suas preferéncias. + O mecanismo de decisio é a regra da maior + As diferentes quantidades de forca policial sao votadas de forma binaria, num proceso exaustivo (opedo entre a e b; opcio entre b e «.) * Todos os eleitores votam. Eleitor mediano é aquele que opta por uma quantidade que esta na média das prefe- réncias do grupo, Ou, dito de outra forma, num tema em que as preferéncias esto distribufdas, entre uma quantidade minima € uma quantidade maxima, o mimero de eleitores que preferem quantidades menores do bem puiblico que o eleitor mediano é igual ao mimero dos que prefe- rem quantidades maiores. O teorema do eleitor mediano estabelece que, nas condicdes especificadas aqui, o resultado de uma elei¢ao majoritiria sera preferéncia do eleitor mediano, Gréfico 6.1: Preferéncias individuais por gasto em seguranca publica. a Q Q eleitor A eleitor B eleitor C Fonte: Elaborado pelo autor. No Grifico 6.1, o eleitor A prefere a quantidade Q, de forea policial, o eleitor B, a quantidade Q, € o eleitor G, a quantidade Q,. O eleitor B é 0 eleitor mediano, e o seu 6timo, Q,, € a opgio resultante da regra da maioria num processo bindrio € exaustivo de votacdo. Somente o eleitor A votard por uma quantidade inferior a Q,, € somente o eleitor C votara numa quantidade superior. Na escolha entre Q, € Q,,0 eleitor C preferira a quantidade Q, Como essa é a quantidade étima para o eleitor B, Q, € a quantidade escolhida. Na escolha entre Q, eQ,, a quantidade Q, é preferida pelos eleitores A e B, sendo, dessa forma, a esco- Iha final do processo de votacao (a decisao coletiva). Observe-se que esse resultado independe da maior ou menor proximidade da opcao do eleitor B com as opcoes de A e C. Aplicado a uma democracia representativa, na qual os eleitores escolhem represen- antes, o teorema do eleitor mediano explica por que, no caso de dois candidatos (ou partidos) ‘¢ supondo que todos votem, seré eleito aquele com uma proposta mais proxima da preferéncia do eleitor mediano (median voler strategy) e ambos tenderao a desenhar plataformas similares. 0 candidato (ou partido) mais proximo do eleitor mediano estar mais préximo do étimo de mais da metade do eleitorado. O teorema do eleitor mediano tem dado origem a uma série de mo- delos sobre comportamento racional ¢ 4 denominada andlise espacial das preferéncias do eleitorado e das estratégias de candidatos e partidos politicos. zak _ [Reacts EYTHE POLITICA E ECONOMIA: TEOREA DA ESCOLA PUBLICA - 109 © 6timo do eleitor mediano ser o melhor resultado possivel se a intensidade das preferéncias for igual para todos os eleitores. Porém, se as preferéncias diferem em grau (¢ essa é geralmente a situaco no mundo real), 0 resultado pode nao ser o melhor para o conjunto da sociedade. Se os eleitores A ou C tém, pelos seus respectivos dtimos, preferéncias mais intensas que o eleitor B pela quantidade Q., a decisao coletiva (ou seja, a preferéncia do eleitor mediano) pode resultar em menos € nao em mais satisfac do conjunto dos eleitores. ‘Anthony Downs, no trabalho clissico ja mencionado, demonstra que numa distribuicio de votantes unimodal ¢ assumindo um espaco ideolégico unidimensional no eixo esquerda- direita, existe uma tendéncia de convergéncia 20 centro dos partidos politicos que competem pelo poder, especialmente em sistemas eleitorais majoritarios, (que favorecem o bipartidarismo) € com uma ampla classe média, em geral posicionada no centro do espectro ideolégico. O PARADOXO DO VOTO O paradoxo do voto é um conceito fundamental para entender o funcionamento dos processos de votacio nas instituigdes democraticas, sendo particularmente titil no estudo do funcionamento do Legislativo e de suas comissGes (vide também 0 Capitulo 22). © paradoxo do voto foi descoberto pelo matematico francés Marqués de Condorcet, no século XVIIT, que demonstrou que, numa decisio entre mais de duas opcdes, um proceso de escolha entre pares de alternativas nem sempre resulta na opcao preferida pelo grupo. Para entender 0 paradoxo do voto, considere um caso hipotético de apenas trés leg’ dores, os quais devem optar entre financiar a construgao de um estacionamento subterraneo, uma estrada ou uma ponte. Na Tabela 6.1 esta representada a ordem das preferéncias hipotéticas dos trés legisladore: ‘Tabela 6.1: Paradoxo do voto Preferéncias Legislador A Legislador B Legislador I Estacionamento Estrada Ponte Estrada Ponte Estacionamento 3 Ponte Estacionamento Estrada Pela regra da maioria, e supondo que cada legislador vote pela sua preferéncia, nenhuma das opgoes sera escolhida. Nesse contexto, os legisladores decidem votar entre pares de opcoes. Na primeira votagao, escolhem entre o estacionamento € a estrada, Segundo a ordem de preferéncias apresentada, o legislador A votaré em financiar o estacionamento, o legislador B votar4 na estrada ¢ 0 legislador C, no estacionamento. Vence a opcio estacionamento, € @ estrada é descartada, Numa segunda votacao, entre o estacionamento € a ponte, o legislador A. escolhe novamente 0 estacionamento, ¢ os legisladores B e G votam na ponte. O resultado final da decisio coletiva € o financiamento da ponte. Agora imaginemos que os legisladores decidam verificar 0 resultado entre a estrada (opgio derrotada pelo estacionamento) e a ponte. Ae B votariam na estrada € somente C votaria na ponte. A opgao pela estrada derrotaria a opcao pela ponte. Esse € 0 paradoxo do voto: o estacionamento venceu a estrada € a ponte venceu 0 estacionamento, mas a estrada venceria a ponte. O resultado € inconsistente. Na existe uma preferéncia definida no grupo dos trés legisladores, ¢ a ordem de preferéncias majoritarias é ciclica. Sendo x = estacionamento, 7 = estrada € z = ponte, x vence y que vence z que vence x (x>y>z>x). 110 —-Econonta bo Seror Pouico No Bast ELSEVIER © paradoxo do voto mostra que, existindo mais de duas alternativas, a escolha entre pares de opgdes nao assegura que alguma das opgGes descartada ndo seja preferida pela maioria Aquela que foi finalmente escolhida utilizando a regra da maioria. A descoberta de Condorcet foi gencralizada pelo economista americano Kenneth Arrow" que demonstra que, sendo pelo menos trés as opgdes entre as quais realizar uma escolha, nao existe nenhum sistema de votagio baseado no critério da maioria que atenda ao mesmo tempo determinadas condigées consideradas razodveis, € que permita eliminar 0 paradoxo do voto € garanta que a decisio coletiva da sociedade seja efetivamente a opcdo que proporciona maior satisfacio e bem-estar (welfare) a0 conjunto da sociedade."* Poder de agenda © resultado desse exemplo poderia ter sido diferente, isto é, ndo se teria escolhido financiar a ponte, se os pares de alternativas tivessem sido votados em outra ordem. O paradoxo do voto demonstra que a ordem das votagées afeta o resultado. Essa observacao nos conduz assertiva de que detém grande poder aquele que decide as matérias a serem votadas e sua ordem de apreciagio pelo plenario, haja vista sua possibilidade de influenciar o resultado final. Fo chamado poder de agenda. Ter poder de agenda ¢ lograr definir a ordem em que diferentes matérias sero votadas no Legislativo. No exemplo da Tabela 6.1, se o legislador A fosse o responsavel pela definigéo da ordem das votagdes, € pressupondo que conhecesse as preferéncias dos outros dois, ele seguramente teria estipulado a primeira votacao entre a estrada e a ponte. Escolhida a estrada, uma segunda votacio deveria optar entre o estacionamento e a ponte, sendo, portanto, escolhido o estacio- namento, sua preferéncia. Esse tipo de manipulacio da agenda pode ser importante nas votagoes do Parlamento e nas comissoes legislativas Uma forma de evitar a manipulacio da agenda é exigir uma vota¢io completa, confron- tando todas as alternativas. Outra forma, ainda, é uma votacio por pontuagao, outorgando pontos mais altos para as opgoes preferidas. almente, uma outra possibilidade relativamente ao poder