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Niterói 2006
Dedico este trabalho aos meus
familiares.
2
Índice
Introdução .................................................................................................................. 4
5 – Conclusão .......................................................................................................... 52
Bibliografia ................................................................................................................ 55
3
Introdução
O Poder Judiciário nos dias atuais ocupa um lugar de grande destaque tanto
na mídia, quanto na opinião pública. Este poder tem como seu objetivo as
prerrogativas definidas na Constituição Federal de 1988.
4
Estes agentes exercem ainda uma espécie de protagonismo social, tanto por
assegurar a proteção de interesses difusos, como intervindo em questões relativas à
justiça distributiva, tendo nestes dois últimos casos uma ação mais efetiva do
Ministério Público através de seus promotores de justiça e procuradores.
5
Tate e Vallinder e, no caso brasileiro, através de trabalhos realizados por Marcus
Faro de Castro e Rogério Bastos Arantes.
6
à sua aplicação em países Europeus, nos Estados Unidos e, especialmente, no
Brasil.
7
Cap.1
Nesse contexto, o Poder Judiciário tinha que orientar a sua atuação de acordo
com o princípio da legalidade, que transformava a aplicação do direito em
subsunção racional-formal dos fatos às normas, desvinculada de referências
políticas. Desta maneira, o funcionamento do Judiciário era retroativo e
retrospectivo, e visava garantir a recomposição das situações de ilegalidade do
passado de acordo com o quadro normativo pré-constituído2. No período do Estado
Liberal, atribuiu-se máxima importância ao princípio da segurança jurídica, cuja
aplicação deveria proceder de forma automática de modo que os imperativos nela
contidos chegassem sem distorção até seus destinatários. Também nesse período a
atuação dos juízes era circunscrita dentro dos limites da litigiosidade interindividual,
o que correspondia, no plano do Direito, ao advento da ideologia do individualismo
1 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. O Judiciário frente à divisão de poderes: um princípio em decadência? Critério difuso,
que autoriza qualquer tribunal e juiz a conhecer da prejudicial de inconstitucionalidade, por via de exceção. Segundo, porque a
forma de recrutamento de seus membros denuncia que continuará a ser um Tribunal que examinará a questão constitucional
com critérios puramente técnico-jurídico, mormente porque, como Tribunal, que ainda será, do recurso extraordinário, o modo
Revista USP, São Paulo, n. 21, 1994, p. 15-41.
2 SANTOS, Boaventura de Sousa; MARQUES, Maria Manuel Leitão; PEDROSO, João. Os tribunais nas sociedades
contemporâneas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências
Sociais, São Paulo, v. 11, n. 30, fev. 1996, p. 32-33.
8
que marcou o início da Era Moderna e que objetivava a extinção das hierarquias e
dos grupos na sociedade.
3
SANTOS, Boaventura de Sousa; MARQUES, Maria Manuel Leitão; PEDROSO, João. Os tribunais nas sociedades
contemporâneas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências
Sociais, São Paulo, v. 11, n. 30, fev. 1996, p. 34-43.
9
Com o aumento da complexidade do estado e o surgimento de novos grupos
e atores sociais frutos da atuação acentuada dos movimentos sociais no final da
década de 70, a sociologia do direito constatou que o modelo liberal, no qual se
embasava o exercício da magistratura, entrou definitivamente em crise,
determinando a erosão da legitimação clássica da atuação dos juízes.
Nos anos 90, os sociólogos Maria Tereza Sadek e Rogério Bastos Arantes,
verificaram, que neste período, houve perda substancial na importância do sistema
judicial na resolução dos conflitos e o incremento de mecanismos privados de
solução de litígios de caráter anti-social, o que em outras palavras, quer dizer, fazer
justiça com as próprias mãos, ou por outras vias fora da esfera do judiciário. Isto
pôde ser observado tanto entre as camadas mais pobres da população, como por
exemplo, o episódio de extermínio de moradores de rua, como também, entre as
mais ricas, que, valendo-se do seu poder econômico, nem sempre se submetem à
normatividade estatal.
4 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. O Judiciário frente à divisão de poderes: um princípio em decadência? Revista USP, São
Paulo, n. 21, 1994, p. 18.
