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In Nicos Poulantas, (19751977) O Estado em Crise, Rio de Jancio, Graal:3-41 As transformacées atuais do Estado, a crise politica e a crise do Estado. NICOS POULANTZAS. Oe Este texto tem como objetivo precisar certos pontos me- todol6gicos, cujo esclarecimento aparece como o preambulo essencial de uma anilise tanto das transformacées do Estado capitalista na fase_atual do capitalismo monopolista, como da crise do Estado na situacao presente de crise do capita- lismo. Colocarei assim alguns problemas desta andlise ¢ es- bocarei algumas linhas de pesquisa. Este enunciado de apresentacio coloca de safda um Primeiro problema, tragando j4 uma linha tedrica na pes- quisa: com efeito, as transformacdes considerdveis que afe- tam os aparelhos de Estado dos paises capitalistas desenvol- vidos, e que permitem falar, em relagdo a estes patses, de uma forma nova efetiva d ‘tado capitalista, nao se redu- zem aos caracterés espectfiess da crise do Estado, que marca igualmente alguns destes Estados no contexto da crise atual do capitalismo, Algumas destas transformacdes explicitam, de maneira mais geral, caracteristicas préprias da fase que a reprodugdo do capitalismo atravessa: 0 que significa que, no caso de uma reabsorcio eventual da crise do capitalismo © da crise do Estado, as modificagdes profundas dos apare- Ihos de Estado nfo deixario de persistir. O que significa também que, por outro lado ¢ na medida em que se assiste igualmente a uma crise de alguns destes Estados, esta crise se articula as transformagdes mais gerais relativas A forma de Estado na fase atual do capitalismo monopolista, e que Os caracteres préprios da crise do Estado que afetam estes Estados estéo inscritos nestas transformagdes mais gerais, A piopdsito do conceito de crise Esta distingiio entre a fase de reprodugio do capitalis- mo ¢ a crise do capitalismo, do mesmo modo que a distin- cio consecutiva entre as transformagoes do Estado derivadas desta fase e aquelas derivadas da crise do Estado exigem j& uma definigio mais precisa do conceito de “crise”. De- finigdo necessdria diante da inflagéo atual do termo crise € que concerne, num primeiro nivel, ao mesmo tempo & crise econédmica, a crise politica, A crise ideolégica e As re- Iagdes entre estas crises, mas que, mais além, nos leva a interrogacbes sobre as diversas espécies de crise do capita- lismo e, mais particularmente, sobre as caracteristicas pro- prias e as modalidades da crise politica e da crise do Estado atuais. 1 Pode-se delimitar 0 conceito_de crise, ja no nivel do gue se designa como crise econémica, assinalando que é ne- cessério conseguir evitar, a este respeito, uma dupla arma- dith: a) A concepgio da economia e da sociologia burguesas da crise, que corre atualmente as ruas, a saber finalmente a crise como momento ou instante “disfuncional” que rom- pe, de modo siibito senfio por um golpe do destino, o fun- cionamento de outro modo harmonioso do “sistema”, mo- mento forcgosamente sempre passageiro (um mau momento que passard) até o restabelecimento necessirio do “equili- brio”. Concepedo estreitamente soliddria a uma visio que oculta as contradigées e as Iutas de classes inerentes A re- produg&o mesma do capitalismo, e vé assim na crise uma ruptura radical do equilibrio quase natural de um sistema de outro modo “integrado” e que, nas condigdes “normais” (de no-crise), marcha de alguma forma sozinho, por auto- regulagiio devida as “leis econémicas”. Ora, sabe-se, com efeito, que as crises econémicas, devidas.em iiltima andlise ao funcionamento histérico da tendéncia A queda do lucro médio — naquilo que esta tendéncia remete a reprodugio das relagdes de produgao capitalistas e as lutas de classes 4 em torno da exploracio — estdo nao apenas inscritas no seio da contradicio fundamental capital/trabalho, mas pre- enchem igualmente um papel orginico na reprodugio mesma do capital. Estas crises funcionam também como purgacdes periédicas. do capitalismo, quer dizer, como o desencadea- mento concentrado e “selvagem” das contratendéncias A bai- xa tendencial da taxa de lucro (desvalorizacio macica de partes do capital constante, reestruturacdes permitindo a elevacio da produtividade do trabalho e da taxa de explora cao, coisas que remetem todas & taxa de lucro médio do capital social). Isto quer dizer, por um lado, que as crises econémicas, longe de serem momentos de desarticulagao (dis- funco) do “sistema” econdmico, em suma um tempo morto, so de algum modo, e sob um certo Angulo, necessarias & sobrevivéncia e A reprodugio mesmas do capitalismo (nao € uma crise econdmica qualquer que poderd automaticamen- te abater 0 capitalismo), sob a condigio de que nao se tra- duzam em crises politicas, cujo resultado poderia ser a der- rubada do capitalismo. Isto quer dizer também, por outro lado, que as crises nao constituem um momento acidental no qual explodem elementos anémalos ou heterogéncos ao funcionamento normal, equilibrado e harmonioso do sistema, mas que os elementos genéricos de crise (devidos A luta de classes) esto constantemente em acio na teprodugio da ca- pitalismo; b) A concepgao mecanicista, evolucionista e econo- micista da crise que, ao final de uma certa época , foi do- minante, com algumas excecdes, na Internacional comunis- ta entre as duas guerras, cujas repercussdes se fazem sem- pre sentir, e que deu lugar a um catastrofismo economicis- ta (suas implicagSes politicas, diga-se de passagem, foram muito graves). Esta concepcio, partindo do fato justo de que a reprodugdo das relacdes capitalistas, em particular no est4gio imperialista-capitalista monopolista, em razio das novas contradigées de classes mundiais e da acentuacio da tendéncia 4 queda de lucro, inclui organicamente, e de modo intensificado, elementos de crise chega & atualidade sempre presente da crise. Esta concepcio chega assim a estender © conceito de crise a ponto de fazé-lo recobrir todo um es- tagio, ou uma fase de reprodugio do capitalismo: parta_ II Internacional, foi a concepcio do estégio do capitalis- 5 mo monopolista como crise sempre_atual do capitalismo que Ievou & nogio de “crise geral do capitalismo” © a0 em- prego que se fez dela. Sob sua forma contemporanea, esta concep¢io eva a considerar a reprodugio atual do capita lismo monopolista como, ela também ¢ por sua vez, fase da “crise geral” ao longo de toda sua duracdo eventual até o fim do capitalismo, quer dizer, como crise praticamente sem- pre presente e aberta do capitalismo. Brevemente, conside- rando de modo economicista, e evolucionista, que, na me- dida em que se d4 sua reprodugio, o capitalismo acentua automaticamente seu “apodrecimento” e que ele est viven- do sua tltima fase, chega-se A consideragio de que uma fase de sua reprodugio (que 6 sempre, como por acaso, aquela na qual nos encontramos), coincide todo tempo com uma crise permanente e, de um modo ou de outro, sempre presente. Crise que € desta vez (um “desta vez” que depois de algum tempo comeca a tornar-se algo repetitivo) a ver- dadeira crise geral, a crise final e apocalitica, quando deve- ria ser evidente que o capitalismo pode sempre (como ele nao o pode, isto depende da luta de classes) reabsorver suas crises e prolongar sua reproducio. O que importa re- ter aqui € que esta_concepcio termina por dissolver a es- pecificidade mesma do conceito de crise pois, neste sentt- do, pode-se dizer dd mesnio im6dO que O" capitalismo esteve sempre em crise. Pode-se, a partir destes alertas, situar j4 o primeiro problema subjacente & constitui¢do do conceito de crise: se € verdade que os elementos genéricos de crise estio Ppresentes e€ permanentemente em acao na produgio das relagées capitalistas, muito particularmente em sua fase atual, nio € menos necessério reservar a este conceito o campo de uma situagdo particular “de condensacdo das contradicées. © que quer dizer que os elementos da crise existentes per- manentemente na reprodugao do capitalismo devem ser to- mados em funcSo das transformagées préprias ao estigio e a fase que atravessa o capitalismo, mas que no interior des- ta periodizagio dispdem-se as situagées de condensacio das contradicbes que podemos designar como crises. Estas cri- ses trazem assim a marca dos perfodos que o capitalismo atravessa, sem por isso se diluirem neles: isto vale igual- mente para a crise atual, mesmo se, em funcao da acentua- 6 ' g4o dos elementos de crise proprios A fase atual, esta crise se situa num contexto geral de instabilidade muito particular caracterizando o conjunto da fase. Em suma, é preciso _des- confiar de todo conceito teleolégico da crise, conceito que traria em ‘si mesmo uma apréciagao do resultado da crise: o fim do capitalismo nfo depende de uma crise qualquer (a crise geral e final), mas do resultado da luta de classes que nela se manifesta. I © que acaba de ser dito para a crise econdmica vale, mutatis mutandis, exatamente para as crises politicas, das quais as crises do Estado sio um elemento constitutivo. Com efeito, aqui também se encontram as duas arma- dilhas, de que ja falei anteriormente, a saber: ~ I. A concepcao da sociologia e ciéncia politica burguesa da_crise_politic ae da crise Uo Estado. Esta crise seria ela mesma considerada como momento ou instante “disfuncio- nal”, rompendo bruscamente os equilibrios ‘naturais de um “sistema politico” funcionando de outro modo de maneira harmoniosa e por auto-regulagio interna: do funcionalis- mo tradicional ao “sistemismo” atualmente em moda, é sem- Pre, no fundo, a mesma lenga-lenga, a visio subjacente ocul- tando aqui também, no nivel que Ihe & proprio (0 sistema Politico), a luta de classes em beneficio da concepcao de uma sociedade integrada, do pluralismo de “poderes” © de “contrapoderes”, de “institucionalizagio dos conflitos so- ciais” etc. Isto nfo apenas impede que se dé conta da crise em seu lugar prdprio, mas também, na medida precisamen- fe em que estas concepgdes reduzem mais comumente os “conflitos” politico-sociais a conflitos de idéias e de opiniao, que se fale da crise politica de outro modo que nio nos termos de “crise de valores” ou “crise de legitimagao”. Quando de fato: a) Os elementos genéricos de crise politi- ca, devidos a luta de classes, sao inerentes A reprodugao, mesma do poder politico institucionalizado; b) A crise poli- tica — crise do Estado detém ela mesma, sob certos aspectos, um papel orginico nesta reprodugio da’ dominacdo de clas se pois, a menos que o resultado da luta chegue A transi- gio para o socialismo, esta crise pode ser a via (as vezes 7. a tnica via) para que se restaure, por meios