de agenda 6 a introdugio de novos temas a serem votados. Quem tem a fungao de decidir as matérias e conhece a distribuigéo das preferéncias dos eleitores, ante a possibilidade de que a alternativa do seu interesse nao seja escolhida, pode introduzir novos temas para apreciacio, selecionados de tal forma que dispersem as preferéncias concentradas numa ou mais das opcOes concorrentes & sua. Esse comportamento é bastante relevante nas votagGes do Legislativo, em que sempre possivel incluir novos temas ou novas propostas de emendas a um projeto de lei. O paradoxo Arrow (1951). '© As escolhas socais sobre pares de alternativas devem responder a um ordenamento racional das preferéncias dos individuos integrantes da sociedade, de forma tal que: a) seja possivel identificar a preferéncia da sociedade por alguma das alternativas ou a indiferenca entre elas, eb) a escolha social satisfaca o principio de transitividade (se a opcioxé preferida a opcioy, ¢9 € preferida az, entio x também é preferida a2). Segundo Arrow, essas condicées io sitisfeitas nas escolhas individuais (comportamento racional individual), mas nao nas escolhas sociais coletivas realizadas mediante procedimentos democraticos. Arrow define outros quatro critérios basicos que deveriam atender a todo mecanismo de escolha social: i) 0 processo de escolha (eleicao) inclui todas as combinagoes de ordenagio de preferénciasindividuais acerca das alternativas disponiveis (critério de universalidade); i) se para um par de aternativas (cy) todos os integrantes do grupo preferem x, a escolha coletiva ndo deveria ser a opcio y (crtério de otimalidade de Pareto); ii) a escolha entre duas alternativas quaisquer depende apenas das ordenagées individuais dessas duas alternativas (critério de independéncia das alternativas irrelevantes); iv) as preferéncias de um individuo qualquer ‘nunca sio sempre decisivas, ou seja, néo ha nenhum individuo que faca com que sua ordenacio de preferéncias sempre prevaleca, mesmo que os demais individuos prefiram contrétio. Segundo Arrow, nio existe nenhum procedimento de votagio democritica (isto é, por maioria) que assegure que a escolha resultante (entre trés ou mais, alternativas) satisfaca a0 mesmo tempo as condigdes mencionadas (Teorema da Impossibilidade de Arrow). aah RELAGORS EVTRE POLITICA E ECONOMIA: TEORIA DA ESCOLHLA POmLICA~ 111 do voto revela que nio € possivel saber se a lei aprovada pela regra da maioria ¢ efetivamente a preferida do conjunto dos legisladores. Voto estratégico O poder de agenda corresponde a um instrumental utilizado pelos legisladores ow candidatos. Todavia, eleitores também podem fazer uso do paradoxo do voto através do chamado comportamento estratégico. As probabilidades de adogao de comportamento estra- tégico por eleitores sio mais altas em caso de eleicdes em dois turnos, ou quando existem eleicbes primadrias nos partidos. Se as probabilidades de vit6ria, num segundo turno, do candi- dato de minha preferéncia sto mais altas em face de determinado candidato, eu posso optar por nao votar no meu candidato no primeiro turno e sim naquele que sera © concorrente ‘mais fraco na segunda rodada. LOGROLLING Com a regra da maioria na aprovacio de projetos de lei, € possfvel visualizar 0 apoio ou a rejeicio dos politicos, mas nao sua escala de preferéncias. A expressio logrolling designa o intercimbio de votos (vote trade) entre os legisladores para aprovacio de diferentes leis, Trata se das negociagdes por leis © emendas,frequentes na maioria dos sistemas democréticos,cujo intercambio de votos € passive posto que os legisladores tém diferentes intensidades de prefe- réncias pelas leis apresentadas. Para alguns autores da TEP, o procedimento logrolling € entendido como um mecanismo propicio para superar as limitacdes da regra da maioria explicitadas no paradoxo do voto, € para encontrar solug6es & dificuldade de obter decisGes timas em Ambitos coletivos, na presenca de preferéncias individuais com diferente intensidade. No entanto, também tém sido levantadas diividas sobre esses efeitos positivos do logrolling, destacando as possibilidades de quebra, por parte de alguns legisladores, dos acordos sobre intercdmbio de votos, sendo introduzido assim 0 problema da estabilidade das coalizées e a conseqitente dificuldade na obtencao de solugées. —_ Negociacbes entre legisladores sempre existiram, mas somente no inicio do século XX surgiram as primeiras referéncias sobre o tema. Buchanan ¢ Tullock" introduziram a discussio acerca dos benelicios gerais proporcionados por esse tipo de negociacdo. Atualmente 0 que esta em anilise e discussao sao as conseqiléncias desse jogo. Vale dizer, 0 saldo final das leis aprovadas no Congreso, mediante negociagées e barganhas entre os politicos, € positive ou negativo para a sociedade? Para entender como funciona o processo de intercimbio de votos, ou logrolling, vejamos a Tabela 6.2. Supde-se que para trés legisladores (1, 2 € 3) ternos as respectivas expectativas de retorno (payoff) em ganhos sociais pela aprovacao dos projetos A e B, identificando diferente intensidade de preferéncias. Para 0 projeto A, 0s retornos so 5, -I e =I, respectivamente, € para o projeto B, -1, 5 e-1. Sendo o quérum para aprovacio dos projetos de maioria simples, se os trés legisladores votarem pela sua ordem de preferéncia, nenhum projeto sera aprovado. No entanto, os legisladores 1 € 2 podem negociar seus votos pactuando uma troca muitua (logrolting), de tal forma que tanto A quanto B serdo aprovados. Sendo certo que nesse exemplo © maximo de bem-estar social a ser alcancado (supomos que as escolhas dos legisladores representam as opg6es de seus eleitores) soma 3 (5-I-1), ha um ganho social pela aprovacdo das duas medidas, ¢ podemos afirmar que o logrolling teve um saldo social positivo. Buchanan & Tullock (1962). 112 — Econom vo Seror PosLico No Brasil ELSEVIER Tabela 6.2: Processo de intercambio de votos Legislador Projetos & B 1 5 "1 2 a . - = Contrariamente, 0 retorno esperado poderia ser negativo se substitufssemos os payoff -1 por -3. Nesse caso, o processo de logrolling também aprovaria os dois projetos, mas haveria uma perda social e ndo um ganho (logrolling com saldo social negativo). Em resume, logrolling € a negociacio de votos no ambito parlamentar para garantir a aprovacao de projetos de lei, ‘em funcao da escala de preferéncias dos legisladores. Uma outra possibilidade é o chamado logrolling implicito. O projeto de lei apresentado pode ser resultado da combinagio das preferéncias de um ou mais legisladores. Nesse caso, nao haverd realmente intercimbio de votos, pois a troca de preferéncias foi pactuada previa- mente. Essa situagao é mais comum onde existem disposigées legais inibindo a pratica logrolling (como na Gra-Bretanha), ou quando ela produz uma repercussio extremamente negativa no eleitorado. Um exemplo de /ogrolling no Brasil foi o recente processo de aprovacio das Reformas Previdencidria e Tributéria (ano 2008). A coalizdo majoritaria no governo negociou a aprovagio do subteto da remuneracio dos desembargadores e a contribuigio previdencidria dos no mbito da Reforma Previdencidria (vide Capitulo 7), em troca do aumento da parti dos estados da federacao nas receitas decorrentes da CIDE (Contribuigao de Intervengio no Dominio Econémico)” e da CPMF — Contribuicio Provis6ria sobre Movimentagao Financeira (wide Capitulos 15 ¢ 16) —°no bojo da Reforma tributaria (vide Capitulo 16). A moeda de troca foi o voto dos parlamentares figis aos governadores. O processo de logrolling foi coordenado e negociado pelo presidente da Repiiblica, pelos governadores dos estados ¢ pelos Ifderes partidarios no Legislativo, Logrolling e os ganhos sociais O principal objetivo da literatura especializada em logrolling € determinar 0 ganho social proporcionado pela negociacao de votos entre os politicos. Na ocorréncia da regra da unani- midade, somente é possivel logrolling