10
discriminatório, que leve em consideração as desigualdades reais entre os cidadãos,
objetivando socializar os riscos e neutralizar as perdas. Em decorrência desse
quadro, a aplicação do direito passa a ser determinada pelo conflito, às vezes
inconciliável, entre os interesses coletivos dos vários grupos e atores sociais, ficando
superada, aos poucos, a oposição entre interesse geral e universal versus interesse
particular. Nesse contexto, a idéia de interesse social emerge em um meio capaz de
equilibrar as diversidades dos interesses coletivos em confronto.5
O modo de efetivação dos direitos sociais não coincide com o dos direitos
individuais. A eficácia dos primeiros pressupõe, por um lado, a implementação de
políticas legislativas e políticas públicas que requerem investimento significativo de
finanças por parte do Poder Executivo, e, por outro lado, a concretização dos direitos
sociais exige a alteração das funções clássicas dos juízes, que se tornam co-
responsáveis pelas políticas dos outros poderes estatais, tendo que orientar a sua
atuação no sentido de possibilitar e fomentar a realização de projetos de mudança
social. A orientação das sentenças nesse sentido levaria à politização do exercício
da jurisdição, o que constitui uma ruptura com o modelo jurídico subjacente ao
positivismo jurídico6, que fundamenta a separação do direito da política. Para
reforçar essa colocação, recorreremos ao pensamento de José Eduardo Faria, para
quem a aplicação desse novo tipo de legalidade (a legalidade pensada em termos
5
FARIA, José Eduardo. Os desafios do Judiciário. Revista USP, São Paulo, n. 21, 1994, p. 54.
6
O Positivismo jurídico é uma teoria do direito dedicada à sua definição e à reflexão sobre a sua interpretação Sua tese básica
é que o direito constitui produto da ação e vontade humana (direito posto, direito positivo) e não da imposição de Deus, da
natureza ou da razão como afirma o jusnaturalismo (teoria que reconhece a existência de um "direito natural"). A maioria dos
partidários do positivismo jurídico defende também que não existe necessariamente uma relação entre o direito, a moral e a
justiça, visto que as noções de justiça e moral são relativas, mutáveis no tempo e sem força política para se impor contra a
vontade de quem cria as normas jurídicas.Muitos filósofos e teóricos do direito adotaram o positivismo jurídico, entre os quais
se destacaram, no século XX, Hans Kelsen e Herbert Hart.
11
concretos) acarreta a realização política de determinados valores, afetando, em
conseqüência, a realidade socioeconômica a partir de um projeto relacionado com a
implementação do direito social.7
7
FARIA, José Eduardo. O Poder Judiciário no Brasil: paradoxos, desafios e alternativas. Brasília: Conselho da Justiça Federal,
1996. p. 52.
8 SANTOS, Boaventura de Sousa; MARQUES, Maria Manuel Leitão; PEDROSO, João. Os tribunais nas sociedades
contemporâneas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências
Sociais, São Paulo, v. 11, n. 30, fev. 1996, p. 34.
10 FARIA, José Eduardo. Justiça e conflito: os Juízes em face dos novos movimentos sociais. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1992, p. 39.
12
1.2 – O Judiciário brasileiro pós 1988
13
julgar, em recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância
por outros tribunais, quando a decisão recorrida contrariar dispositivo da
Constituição, declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal e/ou julgar
válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição. Foi também
lhe dado poder para julgar originariamente as causas em que a magistratura é direta
ou indiretamente interessada, mas foi-lhe extraída, contudo, a função que
desempenhara desde a sua criação, de tribunal unificador da aplicação do direito
federal infraconstitucional.
15
1.3 – O conceito de Independência
11
MADISON, The Federalist, ensaio nº 48, New York, The Modern Library, p. 322
16
Acontece que em nosso país – como na generalidade das nações latino-
americanas, de resto – a tradição colonial moldou os costumes políticos no sentido
da máxima concentração de poderes na pessoa do Chefe de Estado. Ao adotarmos,
pois, o regime presidencial de governo, em que o Chefe de Estado é, ao mesmo
tempo, o Chefe de Governo.
12
MADISON Idem, pp. 322-323.
13
NABUCO, Joaquim: Um Estadista do Império, Rio de Janeiro, Nova Aguilar, p. 239.
