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PINTURA DOS ANOS 80: ALGUMAS OBSERVACOES CRITICAS Ricardo Basbaum ‘No plano internacional, Achille Bonito Oliva destaca-se como um dos princi” pais nomes criticos ligados a nova pintura, sendo responsivel pela criagio e divulgagio da tendéncia italiana Transvanguarda, Sua importéncia reside na construcdo de um conjunto de afirmasées tedricas que auxiliaram na le; timagdo da pintura transvanguardista internacionalmente. Outras tendéncias internacionais da nova pintura (Neo-expressionismo, Figuragao Livre, Nova Imagem) nio se apresentam organizadas sob um corpo tedrico coeso e estruturado tal como foi trabalhado por Oliva no nivel da produgao italiana, Dessa forma, devido a0 amplo e veloz destaque internacional atingido pelas idéias do critico italiano, muitos dos conceitos por ele gerados, particular- mente a partir da produgdo transvanguardista, costumam ser generalizados e aplicados 4 nova produggo emergente como um todo. Assim, vamos selecio. nar aqui, para uma r4 {que nos parecem mais adequados a uma aplicago global ao contexto da nova pintura ~ pois ndo interessa determo-nos em particularidades da produgioita- ina: buscaremos, dentro do corpo tedrico daTransvanguarda, conceitos titeis 8 andlise do panorama generalizado da nova prética pictotica surgida nos élti- ‘mos anos, internacionalmente — sem excluir a produglo brasileira, Esses con- ceitos, porém, longe de serem utilizados de maneira direta a partir dos textos em que se encontram, serio comentados, desenvolvidos e criticados a partir de uma outra série de conceitos, extraidos de movimentos ar épocas, notadamente das tendéncias que trabalharam os limites da aso artistica nos anos 1960. Em seguida, passando diretamente para o contexto local, verifi- caremos a génese das primeiras leituras crticas sobre a nova pintura brasileira, Num circuito bem menos sofisticado que o circuito internacional da arte, a legitimasio critica acerca da produsio brasileira mostra-se bem menos pre € contundente, esquivando-se do confronto direto com as obras para cer anilise, alguns aspectos do pensamento de Oliva ‘em aspectos comportamentais de uma geracdo cuja presenga no dmo val voot, Geragio 8072. Z A.B, Oliva caracteriza © nove momento artistico como “mais amarrado as emogées intensas do individuo™, privilegiando assim as"vibragdes descontinuas ade”; prope ainda que a presenca da subjetividade, ness fendida como “harmonia da arte com motivos individu: ssas preocupacdes, “a sensibilidade dos anos 1980 [ zer o trabalho criativo para a pintura, afastada de qualquer homol nacional, favorecendo a pesquisa individual sobre a grupal”. A emergéncia desse ¢ intelectuais” ~ 0 que determina que a pes anterior da arte, apoiada “na estrita observa vanguardas”, seja substituida por uma arte Bonito Oliva sugere entao que esse novo artista segue“uma atitude némade que vé todas as linguagens do passado como reversiveis com a “idéia evolucionista de um darwinismo lingiistico, cujos antecedentes fixos sio encontrados na vanguarda que 0 direcionamento da sensibilidade da época para a pesquisa individual é o principal elemento dessas primeiras observagies de Oliva.Wé-se, portanto, que a sensibi do novo artista de de um im impulsos para a agio, Ea rabalhar essa ints abalho mental dentro da jente na arte (Surrealismo); da mesma maneira, nio ta i relagio corporal artista-obra proposta por Pollock, com seu automati gestual-motor. Semideixar: de absorver cada uma dessas faces histéric oO. impulse criativo interior do novo artista ¢ principalmente vivencl, derivadas irotamente da prética artistica dos anos 1960 ~ responstval pelo exercicio. de integrasio da paisagem interna do individuo com a paisagem fisica exterior » ¥ pupae ambiental vivemctat-Torpora), sem a intermediacio dowbjeto.» iva reproduidasneste texto foram coletadas em Tanga it Editore, 1982). Diferenciando-se do artista e: artista da década de 1980 restringe deliberadamente seu espaco de atuago ac cespaco simbélico da tela, rematerializando objeto e admitindo a manipula <0 de linguagens formais, o que demonstra uma alterago na matriz ambiental instauradora da sensibilidade vivencial-corpérea da arte experimental: se an pela integrasio (superposi¢io) da paisagem ior (materiais reais, espace agora ela serd gerada a partir da super-posigio da paisagem interna de artista com a paisagem da superficie pictérica, configurando um territdrio da imagem. T preservadas pela tradicao (histéria da arte, arte popular, bancos de dados) ¢ imagens que compdem o meio urbano contempora Vo rem uma dimensio hiper-subjetiva, sendo preponderantemente culturais, ma- nifestando preferéncia em dialogar com imagens preexistentes no ambient tanto imagens do ambiente imaginario (imagens da tradigZo) como imagens do ambiente fisico (urbano-industrial). Evidencia-se, portanto, um cariiter de didlogo ambiental na nova pintura, em um primeiro nivel ressaltado pela maci- ‘2 presenga do suporte, pelo padrio decorativo ou mesmo pela utilizagio de ‘(Cuma figitfagao narfattva,—e, em um plano mais aprofundado, como resultadp da.equagao vivencial corpo-imagem-superficie: sensibilidade do pintor'dos ‘inios 1980 aproxime-se, entifo, da ampliagdo de campo que a pritica experis mental dos anos 1960 provocow no dominio da arte, situando-se distante da sensibilidade do tipico pintor construtor de formas da vanguarda modern, ‘estarido mais afinada com wind’ sensibilidade expandidagBlurissensoriahy, © conceito de ambientalidade com o qual estamos lidando consiste na estruturacéo de uma matriz ambiental composta por trés parimetros: corpo- ‘materiais-espago, Tal conceito é obtido a partir das primeiras produgdes ar- tisticas que passam a trabalhar sua materialidade dentro de dimensées reais de espago e tempo, liberando a pulsio propria da obra para trocas com 0 meio circundante. Essa importante passagem modifica 0 modo de agio do ico de uma postura passiva — afeita 4 contemplayao — para um posicionamento ativo, de interferéncia ambiental. tes essa matriz era construt imagens originam-se a partir de duas fontes principais: imagens se, dessa forma, que as imagens da nova pintura raramente percor- fo Brasil, o nfo-objeto neoconcreto inaugura uma nova atua arte no espago € no tempo, com a obra procul ‘ago — 0 espago neoconcreto tem o carter de campo’, pretendendo em- transcendéncia ao espago real, modificando-o — quanto operar em ima dimensio temporal dentro de um campo ativo de trocas, “ativando o ionamento do sujeito com o trabalho” e “deixando em suspenso o ‘tem da produgio de modo a permitir a interveng3o do espectador quase no sentido de completar os trabalhos, recrié-los cada vez de maneira viver os instantes de sua produgio”, Dentro do desenvolvimento daarte nor- imericana, Giulio Carlo Argan* comenta que a conquista do espago real versa, obra processa-se primeiramente a partir da pintura (através Tard edge, que atua no senti visual”) e, depois, da escultura (as estruturas primérias, “corpos de cor [...] iveis como ambientes [...] que qualificam de campo a porsio que é vamente influenciada pela estrutura”). Posteriormente, ocorrem “interven- «es em grande escala tendentes a reestruturar e requalificar a paisagem, ur- ana ou nao”: lndart,earth-works. A conquista do real fisico aprofunda-se, ainda, a incorpora¢io no processo de trabalho, nos anos 1960, de“materiais reais”. to €, materiais habitualmente considerados nao artisticos. A Popart e o Noureau Aéalime também contribuiram para aproximar as fronteiras do territério da do territbrio real cotidiano, com seu aproveitamento de trializados e imagens de massa. Kaprow, por sua vez, desenvolve a utilizagio de materiais reais dentro do espago real, incorporando ai de“qualificar 0 espago exterior como ormado agora em um material a se movimentar por esse ter idade do happening. Também o proveniente do Neoconcretismo de- envolve proposigdes participativas utilizando o corpo do artista, 0 especta- , objetos, visando despertar nos participantes experiéncias vivenciais. femos ento, através dos parimetros corpo-materiais-espago, uma ma- ambiental de atuagio do objeto