especificos e “a quente”, uma hegemonia de classe vacilante, e a via (as vezes a wnica via) de uma transformagao-adaptacio, por meios especificos e “a quente”, do Estado capitalista as no- vas realidades da luta de classes, 2. A concepgao que prevaleceu, ao final de uma cer- ta época e com algumas excegdes (em primeiro lugar Grams- ci), no seio_da_ Internacional comupista (pés-leninista, di- gamos para simplificar), mas cujos efeitos se fazem ainda sentir, e que leva, aplicada A crise politica e A crise do Es- tado, aos mesmos avatares que quando é aplicada A crise econdmica. Partindo do fato justo de que 0 dominio politico comporta, em particular no estégio imperialista, permanente- mente elementos genéricos de crise politica devidos As coor- denadas da luta de classes, ela conclufa na concepcio deste estégio como o de uma crise politica sempre atual e na con- cepcao do Estado deste estagio como Estado de crise aberta € permanente. O que, aqui também, acaba por dissolver a especificidade mesma do conceito de crise politica e teve re- percussdes graves: no que concerne a crise politica, a iden- tificagio, em fungio da impossibilidade neste contexto de uma elaboragiio tedrica do conceito de crise, de toda crise politica a uma “situacdo revolucionéria”, situagdo que, além disso (com excegio de alguns raros e breves momentos de lucidez, foi declarada quase sempre atual até 0 VII? Con- gresso (1935) da Internacional, o de Dimitrov abrindo o caminho as Frentes populares. No que concerne ao Estado, esta concepgaio teve como conseqiiéncia, em particular du- rante 0 periodo 1928-1935 quando chegou a seu auge, a redugdo das transformagdes dos Estados capitalistas de en- to, derivadas do estdgio e da fase de reproducao do capita- lismo, a uma crise destes Estados, na ocorréncia de uma fascistizaciio destes estados que acompanharia, por suposi- ¢ao, a “crise revolucionéria” permanente. Assim as formas democrético-parlamentares, sob as quais estas transforma- Ges ocorriam em alguns destes Estados, foram identificadas as formas de Estado fascistas oriundas, elas, de uma crise politica de caracteres especificos. Pode-se entéo, aqui também, delimitar jé os problemas que a constitui¢do do conceito de crise politica coloca: em- bora_o dominio politico, inclusive o dos aparelhos de Es- tado, compreenda permanentemente, sob o capitalismo ¢ em Particular (nés 0 veremos) na fase atual, elementos genéri- cos de crise, é preciso reservar para 0 conceito de crise po- litica 0 campo de uma situagio particular de condensagio das contradigées, ¢ isto vale igualmente para a fase atual do capitalismo, mesmo se estas crises figuram aqui num centex- to geral e permanente de instabilidade muito particular (acentuagio, prépria da fase atual, dos elementos de crise politica). Em suma, a crise_politica consiste em uma série de tracos particulares resultantes desta condensacio das con- tradi¢des_no dominio politico, e que afetam tanto as rela- goes de “classe em sua uta’ politica como os aparelhos de Estado. Tl Mas esta elucidagio referente A crise politica coloca, por sua vez, uma série de problemas novos: em primeiro lugar, © das relagdes entre a crise econdmica e a crise politica, Com feito, ‘a0 contrério de uma concepgio economicista, uma. crise_econémica_nao_se_traduz_nem automaticamente, nem necessariamente, nem de mod “em crise politica e crise do Estado--E~isto-por-que 0 politico nao é um simples reflexo ou expressio do econémico: o Estado capitalista é caracterizado por uma “sepatacio” relativa com relagio ao espaco das relagdes de producdo, de acumulacio do capi- tal ¢ de extracio da mais-valia (a economia), separagio que abordarei novamente e que constitui um. campo especffico com estrutura organizacional propria. A huta politica de clas- se, que tem por objetivo o poder ¢ 0 aparelho do Estado, também nao é redutivel & luta econdmica (nem é um simples eflexo dela): se inscreve ela também num campo especifico. Segue-se que: 1. A crise politica, relativa A Juta politica de classes ¢ aos aparelhos de Estado, comporta uma série de tracos parti- culares que s6 podem ser tomados em seu quadro referen- cial especifico: isto implica que uma crise econémica nao se traduz necessariamente em crise politica; 2. Pode-se assistir a crises politicas que estando, cer tamente, em relagdo com as coordenadas fundamentais de re- produgao das relacdes de produgio e das lutas em torno da 9 exploragdo, nao esto no entanto em relagio com nenhuma crise econdmica no sentido rigoroso do termo: nada de mais falso do que acreditar que uma crise politica, uma intensi- ficagdo ¢ uma condensagéo das lutas de classe a nivel po- litico © no seio do Estado s6 podem “resultar” de uma cri- se econémica no sentido estrito, ¢ que de algum modo’ a pressupoemi; 3. Uma crise econémica pode-se traduzir em crise po- litica, e € precisamente o que se passa atualmente em alguns paises capitalistas. Dever-se ia reservar assim para designar es- tas crises, que manifestam uma crise do conjunto das rela- gOes sociais, um termo particular: uma crise de hegemonia (crise organica) segundo o termo de Gramsci, ou “crise es- trutural”, segundo um termo atual. Com efeito, este cardter estrutral da crise atual ndo reside apenas nas particularida- des certas que ela apresenta como crise econdmica, mas igualmente na sua repercussio em crise politica e crise do Estado. Ainda assim € preciso esclarecer a ambigilidade que ameaca penetrar neste termo crise estrutural: nado se deveria tomar este termo estrutural no sentido usual e descritivo que designa a “estrutura”, segundo seu grau de permanéncia, em Oposigéo A “conjuntura”, que supostamente designa o” se- cundario © 0 efémero, pois, neste caso, arriscamo-nos a cair na armadilha ja assinalada, isto é a entender por crise es- trutural um trago permanente do capitalismo em sua fase atual, ver nesta, inevitavelmente, a crise final do capitalismo, © a diluir assim a especificidade mesma do conceito de crise. Pode-se, ao contrdrio, manter este termo reservado sempre como campo de crise atual (estrutural) uma conjuntura par- ticular, se se designa precisamente por crise estrutural uma crise profunda que afeta o conjunto das relagdes sociais (crise econémica e crise politica) © que se manifesta numa Conjuntura, no sentido de uma situagéo de desvendamento e condensacio das contradigdes inerentes a estrutura social. Is- to significa que preciso, neste sentido, relativizar a nocio mesma de crise estrutural: se a crise econdmica atual se dis- tingue claramente das simples crises econémicas ciclicas do capitalismo, ela sé constitui uma crise estrutural ou uma cri- se de hegemonia para certos paises capitalistas onde ela se traduz em crise politico-ideolégica no sentido préprio do ter- mo. 10 A crise econdmica pode entio se traduzir em cri- se politica. Mas, neste caso também, e pelas razdes evocadas, isto no implica uma concordancia cronoldgica, quer dizer. uma contemporaneidade das duas crises ¢ de seus processos proprios: em fungao da especificidade do campo politico constata-se freqiientemente defasagens entre as duas crises e seus ritmos préprios. A crise politica crise do Estado pode apresentar um atraso com relacdo A crise econémica, quer dizer, atingir seu ponto culminante ou mesmo se desenca- dear em um momento em que a crise econémica esta per- dendo sua intensidade (foi o caso da crise politica na Ale- manha que levou A chegada do nazismo ao poder — 1933 — e da crise politica na Franca que levou a chegada da Frente popular ao poder — 1936 — em suas relacdes com a crise econémica de 1929) ou ainda se reabsorver. Obser- vacéo importante no contexto atual, onde transparecem mui tos sinais de “retomada” econémica, retomada que suposta- mente interromperia inevitavelmente 0 processo da crise po- litica. Mas a crise politica pode, do mesmo modo, preceder uma crise econémica, articulando-se a ela (sempre segundo as defasagens) em seguida: & a partir desta linha que se po- de compreender, notadamente na Franca, os efeitos prolon- gados e atuais de maio de 1968, momento em que a crise econémica, supondo-se mesmo que j4 se houvesse desenca- deado, estava em todo caso ainda longe de ter produzido efeitos macigos. Enfim, a crise politica pode preceder a crise econémica, constituindo, desta vez, um dos fatores ou mesmo © fator principal desencadeador desta (caso do Chile sob Allende). Iv Seria necessério enfim mencionar alguns pontos suple- mentares relativos & crise politica: 1. Pode-se determinar os caracteres gerais de uma cri- se politica e de uma crise do Estado, e aprender esta crise na generalidade de seu conceito. Mas a partir desta concei- tualizagdo da crise politica pode-se especificar as espécies Particulares desta crise: toda crise politica, por exemplo, nao se identifica nem com uma situaco revoluciondria nem com uma crise de fascistizacio, que embora apresentem os ca- M1 \ racterés” gétais da crise politica constituem espécies bastante Particulates, especificadas por tracos prdprios, Observacao igualmente importante hoje em dia, na medida em que te- mos as vezes tendéncia a identificar a crise politica — crise do Estado a um processo de fascistizacao, 2. Uma crise politica, mesmo recobrindo uma situa- Séo-conjuntura precisa, néo se reduz no entanto a uma es. Pécie de deflagracio momentanea ou instantinea, mas cons. titui_ um processo efetivo, com ritmo Proprio, com tempos fortes e tempos fracos, com altos e baixos, e que pode fre- Glentemente se estender por um longo periodo: & este pro- cesso mesmo que, todo o tempo, consiste de uma_situacao- Conjuntura particular de condensagio de contradicées, 3. A crise politica compreende, como um de seus ele- mentos préprios, a crise do Estado, mas nao se redus a ela, ao contrério da corrente “institucionalista-funcionalista”, ‘sistémica” também, da sociologia e da ciénci ia politica bur- suesa, que vé, em primeiro lugar, na crise politica seu aspec- to de “crise das instituigées” ou de crise do “sistema poli- tico”. A crise_politic: i fe Inodifica- S6es__substanciais..das_relagies_de_forca da luta de classes, modificagdes que, elas mesmas, determinam de modo especi- fico os elementos prdprios da crise no seio do S aparelhos do Estado: formas revestidas pelas contradigdes entre as classes em luta, configuragio das aliancas de classe ao mesmo tem. Po por parte do bloco no poder e por parte das classes exploradas-dominadas, emergéncia de novas telages entre as formas de organizagio-rep: classes e aquelas, novas contradicgdes entre o forcas suciais, resentacio das bloco no po- der e algumas das classes dominadas