17
pelo Supremo Tribunal Federal (STF), bem como a existência de um sistema híbrido
de justiça.
18
jurisdicional pertence ao Poder Judiciário, existindo, todavia, funções jurisdicionais
em órgãos da administração do Executivo e do Legislativo.
14
COSTA, E. V. 2001. O Supremo Tribunal Federal e a construção da cidadania. São Paulo : Institutos de Estudos Jurídicos e
Econômicos. P 165.
19
normativa do Presidente, como acontecia, por exemplo, com o Decreto Lei (extinto
na Constituição de 1988). Matérias anteriormente reguladas por decreto, simples
regulamentos e portarias, passariam a integrar o rol do processo legislativo. Ou seja,
estes textos deveriam necessariamente passar pela aprovação no Congresso, sejam
através de projetos de lei ou, mesmo em casos de urgência e relevância, através de
medidas provisórias. Por este último instrumento (MP), pode-se afirmar que, ao
contrário do que acontecia com o antigo decreto-lei, a MP perderia sua eficácia se
não convertida em lei dentro de um prazo estipulado.
20
Cap. 2
O controle constitucional das leis e o STF
21
Modelos de controle Constitucional das Leis
Quando exercido
Qualquer órgão em pleito qualquer,
judicial pode no âmbito dos
Estados
Difuso apreciar a processos comuns,
Unidos
constitucionalidade e não
da lei. especificamente
constitucionais
Fonte: ARANTES, Rogério Bastos: Judiciário e Política no Brasil; Sumaré; Fapesp; Educ., 1997. p 36.
22
O controle concentrado originou-se na Áustria, tendo por seu principal criador
Hans Kelsen. Tal modelo atribui a um órgão especial a função de declarar a
inconstitucionalidade da norma ou ato frente à Constituição. Cria-se a chamada
Corte Constitucional a qual detém o monopólio e função primordial de proteger e
preservar a Constituição. Nenhum outro órgão ou juiz terá a atribuição de declarar a
inconstitucionalidade da norma ou ato. Registre-se que a típica Corte Constitucional
detém competências para tratar de questões de grande relevância constitucional,
sendo que além do próprio controle de constitucionalidade em si, julga causas que
envolvam o Pacto Federativo, a separação do Poderes, garantia dos direitos
fundamentais, entre outras.15
15
"Ao Tribunal Constitucional austríaco atribuiu-se, além da competência para apreciar de maneira concentrada a
constitucionalidade das leis, uma série de outras competências originárias, entre as quais a de resolver conflitos de
competência entre o governo federal e os Estados, assim como assegurar os direitos fundamentais". VIEIRA, Oscar Vilhena.
Supremo Tribunal Federal – Jurisprudência Política. 2ª edição. São Paulo: Malheiros, 2002, p.54.
23
16
daqueles mandatários do Executivo e do Legislativo têm vitaliciedade , ou seja,
exercitam o poder político de forma mais permanente.
16
No caso dos juízes de primeiro grau a vitaliciedade só se dá após dois anos de efetivo exercício das funções, na forma do
art.95, I, da CF/88.
24
posteriormente. Coube, pois ao STF, em decorrência da técnica híbrida de controle
de constitucionalidade, por força do próprio texto constitucional, um plexo de
competências, que implica em tal órgão ter que conciliar duas importantes posturas:
a de órgão de cúpula do Poder Judiciário (Corte de Apelação) e a de Corte
Constitucional.
Sobre esta constituição, ainda caberia ressaltar que o seu contexto histórico
se deu logo após um longo período de Ditadura Militar, seguido logo após um
período de transição no processo de redemocratização. Ainda com resquícios da
Ditadura, o Legislativo elaborou nas constituintes, uma forma de buscar um equilíbrio
entre os poderes. O que ainda segundo Rogério Bastos Arantes, resultou num texto
legal em que o Legislativo buscou aumentar seus poderes, antes reprimidos pelo
Executivo.
17
ARANTES, Rogério Bastos: Judiciário e Política no Brasil; Sumaré; Fapesp; Educ, 1997.