artistico, que permite & obra a insergi0 TO, Ronaldo, Nexeino ried poo contain bso, Rio de Janeiro: Funarte/ 1985. plena no meio circundante, sem estruturar-se a partir de vir isolem de trocas com o ambiente. Um quarto elemento, porém, é indispen- sivel, como conectivo que impulsiona essa matriz, determinando a especi ficidade operativa de cada producio: a dimensio temporal. — E necessario, portanto, fazermos algumas observagdes acerca do modo como a produsio da década de 1980 trabalha a temporalidade, A partir do texto deA. B, Oliva sobre aTransvanguarda, ¢ po trés possibilidades acerca da maneira com que a nova produgio manipula a dimensio temporal: seu colocaria numa perspectiva temporal oposta aquela das vanguardas: estas, de Baudelaire em diante, ‘necessitam encontrar a condigao de pertencer a0 seu tempo, insatisfeitas com a contemporaneidade [...] projetando sua atencio para o futuro’ (‘o trabalho responde sempre & demanda de uma ocasiio que nio se repe que as relages cambiantes do artista com seus materiais sio irrepetiveis") mplicaria uma estreita relagio do tempo da vida do artista com o tempo de sua produgio; ¢, ainda, encontramos uma dimensio temporal deficit, como resultado do “trabalho inatualizado” que “no pode nunca representar o art tano presente”, conforme escreveu Oliva. Pode-se relacionar a segunda dimensio temporal descrita acima com a tendéncia de superposiglo entre arte e vida, encontrada em produgdes dos anos 1960, Nestas, a sincronia do tempo interno e do tempo externo cria ‘uma “drea de grande liberdade para o artista”, pois o controle da integracio do sujeito (corpo) com os materiais, num determinado local, produzindo 0 jonamento fora do campo da projetualidade a lém disso, uma “praxis nunca repetitiva” desse artista momento do obra, esté inteiramente sob dominio do artista — que calcula as ‘temporalidades no sentido de fazer surgir o instante artistico num ponto pre- cisamente definido do ambiente (sob as coordenadas corpo-materiais-tem- po-espago), No entanto, trata-se de estratégias diferentes, ums vez que, se nos anos 1960 essa superposicio de temporalidade configurava-se como pro- jeto~reelaborando o conceito de arte e jogando esses tempos em um tercei- +o impulso temporal ~, agora o “tempo da vida do artista” reduz-se quase a “ARGAN, Giulio Carlo, “Art and the crisis of model 7OuVvA,. Em: Transient, Op Bonito Oliva. Em: Tanarantgade nerationl Op. cit. ido de que a dimensio virtual de fu ; cotidianos, equagio vivencial corpo-imagem-su- iremos detect ova pintura: as imagens, trazidas iolgica/fi tar um reforgo no cardter luz a partir de uma vivencia elca, passam a interferir no espaco com esse mes »Biolsiolégico, procurando atingir 0 cia e desejo vi ™m seus sintomas de carén Processo operative industrial. Dai se d sstaca , faz com exatamente por j observa G. C. Argan Sociedade industrializa- ‘as imagens mas‘niédi através do saber I valor da Transvanguatda, 0 “valor do ‘neros (posicionadas segundo uma hierarquia de valores), mas sim las como meios (recursos empregados para alcangar um objetivo, jente, método) A disposicio das necessidades expressivas do artista plificadamente, propde arte como um “termo geral” e pintura , a nova pintura nio 8 0 um “termo especifico”, Seguindo esse racioctn ia ser considerada como uma proposigio acerca da definigZo de arte, as acerca da definigdo de pintura ~ lembrando que anova pintura nio parte quer definigao apriors eragio, como a pintura moderna cubista e p. da bidi superficie pictorica, reando-nos entao na légica interna do sistema tragado por Kosuth, & jontar, em relacio nova pintura, um quadro similar, tentando de. em sua natureza operativa gem. Para que esse trabalho aleance a plenitude expressiva da imagen ‘4 estruturar-se como uma proposicio acerca da natureza mover-se.cm um campo conceitual: a operagio da imagem propria a pintura, de “neutralizar” imagens ambientais a partir de um saber pictd- do plano, aumentando sua dimensio perceptiva, seria uma operagio tual. A condigio conceitual dessa operacio poderia ser mensurada pe itos “quantificadores” propostos por Kosuth: condigio de arte ¢ ha em funcionar enquanto arte. E aqui somos obrigados ainda a restr in rea especifica da pintura: condigo de pintura e habilidade de fun- © pintura, Continuando, a condicao de pintura estaria satisfeita se ' S¢ apresentasse como um comentario da prépria pintura —e na nova 3 esse comentirio se realizariaa partir do saber pictérico do plano que a imagem ambiental, ou seja, 0 saber desenvolvido pela pintura mo- sentido de criar estruturas visuais,abstratas, responsiiveis pela or- interna do campo pictérico, Nao alterando fundamentalmente essa ca interna ao quadro, a nova pintura iré utilizé-la como molde ar as imagens ambientais de que se apropria, com intengo de re- ‘ua estrutura elementar. Essa redugao da imagem is suas ca do que deva ser pintura, ainda que leve em cubista, a condigso ension: inalmente, realizaré a ampliagdo d nova pintura, Jé a habilida ant mento em que aceita posicionar-se como jogo de imagens que nio almejam comentar o saber de outras disciplinas que nio o saber pictdrico, voltando-se Para seu préprio territério de ago, ou seja, o comentirio da imagem através dla imagem, procedimento que fica claro a partir do momento em que a ima- gem ambiental € capturada pelo plano pictbrico e afastada de sua fungio ori- ginal, dissecada pelo instrumental proprio da disciplina da pintura ‘A ampliagio do campo da arte, provocada pelas tendéncias experimentais dos anos 1960, é vista, assim, como matriz geradora do novo fa que emerge na década de 1980. A estruturaggo em termos metaforicos da superficie (cujo rompimento pode ser exemplificado pelo movimento neo- Concreto € pelas tendéncias Hard edge e Primary structures), bem como uma temporalidade no corporal ~ contemplativa— impunham 20 espectador um olhar interno a obra, isto ¢, uma exigéncia de se posicionar“dentro” da super- ficie pictorica para a fruigao dessa superficie, sob regéncia de seus parimetros estruturais: era preciso “tornar-se uma forma” entre as formas da tela, o ne. cessirio deslocamento que, partindo do real, atingisse a construcio pictorica, ‘A esse olhar era lanadaa questio, que o obrigava a fragmentar-se: mundo ou bra, sendo que 0 primeiro poderia ser reconstruido pela segunda, Jé no momento contemporineo, sob a condi¢go de campo ampliado, o desloca. ‘mento em dire¢éo a uma virtualidade nio & mais exigido pela obra, que com. partlha com o sujeito uma mesma ambientalidade, provocando a geragio de tum olhar que percorre a pintura de um ponto de vista exterior ao plano, ou seja, que considera a superficie pictorica como elemento pertencente ao meio circundante, Agora, a0 olhar nao é m: ‘sua fragmentago, pois move- S¢ num campo de ambiente e pintura: ela ¢ que & obrigada a esforcar-se visual- mente, na captura do olher fugidio do espectador. Insersio da pintura em um Circuito ambiental, a partir de uma temporalidade corporal Seno nivel da critica internacional encontramos um corpo tebrico siste ‘matirado legitimando (institucional e mercadologicamente) a nova pintura, zo contexto brasileiro o acompanhamento da critica de arte em relagio § nova geracio de artistas processa-se de forma diversa: a nova pintura brasilei- ra legitima-se no circuito local desprovida de um discursocritico que. objetive to ico portador de uma conceitus pictérico ‘Ao voltarmos a atencio para a emergéncia da nova pintura no Brasil, par- iticularmente no Rio de Janeiro, é possivel destacar um percurso de exposi- ‘ges coletivas (de 1982 a 1984) que marcam a reintrodugio da discussio da pintura no circuito de arte brasileiro e o surgimento de uma produgio local relacionada diretamente ao novo contexto da arte internacional. Esse percurso inicia com(‘Entre a mancha e a figura” (MAM, setembro de 1982, RJ), fA Hor da pele} Centro Empresarial Rio, maio de 1983, RJ) «3x4 grandes feEMAtEs} (Centro Empresarial Rio, setembro de 1983, RJ), e termina com ‘Brasil pintura} (Palacio das Artes, novembro de 1983, BH),€Como vai voce sracio 807(Parque Lage, julho de 198+, RJ)\“Geracdo 80%(Galeria MP2 Arte; jallio de 