funcionando como clas- ses-apoios de bloco no poder etc. Ora, estes tracos constitutivos da crise politica na luta de classes determinam a crise no seio dos aparelhos do Es- tado: mas, em funcdo tanto da autonomia relativa que o Estado capitalista possui com relagio, em particular, ac blo. sO mo Poder, como de sua ossatura organizacional propria devida a sua separagio especifica do espao econdmice, esta determinaciio nao € ela mesma nem direta nem univoca, A crise politica nas rela Ses de classe se exprime no seio do Estado de modo sempre especifico, e por uma série de me~ diacdes, 12 4. Falei até aqui apenas da crise politica em suas re- Tag6es com a crise econdmica. E preciso agora abordar a questo da crise_ideglégica, e avancarei a seguinte proposi- gio: a crise politica se articula sempre a uma crise ideol6g ca, que € um elemento constitutive da” efise politica: i ‘ites “de mais nada por que as relacdes de dominagio- subordinacao ideolégica estio elas mesmas diretamente pre- Sentes nio apenas na reproducio, mas igualmente na con: tuigdo das classes sociais, cujo lugar objetivo no seio da die visao social do trabalho nao se reduz as relagdes de produ- sao, embora estas desempenhem um papel determinante, Mas este papel da ideologia é ainda mais importante na consti- tuico das classes em forcas sociais, quer dizer, na posicio das classes no seio de uma dada conjuntura de sua luta, con- juntura que é 0 lugar préprio da crise politica: as relacées ideoldgicas sdo, diretamente, parte ativa das relacoes de for. ¢a entre as classes, na configuragio das aliancas, nas for- mas de organizagio-representagio que estas classes cons- troem, nas relacdes entre o bloco no poder e as classes do- minadas etc. Em seguida porque, conseqiientemente, as relagdes ideo- logicas, e notadamente a ideologia dominante, estio orga- nicamente presentes na constituico mesma dos aparelhos do Estado, sendo que um de seus papéis consiste em reproduzit a ideologia dominante em suas relagées com as ideologias ou Subconjuntos ideoldgicos das classes dominadas. Com efcito, a ideologia n&o consiste apenas de idéias: ela esta encarna. da (cf. a obra de Gramsci, acerca de quem dispde-se hoje na Franga dos trabalhos de Chr. Buci-Glucksmann e de M. A. Macciocchi) nas prdticas materiais, nos habitos, nos cos tumes, nos modos de vida de uma formacio social. Enquan- to tal, € na medida em que as relagdes ideoldgicas consti- tuem, elas também, as relacdes de poder absolutamente es senciais 4 dominagio de classe, a ideologia dominante se materializa e se encarna nos aparelhos de Estado. Com efeito, por um lado, as classes dominantes nfo po- dem dominar as classes exploradas, por meio do Estado, atra- vés do simples emprego da violéncia, da forca fisica. Esta violéncia deve sempre se apresentar como legitima, por uma atuagio, por meio do Estado, da ideologia dominante capaz de provocar um certo consenso da parte de algumas classes 13 (ee © fragdes dominadas. Por outro lado, 0 proprio Estado tem, com relacio ao bloco no poder, um papel de organizagio, unificando-o e instaurando seu interesse politico geral face as Tutas das classes dominadas: papel de unificacdo-representa- $0 do Estado com relagio as proprias classes dominantes, que apela diretamente para a ideologia dominante. Enfim, a ideologia dominante, nas formas de funcionamento-inculea- sao de que ela se reveste no interior e no prdprio seio do aparelho do Estado, constitui um “cimento” indispensdvel Para unificar as pessoas nos diversos aparelhos de Estado e fazé-lo funcionar “a servico” das classes dominantes. Segue-se que toda crise politica, tanto na modificagio das relagdes de forga da luta de classes e nas rupturas in- ternas que ela provoca no seio dos aparelhos do Estado, se articula necessariamente a uma crise ideolégica que, no que concerne ao Estado, se traduz em uma crise de legitima- io. A crise politica se articula notadamente a uma crise da ideologia dominante, tal como ela se materializa no apenas nos aparelhos ideolégicos (Igreja, meios de informacao de massa, aparelho cultural, aparelho escolar etc.), mas. igual- mente no aparelho de intervencio econémica do Estado e hos seus aparelhos por exceléncia repressivos (exército, po- licia, justica etc), O Estado e a Economia Seria preciso agora, para avancar no exame da crise po- Iitica em seu aspecto de crise do Estado, esclarecer alguns Pontos suplementares relativos ao Estado capitalista, muito Particularmente na fase atual do capitalismo monopolista. 1. E inicialmente no que concerne as relacdes entre o Estado e a economia. O espaco das relacdes de produgiio, de exploracio e de extracéo do sobretrabalho (espaco de re- produgao e de acumulacio de capital e de extragio de mais- valia no modo de produgdo capitalista: MPC) nao consti- tui_nunca, nem nos outros modos de producio (pré-capita- lista), nem no MPC, um_nivel_hermético © fechado, auto- teprodutivel e possuindo suas préprias leis de funcionamento interno. E preciso com efeito se_desfazer, de uma concepcao economista-formalista, que considera o econdmico como com- posto _de elementos nao-vari: longo _dos diy ald dos de produgio, de natureza ou de esséncia quase aristoté- lica, espaco auto-reprodutfvel e auto-regulado por uma es- pécie de combinatéria interna. Além desta concepgao ocultar © papel da luta de classes localizada no seio mesmo das re- lagdes de produgao, leva igualmente a considerar o espaco ou 0 campo econémico (e, em contrapartida, 0 do Estado) como imutavel, possuindo limites intrinsecos tragados pelo Processo de sua pretendida auto-reprodugio/combinatoria, ao longo de todos os modos de producio. Quanto as relagdes entre o Estado e @ economia, esta concepgdo acaba por considerd-las como relagdes de exte- rioridade de principio, embora ela possa se apresentar sob formas diferente: a) Sob a forma do economicismo tradicio- nal, preso a uma representacao descritiva e topoldgica das re- lagdes entre a “base” e a superestrutura, e que considera o Estado como um simples apéndice-reflexo da economia: a relacdo do Estado e da economia consistiria, na melhor das hipoteses, na famosa “agio de retorno” do Estado sobre uma base econémica, considerada no essencial como auto- suficiente; b) Sob a forma, mais sutil, da representagiéo do conjunto social em “instincias” ou “niveis” por natureza ou Por esséncia “auténomos”, com espacos respectivos intrinse- cos, a0 longo dos diversos modos de producio. Seré a com- binacao a posteriori destas instancias por natureza auténomas € de contornos por esséncia imutaveis que produzira os di: versos modos de producdo, sendo a esséncia destas instancias um Pressuposto de sua rela¢io no seio de um modo de pro- dugo. Avangarei entio algumas proposicdes criticas com Te- lagdo a esta concepcio: 1. © politico-Estado (mas 6 igualmente 0 caso para a ideologia) Tor sempre, se Bem que em formas diferentes para cada_modo dé produgao, constitutivamente presente nas Te- lag6é5~dé~producao e, assim, em sua reprodu Ao, inclusive tambgm na fase préimonopolista do capitalismo, ao contra- tio de uma série de ilusées relativas ao “Estado liberal” que supostamente nao teria intervindo na economia, a no ser Para manter as “condigdes externas” da produgio. Certa- tamente, o lugar do Estado com relacio A economia se mo- difica segundo os diversos modos de produgio; mas este lugar néo é nunca senio a modalidade de uma Ppresenga e a ago especificas do Estado no seio mesmo das relacdes de produgio e de sua reproducio, 2. Segue-se que o espaco, o objeto _portanto_os con- ceitos da economia e do Estado ni ter, nem a mesma _extensaio, nem _o mesmo campo nos diverso: modos de_produgio. Os’ diversos modos de producio, mesmo num nivel abstrato, da mesma forma que n&o se constituem das formas puramente econémicas, resultantes de uma combina, toria cada vez diferencial de elementos “econdmicos” em si invariantes se movendo num espaco fechado em limites ine trinsecos, no constituem combinatérias entre estes elementos © elementos invariantes de outras instincias (a ideologia, o Estado) elas mesmas consistindo supostamente de espacos imutaveis. E 0 modo de produgio, unidade de conjunto de determinagées econdmicas, politicas, ideolégicas, que confe- fe @ estes espagos seus limites, desenha seu campo, define Seus elementos respectivos: é inicialmente sua relagio que os constitui, 3. O_MPC apresenta entdo, no que diz respeito as re- lagdes do Estado e da economia, uma especificidade caraete. ristica com relagdo aos modos de produgio pré-capitalistas: a de uma separacdo relativa entre o Estado a economia no Sentido capitalista estes dois tetmos, ligada. enfim; “es. Pecificidade das relages de produgao capitalistas, a saber a desapropriagdo (A separacao na relacho de Posse) dos tra- balhadores diretos de seus objetos e meios de trabalho, e 1 Bada, assim, & especificidade da constituigo das classes, © da luta de classes, sob o capitalismo. Separacio que corta a “imbricagao estreita” (Marx) do Estado e da economia nos modos de producio pré-capitalistas, e que esté na base do ar. cabougo institucional préprio ao Estado capitalista, pois tra- £A OS novos espagos e campos respectivos da economia e do Estado. Mas, levando em consideragio as observagées prece- dentes, nos damos conta de que, da mesma forma que esta Separagdo nfo € a forma capitalista de insténcia por natu- rez aut6nomas, ela nao significa que, sob o capitalismo, tra. tar-se-ia de uma exterioridade real do Estado e da economia, intervindo 0 Estado, sob o capitalismo, na economia apenas do “exterior”. Esta separagdo, que atravessa toda a histo. tia do capitalismo e que nao impede de modo algum, ja na 16 fase pré-monopolista do capitalismo, 0 papel_constitutivo do Estado_nas_relagés mt italistas, nao é seni a forma precisa que reveste, no capitalis cifica ¢ consti de ete “relacoes de p assim, em sua reprodugdo. 