quando os projetos iniciais apresentados sao modificados até cada legislador identificar algum beneficio de acordo com sua prépria escala de preferén- cias. A negociagao de votos evidencia que existem distintos graus de preferéncias dos legis- ladores. Colleman"® demonstrou que 0 computo final de logrolling € um resultado que aproxima a um 6timo de Pareto, qual seja, 0 ponto de maximizagao de ganhos por negociacio. Vale atividades de importacio ou comercializagio de Contribuigio de Intervencio no Dominio Econdmico relativo a petroleo e seus derivados, gas natural e seus derivados edlcool combustivel artigo 177, § 42 da Constituicio Federal acrescentado pela EC 38/2001 's Contribuigao Provis6ria sobre Movimentagio Financeira — artigo 74 da ADCT da Constituigio Federal "Colleman (1966) q : a tenet [RetAgOts Hirt POLITICA E ECONOMIA: TEORLA DA FSCOLHA POBLICA~ 113 dizer, os parlamentares negociam votos em projetos que nio rejeitam radicalmente com vias & obtencao de quérum para aprovagio das questOes que lhes so cruciais. O ponto de equilibrio na troca de votos, isso é, a maximizac3o do ganho para todos os legisladores, acontece quando o custo de votar determinada medida iguala o beneficio esperado pela aprovacao da opcao mais intensamente preferida. Assim, o bem-estar social é otimizado pe- Ia combinacao da regra da maioria com logrolling. ‘Acexistncia de logrolling abre a possibilidade para que as minorias, se representadas no Parlamento, encontrem, mediante negociagbes, espaco para aprovacio de seus projetos. Logrolling e a instabilidade das maiorias A literatura sobre escolhas piiblicas tende a abordar o tema do logrolling correlacionado- ‘0 com a maior ou menor estabilidade das coalizées majoritérias no Congresso, de tal forma que alguns dos resultados indesejveis decorrentes desses comportamentos (acordos nao- cumpridos e resultado neto de satisfacao social negativo) sao relacionados com a instabilidade das maiorias. Nesse sentido, busca-se identificar mecanismos capazes de proporcionar maior estabilidade As maiorias legislativas, com o escopo de prover melhorias no bem-estar social. A ocultagio das verdadeiras preferéncias e a desisténcia de alguma das partes pactuantes de um acordo podem impedir de atingir um equilibrio Pareto 6timo. Um legislador pode se manifestar contrério a uma lei com a qual na verdade concorda, para negociar a aprovacio de uma outra. Nesse caso, uma vez tendo sido aprovada a primeira lei, conseguiria aprovar uma segunda lei que o beneficie. Todavia, a desisténcia de um dos legisladores pode acontecer antes de aprovada a tiltima lei que faz parte do acordo. Essa probabilidade aumenta com o ntimero de legisladores intervenientes, porque cada voto é menos decisivo. A possibilidade de quebra do acordo tem levantado diividas sobre os resultados positivos do logrolting. Essa possibilidade de quebra do acordo resultaria, teoricamente, da aplicagio da regra da maioria. No exemplo da Tabela 6.2, apés 0 acordo entre os legisladores 1 ¢ 2, 0 legislador 3 pode oferecer seu voto a um dos outros dois, por exemplo, o jogador 2, para evitar a aprovacao de duas leis com as quais discorda em igual grau. Nesse caso, 0 acordo entre os legisladores 1 ¢ 2 seria desfeito pelo tihtimo. Seguidamente, o legislador 1 pode oferecer seu apoio ao 3, como forma de impedir a aprovacio do projeto B. Nessa situacio, o resultado seria favoravel a uma minoria, o legislador 3, que veria contemplada sua rejeigio aos d projetos. O saldo é uma perda social. Mas a partir desse ponto, todo 0 processo pode comecar novamente, gerando “maiorias ciclicas". Os ciclos ocorrem sempre que uma nova proposta se revela mais interessante que a anterior e, portanto, novas aliangas sio pactuadas. Por conseguinte, os beneficios das negociagdes parlamentares para a aprovacio de propostas num ambiente de instabilidade podem nao ocorrer, porquanto as coalizdes nao se consolidam. O logrolling apresentara assim um saldo negativo. Nesse proceso, as infinitas possibilidades de acordo conferem amplos poderes aqueles que detém o poder de agenda, como, por exemplo, o poder de determinar a ordem de apro- vacio dos projetos ou descontinuar a seqiiéncia na solucio que Ihes é mais favoravel. Em outras palavras, a ordem de votagio dos projetos de lei passa a ser uma varidvel determinante na formagao das coalizées majoritérias. E de se notar que as situagGes descritas aqui—em que se observa a ocorréncia de maiorias ciclicas € coalizbes € acordos instaveis ~ assumem teoricamente a existéncia de um grau de miopia politica nos legisladores, que, dessa perspectiva, estariam motivados somente por incen- tivos de curto prazo. Essa suposicdo, porém, tem sido alvo de objecdes importantes. Um comportamento de desisténcia nao estaria tomando em conta a retaliagao em futuras votagdes. A reciprocidade nas cotagdes demonstra respeito aos acordos e a falta de credibilidade do legislador o faria inelegivel para futuros acordos. Se o interesse do legislador € continuar no 114 {covoMIA vo Serox Pontico No Baus! ELSEVIER Parlamento, esse comportamento € pouco provavel. A logica racional nao sustenta a possibi- lidade de quebra dos acordos. Quanto a ocultagdo das verdadeiras preferéncias, a mesm pode ser pouco crivel se € oposta ao perfil e as preferéncias do eleitorado do legislador: Os custos de transacio, o papel dos lideres partidarios € alguns arranjos institucionais podem inibir a quebra dos acordos. Novos acordos supdem decisées sobre novos temas e comparabilidade de ganhos e perdas, isto é, impdem custos associados ao célculo do prego do voto. Quando considerados esses custos, as possibilidades de instabilidade das coalizGes majori- térias se véem reduzidas. Em relacio aos lideres partidarios no Legislativo, cles tendem a centralizar o processo de negociacées, incrementando sua eficiéncia ao exercer sua capacidade de influenciar e ameacar os demais integrantes da representacao partidaria com possveis sangoes, diminuindo as possibilidades de dissidéncias. Finalmente, determinadas estruturas institucionais, como, por exemplo, limitagdes no néimero de reformulacdes que € possivel introduzir numa lei, também podem contribuir para minimizar 0s riscos de instabilidade das coalizoes. GRUPOS DE INTERESSE E AGAO COLETIVA Aanilise do funcionamento dos grupos de interesse, os problemas de aco coletiva que afetam sua capacidade de organizacio e os mecanismos que explicam por que alguns grupos tém mais sucesso do que outros no logro dos seus objetivos foram os temas abordados por um dos primeiros trabalhos na perspectiva da Escolha Pablica, e também um dos mais amplamente difundidos, The Logic of Collective Action (1965) de Mancur Olson Um grupo de interesse, ou grupo de pressao, € um conjunto de individuos, empresas ou outro coletivo, com um ou mais interesses em comum, que se unem para exercer influéncia sobre 0 governo na aprovacio de leis favoriveis aos seus objetivos. Os mais tipicos exemplos ariais e os sindicatos. Mas também devem. (advogados, médicos, arquitetos etc), de se do meio ambiente, fancionarios piblicos e de consumidores, os grupos em defesa dos anim: dos direitos da mulher, das minorias étnicas, dos homossexuais, os grupos a favor ou contra a proibigao de venda de armas etc A questio principal de Olson em sua andlise foi determinar o que leva os individuos a se associarem ea se manterem associados. Para responder tais questionamentos, é fundamental considerar 0s conceitos de bem coletivo (ou bem ptiblico), grupos grandes e grupos privi- legiados, incentivos seletivos e, principalmente, 0 conceito de comportamento free rider: O comportamento free rider Num mercado de concorréncia perfeita, nenhuma empresa tem capacidade de influir no preco do produto, qualquer que seja a quantidade da sua produgao. Se, em determinado momento, o prego de um bem é mais alto do que o seu custo marginal, todas as empresas continuarao