1984, RJ) eArte no espaco® Galeria Espaco, Planetirio da idade do Rio de Janeiro, outubro dé 1984)’ Roberto Pontual e Marcus de Lontra Costa'?,v\ssim, nos parece correto de terminar, particularmente no ambiente cultural carioca, esses trés nomes como cxposigdescoletivas podem ser agrupads em dois bloc “Entre'a mancha ea igura" "3x4 prandcsformatos”reiinem principalmente artistas ejostrabalhosc obras orig ams a partir de contextas anteriores ao contexto internacional da nova pintars, compondo- tanto de artistas que sempre pintaram (Iberé Camargo, por exemplo}, como denomes que tornaram pintura", psa kayerem abandonado (como Ri serve para "Entraarmancha ¢ figura, "Sx grandes formato" "Brasil pintura" © ‘oot, Geragéo 80, Pontal pmparces com les formats”, ome rtiroent ture a bao ira flor "6 um dos euradores de "Como iatvocts Gerszzo 08 criticos que acompanharam mais de perto e desempenharam o papel mais destacado na emergéncia da pintura jovem brasileira dos anos 1980 jé que é em torno desses t es que circulam textos e curadorias de exposigdes coletivas stacam naquele momento. Nao podemos ainda nos esquecer do peito da nova pintura br Iho, autor de textos criticos a res: blicados na revista Médulo € nos catalogos de exposigdes coletivas como “Geragio 80” ¢ “Como vai voc’, Geragio 807”, Por ser ele proprio um pintor, suas observagdes criticas dife- rem daquelas dos trés nomes ji citados, uma vez que se guiam principalmente por uma relagao directa com as obras pacio de articular um contexto ins A génese do discurso critico com o qual fé leira passa, entio, necessariamente que podem ser acessadas consult ‘esentadas, e menos por uma preocu- langada a nova pintura brasi- as idéias articuladas por esses nom ol nvestem no presente, no praer, nos materiais precios. O Jovem ar tista dos anos 1980 nio se sent absolutamente comprometido com temas, cstilos,suportes ou tendénciasfJoga para o alto qualquer coeréncta, 3)Anon pln.) Cuma reaper intelectual predominante nos ano hermétics, puri cexcessivamente, [.--I-rigor e objetividade na arte da © década de 1970 cram, na verdade, um excessivo hermetisme |... um alibi que cscondia a empéfia dos artistas conceituais tratando de matéri J que no ram de sua competéncla ‘Tal leitura ica seria, em sua esséncia, reafirmada em cada um dos tex- rincipais exposigbes coletivas que procuram discutir a emergé ra no Brasil dos anos 1980. Direcionando nossa analise a outros textos 1esmo critico, é possivel monitorar o percurso dessas formulagdes na io do pensamentotde F. Morais acerca da nova pintura, E 0 que cons- & que os mesmos conceitos com os quais Morais situa a Geracio 80 odo contexto da nova pintura jé estavam explicitados em 1982, no tex- wa 0 catélogo da mostra “Entre a mancha e a figura”: af se encontram \s de umavedescoberta da pinturd..do prazer Je pintai vigentes nos iltimos anos” e de wuladas as id ‘os artistas atuais {...] viajam através da historia da arte, dos paises, dos 3s, sem qualquer compromisso, sem qualquer preocupacio com genealogias, ticar 0 que Bonito Olivachamava de darwinismo linglistico, ou seja, ‘gontra-uma idéia evolucionista em arte?. Basicamente, esstas mesmas generali- fa, ser localizadas em outros dois textos do mesmo autor, coletivas “3x4 grandes formatos” (setembro de “Brasil pintura” (novembro de 1983): nesses textos também esté pre- ) sonte a visio da pintura dos anos 1980 como; “algo visceral...) experinci supsorial em primeiro lugar"(“3x4 grandes formatos"), como “fonte de prazet, ntura”), como"reaglo a tautologia conceitualista (“3x4 | «andes formates”), como pitin arqueoldgica sem sofrimento, um mergulbo ‘matos") oupritica -va 0 artista a buscar na historia da arte o que antes buscava intura”), como reago contra“todo e qualquer darwinismo nglifstico” (“Brasil pintura”) ou jgem praticar isso que Bonito Oliva {...] deno~: ‘hind de’ fdba evolucionista de arte? (“3x4 grandes formatos”). SAvarte-viroue powaonente'tintvale tude’ ("3x4 grandes formatos”), fa pintura voltoua seruny idie26ido" (Brasil pintira) Baseando-nos na anilise do percurso das exposicdes