4. Seria preciso agora avangar uma proposic&io suple- mentar: esta_separacio do Estado e da economia se. trans- forma ela mesma, sem ser ida, segundo os estdgios e fa ses" do prdprio capitalismo. Com feito, 0 espaco, 0 objeto’ € portanto o contetido dos conceitos respectivos do politico © da economia se modificam n&o apenas em funcio dos di- Versos modos de producto, mas igualmente dos estdgios ¢ fases do préprio capitalismo, precisamente na medida em que ele constitui um modo de produgio que apresenta uma re- produgao ampliada. E na “forma transformada” desta separagdo, e na mo- dificagao_destes espacos (devida ela mesma as modificacdes das relacdes de producio capitalistas) que se inscreve o pa- Pel decisivo do Estado no préprio ciclo de reproducéo e de gcumulagéo do capital na fase atual do capitalismo monopo- lista, papel qualitativamente diferente_do que. se_revestiu no pai io capitalismo, E na medida exata em que (em fan. so das modificagées nas relagdes de producio, na divisio| do trabalho, na produgio da forca de trabalho, na extragio da mais-valia € na exploragéo) uma série de dominios, de | 4 marginais_que eram_anteriormente (qualificagio da forca de trabalho, urbanismo, transportes, satide, meio am se_integram diretamente no espago_ mesmo da do_capital, /ampliando-o ‘na medida em que também set. econémicos inferiores de valorizacio_do_capital (capital pa- blico ¢ nacionalizado) se_integram ao espaco do Estado, am- Pliando-o, que as relagées entre os dois bem como as fun- eS-do Estado com relacdo & economia se modificam. Mas! estas_modificagdes_nfio_anulam a separagio relativa do Es- I {ado 2—da_sconomia, devida a0 germe, ao longo de suas transformagées, das relacbes de producio capitalistas, preci- Samente enquanto capitalistas. E notadamente esta separacio que marca os limites estruturais da “intervencio” do Estado na economia € de seu papel de “regulagdo”, inclusive na fa- se atual do capitalismo monopolista. nace 2s acumvl | 5. apenas deste modo que se pode situar de forma rigorosa o sentido _das intervengSes_atuais do Estado na eco- nomia, e seus limites (quem intervém, onde e como inter- vém), bem como perceber as relacdes atuais entre a crise econémica e a crise politica — crise do Estado. Assinalo, no momento, os elementos importantes quanto a este aspecto: , a) Na medida em que os espacos respectivos do Estado ¢ da ©) economia se modificam atualmente, e em que o Estado i tervém na economia de modo diferente do passado, as con- digdes de repercusséo da crise econdmica em crise politica se modificam na medida em que, por um lado, a crise eco- némica_se traduz_em crise. politica de_modo.mais_direto_¢ or- } gfnico que no passado; por outro lado, na medida em que as intervengdes do Estado na economia tornam-se elas mes- .) mas fatores geradores da crise econémica; b) Portanto, na medida em que a separagio do Estado e da economia é, embora transformada, mantida, as intervencdes do Estado na economia, inclusive no sentido de wma jugulacdo da crise econdmica, apresentam sempre limites, limites que nao sio outros senéo aqueles da reprodugio-acumulacio_ do capital, A qual corresponde a estrutura mesma do Estado, 0 que en- tre outras coisas demonstra a impossibilidade de um capita- lismo atual “organizado-planificado”, bem sucedido em evi- tar, em controlar ou em “gerir” as crises por meio das in- tervencoes do Estado; por outro lado, a crise politica — crise do Estado se situa sempre em um campo especifico com re- lago A crise econémica: a crise_econémica_atual, embora se distinga das simples crises ciclicas do capitalismo, nao se traduz também necessariamente, de modo univoco e em to- dos os paises capitalistes, em crise politica — crise do Estado. I. 1. As transformagoes das relacdes entre o Estado & a economia e 0 novo papel econdmico do Estado, portanto as novas relacées entre crise econdmica e crise_politica, re- metem a modificagdes substanciais das relagdes de produgaio capitalistas, em toda a sua complexidade, tanto no plano mundial como nacional, modificagdes que na verdade su- bentendem processos tais como a concentragio do capital. Esta focalizacio de pesquisas sobre as relagdes de produgio 18 capitalistas ¢ suas transformagées leva a romper com a con- cepciio economicista destas relagdes, que nos foi legada pela III? Internacional, na medida particularmeate em que se de- ve apreender o primado das relagdes de pzodugdo sobre as “forcas produtivas”, situando exatamente o contetido destes dois termos, primado que tem como efeito o processo de pro- ducio, Notadamente no que concere as relagées de produ- cao, somos levados a considerd-las como a forma mesma de existéncia da divisio social do trabalho ¢ nic como a sim- ples cristalizagio de um processo das forcas produtivas en- quanto tais: 0 que permite precisamente apreender a separa- cio capitalista do Estado e da economia como uma presenca especifica do politico ( e da idcologia) nas relagées de pro- dugiio e a divisio social do trabalho capitalista. Isto signifi- ca dizer também que as _modificacées atuais do papel do Es-, tado_na_ economia recobrem, por meio das modificagées das| relagdes de producio, modificacdes substanciais da reprodu G0 da forca de trabalho e da divisio do trabalho (inclusi-! ve sob as novas formas de divisio trabalho manual — tra- balho intelectual), tanto no plano mundial como nacional. E apenas desta forma que se pode compreender o_primado, do conjunto de reprosuci pital social (pro- luto social), da producio e |! das relagdes de produgio sobre as relagdes de circulagio do capital: a crise econémica ¢ as relaces entre esta € a crise po- litica — crise do Estado, mesmo se estendendo sobre o con- junto do ciclo de reprodugao do capital social, se situam em primeiro lugar nas novas relagées do Estado por um lado, das relagées de producio e da divisio do trabalho por outro, contrariamente a toda uma tendéncia atual que inscreve a cri- se apenas no espaco da circulacio (em torno do “objeto”- mercadoria) e vé, no essencial, na crise do Estado uma sim- ples crise de legitimidade (derivada da “‘comercializacio” da “producio simbélica”, da “circulacio” e “fetichizagio” dos signos, simbolos etc). 2. Deste modo, o exame_desta_nova relacio do Es- tado e da economia, da crise politica e da crise econdmica, deve tomar. nar _cOnIS Tio\ cor condutor a queda tendencial da taxa de_lucro_enquanto 9 indice ¢ sintoma das transformagées pro- fundas das relagdes de produgio e da divisio do trabalho, tomar entéo como fio~condutor as condicdes particulares de Ffuncionamento desta queda tendencial na”fése atual do capi- | talismo. A crise atual do Estado deve ser situada, em primei- To lugar, no funcionamento, por meio do Estado, das contra- tendéncias a esta queda tendencial com relago as novas coor- denadas, na fase atual, 0 estabelecimento do lucro médio: a) ' Papel do Estado relativo 4 contratendéncia dominante antes de thais nada, ‘a elevago da taxa de exploracio e de. mais-valia, © que remete diretamente ao préprio seio da luta de classes em toro da exploragio (deslocamento da domindncia para a exploracio intensiva do trabalho e a mais-valia relativa, ino- Vagoes tecnolégicas e reestruturacdes industriais, processo de qualificacdo-desqualificagio da forca de trabalho, extensio ¢ modificagdo do préprio espaco de reproducio e de “gestio” da forca de trabalho etc; b) Papel do Estado também na con- ratendéncia que consiste em, desvalorizé parte do capi- xcedenté acumulado para elevar a taxa do lucro médio (capital piblico e nacionalizado que, explorando e produzin- do mais-valia, funciona com lucro inferior a taxa média ou com lucro nulo ou negativo, subvengdes e encomendas piibli- cas etc), O que produz transferéncias consideraveis de mais- valia de certos capitais a outros e remete a lutas da classe intensas no seio mesmo da classe dominante. As condicdes atuais de funcionamento desta tendéncia explicam assim, além disso, 0 fato de que os elementos de crise se acentuam na fase atual do capitalismo, estando a propria crise situada num contexto de instabilidade muito particular, caracterizando o conjunto desta fase. 3. Nao me estendo mais sobre este tema, retomado aliés em outras contribuicées neste volume. O que acabo de dizer deveria bastar para mostrar um fato decisivo para o es- tudo da crise politica — crise do Estado em suas relagdes com a economia e com a crise econdmica: estas relagdes no po- dem ser tomadas como relagdes do Estado e das “leis” incons- cientes da economia, mas remetem diretamente as lutas de classe situadas no proprio seio das relagées de produgio e de exploracdo. Apreender a crise do Estado em suas relacdes com a economia ¢ com*a crise econdmica significa, finalmente, apreender as relagées entre a luta econdmica (crise econémi- ca) e.a:luta politica de classe (crise politica) e apreender a 20 maneira pela qual as contradigdes de classe repercutem no seio mesmo dos aparelhos de Estado. O Estado e as relagées de classe Para apreender a maneira pela qual as contradicdes de classe (crise econémica e crise politico-ideolégica) repercutem no proprio seio do Estado (crise do Estado), é preciso fazer algumas observacées suplementares acerca da natureza mes- ma_do Estado e suas relages com as classes sociais, em par- ticular na fase atual do capitalismo monopolista. 1. O Estado capitalista, hoje como no passado, deve representar © interesse-politico a longo prazo do. conjunto da burguesia (0 capitalismo coletivo em idéia) sob a hegemonia de uma de suas fracées, atualmente o capital monopolista. Is- to implica que: a) Atualmente a burguesia se apresenta sempre como constitutivamente dividida em fragGes de classe: capital monopolista e capital ndo-monopolista, fragdes do capitl mo- nopolista (pois o capital monopolista nao é uma entidade in- tegrada, mas designa um processo contraditério e desigual de “fusdo” entre diversas fragdes do capital), fracionamentos du- Plicados se levamos em conta as coordenadas atuais da inter- nacionalizacao do capital; b) Estas fragdes burguesas se situam em seu conjunto, embora em graus varidveis e cada vez mais designais, no terreno da dominacao politica, fazendo _entio sempre parte do bloco no poder; c) O Estado capitalista deve deter sempre uma autonomia relativa com rélagao a esta ou aquela fraco do bloco no poder (inclusive com relacio a es- ta ou aquela fracio do proprio capital monopolista) para _z sumir seu papel_de_organizador politico do interesse geral da burgiiésia~ (do “equilibrio instavel dos compromissos” entre suaS“fragdes, dizia Gramsci) sob a hegemonia de uma destas facgdes; d) As formas atuais do processo de monopolizagao e a hegemonia particular do capital monopolista sobre 0 con- junto da burguesia impdem, hoje, uma restricio considerdvel dos limites da autonomia relativa do Estado com relagdo ao capital monopolista e do campo de compromissos deste com 25 outras fragdes da burguesia. Ora, de que forma se estabelece concretamente esta poli- tica do Estado em favor do bloco no poder, nao seria senio um outro modo de colocar a questo de repercussio das a Neéruyertas ark contracigdes de classe no seio do Estado, questdo que esté no cere do problema da crise do Estado? Para apreender bem esta quostio, é preciso ver que o Estado no caso capitalista, “ nao _deve ser considerado como uma e1 