incrementando sua produgio. Porém, como conseqiiéncia dessa maior oferta, a longo ou médio prazo, o preco tende a cair. Se 0 produto tem uma demanda ineléstica, a receita total nessa indiistria sera reduzida (ha redugao do prego, mas estabilidade da demanda) Cada empresa individualmente, ao incrementar a produgio para vender mais, atua de forma racional, procurando maximizar seus ganhos. Caso contrario, estaria em situacao desfavoravel, pois o preco do bem também teria baixado como conseqiiéncia do aumento da produgio das demais empresas, e somente aquelas que seguiram produzindo teriam continuado a vender € aumentar suas ganancias, Se somente umas poucas empresas tivessem aumentado a produgio, a redugao do prego, como conseqiiéncia do aumento da oferta, nao teria acontecido. Mas € possivel, num mercado de concorréncia perfeita, estabelecer um acordo que limite o ntimero de empresas que podem aumentar a produgio de modo que 0 prego nao seja alterado. A aa [ResgOrs nvrux POLITICA E ECONOMIA: TEORLA DA ESCOLITA PUBLICA —115 dificuldade ou impossibilidade desse acordo reside no carater de bem ptiblico ou coletivo do preco alto ¢ resulta, a longo prazo, numa redugao dos ganhos da indistria. F 0 carater indivisivel € ndo-exclusivo do bem coletivo (nesse caso, do preco alto) que permite o surgimento do comportamento free rider (pegar carona), impedindo que 0 comportamento racional das em- presas resulte num beneficio comum para todo o setor. Em outras palavras, como todas as empresas sto beneficiadas com a manutencio do prego alto, nenhuma quer pagar 0 custo de produzir menos ¢ vender menos. Em conseqiiéncia, todas incrementarao sua produgio a despeito do prego no mercado ser superior ao custo marginal. © comportamento free rider implica se beneficiar dos logros do grupo sem pagar os custos, isto é, sem contribuir para 0 bem coletivo. O problema do free rider permeia toda a andlise da acao coletiva. ‘A dificuldade da aco coletiva € fundamentalmente um problema nos grupos grandes. Em grupos pequenos (ou “privilegiados”),a nao contribuicio de um dos membros ¢ facilmente percebida por todos os integrantes do grupo, o que reduz as possibilidades de que isso aconteca. Em grupos grandes, o free rider nao é facilmente identificado, e sua negativa a contribuir nao impede que 0 bem coletivo seja produzido. Segundo Olson, existem somente duas formas de se obter a participacio dos integrantes de um grupo grande: por coergio ou através de incentivos individuais. Devido ao caréter puiblico da maioria dos servicos basicos oferecicos pelo Estado, como defesa nacional ou ordem. publica, é impossfvel contar com a colaboragio voluntiria de todos os cidadaos. Para isso, € preciso a implementacao de medidas coercitivas, como a cobranca de impostos. No exemplo da indiistria em concorréncia perfeita, nao existe possibilidade de coergio sobre todas as empresas que a integram, e, portanto, ndo é possivel manter, no equilfbrio, um preco mais, alto do que custo marginal. Um exemplo de medida coercitiva para fortalecimento de um grupo de pressao esté na legislagao da organizacao sindical brasileira, inserta na Constituicao € na CLT (Consolidacao das Leis do Trabalho). O capitulo que trata dos direitos sindicais, no artigo 8%, incisos IV e V da Constituicao, estabelece: IV ~a Assembléia Geral fixar a contribuicao que, em se tratando de categoria profissional, sera descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representacio sindical respectiva, independentemente da contribuigdo prevista em lei (grifo nosso); V — ninguém sera obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato; Acontribuigéo compuls6ria prevista na lei, artigo 578 da CLT, descontada todo més de margo e correspondente a um dia de trabalho do empregado em favor das entidades sindicais, corporifica um elemento de coergao que garante a permanéncia desses grupos de interesse. Se, por um lado, a Constituigéo informa que ninguém é obrigado a filiar-se a um sindicato, por outro, a CLT exige o pagamento do popularmente chamado “imposto sindical” Incentivos seletivos (by-product theory) A segunda forma de se obter a participacao dos integrantes de um grupo grande na produgio de um bem coletivo € por meio de incentivos individuais (ou “incentivos seletivos”, nos termos de Olson). Trata-se de beneficios no disponiveis para todos os integrantes do grupo, mas somente para aqueles que cooperam, ou seja, nao sao bens coletivos, mas individuais. Essa seletividade motivaré os membros de um grupo grande a cooperar na obtencio do bem comum, que passa a ser um subproduto da procura pelos beneficios individuais ou seletivos oferecidos aos membros que cooperam (by-product theory). Exemplos de incentivos seletivos po- dem ser, no caso dos aliliados a um sindicato, descontos em seguros de satide, capacitacao e livre acesso a stalagdes recreati 116 — Economia po Serox Pontico No Beast ELSEVIER ‘A logica da acio coletiva explica a formacio e permanéncia dos grupos de pressio (lobbies) (wide Capitulo 4). Grandes conjuntos de individuos com interesses comuns, como os contri- buintes, os consumidores etc., tgm dificuldade em se organizar pelo alto custo em dissuadir 0 comportamento free rider. Somente aqueles grupos com capacidade de implementar medidas coercitivas ou oferecer incentivos seletivos (chamados de “grupos latentes” por Olson), tém possibilidade de se organizar e transformar-se em verdadeiros grupos de pressio. Voltando ao exemplo das empresas num mercado de concorréncia perfeita, a vinica forma de se evitar a queda do preco € obter do governo algum tipo de barreira legal a entrada de novos concorrentes. Para isso, as empresas j4 existentes no setor deverao constituir um lobby para influenciar e pressionar os politicos, de modo a aprovar leis protegendo o mercado de novos concorrentes, Contudo, como tais leis sio um bem coletivo para as empresas dessa inddstria, nenhuma delas estaré disposta a pagar os custos, em tempo ¢ dinheiro, de criagio € manutengio do lobby. Essa dificuldade poder ser superada por algum tipo de coergio ou pela oferta de beneficios nao coletivos. Em sintese, devido ao comportamento racional na satisfagao de seus préprios interesses © a0 carter de bem ptblico ou coletivo dos beneficios derivados da ago dos grandes grupos, 6 razoavel deixar outros arcarem com 0 custo de producio do bem coletivo. Segundo Olson, somente é possivel a producio de bens coletivos € a manutengio do grupo no tempo por meio de medidas coercitivas que obriguem a todos, ou por incentivos individuais (prémios por cooperacao). A formagao e a permanéncia dos grupos de interesse nfo se explicam pelos objetivos comuns dos seus membros, que s4o os motivos argiifdos pelo grupo, mas pela capacidade dos membros, ou de seus dirigentes, em exercer coergio € oferecer aos que cooperam bens nao coletivos, além daqueles decorrentes dos objetivos comuns. RENT SEEKING O termo rent seeking (vide também Capitulo 4) esté estreitamente relacionado com 0 conceito de-ganhos monopolistas. E sabido em Economia que os monopélios possibilitam ganhos para grupos ou setore’,wexpensas de outros grupos, gerando transferéncia dé renda, sem beneficios para 0 conjunto da sociedade. Os governos podem decidir regular determinadas atividades produtivas criando monopélios (ou outros privilégios de mercado) ou preservando 0s ja existentes, com 0 objetivo de impedir a concorréncia, doméstica ou a estrangeira. Isso incrementara os lucros dos grupos favorecidos em detrimento dos consumidores. regulacao (vide Capitulo 4), que legaliza um monopélio, € obviamente muito apreciada por seus beneficiarios, Rent seeking,®® expressio de dificil tradugio em portugués, € 0 nome dado a0 comportamento que visa a obter do governo privilégios de mer-cado. As atividades de organizagio de um lobby para atuar no Congresso, @ contratacio de advogados ¢ outros especialistas, a veiculagio de propaganda, a realizagéo