coletivas, explicitada possivel conchuir que F. Morais constr6i suas idéias acerca »va pintura brasileira antes que essas obras ingressem de fato no circuito, a auséncia efetiva da nova produgio — que se manifestaria somente a pintura” —, sem preocupar-se em definir quais artistas (den- articipantes das mostras apresentadas) estariam trabalhando a partir iorments do novo contexto internacional para suas obras. Assim, os conce fo brasileira da nova pintura foram gerados em contato direto com essa producio, mas @ pai conceito de pintura mais amplo, tio genérico quanto indeterminado itiied zagigdeumymiesmo:grupo de conceitos para realizar leituras critieas de obras: sujsitas.e prtitipottos tedricos tio diversos 56 é realizavel se esse grupoide conceitos softer um. processo de generalizagao e descontextualizagao.que 0, desloque de:seu contexto especifico: ¢ aqui a manobra foi transformar con; ceitos:caracteristicos de produgdes especificas (como a teoria da Trans vyanguarda de A. B. Oliva, por exemplo, ou a rejei¢ao da arte conceitual por artistas que voltam a pratica da pintura nos anos 1980 apés a haverem aban donado) em conceitos que serviriam para construir uma categoria (chamada, simplesmente de pintur) genérica o suficiente para abarcar todas as tendéncias, atuantes no momento.-Essa anulagdo das diferencas tebricas entre as produ- Ges conduz a uma visio distorcida do fendmen: 4 pintura” como um acontecimento do qual participam, em ressonancia, diversas geragoes de artistas — quando, na realidade, a obra pictérica de um artista que trabalha no campo da nova pintura exige uma conceituagi0o diversa daquela outra produzi- c queestdes de um periodo anterior, que impunham outro raciocinio jexto para o surgimento da obra. A atuagao de F, Morais revela que Geragio 80?” (considerada 0 evento que batizou e legitimou a nova produsio brasileira) como etapa de um processo mais amplo, o processo da pintura brasi- ignorando que essa exposisSo consagrou a penetracio do movimento da nova pintura internacioniTno Bast )Aatuagio critica dd Roberto Pontual ambém é marcada por uma anélises da pintura dos anos 1980°Que 5E-Exquiva do confronto direto com a-tiovas produgio, preferindo situé-la no contexto local @ partir de sus adéquasio a, sum, modelo, chamado por ele de *polaridade essencial do espirito criador ghpuaaileive?” Grande parte da movimentagao em torno do slogan “Geragio 80”, ivulgador de um novo comportamento e uma nova produgao artisti- -se ao livro Explode geragiol, langado por Pontual na exposigao “Como voct, Geragdo 80”, Nessa obra, 0 critico demonstra sua linha de andlise wa produsio, ugerindo como “dado acio 80 “descobre na Europa e/ou EUA fontes irresi Jo mais importante a lhe dar rigor é, no entanto, a capacidade m: 1enos. De aceitar beber de preferéncia a 4gua nossa”. Pontual , dois modelos, uma vez. que, para ele, 0 “espirito criador brasileiro” como*polaridade”: “de um lado, ardente, o modelo antropofigico; tro, ponderado, o modelo construtivo”. Haveria ainda a “proeminéncia primeiro contato do europeu com o indio”, enquanto langa o mode. nstrutivo “tao longe quanto a sua aparigZo entre os nossos indios”. Ja em lamente uma das maneiras mais favoraveis a nos todos, na América , de obter 0 acordo perfeito de forma pura com a forma simbolica [..] ‘#paixio e construgio conciliadas”s Nesse instante, é importante observar que os mesmos modelos de anélise Propostos por R, Pontual em 1983, em texto que p 80?" por apresentar, em sua maioria, artistas que estruturam suas Mm momentos pictbricos distintos daquele em que ird se constituir a pos) a partir de um mi [uma agio jue observo nela de assentar-se fundamentalmente sobre modelos. davida, bastante discu de uma produgio pict rtante demonstrar aqui (st a mudangas estruturais através dos o (atemporal) 6 pode ter como resultado um ¢ modelo, e ndo um desvendamento das cai ocdugio em questo, Esse método, portanto, interessa sua autoperpetuagdo, configurando-se, na verdade, em ‘a que ignora a presenga das obras e suas especificidac ‘Assim, também fragiliza-se