25
Cap. 03
A expansão do Judiciário
26
obedece a um padrão de abordagem institucionalista, que teve como foco central os
estudos de casos do livro: The Global Expansion of Judicial Power, organizados por
Neal Tate e T. Vallinder. Esse estudo foi introduzido no Brasil por Marcus Faro de
Castro e, desde então, norteou o debate acadêmico na Ciência Política em torno da
judicialização no Brasil.
18
SANTOS, B. 2001. Direito e democracia : a reforma global da justiça. Porto : Afrontamento.
19
SANTOS, B. 2001. Id Ibidem
20
IBAÑEZ, P. A. 2003. Democracia com juízes. Revista do Ministério Público, Lisboa, ano 24, n. 94, p. 31-47, jun.
21
FARIA, J. E. 2002. O Direito na economia globalizada. São Paulo : Malheiros.
22
IBAÑEZ, P. A. Id Ibidem, p. 35.
28
3.2 – A expansão do Judiciário no Brasil
"No Brasil, há uma distância grande que medeia entre o povo e seu
Poder Judiciário. Esta falta de entrosamento do Poder Judiciário com a
soberania popular faz com que ele também não se apresente seguro, com
força bastante para pronunciar aquelas decisões que possam
efetivamente coibir os desmandos de Executivo, sempre inclinado a ser
arbitrário e caprichoso, como todo detentor do poder". 23
23
SANTOS, B. 2001. Direito e democracia : a reforma global da justiça. Porto : Afrontamento. P. 165.
29
Para que se tenha uma idéia, com base em dados obtidos junto ao banco
estatístico do Ministério da Justiça, de 1990 a 2002, entraram, em média, na justiça
comum de primeiro grau 6.350.598 processos por ano, com clara tendência de
crescimento. Efetivamente, enquanto em 1990 chegaram até o Judiciário 3.617.064
processos, em 2002 este número mais do que dobrou, atingindo 9.764.616. Durante
esses anos houve, em média, um processo para cada 31 habitantes. Embora seja
uma média e, como tal, esconda diversidades, revela um ângulo precioso da justiça
brasileira: um serviço público com extraordinária procura. O aumento no volume de
processos entrados é muito maior do que faria supor o crescimento populacional.
Enquanto o número de habitantes no período cresceu 20%, a demanda pela justiça
de primeiro grau aumentou 270% dentro deste período.
24
Dados obtidos no sítio eletrônico do STF: www.stf.gov.br/bndpj
25
CAPPELLETTI, Mauro et al. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988. 20 p.
31
Houve, é verdade, uma grande expansão das atividades judiciais no Brasil.
Entretanto, ela, paradoxalmente gerou profundas crises, bem como segundo alguns
autores, é considerada como um dos fatores para o fenômeno da judicialização da
política, como veremos a seguir.
26
TATE, C. Neal e VALLINDER, Torbjorn. 1995. The Global Expansion of Judicial Power. New York University Press, 1995.
32
difundida de judicialização da política, que pode ser generalizada a todos os casos,
é a from without, ou seja, o controle jurisdicional de constitucionalidade.
33
sentido mesmo para decisões que não são propriamente judiciais como no caso da
verticalização das coligações políticas decidida pelo TSE.
27 CAMPILONGO, Celso Fernandes. 2000."Governo representativo versus governo dos juízes: a autopoiese dos sistemas
político e jurídico". Revista de Direito Constitucional e Internacional, ano 8, n° 30.
28
FARIA, José Eduardo. 1999. "O Supremo e a judicialização da política". O Estado de São Paulo, 6/11/1999
29
REALE, Miguel. 2000. Um brasileiro do século. Entrevista ao Jornal da Tarde, 04/11/2000.
34
política. Se considerado um processo que põe em risco a democracia, a tendência
seria agravada pelo nosso sistema híbrido de controle da constitucionalidade.
35
garantir formalmente a reconstrução da sociedade e do Estado, tendo por metas o
desenvolvimento e a igualdade social.
Assim, ainda que a Constituição de 1988 não tenha alterado nem a estrutura
nem a composição do STF, ao ampliar o rol de matérias que não podem ser objeto
36
de deliberação do Executivo e do Legislativo, transferiu para os onze ministros da
cúpula do Judiciário um enorme poder. De forma semelhante, como resultado deste
novo modelo, a atuação da Justiça Federal e Promotores de Justiça sucedeu uma
extraordinária onda de intervenção dos juízes e promotores de justiça nas mais
variadas áreas de política pública.