de entrevistas e doagées em campanhas eleitorais, o financiamento de palestras e viagens aos legisladores os convites para jantar ou férias 40 algumas das atividades inclufdas no comportamento rent seeking. E importante diferenciar rent seeking de profit seeking. Por essa ultima expressio, faz-se referéncia & busca de lucros incrementando a produgio de algum bem ou servico, tipica atividade empresarial. Na procura por novas oportunidades que proporcionem um maior lucro, a atividade empresarial profit seeking gera um proceso de realocagio de recursos que © primeiro a desenvolver 0 conceito foi Gordon Tullok (1959). Anne Krueger (1974) cunhou 0 termo € 0 relacionou com esse problema. ba Rtas eas ona cone ons ne sau ncn= 117 possibilita crescimento econémico. Num mercado livre, 0 maior lucro obtido por um ‘empresirio em determinada atividade atraird outros para essa 4rea de negécios, ¢, teoricamente, no correr do tempo, o lucro original tende a diminuir até desaparecer. As taxas de retorno dos recursos investidos nesse processo sio estabelecidas de forma competitiva, pela concorréncia no mercado. Logicamente, nesse processo, alguns empresfrios terdo taxas positivas € outros, negativas, como resultado de melhores ou piores avaliagGes. Mas a producio total do bem ou servico tera aumentado e o preco baixado, beneficiando os consumidores. Em outras palavras, no equilibrio teérico, o lucro original auferido pelo primeiro empresdrio profit seeking & distribuido entre os consumidores ou usuarios. ‘A liberdade de entrada no mercado é fundamental para que 0 processo de busca de maiores lucros resulte numa alocacio eficiente de recursos, culminando num crescimento da producio e numa baixa dos precos. Com efeito, se existe barreiras que impedem ou limitam a entrada, o lucro original nao se distribui, a produ¢do no aumenta e o preco nao cai. Em conseqiténcia, 0 lucro dos que conseguem entrar no mercado permanece inalterado, man- tendo-se a transferéncia de renda dos consumidores para os empresarios, via preco mais alto a ser pago pelo produto, sem expectativa de redugio. A teoria microeconémica relaciona as dificuldades & entrada de novos concorrentes num mercado, por exemplo, a maior ou menor elasticidade da demanda do produto; 0 tempo decorrido entre a chegada do(s) primeiro(s) produtor(es) € dos iiltimos; a possibilidade de formacio de oligopélios etc. Porém, os governos também podem estabelecer barreiras a novos concorrentes através da criacao de leis estabelecendo monopélios, quotas, autorizagées € outras regulacdes com cardter obrigatério. Diferente do processo econdmico gerado na busca de maior lucro por meio da producao de um novo bem ou servico, as atividades rent seeking nao criam qualquer valor. Pelo contrario, seu resultado é um aumento de custo para a sociedade. Nesse sentido, rent seeking € quase 0 oposto de criagéo de renda (rent creation). Nas palavras de Buchanan, “o termo rent seeking descreve comportamentos dentro de determinados Ambitos institucionais, nos quais os esforcos individuais em maximizar ganhos geram um custo social adicional” *! Assim, quando produtores domésticos de um determinado ramo com baixo custo de agio coletiva conseguem se organizar e pressionar 0 governo para impor tarifas adicionais aos, produtos estrangeiros, ¢ tém sucesso nessa empreitada, 0 preco do produto tende a se incrementar pelo valor da tarifa, transferindo recursos dos consumidores para os produtores nacionais do setor. ‘Ademais, as atividades de rent seeking néo geram somente transferéncia de renda, elas agregam custo social. Os recursos gastos em rent seeking tém também um custo de oportunidade, determinado pelo rendimento que esses recursos teriam gerado se empregados em atividades verdadeiramente produtivas, incrementando destarte a riqueza da sociedade. Além de transferir renda dos consumidores ¢ usuarios para os produtores desses bens e servigos, as atividades rent seeking gastam recursos de forma ineficiente. O custo de oportunidade se traduz num gasto. Sea atividade rent seeking tem sucesso, isto é, obtém do governo a regulacio desejada, a sociedade em geral perde por duas raz6es: em primeiro lugar, pelo aumento do prego do produto ou servico protegido; em segundo lugar, porque os recursos utilizados para conseguir 0 favor do poder piiblico poderiam ter sido empregados em atividades produtivas. (0 Grifico 6.2 mostra a transferéncia de renda e o custo social gerado pelo estabelecimento de uma tarifa 4 importacio de um produto que também € produzido no pats © Buchanan (1980). Fonte: Tallock (1980). O preco do produto nacional ¢ P,, € 0 prego do produto estrangeiro € P,.Sem tarifa de im- portacao, sera vendida uma quantidade Q, do produto importado. Com uma tarifa de importagio que equipara os precos, sera vendida uma quantidade Q,, ao prego P.O triangulo assinalado representa a transferéncia de renda dos consumidores (que pagam mais por menos) aos produtores nacionais. Note-se que os recursos investidos em obter do governo 0 estabelecimento dessa tarifa de importacao foram gastos de forma ineficiente, O produtor nacional obtém 0 mesmo lucro (ou maior) que se houvesse empregado esses recursos de forma produtiva (por exemplo, criando um produto alternativo com maior lucro, atraindo outros concorrentes para esse novo mercado), contudo sem gerar o processo que culmina com um aumento da producio total ¢ uma diminuigao dos pregos do produto para 0 consumidor. Os recursos gastos na obtencio de favor governamental constituem um custo social adicional, pois a mesma quantidade de recursos empregada de forma produtiva criaria valor. Q custo social est representado pelo retingulo entre os precos PI € P2, 0 eixo vertical ea quantidade-Qh,-a esquerda do triangulo que representa a transferéncia de renda. ‘Ao custo social da atividade rent seeking deve-se agregar 0 comportamento rent protection (também conhecido como defensive rent seeking), adotado pelos individuos que véem ameacada sua renda pelos rent seekers, e que se organizam e investem para impedir uma modificagao das regras existentes, ou para revogar privilégios ja aprovados. O comportamento rent protection (e as suas conseqiiéncias na sociedade) é 0 mesmo do rent seeking. A diferenca € que ele existe somente porque existem rent seekers. Os governos geralmente nao criam monopélios ou outros privilégios por mera decisio propria, mas pela influéncia de grupos de interesses ¢ os esforcos bem-sucedidos desses para convencer aos politicos das necessidades de regulagGes que beneficiem suas atividades. Buchanan afirma que todo grupo ou indiistria com poder suficiente para pressionar 0 governo exercera para impor controles de entrada no seu mercado. A questao a resolver € de que forma e por que a atividade rent seeking pode chegar a conseguir os privilégios almejados. Segundo a perspectiva da escolha puiblica, politicos e burocratas tém comportamentos racionais € egoistas €, por isso, procuram maximizar os votos e os beneficios econdmicos (e nao-eco- némicos). Os rent seekers podem prover esses tiltimos ¢ contribuir na maximizacao de votos, por exemplo, aportando fundos para as campanhas eleitorais.”