a linha de andlise proposta por R. Pontual ee que através dela nio é possivel obter qualquer dado acerca da estruturagao interma da niova pintura brasileira. Isso se deve ao fato de que, para Pontual’ ' parece ser mais importante caracterizar essa produgio como legitimament brasileira do que desvendé-la em suas especificidades. Mas como pode se possivel discutir as caracteristicas culturais particulares de uma producio, se ‘uturagio interna prépria? de uma balho de aperfeigoam icas proprias da esta nao é corretamente analisada em sui E interessante destacar que a ausés tura critica em contato jo fendmeno da Geracio 80. De fato, as idéias que acabam consagrando-se como representativas do tra- balho desses artistas desempenham um papel altamente eficiente como sogens frases de efeito, chamarizes sugestivos, a um s6 tempo sedutores ¢ trangressores, Auindo através dos meios de comunicagio de massa: prazer, rebeldia, alegria, espirito libertirio, ocupagao de novos espagos, 0 efémero, arte nio cerebral etc, Bastante ilustrativo é 0 titulo do artigo da revista Manche, de 18 de junho de 1984: "“Transvanguarda: o pop ¢ o punk explodem nas telas””. Torna-se necessirio reconhecer que esta adjetivacio apresenta alto grau de eficigncia, ao destacar de imediato a nova produgio da produgio anterior ~ e “Geragio 80” & um sogen eficiente ~, mas, na falta de outra dimensio critica mais consistente, transfor 'ma-se em frageis conceitos, sujeitos a0 consumo desgastante da midia Dentre os trés nomes que anteriormente destacamos como articuladores da nova pintura brasileira, Marcus de Lontra Costa é quem constantemente procura afirmar o caréter coletivo da arte que se faz no momento, enfatizando, ‘a.importiincia de se garantirem os espacos conquistados pela nova produsios jas com as quais Lontra se langa a campo em defesa dessa pro- direto com as novas obras néo prejudica arepercuss sejam basicamente as mesmas a que nos referimos hi pouco como capa- lesempenhar papel eficiente de propaganda, sua atuagio legitima uma rie de eventos que se seguem ao sucesso de“Como vai voc’, Geracio 80” (da foi um dos curadores, a0 lado de Paulo Roberto Leal e Sandra Mager) tre esses eventos, & possivel selecionar alguns textos, de modo a acompa- har seu pensamento, No impresso de apresentagao dos artistas convidados para wtura da fachada da loja Fiorucci, em Ipanema, em agosto de 1984, escreve. Arte na cabera, nos olhos © no corasio, gorac renta mil bragos, oiten ‘momento presente |...] pede expansio, crescimento, iE hora de se romperem os limite rruas, nas festa, [,..] cong) | A arte se faz também nos muros, nas tam novos cenérios de a¢io [..] va goragio de artistas reafirma, com suas obras, sua importincia ¢ seu valor. Em setembro do mesmo ano, apresentando a irma que: iva “Arte no espago”, © espago da arte é, |. Dele participam todos, sem grilos de sexo, credo e gera JO qiie realmente importa agora, nesses tempos de aliangas, é manter- se’stento, Atento e forte, © : Ainda em 1984, em texto que escreve para o catilogo de uma coletiva em Hador, reunindo artistas do Rio e da Bahia”, Lontra mais uma vez exprime ‘crenga na presenga e no papel da arte, afirmando que “a arte continua viva, caca vez mais presente”, crenga reafirmada no catalogo do 7° Salio Nacio- lc Artes Plisticas (dezembro de 1984), no qual assinala que “o efémero e 0 + so as armas que [.. [os] artistas dos anos 1980 se utilizam para alimen- eranga de um mundo melhor. ...] Arte em todos os espacos”. A partir , M. de Lontra assinaré ainda textos individuais para diversos se nota, entretanto, 0 abandono da postura de uma defesa Talia nas Sguas da art” coletiva e politica da nova produgao exibida nos primeiros textos, substitulda ritica ¢ retraida frente aos novos acontecim« articuladores da c cia da pintura no Brasil dos anos 1980, foi por ne- cessidade de preservar a especificidade de sua atuacio, Na realidade, ele se configura co 0 tedrico da nova pintura brasileira a surgir nos anos F 7 ial e M, de Lontra sdo os articuladores da emergén cia da pintura, isto &, como