como é alids 0 caso para “o capital”, caine um: do, mais exatamente_uma condensagao_materigl (0 Estado- -aparelho) de uma relacao de ores on entre classes € fragdes de classe tal como s¢ exprimem, sempre de modo especifico (separacio re- lativa do Estado eda economia dando lugar as instituigdes proprias do Estado capitalista) no proprio seio do Estado. To- mar o Estado como condensacio material de uma relacio é evitar os impasses de um pseudodilema na discussio atual sobre o Estado, entre o Estado concebido como coisa-instru- mento, ¢ o Estado concebido como $ujeito. O Estado. como Coisa a velha concepgio instrumentalista do Estado, utensilio passivo, sendo neutro, totalmente manipulado por uma tinica fragdo, caso em que nao se reconhece nenhuma autonomia ao Estado. O Estado como no Sujeito: a autonomia do Estado, con- siderada aqui como absoluta, é relacionada a sua vontade pro- pria como instancia racionalizante da sociedade civil, Concep- cio que remonta a Hegel, retomada por.Max Weber e pela corrente dominante da sociologia politica burguesa ( a cor- rente “institucionalista-funcionalista”) e que relaciona esta au- tonomia ao poder préprio que o Estado supostamente detém e aos portadores deste poder e da racionalidade estatal: nota- damente a burocracia e as elites politicas. Com efeito, € um reco préprio Jess tendéncia dota¥”as" instituicbes-aparelhos de poder proprio, quando na verdade o aparelho de Extado nao possui poder, j4 que so se pode entender por poder de Estado o poder de certas classes e fragdes, a cujos interesses corresponde 0 Estado. O que nos interessa de agora em diante é ver que, nestes dois casos (o Estado concebido como Cojsa ow como Sujei- to) a relacéio Estado — classes sociais e em particular Estado classes e fragdes dominantes é tomada como relacdo de exte- 4) Tioridade: ou as classes dominantes submetema Estado (Coi- “" sa) através de um jogode “influéncias” e de “grupos de pres- ) 820”, ou 0 Estado (Sujeito)_submete_as_classes_dominantes. Nesta relacio de exterioridade, Estado e classes dominantes sdo considerados como duas entidades intrinsecas que “se con- frontam” entre si, uma “frente” a outra, e uma possuindo o 22. “poder” que a outra nao teria, segundo uma concepgao tradi- cional do poder como quantidade dada numa sociedade: a concep¢ao do “poder-soma-zero”. Ou a classe dominante “ab- sorve” 0 Estado, esvaziando-o de seu poder proprio (o Estado- Coisa) ou o Estado “resiste” 4 classe dominante e Ihe reti- » ra scu poder em seu proprio proveito (o Estade-Sujeito é arbitro entre as classes sociais, concepcdio bem ao gosto da seclal-democracia). Ora, o Estado é a condensagio material de uma relagio: © que significa dizer, voltando ao nosso problema inicial, que sua autonomia_relativa e seu papel no estabelecimento do in- teresse_geral da burguesia sob a ‘hegemonia de uma fragio (atualmente o capital monopolista), em suma a politica do Estado, ndo podem ser reduzidos a seu poder proprio ou a sua vontade racionalizante. O estabelecimento desta_politica deve ser considerado na verdade, como a resullante das con- tradigées de classe inscritas na estruiura mesma do. Estado, (o Estado € uma relagio). Com efcito, tomar o Estado como a condensagéo de uma relacdo de fora entre classes ¢ fra- des de classe tal como se exprimem, de modo especifico, no seio do Estado, significa que o Estado é constituido: auraves-) | sado_em toda parte pelas contradigées de classe. Isto signifi- ca que uma insiiimicao, 0 Estado, destinada a reproduzir as divisdes de classe nao é, no pode jamais ser, como o conside- ram as concepgdes do Estado-Coisa e do Estado-Sujeito, um bloco monolitico sem fissuras, mas é cle mesmo, com sua_pré- |! pria estrutura, diyidido, Ora, que forma especifica estas con- tradigdes de classe révestem, e particularmente aquelas entre fragdes do bloco no poder, constitutivas do Estado? Elas reves- tem precisamente a forma de contradigdes internas entre os di- versos ramos e aparelhos do Estado, e no seio de cada um deles, na medida em que cada um deles (ou cada escalio de cada um) constitui freqiientemente a sede e o representante privilegiado de tal ou qual fragio do bloco no poder, em suma a cristalizacio-concentragio de tal ou qual interesse parti- cular: executivo e parlamento, exército, magistratura, diversos ministérios, aparelhos regionais-municipais e aparelho ceniral, diversos aparelhos ideoldgicos etc. Neste quadro, o estabelecimento pelo Estado do interesse politico geral e a longo prazo do bloco no poder (0 equili- brio instavel dos compromissos) sob-a hegemonia de tal ou y 23 qual fracio do capital monopolista, 0 funcionamento concreto de sua autonomia relativa, e também os limites desta diante do capital monopolista, em suma a politica_atual do Estado ‘aparece como um processo da resultante destas contradiges interestatais, processo que, num primeiro nivel e a curto pra~ } 20, aparece ele mesmo como prodigiosamente_incoerente e } cadtico, Na verdade, trata-se de um processo de seletividade rutural, por parte de um aparelho da informagio dada e das medidastomadas pelos outros; de um processo contraditério de decisdes mas também de “nfio-decis6es” por parte dos ra- mos e aparelhos do Estado; de uma determinacao, inscrita na | ossatura organizacional mesma do Estado; de_prioridades, mas também de contraprioridades, cada ramo e aparelhos entran- ; do freqiientemente em curto-circuito com os outros; de um | conjunto de medidas pontuais, conflituosas e compensatérias | frente os problemas do momento; de um processo de filtra- gem escalonado, por cada ramo e aparelho das medidas toma- das por outros. A politica do Estado se estabelece assim por este processo de contradicées interestatais, na medida em que estas constituem contradig6es de classe, e notadamente das fra- ces do bloco no poder. Tal questo coloca, neste contexto, 0 problema da_iini- dade, através de suas fissuras, do poder de Estado, quer dizer © problema de sua politica global € maciga em Favor do capi- tal_monopolista. Esta unidade nao se estabelece por uma sim- ples tomada fisica do Estado por parte dos portadores do ca- pital monopolista, ou por sua vontade coerente, mas precisa- mente por este processo contraditério implicando transforma- cdes institucionais do Estado tais que alguns centros de de- cis6es e¢ nds dominantes nao possam ser, por sua natureza, seniio permedveis aos interesses monopolistas, instaurando-se como centros de orientacio da politica monopolista do Esta- do e como pontos de estrangulamento das medidas tomadas “alhures” (porém dentro do Estado) em favor de outras fra- gdes do capital. Tal processo pode tomar intimeras formas: a da dominacio complexa de um aparelho ou ramo do Estado (um ministério por exemplo), aquele que cristaliza por exce- léncia os interesses monopolistas, sobre outros ramos ¢ apare- Thos do Estado, centros de resisténcia de outras fracdes do bloco no poder; a de uma rede transestatal que recobre e per- meia, a todos os nfveis, os diversos aparelhos e ramos do Es- 24 tado (é 0 caso da DATAR atualmente), rede cristalizadora por exceléncia, por sua propria natureza, dos interesses mono- polistas; enfim, a forma de circuitos de formagdo e de fun- cionamento de corpos — destacamentos especiais de altos fun- cionérios do Estado, dotados de um alto grau de mobilidade nao apenas interestatal, mas igualmente entre 0 Estado e 9s negécios monopolistas (X, ENA etc) e que, sempre por meio de transformacées institucionais importantes (papel atual dos famosos gabinetes ministeriais, do Comissariado do Plano etc) slo encarregados de (¢ levados a) colocar em agiio a politics em favor do capital monopolista. Estas observagdes que concernem a natureza do Es- tado capitalista tal como cla se manifesta, em particular na fase atual do capitalismo monopolista, sAo contudo importan- tes para se apreender igualmente a tradugdo da crise politica em crise do Estado. Na verdade, a crise politica (se bem que seja necessério distinguir entre diversas espécies de crise pali- tica) concerne, por parte do bloco no poder, a uma_acentuaci consideravel. das contradicGes. internas enitre as fraches que_o compéem, uma politizagio destas contradigdes, um question: mento da hegemonia da fra¢do hegeménica por parte das ou- tras fracdes que fazem parte do bloco no poder e freqiiente- mente, uma modificagio da relacio entre os diversos compo- nentes deste bloco, uma crise ideolégica que leva, por um lado, a uma ruptura do laco representantes-representados entre as classes e as fragdes de classe do bloco no poder, e por outro atinge seus partidos politicos, mas também alguns outros apa- relhos do Estado que os representam. Isto. significa um ques- tionamento do papel do Estado como organizador do bloco no poder, Estas contradigdes, prdprias da crise politica, no seio do bloco no poder, repercutem, de modo especifico, no seio do Estado, sob a forma de contradigies internas acirradas en- tre ramos ¢ aparelhos de Estado ¢ no seio de cada um deles; de deslocamentos compléx6s~de dominancia de um ¥amo-e aparelho para outros, de permutagdes de fungdes entre os apa relhos e de recobrimentos de usurpagées de seus campos de ago respectivos; de cisées entre centros de poder real e lu- gares do poder formal; de acentuagiio do papel ideolégico dos aparethos repressivos acompanhando 0 reforco do exereicio da violéncia de Estado; de deslocamento do papel organizacional do Estado de certos aparelhos destinados muito particular- 25 mente a este papel (sobretudo os partidos politicos) para ou- tros (a administracao, o exército); de duplicagio ¢ de recobri- mento_dos_aparelhos “oficiais” do Estado por uma. série de redes_paralélas; de subversdes substanciais do direito que, en- tre outras coisas, delimita 0 campo de ago dos aparelhos do Estado e regula suas relacdes; de rupturas importantes no pré- Pric seio do pessoal do Estado. Coisas que nao se reduzem, entio a uma simples crise do cendrio politico (crises gover. namentais por exemplo), que se traduzem por uma incoerén- cia, aqui caracteristica, da politica do Estado e que devem ser tomadas como tentativas de manter sua autonomia relati- va e de restaurar uma hegemonia de classe vacilante. Il. 1. Mas estas caracteristicas da crise do Estado nio po- dem ser estudadas com precisio se nfo se levar em conta o papel do Estado em. relagio as classes dominadas. Na verda- de, os aparelhos de Estado consagram_e reproduzem_a_ domi nagio_de classe .exercendo_a_repressiio, a violéncia fisica com relacdo mas Organizam igu massas_populares, mas organizam igualmente a he- gemonia de classe fazendo