® ® 0 conceito rent seeking ndo se refere srupcdo (vide Capitulo 7) ¢ sim a atividades legais de lobby (porém, na pratica, algumas vezes, pode ndo ser ficil determinar esse limite) a atividadesilegais de: aL IRELAGOS ENTRE POLITICA E ECONOMIA: TEORIA DA ESCOLA PORLICA~ 119 Nio € facil mensurar o custo das atividades rent seeking. Geralmente ele é medido pelo crescimento provavel do PIB se os gastos empregados em obter o privilégio do governo tivessem sido empregados de forma mais produtiva. As dificuldades empiricas de mensuracio se traduzem numa grande variedade de resultados em diferentes pesquisas. Porém, a maioria dos estudos empiricos aponta para um custo alto, variando entre 15% e 45% do PIB. Alguns trabalhos calculam 0 custo das atividades rent seeking sobre regulagdes de importacio (por exemplo, Krueger, 1974). Outros estudos estio dirigidos a estimar o custo para 0 conjunto da economia, caleulando-0 para cada setor produtivo. TEORIA DA BUROCRACIA A implementagio de toda decisio politica nas democracias modernas passa necessa- riamente pela burocracia piblica. Nesse sentido, as politicas efetivamente implementadas € a forma como sio implementadas so resultados de decisGes coletivas que incluem nao somente as instituigdes de decisio politica, 0 Executivo o Legislative, mas também a burocracia. Por isso, a perspectiva da TEP tem sido aplicada na andlise do funcionamento da burocracia ¢ sua relagio com o poder politico, com particular énfase na relacao com o Legislativo. Assumindo que os burocratas atuam racionalmente e so motivados pela satisfagao do interesse préprio, resultando em comportamentos estratégicos e oportunistas para alcancar seus objetivos, as andlises da TEP trabalham com modelos do tipo principal-agente, rela- cionando objetivos e motivacdes de um ator principal (0 Executivo, o Legislativo, uma comissio legislativa) e objetivos e motivacoes de um ator subordinado ou agente (a burocracia). A questo fundamental a ser resolvida é de que forma, e em que grau, a burocracia influencia as agoes €.as decisGes emanadas do governo. Para isso, € preciso conhecer ou assumir quais sA0 os objetivos dos burocratas, quais sao suas fontes de poder e quais so os mecanismos que o poder pol utiliza para que suas decisdes sejam implementadas segundo os objetivos definidos A primeira e principal preocupacio de andlise da TEP nesse tema tem sido o aumento da burocracia e do orcamento piiblico. Na medida em que 0 orgamento piiblico (wide também © Capitulo 19) constitui um nexo entre os recursos financeiros do Estado e o logro de determinadas politicas piiblicas, ele ocupa um lugar central no processo politico. Um dos atores intervenientes na elaboragio do orcamento ptiblico é precisamente a burocracia. O continuo aumento do orgamento ptiblico nos sistemas democraticos € 0 objeto de estudo do modelo de Niskanen,** considerado 0 ponto de partida da moderna teoria da burocracia. Dois pressupostos basicos sustentam 0 modelo. O primeiro é o de que existe uma fangao de utilidade do burocrata, definida pelos salirios, poder, prestigio, possibilidades futuras de promog&ex € beneficios-que-melhoram sua vida dentro e fora de seu Ambito de trabalho (por exemplo, um staff maior e mais qualificado que simplifique suas tarefas, viagens para congressos e seminarios etc.). Essa funcao de utilidade esta positivamente relacionada com 0 tamanho do orgamento. Em conseqiiéncia, segundo Niskanen, a meta dos burocratas maximizacio do orcamento total correspondente a suas respectivas reparticdes piblicas. O segundo pressuposto do modelo é o de que os burocratas conhecem as preferéncias dos integrantes das comissdes legislativas por servigos burocraticos, mas os politicos no tém meios para obter informagio precisa sobre 0 custo real do servigo burocratico, ou seja, os burocratas tém 0 monopélio da informagao sobre seus custos de produgao. Com esse monopélio = ollison (1997) ™ Niskanen (1971). 120 - Economta po SeroK PUBLICO NO Brast ELSEVIER da informacio técnica, eles detém poder para obter um orgamento maior do que o realmente necessirio, gerando, assim, um maior custo social e conseqiientemente ineficiéncia na ago do governo, Essa dificuldade em precisar os custos reais do servigo produzido pela burocracia se deve a especializacio e experiéncia adquirida e ao conseqiiente poder que isso proporciona, ‘Ademais, a maior dificuldade em mensurar os servigos resultantes da atividade burocratica contribui para um maior poder de agenda da burocracia. Se, por um lado, é simples calcular 6 custo unitario de novos aviées ou navios para a Forga Aérea e a Marinha, por outro lado, € bastante complexo determinar 0 custo real do servigo de defesa nacional proporcionado pelas Forcas Armadas. O mesmo pode ser aplicado aos servicos de satide, educacao (vide Capitulo 21), relagées exteriores e a maior parte da atividade administrativa. Essa complexidade na determinacao dos recursos realmente necessarios para os fins desejados requer um investimento significativo (tempo, capacidade profissional especializada, saldrios). Devido ao alto custo em determinar se os recursos solicitados pela burocracia realmente se ajustam aos servicos produzidos, os representantes do poder politico dependem, em grande medida, da informacio disponibilizada pelas agéncias burocraticas. Como um aumento do orcamento maximiza a utilidade dos burocratas, 0 resultado do modelo de Niskanen é um orcamento ptblico maior do que o desejado pelo poder politico, se esse tivesse acesso ao conhecimento ¢ informagio que a burocracia possui. O pressuposto de maximizacéo do orcamento foi parcialmente modificado por Migué ¢ Bélanger," sendo substituido pela maximizacao da diferenca entre o orcamento total ¢ 0 custo minimo do servigo burocratico (discretionary budget)® que € desejado pelos representantes politicos. Fssa diferenga é a quantia que podera ser utilizada pelo burocrata para ser gasta em algum dos objetivos que definem sua funcio de utilidade. Portanto, nesse modelo o objetivo principal da burocracia é a maximizacio dessa diferenca, que pode ser atingida pela minimi- (0 dos custos € nao necessariamente pela maximizagio do orgamento total. ‘A principal critica ao modelo de Niskanen (¢ suas variagées) é que a habilidade da burocracia para obter mais recursos do que 0 necessario supde um poder de agenda significa- tivamente superior ao disponivel pelo poder politico (no caso, as comissées legislativas), nao sendo outorgada a esse tiltimo nenhuma possiilidade efetiva de controle ou monitoramento das agées das agéncias burocraticas.®” Abordagens mais recentes trabalham com o conceito de assimetria de informagao entre © poder politico (basicamente os membros das Camaras ou ‘comissées do Legislativo) ¢ os burocratas (assimetria que lhes é favordvel pelo seu maior conhe- ‘cimento dos custos reais do servico ptiblico), ¢ a capacidade dos representantes eleitos de desenharem regras mecanismos de controle da informagio oferecida pelos burocratas. Essa perspectiva tem gerado uma ampla produgio de estudos com énfase no Legislativo, que apontam um menor poder discricionario por parte da burocracia ¢ maior énfase na capacidade dos Parlamentos para criar procedimentos institucionais de controle. Devido as dificuldades de monitorar e sancionar a atividade das agéncias, esses procedimentos sio basicamente controles preestabelecidos para dificultar desvios da burocracia, restringindo a sua discricionariedade (por exemplo, a definicao de procedimentos administrativos diversos sobre informacao de processos técnicos ou quantificacio de metas ¢ resultados). ‘Modelos mais complexos, considerando mais de um ator principal (0 presidente, 0 Parlamento, as comissdes legislativas, 0 Judiciario), destacam os problemas de decisio coletiva % Migué & Bélanger (1975). * Modifieacio que foi considerada pertinente pelo pr6prio Niskanen num trabalho posterior (1971). * Moe (1997). syn yer ST RNREERE? [Ret AcOus ENTE FOLITICA E ECONOMIA: TEORIA Di ESCOLIA PONLICA —121 inerentes a0 Legislativo ¢ sua conseqiiente desvantagem diante do poder centralizado da Presidéncia e das agéncias burocraticas. A maior capacidade de decisao desses atores resultaria numa maior influéncia por parte do Executivo (em relacao ao Legislativo) € uma maior inde- pendéncia dos burocratas do que o previsto nos estudos que ressaltam 0 poder de controle do Parlamento sobre a burocracia. CICLOS POLITICOS-ECONOMICOS ‘A importincia das eleigées e da ideologia partidaria nos resultados macroeconémicos dew origem a uma linha de pesquisa que se desenvolveu no ambito da TER, conhecida como ciclos politico-econdmicos (political business cycles) € que tem gerado uma