erfticos, promotores e administradores cul procuram orientar suas titicas de aco no sentido de forcar o redirecionamento. fas miquinas institucionais para o objetivo de legitimagGo da pintura, vista por eles como uma forma “genérica” de ago, rrais que nao demonstram preocu- pagio em diferenciar conceitualmente esta ou aquela produgio, resultando o fato de que para esse grupo a nova pintura no é expressa teoricamente em termos de suas propriedades de pintura, mas sim enquanto resultado de um novo comportamento, uma nova atitude diante da vida e da arte, por parte de uma nova geracio de artistas. Jé 0 compromisso de Jorge Guinle é para com a” realizagao pritica e tedrica de sua obra, pois trabalha os dois indissociadamente. Sua produgio critica procura sempre articular-se em rela- ‘sio direta com as obras ou artistas analisados, evitando desviar-se por interesses que vinculariam a anilise do fato artistico a outras determinages e demons- trando assim preocupagies com aspectos tebricose estruturais da nova pintura O esquema de anilise que procura utilizar no exame te6rico das produ- ges € 0 mesmo que utiliza na definigo conceitual de sua propria pritica Definindo a iconografia de seus trabalhos como ums “iconografia da historia da arte” provém dos scguintes textos de tra do século XX", Mule, 67;"Expres legal fe num shopping center*}"2 tendéneise pos fre ‘rica de modo a provocar “tensio e didlogo entre as diversas partes antes da tela”, em uma operagio em que cio de um esti- escola esco- justamente pela inclusio de uma outra escola que seria sta negacao” pectativa é de que essa“heterogencidade que negaria a unicidade de pen- cria o sublime homogéneo” provoque o surgimento do sublime ica do subl J nessa c Referindo-se 4 nova pintura (nacional ¢ internacional), prope que a es stra contempordnea ada em fungao da lagio provocada pela “escolha entre 0 deleite estético momenta ra resultante do autoquestionamento da obra que a leva a um abism: vavio”, gerando um “revezamento sutil” que renova ¢ con trabalho pict6rico seja deter: aura do tra- ”. Assim, essa sensibilidade contemporénea seria responsivel por um io planejado”, marcado pela ‘pescadas no dia-a do pin sendo “atirado ¢ simultaneamente posto em xeque, comentado de uma ma. a vigorosa e combatido pelo segundo tempo”, Essa formula operativa apa- Fentemente pressupSe a presenca da imagem como elemento a ser contra- to ao fundo pictorico, Nesse sentido, J. G le postulow a presenga na sua uma‘pré-imagem, tio abstrata, que s6 aesséncia dela permeia a tela” contrério da"maioria dos energéticos”, que trabalham con ssivel detectar, nessa formulago conceitual de J. Guin las de A. B. Oliva, como seu conceito de operatividade da imagem da de eck aproximagio — inédita entre seus companheiros energéticos entre imagens e conceit vanguarda “pela neutralizacio de seu significado profundo™.ou ainda 0 /~?, nm sua premissa ini campo pictorico (cot posicio de diferentes avés da superposigio de uma imagem sobre o scletismo de Bonito Oliva), mas pela s iagens abstratas obtidas através de “conceitos- agens”, como definiu o proprio Guinle). Desse etismo proposto por Oliva, a conceituagao pi a a superposigdo de “dois niveis culturais® da “Transvanguarda em superposigio de diferentes tempos culturais, estruturando- se a partir de temporalidades. Cremos,portanto, que o fendmeno da“volta i pintura”, em iv ional (sem incluir'o contexto brasileiro), deve ser considerado como uma etapa significativa, por recolocar, com toda a forga,(a discussad da imager e dapintu? Hoje, entretanto, a pintura dos anos 1980 deve ser libertidaGomo ““robyeto' de andlise, de suas primeiras leituras criticas, j4 que essas tiveram, ¢ come primeiro principal propésito, a tarefa de legitimé-la ¢ langi-la no {_ sircuito, ressentindo-se agora de um grau maior de precisio anélise. O im- « pacto de sua presenga ainda nao encontrou um reflexo adequado no campo {ebrico, sendo urgente trabalhar no sentido de aproximar imagen palavra, “pinturag conceito. ca de Guinle transf

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