funcionar um certo jogo (varidvel) de eompromissos provisérios entte 0 blocs No. podér'e:covtes classé5~ doitiinadas,€ instaurendo “um “consenso” ideologico destas. com relaco ao poder politico das classes dominantes: eles organizem-unificam 0 bloco no poder desorganizando-divi- dindo permanentemente as classes dominadas, polarizando-as para o bloco no poder e recobrindo. sua. organizaciio. politica propria, A autonomia relativa do Estado capitalista com relacio a tal ou qual fra¢io do bloco no poder é igualmente neces- saria para que cle organize a hegemonia do conjunto deste blo- co sobre as classes dominadas, Isto se encontra igualmente inscrito na ossatura organiza~ cional do Estado capitalista como condensacéio material de uma relacio: 0 Estado concentra, em seu seio, ¢ de modo es pecifico, nao apenas a telacio de. entre fragoes do bloco no poder, mals igualmente a relacéo_de forga entre este e as classes_dominadas,. Evidentemente esta tiltima relagio néio se cristaliza nos ‘aparelhos de Estado do mesmo modo que a re- lag&o de forgas no seio do bloco no poder: em funcio da unidade do poder de Estado como poder de dominacio de 26 : classe, as classes dominadas nao existem no Estado através de aparelhos ou de ramos que concentrem um poder proprio des. tas classes. Porém isto nao significa que a luta das classes do- minadas permanega “exterior” ao Estado e que as contradic Goes entre as classes dominantes ¢ as classes dominadas per- manegam contradigdes entre 0 Estado de um lado ¢ as classes dominadas “exteriores” ao Estado do outro, Na verdade, a luta classes dominantes-classes dominadas atravessa cla mes: ma os aparelhos de Estado parte a parte, na medida em que estes aparelhos materializam e concentram 0 poder da ou cas classes ¢ fragées dominantes em suas contradiges com as cla ses dominadas. Assim, a configuragao precisa do conjunto dos aparelhos de Estado, a relagdo de dominanc Subordinacio entre os ra- mos © aparelhos de Estado, papel ideol6gico ou repressive de tal cu qual aparelho, a estrutura exata de cada aparelho ou ramo do Estado (exército, justiga, administracao, escola, igreja etc.) dependem nao apenas da relacio de foreas inter, nas 20 bloco no poder, mas igualmente do papel que eles de. vem preencher com relagio as classes dominadas. Se por exemplo, tal ou qual aparelho reveste 0 papel dominante so seio do Estado (partidos politicos, administracio, exército), & em geral nao apenas porque ele concentra por exceléncia o Poder da fragio hegeménica do bloco no poder, mas porque cle consegue igualmente, ¢ ao mesmo tempo, concentrar sm Si © papel politico-ideolégico do Estado com relagio as classes dominadas. Ainda mais pelo fato. de que um aspecto impor- tante do papel do Estado na hegemonia de classe, portanto na divisdo © desorganizagio das massas populares, consiste em Organizar um jogo de compromisso entre o bloco no poder € as classes dominadas, em particular algumas denife elas, no tadamentea pequena burguesia e as classes populares do cam- Be etigindo-as como classes-de-apoio do bloco no poder e impedindo sua alianga com a classe operaria. Isto se materia- liza na propria estrutura organizacional de tal ou qual apare Iho de Estado que preenche esta fungao por exceléncia: na Franga, por exemplo, o aparelho escolar no que concerne A Pequena burguesia, 0 exéreito no que concerne as classes po- pulares do campo. Enfim, as contradiges bloco no poder-classes dominadas intervém diretamente nas contradigdes no préprio seio do blo- 27 co no poder entre as classes e fragdes que 0 compdem: a baixa tendencial da taxa de lucro, por exemplo, elemento pri- mordial de divisio no seio do bloco no poder, n&o_é_final- mente sendo a expresso da luta das classes dominadas contra a exploracio. Segue-se que no apenas as diversas fragées do bloco no poder (capital monopolista, capital nio-monopolista, capital industrial, capital comercial etc.) nao tém sempre as mesmas estratégias com relagiio 4s massas populares, mas tam- bém que suas estratégias com relagio a elas nfo sio idénti- cas. Tal ou qual politica do Estado é a resultante de um processo de contradigdes (tais como se exprimem, de modo especifico, no seio do Estado) nio somente entre fragdes do bloco no poder, mas também entre este € as classes domina das. 2. Voltemos & crise politica: do lado das classes domi- nadas, esta se manifesta (embora seja necessdrio distinguir, aqui também, entre diversas espécies de crise politica) por uma intensificagao_considerdvel_de suas lutas; uma politizacio destas Jutas e uma modificagio da relagio de forca entre blo- co no poder e classes dominadas; por fissuras nas relacdes do bloco no poder e das classes-de-apoio e pela emergéncia destas no campo politico como forcas sociais efetivas; por uma crise ideolégica que coloca em questo tanto o “consenso” das classes dominadas sob o poder das classes dominantes como sua representacdo-arregimentacio através dos aparelhos de Es- tado (o que acentua as possibilidades objetivas de alianca e de unio das massas populares): por uma acentuago de sua organizacao politica auténoma e um peso maior de suas or- ganizagées de classe préprias, para nao falar do caso de uma articulacto da crise politica com a crise econdmica que res- tringe consideravelmente as proprias possibilidades obietivas de compromisso entre 0 bloco no poder e as classes dominadas ¢ que acentua as divisées no seio do bloco no poder no que se refere as estratégias a adotar em relac&o as classes dominadas. Trata-se ai de uma série de contradicées que se exprimem de modo especifico, no préprio seio do Estado (0 Estado é a condensaciio material de uma relagio) e que sao fatorcs dire- tos das caracteristicas préprias j4 mencionadas da crise do Estado: contradigdes internas acirradas entre ramos e apa- relhos de Estado e no seio de cada um deles, deslocamentos complexos de dominancia entre aparelhos, suas permutagdes 28 de fungdo, a acentuagio do papel ideoldgice de tal ou quat aparelho que acompanha o reforco no exercicio da violéncia de Estado etc. Coisas que testemunham tentativas do Estado de restaurar uma hegemonia de classe vacilante com rela: classes dominadas, O pessoal do Estado. Insisti até aqui no aspecto de crise do Estado que concer- ne a suas instituigdes ¢ aparclhos, ¢ que é 0 aspecto fundamen- tal dosta crise. Ele ndo impede que esta crise do E manifeste igualmente sob um outro aspecto que é 0 da crise dg_pessoal_do.Estado (pessoal politico, funcio: militares, policiais, professores etc.), em suma, uma crise da burocracia_de Estado em sentido amplo. Na verdade, a crise politica se traduz no préprio interior do corpo do. pessoal estatal de varias maneiras: a) Como crise institucional do Estado, quer dizer precisamente como reorganizacio do con- junto dos aparelhes de Estado; b) Como acentuacio, com ira- ¢os proprios, da luta ¢ das contradigdes de classe tal como elas se exprimem, de modo especifico, no seio do pessoal de Estadc; c) Como ascensio das reivindicagdes ¢ das lutas pré- prias 20 pessoal do Estado. Para tal apreender, é preciso perceber antes de mais nada que este_pessoal_de Estado detém, ele_mesmo um lugar de classe (nao se trata de um grupo social ao lado ou abaixo das classes), e que ele mesmg.€ a este respeito dividido. Pertenci- mento ou lu lasse"burgués para as altas esferas deste pessoal,“pequeno-birgués para os escaldes intermedidrios e su- balternos dos aparelhos de Estado: lugar que deve ser ele proprio distinguido da origem de classe deste pessoal, quer di- zer das classes das quais este pesscal provém. Mas esic_pes- oal_contitui contudo, uma categoria social_espectfi do, através_de_suas_divis6es de classe, umaunidade, propria, efeito da’ estrutura_organizacional_do_aparelho de. Estado .ca~ italista (separacio do Estado e da economia) e de sua au- tonomia relativa com relacdo as classes dominantes, e que re- mete ao papel pr6pri désté pessoal na’ elaboractio e no acio- namento da politica do Estado. Desta forma torna-se claro que as caracteristicas da crise politica, quer dizer, da Iuta de classes que corresponde a ela, 29 frios, juizes, -possuin- | impregnam necessariamente o pessoal do Estado: em fungao de seu proprio pertencimento de classe, a intensificagio das divisdes € contradig6es no seio do bloco no poder, a politiza- Gao destas contradigées, a ruptura dos lacos de representa- Gao entre as classes © fracdes dominantes e seus representan- tes politicos, a diversificacdo conflituosa das estratégias e té- ticas com relagdo as classes dominadas e o cardter particular- mente contradit6rio da politica do Estado que dai resulta re- percutem no seio das altas esferas do pessoal do Estado, exa- lamente como as caracteristicas préprias da crise politica do lado das classes dominadas, notadamente do lado da pequena burguesia (novo questionamento de seu papel de classe-de- apoio do bloco no poder), repercutem no seio dos escaldes intermedidrios e subalternos deste pessoal. Tudo isto se traduz entéo em divisdes e contradicGes_in- ternas_consideravelmente acirradas_no_seio I_de_Es- [tat Sieenee mee soa no Si. da-pesoal de Es também aqui se revestem de uma forma especifica: elas se formam na estrutura organizacional propria do aparelho de Estado, seguem a trama de sua autonomia relativa ¢ nio cor- respondem termo a termo, nem de modo univoco, as linhas destas divisdes na Iuta de classes. Elas se revestem notadamen- te da forma de “brigas” entre membros de diversos aparclhos € ramos do Estado, que se devem as fissuras e reorganizagées destes, préprios a crise institucional do Estado, da forma de fricgdes entre “clique”, “facgdes”, “grandes corpos de Estado” no seio mesmo de cada ramo e aparelho. Mesmo quando as posigdes de classe repercutem no seio do pessoal do Estado por uma politizagio mais nitida deste pessoal (uma parte vol- tando-se, digamos “para a esquerda”, uma parte “para_a di teita”), tal processo sé3ue-caminhos especificos notadamente os da crise ideolégica. Na verdade, como ja vimos, a ideologia dominante, que o Estado reproduz e inculca, tem igualmente por Tuncdo, sob uma forma especifica, constituir o cimento interno dos aparelhos de Estado ¢a_unidade de seu pessoal: Pessoal que (Gramsci o tinha percebido bem), em funcio do papel geral de organizagio e de representacdo do Estado, faz parte, em seu conjunto ( e nfo apenas o pessoal dos apare- thos ideolégicos), dos “intelectuais” em sentido amplo. Esta ideol6gico, cimento interno do pessoal de Estado, € precisa mente a do Estado_neutro, representante do interesse e da s30 ventade getal, drbitro_entre_as. classes em luta: a