37
A ampliação da problemática da judicialização, saindo daquilo que chamo de
"conceito mínimo de judicialização", ou seja, o hiperdimensionamento do caráter
procedimental, tem mostrado que o aumento puro e simples do número de
processos não implicou uma intervenção efetiva do Judiciário. Portanto, existe
também um hipodimensionamento do caráter substancial, isto é, até que ponto os
juízes modificam as leis ou atos dos demais poderes? Ou mesmo, até que ponto
essas decisões interferem na aplicação de políticas públicas?
38
Mesmo se considerarmos a hipótese de que a taxa de julgamento é
satisfatória, o que garante que a decisão proferida foi assertiva? Ou que o juiz
escolheu intervir? O aumento da demanda judicial não diz se o Judiciário está ou
não intervindo. Ora, se o aumento das ações não é suficiente para caracterizar o
processo de judicialização, o que fazer?
39
Cap. 4
Crise do Judiciário
31
Retirado do Banco Nacional de Dados sobre o Poder Judiciário em: www.stf.gov.br/bnpj. Dados Atualizados até 05/11/2006.
40
Não por acaso, o tema da reforma do sistema de justiça tem voltado ao
debate obedecendo aos ciclos de decisões que alteram o status quo, quer por
autoria do Executivo, do Legislativo ou do próprio Judiciário. Do ponto de vista do
jogo político, pode-se mesmo afirmar que esta dimensão é apontada como a mais
problemática e, portanto, sujeita a alterações radicais em um projeto de reforma.
Para o exame dessa dimensão, uma vez mais, é necessário distinguir alguns
aspectos. Há que se examinar, de um lado, a demanda por justiça e, de outro, o
processamento desta demanda.
32 Dados do IBGE de 1988 mostram que a maior parte dos litígios sequer chega a uma Corte de Justiça - apenas 33% das
pessoas envolvidas em algum tipo de litígio procuram solução no Judiciário.
41
deficiências, bem como dos constrangimentos de ordem legal. Este é o caso tanto
de certos órgãos estatais como de grupos empresariais. Pesquisa conduzida pelo
Idesp junto a empresários, em 1996, revelava que, embora a principal crítica dirigida
ao Judiciário fosse à falta de agilidade, esta deficiência nem sempre era avaliada
como prejudicial para as empresas. Muitos empresários admitiram que a morosidade
é por vezes benéfica, principalmente na área trabalhista33. Tal como as empresas,
também o governo e agências públicas têm sido responsáveis pelo extraordinário
aumento da demanda no Judiciário. Calcula-se que o Executivo e o INSS
respondem por cerca de 80% das ações judiciais.
33
Solicitados a avaliar os resultados econômicos das ações propostas por suas empresas nos últimos dez anos, 59%
responderam que os benefícios superaram os custos; 11% que os custos superaram os benefícios; 13% que os custos e
benefícios foram aproximadamente iguais; 17% não souberam avaliar. Em: IDESP - Relatório de Pesquisa "Justiça e
Economia" , São Paulo, 2000.
42
sem agilidade, incapaz de fornecer soluções em tempo razoável, previsíveis e a
custos acessíveis para todos.
Embora seja difícil apontar uma única causa como responsável pelos
problemas de distribuição de justiça, seria impossível ignorar o papel desempenhado
pelos próprios magistrados no exercício de suas atribuições. Referimo-nos a dois
aspectos: ao recrutamento e à mentalidade, variáveis com forte influência na forma
de perceber e de lidar com as questões relacionadas à distribuição de justiça.
34 Dados oficiais do Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário de 2004 indicam que o Brasil possui um juiz para cada 25
mil habitantes, havendo vacância na justiça dos Estados, na federal e na trabalhista. O déficit chega a 21% na justiça comum.
43
índice de aprovados nos concursos de ingresso e, conseqüentemente, a vacância
em todas as regiões do país. Mas certamente está aí apenas parte da explicação.