das reas mais estudadas, tanto do ponto de vista te6rico como empirico. Grande parte da literatura sobre ciclos politicos-econémicos tem origem nos modelos desenvolvidos em meados da década de 1970, introduzindo 0 enfoque racional no compor- tamento dos governantes. Em particular, os trabalhos de William Nordhaus® e Douglas Hibbs sio identificados como 0s principais pontos de partida de dois tipos de modelos sobre ciclos politico-econémicos, com perspectivas distintas sobre as motivagées dos partidos ¢ sobre as preferéncias dos eleitores. O modelo “oportunista” Segundo Nordhaus, atingir o poder (ou permanecer nele) € 0 tinico objetivo dos partidos politicos. Essa perspectiva é conhecida como modelo de “ciclos eleitorais oportunistas”, Sua base conceitual ja havia sido exposta por Downs" e Schumpeter”! e esta associada a uma con- cepcao dos partidos politicos como maximizadores de votos. Aplicando 0 enfoque racional politica, esses autores argumentam que os partidos politicos nao ganham eleigdes para formular politicas, mas formulam politicas para ganhar eleigbes. O modelo oportunista esta claborado sobre quatro premissas basicas acerca do comportamento de governantes ¢ cleitores: a) O principal objetivo dos partidos no governo é manter-se no poder e, em virtude ) disso, intervém na economia a fim de maximizar os votos na préxima eleicao. b) Os resultados eleitorais dependem de forma significativa dos resultados econdmicos. ©) Os governos podem, mediante suas decisdes ¢ instrumentos de politica ptiblica, gerar, antes das eleicées, um maior crescimento produtivo e uma diminuicéo do desemprego a niveis nao sustentaveis a médio prazo. 4) Os eleitores tém um comportamento eleitoral retrospectivo € miope. A logica do ciclo politico funcionaria da seguinte forma: 0s governos, preocupados principalmente em manter-se no poder, procuram maximizar as preferéncias do eleitorado diante da proximidade das eleigées, particularmente no nivel de desemprego. Com esse objetivo, implementam politicas que estimulam um rApido aumento da atividade econdmica ¢ uma diminuigéo do desemprego antes das eleicdes para niveis inferiores aos sustentaveis pela capacidade da economia. Essa reativacao, baseada principalmente em emissio monetiria ou aumento do gasto ptiblico, gera um aumento da inflagio no perfodo logo posterior as eleigées, ® Nordhaus (1975). © Hibbs (1977) % Dows (1957). 51 Schumpeter (1942). 122 — Ecovowta no Serox PUstico No BRAsit ELSEVIER para mais tarde comecar a decrescer como conseqiiéncia das politicas de ajuste pés-eleitorais que visam a conter 0 aumento de precos. As medidas de ajuste resultam num menor crescimento do produto, enquanto 0 desemprego volta a subir. Uma premissa bisica do modelo é a de que a percepgio dos eleitores esta dominada pela ‘experiéncia passada — 0 “voto retrospectivo” -, limitada basicamente ao tiltimo ano, a chamada “miopia politica” do eleitor. Ou seja, para suas escolhas, os eleitores valoram mais 0 estado recente da economia do que a evolucio da mesma em todo o perfodo de govern. Com efeito, uma melhoria no desempenho econdmico que esteja concentrada no ano das eleigbes $6 sera politicamente benéfica para 0 governo se os cidadaos priorizarem, em sua decisio de voto, a situacéo daquele ano, nao considerando 0 desempenho do governo no restante do periodo. Na medida em que se supde que os custos decorrentes da manipulacio das variaveis macroecondmicas podem ser calculados pelos governos para que se manifestem depois das eleicbes, entende-se que as preferéncias da populacio favorecerdo esse tipo de politica. Ademais, a possibilidade de implementar medidas de austeridade, caso a situacio econdmica o exija, sera mais dificil nos anos eleitorais, contribuindo paraa ineficiéncia econdmica ¢ a deterioragio pés-eleitoral. Desse modo, o processo eleitoral gera motivos para que os governos aprovem politicas inflacionarias a médio ou longo prazo. A partir desse ponto de vista, so as regras do jogo democratico que determinam em grande parte as politicas ¢ os ciclos econdmicos, sendo menos relevante a posicio ideologica do governo. O modelo de “ciclos partidarios” Uma alternativa ao modelo oportunista foi apresentada por Hibbs na sua teoria de “ciclos parti Segundo este modelo, a motivacio dos partidos € de seus membros nio se baseia exclusivamente em alcancar 0 poder, mas esti orientada para a obtengio do governo com o objetivo principal de implementar as politicas partidarias sustentadas por suas principais bases de apoio eleitoral. Ou seja, nao sio somente as eleigbes ¢ a légica de maximizagao dos votos que motivam os partidos; a ideologia do partido também importa. Diferentemente do modelo oportunista que sustenta a existéncia de uma atitude “miope” dos eleitores (caracterizada por preferéncias comuns € por levar em consideracao princi- palmente a experiéncia recente), no modelo partidério, os eleitores tém preferéncias variadas segundo sua posicio no contexto socioecondmico, ou de acordo com a situacio econdmica geral. De acordo com 0 modelo de ciclos partidarios, os governos de partidos ou coalizdes de esquerda tendem a gerar niveis mais altos de inflagio mais baixos de desemprego porque, em termos relativos, suas bases eleitorais esto mais interessadas em reduzir 0 desemprego, pelo fato de serem as mais afetadas (ou as primeiramente afetadas), aumentando 0 risco de iniciarem-se periodos inflacionarios. Por outro lado, os partidos ou coalizées de direita contam, em geral, com apoios que preferem baixos niveis de inflagio, mesmo que isso implique maiores niveis de desemprego, podendo derivar em periodos de recesstio econdmi ‘Assim como a teoria oportunista, a teoria de ciclos politicos partid relacdo estavel entre inflagao ¢ desemprego. No caso do modelo partidirio, wata-se de uma estabilidade a médio e longo prazo. Uma ver no poder, os partidos politicos procuram atender as necessidades de seu eleitorado seguindo objetivos € estratégias em fungio da orientacao ideolégica. Governos de direita, preocupados principalmente com a estabilidade monetaria, geram um desemprego maior em relagio aos governos de esquerda. Esses tiltimos, mais preocupados com os efeitos distributivos do crescimento ¢ a situagao dos setores menos favorecidos, centram suas politicas na expansio do gasto € na diminuigéo do desemprego, ‘mesmo que isso implique um aumento da inflacao. Cabe destacar que o modelo supée diferen- cas de valorizagio relativas entre os partidos, mas nao que os partidos de direita nao se os se baseia numa is i daa ica sin aa a [Retagoes enrne rotfrica E ECONOMIA: TEOMA ba wsCOLA PUBLICA — 123 importem, em termos absolutos, com o desemprego, ou que os partidos de esquerda nao se interessem pela estabilidade da moeda. Na década de 1980, comegou a ser elaborado um modelo de ciclos politicos que considera as expectativas racionais também no comportamento dos eleitores, os quais passam a serem vistos como individuos com comportamentos estratégicos, em lugar de ter um comportamento baseado exclusivamente na percepco do pasado recente. A consideracao da racionalidade no processo decis6rio dos eleitores implica determinados limites a capacidade dos governantes, de manipular as variéveis econdmicas com fins eleitorais exige, também, a introducio de novos conceitos, como o de assimetria de informacées, competéncia dos governos e sinalizagao de competéncia. Sob essa perspectiva, foram elaborados “modelos oportunistas racionais” € “modelos partidarios racionais Oportunismo eleitoral e expectativas racionais Os modelos “racionais oportunistas” introduzem dois conceitos importantes: por um lado, reconhecem a existéncia de diferencas no grau de informacao entre eleitores ¢ governos (assimetria de informacbes); por outro lado, passam a considerar a capacidade (ou competéncia) dos governos e a sinalizagao dessa capacidade como variaveis importantes. A premissa basica desses modelos é