administra- ¢do_ou_a. justia acima das classes, 0 exéreito pilar da “na- ¢40”, a policia_garantia da “ordem” republicana e das “liber- dades” dos “cidaddos”, a administragdo motor da “eficdcia” e do “bem-estar” geral etc. A crise ideolégica que, em suas telagdes com a crise politica, levanta o véu da natureza real do Estado, repercute desta forma no seio do pessoal do Es- tado. Ao que é preciso, bem entendido, acrescentar os efei- tos muito particulares da crise ideoldgica no pessoal dos apa- relhos ideolégicos (imprensa, aparelho escolar, igreja, meios de ccmunicacdo de massa, aparelho cultural etc.) que se tr: duz por uma ryptura dos lagos entre 9 bloco_no_poder & seus “intelectuais organicos™, — ntelectuais organico E por estas razdes que tais divisdes e contradicdes no seio do pessoal de Estado, repercussdes das posicées da luta de classes, também no seguem uma linha de clivagem simples entre os escaldes intermediarics e subalternos por um lado, ¢ Por outro as altas esferas deste pessoal: se esta clivagem é a mais importante, estas divisées no deixam de atravessar ver- ticalmente de parte a parte, a escala estatal. Estas contradigdes se articulam alids de modo complexo as reinvidicagdes e lu- tas corporativistas proprias do pessoal de Estado, lutas que se intensificam no contexto geral da crise politic: O imperialismo e 0 Estado nacional Enfim, um preblema importante para a andlise tanto da crise politica como da crise do Estado atuais, que concerne ao contexto imperialista, a saber a fase atual do imperialismo (que néo é senio a outra face da fase atual do capitalismo, moncfolista) e suas repercussdes na propria forma do Estado nacional. Direi muito sumariamente que 0 que caracteriza a fase atual do imperialismo é que, cada vez mais, e em fungao das formas revestidas pela internacionalizagio do capital e dos precessos de trabalho, as relagdes de produgao imperialistas dominantes (notadamente as dos Estados Unidos) se repro- duzem elas mesmas no seio das outras formagées sociais ao se interiorizarem, por esta reprodugéo induzida, nas rela- ges prdprias a estas: tendéncia que se manifesta, na fase atual, igualmente nas relagdes entre o imperialismo dominan- 31 te, o dos Estados Unidos, ¢ notadamente de outros paises im- perialistas da Europa, produzindo uma dependéncia especifi- ca destes com relagdo aqueles. Esta interiorizagio vale tam- bém para as relagdes do capital imperialista estrangeiro com os blocos no poder destas formacées, e tem efeitos sobre o Estado destas, Estado que intervém de modo decisivo na re- produgio das relagdes imperialistas dominantes no seio de sua prépria formacao social. Assim, 0 Estado nacional destas formagées sofre modifi- cagdes importantes de modo a encarregar-se deste processo de internacionalizagio do capital. Em revanche, a fase atual do imperialismo e esta internacionalizagéo nao retiram nada (co- mo freqiientemente se pensa erroneamente) da pertinéncia do papel do Estado nacional neste processo. Nao se trata de mo- do algum de um processo de internacionalizacio que, dora- vante, ocorreria “acima” destes Estados, ¢ que, ou substituiria © papel dos Estados nacionais pelo das “poténcias econdmi cas” (sociedades multinacionais), ou implicaria o nascimen- to de um Estado supranacional efetivo (a Europa unida ou o super-Estado americano). Ainda mais pelo fato de que a luta de classes, quer dizer, a luta classe dominante — classes domi- nadas cujas relacdes de forca o Estado condensa, se situa sem- pre, no essencial, no quadro do espaco nacional e se reveste sempre de uma forma nacional por exceléncia. Voltemos a crise atual, para fazer assim uma observa- go de fundo de alcance mais amplo. E evidente que a crise atual 6 uma crise que concerne ao conjunto do capitalismo- imperialismo: 0 que significa que “fatores externos”, no sen- tido das contradig6es externas, intervém no processo de crise no seio das diversas formagées sociais, lugares efetivos de re- produgdo do capitalismo e de existéncia da cadeia imperialis- ta. Mas, ao mesmo tempo na crise econémica e muito parti- cularmente na crise politica, 14 onde a crise econémica se traduz em crise politica, sao os fatores ou contradigées inter- nas que detém o primado sobre os fatores externos, e isto vale igualmente para a crise do Estado nacional das formagdes so- iai osnde ela ocorre. Colocar deste modo o primado dos fa- tores internos, primado que n&o concerne apenas as situagoes de crise, nos leva ainda mais longe: é preciso romper, de uma vez por todas, com uma concepgio mecinica e quase topolé- gica (sendo “geogrdfica”) da relagdo entre fatores internos ¢ 32 fatores externos. Nao existem, fatando corretameate, na fa atual co imperialismo, os fatores externos que agem pura- mente do “exterior”, por um lado, ¢ por outro os fatores in- ternos “isolados” em seu espaco proprio ¢ que superar os primeiros concebidos desta forma. Colocar o primado dos fa- tores internos significa que as coordenadas da cadeia imperi: lista “exteriores” a cada pais — incluindo ai a relacio de for- cas mundial, o papel de tal ou qual grande poténcia cic — s6 agem sobre estes paises por sua interiorizagio, quer dizer, na medida em que se inserem, moslificando-a na relacdo de forca entre as classes préprias a este pafs, e na medida em que se articulam a suas contradicdes especificas: contradigdes que, elas mesmas, por alguns de seus aspectos, aparecem co- mo a reproducio induzida, no seio dos diversos paises, das contradigées da cadeia impedialista. Em suma, falar, neste sentido, de primado dos fatores internacional € reencontrar o verdadeiro papel que o imperialismo desempenha — desen- volvimento desigual — na evolucao das diversas formacées sociais e também em suas crises politicas e nas crises de seus préprios Estados nacionais. Isto contribui também para ex- plicar um fato j4 mencionado, a saber que a crise econ’mica atual nfo se traduz necessariamente, ¢ para todos os paises em questo, em crise politica — crise do Estado,,e que, onde este € 0 caso, as diversas crises politicas apresentam, confor- me o pais, defasagens entre si, e podem manifestar-se sob for- mas muito diferentes (em diversas espécies de crise politica). A crise atual do Estado Terminarei assim esta exposicéio fazendo algumas obser- vagées, segundo as linhas teéricas estabelecidas acima, acer- ca da crise politica atual: esta apresenta, onde ocorte, as ca- racteristicas tradicionais da crise politica, nas quais nao me deterei, Mencionarei apenas alguns dos aspectos novos desta crise. Com efeito, ela se situa no contexto de uma crise eco- némica_distinta das simples crises ciclicas do capitalismo. Isto colcca uma série de problemas relativos & propria crise eco- némica, problemas nos quais também nao entrarei, pois so tratados por outras contribuigdes neste volume. Mas isto co- loca também uma série de problemas relativos a: 33 a) O que designei como acentuagao dos elementos genéri- cos de crise politico-ideolégica, acentuagio propria da fase atual do capitalismo_monopolista e que toca, desta forma, o conjunto dos paises capitalistas. b) A crise politico-ideolégica e a crise do Estado no senti- do préprio, 4 qual assistimos atualmente em alguns paises ca- pitalistas, que concerne, sob certos aspectos, ao proprio card- ter “estrutural” do qual esta crise se reveste nestes paises: es- te cardter estrutural reside, como o havia observado, na re- percussio da crise econémica em_crise politico-ideolégica (cri- se de hegemonja), no seio de alguns paises, quer dizer, nas relagées atuais entre a crise econémica e a crise do Estado. a Um dos problemas mais importantes com relagao a isto consiste no fato de que, em fungio do novo papel econémico do Estado e das tranformagoes dos espacos do politico e da economia (transformagées na separacio do Estado ¢ da eco- nomia), uma série destas funcées do Estado, que consistiam em fazer funcionar contratendéncias 4 baixa tendencial da ta~ xa de lucro (portanto, de algum modo, em evitar as crises) tornam-se elgs mesmas, no contexto atual e além de um certo ponto que 0 Estado nfo pode deixar de transgredir, fatores geradores de uma crise que, por este préprio fato, supera a simples crise econémica. Assinalo de modo indicativo alguns aspectos novos do problema. 1. A acentuagéo_considerdvel, no contexto atual, das contradigées internas ao bloco do poder (contradigdes no pré- prio seio do capital monopolista, entre este e o capital ndo monopolista, entre 0 capital industrial e 0 capital _bancirio ¢ comercial etc.), elemento importante de crise politica, na me- dida em que jd se traduz em instabilidade hegeménica. Para captar este elemento em toda a sua amplitude, é preciso, além disso, nfo perder de vista as condigdes atuais de inter- nacionalizagio do capital: a reprodugio induzida do capital estrangeiro no seio das diversas formagdes sociais e sua in- teriorizacio complexa pelo capital destas, produto de deslo- camentos internos importantes deste capital, dando lugar, no seio destas formagoes, 4 emergéncia de uma nova divisio en- tre 0 que designei alhures por burguesia interior, que mesmo estando ligada ao capital estrangeiro (nfo se trata de uma verdadeira burguesia nacional) apresenta contradigdes impor- tantes em relacéo a ele, e uma burguesia inteiramente depen- dente de (e integrada a) este capital estrangeiro. Linha de di- visio tendencial, que alids nem sempre recobre a clivagem “capital no. monopolista-capital monopolista”, mas que fre- qiientemente atravessa estes capitais de parte a parte. Isto j4 constitui um fator suplementar de instabilidade hegeménica, ainda mais pelo fato de que as contradicdes interimperialis- tas, acentuadas em periodo de crise, se reproduzem direta- mente no proprio seio dos blocos no poder dos diversos pai- ses. Ora, as fungdes “econdmicas” atuais do Estado (desvalo- rizagio de algumas partes do capital, reestruturagées indus- triais para elevar a taxa de mais-valia relativa, papel acresci- do em prol da concentracaio do capital, ajudas seletivas a cer- tos capitais, Iugar decisivo do Estado nacional do processo de internacionalizagao do capital), fungdes acentuadas precisa~ mente no contexto da crise econédmica, jogam macigamente, e mais do que nunca, em favor dos interesses “econdmico- corporativos” estritos de certas fracées do capital as expensas de outras. Esta imbricagao direta do Estado nas contradicées econémicas, com efeitos de bola de neve, nao faz senfo rea- vivar e aprofundar as fissuras politicas do bloco no poder; torna-se entdo, ela mesma, um fator direto de crise politica, colocando permanentemente em questo 0 papel organizador do Estado no estabelecimento do interesse politico geral do bloco no poder. 