Haveria que se considerar também fatores estranhos a uma prova de proficiência,
como, por exemplo, uma política deliberada para impedir o crescimento exagerado
no número de integrantes da instituição e seus efeitos deletérios sobre o prestígio e
as deferências típicos de um grupo pequeno e mais homogêneo. Esta hipótese
ganha força quando se considera que o sistema de recrutamento adotado no país
permite o acesso de profissionais extremamente jovens35, sem a obrigação de
passagem por escolas de formação, isto é, sem a sujeição a um processo formal de
socialização interna corporis.
35
Dados da pesquisa Idesp (Sadek, 1995b) realizada junto à magistratura mostram que 55% dos juízes ingressaram no
Judiciário com trinta anos ou menos.
36
Pesquisas do Idesp mostraram que tem crescido o grupo de magistrados que julga que o juiz não pode ser um mero
aplicador da lei, deve ser sensível aos problemas sociais.
44
Outros fatores poderiam concorrer para a explicação da falta de agilidade da
estrutura burocrática do Judiciário. Dentre eles, saliente-se: escassez de recursos
materiais e/ou deficiências na infra-estrutura; o conjunto de problemas relacionado à
esfera legislativa propriamente dita e aos ritos processuais.
45
constitucional de 199337 - foram ao todo 3.917 emendas. Um número nada
desprezível, mas de todo incongruente com o resultado então alcançado: nenhuma
alteração.
37
O processo de revisão da Constituição, previsto pelo Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, teve inicio em
13/10/1993 e encerrou em 31/5/1994. Nesta fase especial, o Congresso Nacional, reunido em sessão unicameral, poderia
aprovar mudanças na Constituição pelo voto da maioria absoluta de seus membros. Um processo normal de emendas à
Constituição deve respeitar a regra de votação em dois turnos, nas duas casas legislativas, por meio de maioria qualificada de
3/5, nas quatro votações.
38
Jairo Carneiro do PFL da Bahia foi escolhido relator em 1995. Sucederam-lhe dois deputados federais do PSDB de São
Paulo: Aloysio Nunes Ferreira e Zulaiê Cobra Ribeiro.
46
No que se refere ao perfil institucional do Judiciário, a proposta com maior
potencialidade de alterar as relações entre este poder e os poderes propriamente
políticos diz respeito à transformação do STF em uma Corte Constitucional. Esta
modificação teria por finalidade dois objetivos: restringir a atuação do órgão a
questões estritamente constitucionais, deixando de ser um Tribunal de última
instância para qualquer tipo de demanda e redefinir o exercício do controle da
constitucionalidade. Com o primeiro objetivo, seria reduzido significativamente o
número de processos que chega até a mais alta corte de justiça. No atual modelo,
toda e qualquer matéria pode, através de recursos, chegar até o STF, obrigando
seus ministros a lidar com um rol tão amplo de questões que não encontra paralelo
nas demais democracias. A redefinição do controle da constitucionalidade, por sua
vez, alteraria profundamente toda a engenharia institucional. Os partidários mais
radicais desta alteração inspiram-se em um modelo no qual o controle da
constitucionalidade das decisões políticas deve limitar-se a princípios que ponham
em risco a continuidade democrática e o Estado de Direito. Nessa alternativa não
caberia ao Judiciário pronunciar-se sobre toda e qualquer questão, passando a
adquirir as decisões majoritárias (aprovadas no Congresso ou propostas pelo
Executivo) prevalência sobre as judiciais. Seria, pois, reduzida a possibilidade de
ativismo do Judiciário e, ao mesmo tempo, seriam flexibilizados os preceitos
constitucionais e reduzido o número de cláusulas pétreas.
A súmula de efeito vinculante (stare decisis) é vista por seus defensores como
indispensável para garantir a segurança jurídica e evitar a multiplicação, considerada
desnecessária, de processos nas várias instâncias. Tal providência seria capaz de
obrigar os juízes de primeira instância a cumprir as decisões dos tribunais
superiores, mesmo que discordassem delas, e impediria que grande parte dos
47
processos tivesse continuidade, desafogando o Judiciário de processos repetitivos.
Seus oponentes, por seu lado, julgam que a adoção da súmula vinculante
engessaria o Judiciário, impedindo a inovação e transformando os julgamentos de
primeiro grau em meras cópias de decisões já tomadas. Dentre os que contestam tal
expediente, há os que aceitam a súmula impeditiva de recurso, um sistema em que
o juiz não fica obrigado a seguir o entendimento dos tribunais superiores e do STF,
mas permite que a instância superior não examine o recurso que contrarie a sua
posição.