a de que os governantes esto mais informados do que 08 cidadiios sobre sua propria competéncia, tomando partido desse fato para mostrarem-se os mais eficientes pos- siveis, por exemplo, ao instrumentar politicas que visam a obter resultados favordveis antes, das eleigdes, mesmo com eleitores racionais que aprendem com situagdes passadas. ‘A reeleigio do governo est relacionada com a aparéncia de bons resultados. Porém, nem sempre a aparéncia coincide com a situacao objetiva. Se 0s eleitores esti mal informados, ou parcialmente informados, sobre a real situacdo econdmica, os incentives eleitorais podem evar 0s governantes a introduzir algumas politicas (ou postergar a introducio de correcées as ja existentes) de forma a melhorar os resultados observaveis pela maioria dos eleitores (ou evitar um imediato agravamento dos mesmos). Ou seja, mesmo com eleitores racionais a interacao com 0 governo se traduz em uma relacio entre atores com desigual informagio, na qual os governantes podem usar sua superioridade de conhecimento em beneficio eleitoral proprio. Eleitores racionais votardo no governo no caso de um boom econdmico antes das eleicoes, pois esse boom pode ser um indicador de governo competente. Um crescimento da atividade econdmica (com maior consumo ¢ aumento do emprego) é geralmente associado a um bom desempenho econémico do governo. Sob essa perspectiva, pode ser racional para o govern procurar implementar politicas oportunistas antes das eleigdes, independentemente de presumir que 0s eleitores sio eleitoralmente miopes ou racionais ¢ informados. No entanto, se 0s eleitores sio racionais (esses eleitores so 0s mesmos consumidores racionais da teoria ‘econémica), 0s governantes encontrarao obsticulos para levar adiante um comportamento abertamente eleitoral. [sso se deve ao fato de que os eleitores (que também sio agentes econd- micos) so conscientes dos incentivos e motivac6es reeleitorais do governo e, caso haja uma manipulagio ostensiva antes das eleicdes, podem retirar seu apoio negando-Ihe o voto. Segundo esse enfoque, a manipulagio da economia antes das eleigoes nao € nula, mas tem menor magnitude e provavelmente menor regularidade do que nos modelos originais. Como conseqiiéncia, 0s efeitos derivados da manipulacio econdmica tero uma duragio mais reduzi- da no periodo pés-eleitoral. Nesses modelos," 0 centro principal das andlises passa a estar na evolucio dos instru- mentos de politica fiscal (vide Capitulo 24) e monetiria (gasto piblico, tibutacio, tipo de cambio, emissio de moeda), devido ao controle mais direto por parte dos governos, em comparacio com os indicadores macroeconémicos dos modelos de ciclos eleitorais originais. Rogoff & Siebert (1988) e Persson & Tabellini (1990). 124 — Eoowoma vo Srroe Putico No BRastt ELSEVIER Ideologia partidaria e expectativas racionais O modelo “racional partidario” desenvolvido por Alesina® afirma que o crescimento do produto e a evolugio do desemprego serao diferentes de acordo com a orientacao ideologica do partido ou coalizéo no poder, mas limita essa diferenga aos primeiros anos (ou & primeira metade) de cada perfodo de governo. A menor duragio dos resultados partidarios ¢ explicada por uma combinacio entre as expectativas racionais dos eleitores e agentes econdmicos (vide Capitulo 2) com relagio as politicas a serem seguidas pelo governo segundo a preferéncia ideoldgica e a premissa de rigidez dos salirios. Se a politica monetaria pode ser ajustada mais freqiientemente que 0s saldrios, como comumente ocorre, os governantes poderdo intervit mais livremente para estabilizar ou gerar inflacao com crescimento. Por exemplo, uma expansio monetétia provocaré um aumento da inflacio, mas se os salérios nao respondem a ‘esse aumento imediatamente, a diminuicio do saladrio real que isso implica gera uma expansio do emprego até o reajuste salarial. A posterior adaptacio dos saldrios ao novo nivel de pregos estabiliza novamente o nivel produtivo e do emprego. Por essa razdo, as diferencas na economia entre partidos ou coalizées de ideologias diferentes deverdo ser mais nitidas nos primeiros anos de um novo governo. Os estudos empfricos sobre ciclos politico-eleitorais geralmente consideram varios paises num determinado periodo de anos (pooled time series cross ~ section analysis), analisando os efei- tos dos anos eleitorais e pés-eleitorais na evolucao dos trés agregados macroecondmicos clis- sicos (PIB, desemprego ¢ inflagio) ou nos instrumentos de politica fiscal e monetaria (gastos, déficit fiscal, taxa de cambio). Num estudo dos efeitos dos ciclos eleitorais no Brasil sobre diferentes variveis macro ¢ microecondmicas, Fialho"* identifica aumentos do PIB e da emissio monetaria (M1) antes das eleigdes, no periodo 1953-1994. Em uma andlise do ciclo politico da taxa de cambio no periodo 1964-1997, Bonomo e Terra*® concluem que a probabilidade de valorizacdo da taxa de cimbio é maior nos meses anteriores as eleicbes ¢ a desvalorizagio é mais provavel nos meses pés-eleitorais. Numa analise da implementagio do Plano Real, Monteiro" apresenta as coincidéncias cronolégicas do mesmo com diferentes momentos do ciclo politico na trajet6ria da politica econdmica. ‘No Brasil e outros paises da América Latina que vivenciaram experiéncias de alta inflagio, 6 ciclo politico-eleitoral influenciou na implementagio de planos antiinflaciondrios antes das eleigoes e também na postergacao por motivos oportunistas, para depois das consultas eleitorais, das correcdes necessdrias a esses planos. Casos tipicos citados na literatura so 0 Plano Austral na Argentina (1985) ¢ 0 Plano Gruzado no Brasil (1986), ambos implementados em anos elei torais. No inicio, ambos os planos reduziram a inflacdo ¢ aumentaram a atividade produtiva, porém, devido a desequilibrios gerados por medidas contidas nos préprios planos, ¢ pela postergacio de medidas corretivas para depois das seguintes eleigbes, resultaram, em ambos 68 casos, em uma nova explosao inflaciondria apés o perfodo eleitoral.*” Uma situacao similar foi observada na reeleicao do presidente Fernando Henrique Cardoso, com a desvalorizagao do real em janeiro de 1999, pouco mais de dois meses apés as eleigoes.* Alesina (1987). Fialho (1997). % Bonomo & Terra (1999). % Monteiro (2000). » Borsani (2003) ¢ Kaufman (1988). Borsani (2003) e Monteiro (2004). EORIA DA FSCOLITA PUmICA = 125 Ql i CONCLUSAO A partir do comportamento racional individual do homoeconomicus e do estudo da natu- reza dos processos de votacio, a Teoria da Escolha Piiblica tem aportado novos elementos para a andlise dos processos de decisio coletiva nas democracias representativas. ‘A dificuldade de monitoramento de uma burocracia cada vez mais especi problemas de assimetria de informacio entre politicos, burocratas ¢ eleitores; a “ignordncia racional” do eleitor comum; as desiguais capacidades de associagio e de agio coletiva; o compor- tamento rent seeking; as ineficiéncias da regra da maioria (derivadas da impossibilidade de captar a intensidade das preferéncias individuais); 0 mecanismo logrolling: 08 ciclos eleitorais, ¢ demais questées teéricas vistas no capitulo procuram explicar os resultados das escolhas puiblicas e o comportamento dos principais atores politicos (legisladores, integrantes do Executi- vo, burocratas, membros de grupos de interesse, eleitores) nas diferentes instancias de decisio coletiva de uma democracia. Através da anilise da Teoria da Escolha Pablica € possfvel observar que, nos processos de decisio coletiva das democracias, se produzem determinadas “ineficiéncias” ou “custos” para o conjunto da sociedade. Porém, disso nfo se infere que a democracia nao seja desejavel, que existam outros sistemas de escolhas ptiblicas sem custos ou com custos menores ou que no seja possivel o desenho de arranjos institucionais que permitam reduzir essas ineficiéncias. izada; os

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