49
As soluções extrajudiciais contemplam iniciativas que vão da esfera legislativa
propriamente dita até a criação de novos espaços para a solução de disputas.
Problemas decorrentes da legislação têm sido repetidas vezes apontados como
sérios obstáculos ao bom funcionamento da justiça. Parece existir um relativo acordo
quanto ao fato de que grande parte da legislação brasileira vigente é desatualizada,
tendo sido elaborada para uma sociedade que pouco se parece com a atual,
obrigando juízes a aplicar normas em muitos casos ultrapassadas. Advoga-se que o
país deveria acompanhar uma tendência mundial no sentido de um enxugamento da
legislação, de uma redução da intermediação judicial, da livre negociação e da auto-
resolução dos conflitos.
50
Essas propostas, classificadas em judiciais e extrajudiciais, não esgotam o
amplo leque de alterações que tem por meta modificar o Poder Judiciário e o
sistema de justiça em geral. Há outras propostas, como por exemplo: alteração dos
dispositivos relativos à promoção dos magistrados; introdução de participação do
Ministério Público no concurso de provas e títulos para ingresso na carreira da
magistratura; modificação de dispositivo referente ao vitaliciamento do magistrado;
estabelecimento de investidura temporária para os Ministros dos STF e do STJ;
proibição de realização de sessões secretas, pelos tribunais, para tratar de assuntos
administrativos; extensão para os Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito
Federal do mecanismo de confirmação pelo Poder Legislativo da escolha do
Procurador-Geral, hoje existente para o Ministério Público Federal; quarentena para
juiz que se aposenta; quarentena para nomeação para qualquer tribunal de quem
tenha exercido mandato eletivo ou ocupado cargo de ministro de Estado.
Parece inquestionável que a atual estrutura do Judiciário não tem sido capaz
de atender minimamente às exigências de um serviço público voltado para a
cidadania. O atual modelo, contudo, não provoca malefícios de forma homogênea.
Há indícios de que a morosidade e a possibilidade de um grande número de
recursos, retardando uma decisão final, têm favorecido os principais usuários do
Judiciário. É forçoso reconhecer, entretanto, que a pauta de reformas é ampla e que
dificilmente se obterá consenso. Os apoios são precários, com composições que se
modificam de acordo com o item em discussão.
51
Conclusão
52
Os governantes devem pois aceitar que os seus poderes estão limitados pela
vontade da Constituição. É certo que receberam através do voto popular um
mandato para criar novas regras jurídicas para assim obterem a realização de seus
programas de governo; contudo, essas leis somente terão validade na medida em
que estejam em conformidade com a Constituição. Não se diga, portanto, que a
última palavra sobre a adoção de uma política governamental estaria sendo
transferida para o Judiciário, reaparecendo o fantasma do governo dos juízes. Ora, o
governante guarda sempre a última palavra, posto que poderá, no limite, reformar o
texto constitucional, e assim obter a implementação de sua decisão política. A
Constituição exige tão-somente um consenso entre governo e oposição que se
expressará no respeito ao processo Legislativo mais complexo e rigoroso para a
aprovação de emendas constitucionais.
53
obtida através do processo eleitoral como ocorre com o Executivo e o Legislativo. A
legitimidade do Judiciário residiria na sua capacidade de proteger os Direitos do
cidadão e sobretudo, de resistir à pressão política exercida pelo governo.
54
Bibliografia
FARIA, José Eduardo. Justiça e conflito: os Juízes em face dos novos movimentos
sociais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 39.
FARIA, José Eduardo. Os desafios do Judiciário. Revista USP, São Paulo, n. 21,
1994, p. 54.
MADISON, The Federalist, ensaio nº 48, New York, The Modern Library.
NABUCO, Joaquim: Um Estadista do Império, Rio de Janeiro, Nova Aguilar.
55
SANTOS, Boaventura de Sousa; MARQUES, Maria Manuel Leitão; PEDROSO,
João. Os tribunais nas sociedades contemporâneas. Revista Brasileira de Ciências
Sociais, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais,
São Paulo, v. 11, n. 30, fev. 1996, p. 32-33.
56