2. A “intervengio” orginica do Estado em uma série de dominios, que, de marginais que eram anteriormente, es- to a ponto de se integrarem, ampliando-se, no espago mesmo de reproducio e de acumulagio do capital (urbanismo, trans- portes, satide, “meio ambiente”, equipamentos coletivos etc.), tem como efeito uma. politizacdo consider4vel das lutas das massas populares nesses dominios, na medida em que estas massas confrontam-se ai diretamente com o Estado. Elemen- to de crise politica j4 importante mas que se acentua pelo préprio fato de que estas intervencdes do Estado, visando en- tre outras coisas a elevacao da taxa de mais-valia (relativa). pela reproducio-qualificagao capitalista da forca de trabalho, aumentam consideravelmente em perfodos de crise mas despo- jando-se de seu aspecto-logro de “politica social”, Estas in- 35 tervencoés ‘milltiplicadi’ assim, os elementos de crise (caso pa- tente atualmente da ajuda ao desemprego ou a formagdo per- maneite), ainda mais pelo fato de que a nova pequena bur- guesia ou camadas assalariadas médias so, por sua nature- za, particularmente. sensiveis aos objetivos de luta referentes a estes dominios; estendendo-se consideravelmente as bases objetivas de sua alianga com a classe operdria, assiste-se atual- mente: ao desabamento de todo um mito do Estado-providén- cia ou Estado do bem-estar. 3. O papel_do Estado em prol_do capital _estrangeiro ou _transnacional, papel acentuado precisamente num contexto de crise (ver a debandada atual dos burgueses europeus sob © guarda-chuva econdmico-politico americano), acentua o de- senvolvimento desigual do capitalismo no préprio seio de ca- da formacio social nacional, onde se reproduz o capital es- trangeiro, criando_notadamente novos “pélos_de_desenvolvi- mento” de certas regides as expensas de outras, Dai_as_rup- turas da “unidade nacional”, da nagéo que sustenta o Estado burgués, pelo desenvolvimento _macica_de_movimentos_regio- nalistas_de caréter diretamente politico, e que por mais am- biguos que geralmente o sejam nao deixam de constituir ele- mentes importantes da crise politica atual. 4. Ao que se acrescenta o papel atual do Estado face a crise econémica no sentido mais estrito do termo. Parece- me que o problema novo com relagdo a esse dado é o se- guinte: na medida em que o Estado intervém macicamente na propria reprodugao do capital, na medida em que também as crises econémicas sio, sob um certo Angulo, fatores orga- nicos e necessdrios desta reprodugdo, o Estado atual prova- velmente conseguiu, através de suas intervengdes, limitar 0 as- agem” das crises econdmicas (como a de 1930 por exemplo) mas na estrita medida em que se encarrega dora- vante dirctamente das funges antes preenchidas em um pe- rfodo concentrado, por estas crises “selvagens”. Sem cultivar exageradamente 0 paradoxo, pode-se dizer que tudo se passa como se fosse doravante.o proprio Estado.que se encarregasse de promover crises econdmicas.“‘rasteiras” (exemplo patente do _desemprego e inflagio atuais diretamente orquestrados pelo Estado, embora seja preciso nao ver nisso apenas, nem mesmo principalmente, uma estratégia consciente da burgue- sia, mas o resultado objetivo do papel atual do Estado), ao Passo que no passado 0 Estado parecia se contentar em limi- tar estragos Sociais das crises econdmicas selvagens. O que, aqui também, tem como éféit”tima politizacdo consideravel (contra a politica do Estado) da luta das massas populares no contexto da crise econdmica e pode-se traduzir em crise he- gemdnica “contida” do bloco no poder. Mas 6 evidente que estas observacdes no sio, de modo algum, exaustivas: para apreender a crise politica atual, seria preciso estudé-la no conjunto de suas caracteristicas, insistin- do sobre certas formas novas, sob as quais ela se apresenta atualmente: notadamente as novas formas de ruptura entre a burguesia ¢ a pequena burguesia, ruptura mais importante e que segue um caminho diferente do passado, na medida em que se trata doravante da nova pequena burguesia_assalariada (os famosos “tercidrios”) cuja polarizacio objetiva do lado da classe operdria é, em fungdo de seu lugar de classe, mais importante do que no caso da pequena burguesia tradicional (pequenos comerciantes ¢ artesios); emergéncia de novas Iu tas em frentes que nao mais sio, agora ditas “secundarias”; das lutas das mulheres até as dos trabalhadores imigrados, estudantes, etc, a amplitude e os novos elementos da crise ideoldgica, crise propriamente inédita até hoje sob o capita- lismo, ao menos nos paises dominantes etc. Compreender entao exaustivamente a crise politica atual cxigiria 0 exame concreto de cada pais capitalista onde ela ocorre: com efeito, alguns dos dados que acabo de mencio- nar provém, geralmente, da propria fase atual do capitalis- mo, referindo-se & acentuacio dos elementos genéricos de crise, acentuagdo que caracteriza o conjunto da fase atual, marcada por uma instabilidade muito particular. Mas estes elementos s6 se traduzem em crise politica no sentido proprio por sua articulagéo e condensagao na conjuntura de alguns paises capitalistas, embora 0 conjunto destes paises seja afe- tado pela acentuacdo dos elementos genéricos de crise. sat Esta tiltima observagdo nos leva A questo da repercussao da crise politica, onde ela ocorre efetivamente, em crise do Estado. Questo que coloca aquela, conexa, das transfor- mages considerdveis que, em graus evidentemente desiguais, 37 A679 Len UA Manette po yee mel Onacne afetam atualmente os aparelhos de Estado dos paises cap’ talistas dominantes. Transformagdes que devem ser também entendidas como réplicas do Estado diante, entre outras coi- sas, da crise politica 14 onde ela ocorre efetivamente, inclu- sive diante de sua propria crise, pois se assiste atualmente, nestes casos, a um fracasso das tentativas do Estado em se instalar suavemente na gestdo de sua propria crise e a uma explosio do que os ingleses chamam crisis of the crisis ma- nagement ou “crise da gestio da crise”. Porém afirmo, aqui também, que estas transformacdes se devem, entre outras coisas, A crise do Estado 14 onde cla efetivamente ocorre, 0 que nos traz de volta ao problema colocado no inicio deste texto. Com efeito, algumas destas transformagées provém geralmente, da fase atual do_capita- lismo_monopolista e das coordenadas permanentes que Ihe sio proprias (inclusive a acentuacdo dos elementos de crise e sua instabilidade caracteristica). Estas transformacées reco- brem entio a adaptagéo (Giscard obriga a modernizacio, diz-se na Franca) do Estado diante das novas realidades das lutas de classe desta fase, e conduzem assim nao simplesmente a uma virada autoritdria ocasional do Estado burgués, mas a constituica wa forma de Estado capitalista, com caracteristicas.prdprias de “Estado autoritério” ou de “Estado forte”, que poderiam muito bem significar que uma certa forma de “democracia politica” “simplesmente nao é mais articulam, em alguns destes Estados, as caracteristicas espe- cificas de crise do Estado, 14 onde uma crise politica no sentido préprio ocorre efetivamente. O que significa, entio, que nem todos os Estados que apresentam transformagoes no sentido “desta_nova forma Fado. titario” -mu- nham_necessariamente. uma crise do Estado, mas também e sobretudo que, no caso dos Estados cujas transformacdes testemunham, além disso, uma crise do Estado propriamente dita, aquelas transformacées no sentido do Estado “autorita- rio”, que provém, de modo mais geral, da fase atual do capitalismo, persistitfo mesmo apés uma eventual absorco desta crise. E mais: no caso de uma safda_eventual da crise do Estado no sentido de sua absorgao, esta crise aparecerd como a via de uma transformacdo-adaptacdo, por meios es- pecificos e “a quente”, , do Estado, capitalista 4s novas rea-_ © ypuniv lidades da luta de classes (nova forma do Estado capita- lista). A questao, que Sempre retorna — “trata-se atual- mente de uma crise ou de uma adaptagio (modernizagao) do Estado?” — coloca, sob certos aspectos, um falso dilema, Pois pode-se muito bem verificar que se tratava, 14 onde uma crise efetivamente ocorreu, de uma crise que conduziu pre- cisamente a uma “adaptacao-modernizagao” do Estado capi- talista. Desta forma nao me é possivel, no plano geral no qual me situo aqui, clucidar aquelas transformagdes do Estado que, num caso concreto, provém da primeira ordem (nova forma de Estado adaptada as novas realidades da fase) ou da segunda (réplica do Estado diante da crise politica e de sua propria crise). Contentar-me-ei em assinalar indistinta. mente, ¢ de modo indicative, alguns aspectos do processo atual, do qual alids outras contribuigdes a este volume tra- tam, a fim de avaliar a extensdo do problema, sem estabz- lecer também explicitamente a telagio deste processo com es coordenadas da luta de classes que o determinam, e que mencionei ao longo deste artigo: Processo que consiste ao mesmo tempo na acentuagao dos elementos j4 presentes no Estado do capitalismo monopolista das fases precedentes, e em uma série de elementos novos: 1. A prodigiosa concentragio_do_poder no_executivo as expensas Ti asda _“representacao “popular” parla- mentar, mas igualmente de uma série de redes de represen- tagdes fundadas no sufragio popular, a nivel tanto central como local ou regional; 2. A confusio orginica dos trés poderes (executivo, legislativo, judicidrio) e a invasi’o constante dos campos de ago © de competéncia dos aparelhos ou ramos que Ihes sorrespondem (policia e justica, por exemplo), poderes cuja _Separagao”, alias sempre fantasmagérica, néo deixava por isso de constituir 0 fundamento ideolégico do poder burgués; 3. igGo_das_liberdades_poli- in : tal, 0 que implica Por um lado toda uma subversio politico. ideolégica dos li- Tye’ {tadicionais do “piblico” ¢ do “privado”, © por outro Jado modificagdes substanciais da nogio mesma do “indivi- duo-pessoa” politico, e que reestrutura, assim, todo um novo 39 campo do que Foucault, no Surveiller et punir, designa como anatomia politica ou microfisiologia do poder; a 0 cea clinio_precipitade_dopapel-dos_partidos_politi- deslocamento. de. suas_funges_politico-or- oon relagio tanto ao bloco no poder como as Glasses’ dominadas) no sentidada_administraca oc cia_de Estado, Processo que implica a politizagio direta do pessoal dos aparelhos de Estado (dizia-se na época na Fran- ca, o Estado UDR), que parece empreender uma caca as bruxas permanente (ver o caso da Alemanha atualmente), e que é acompanhado do deslocamento da ideologia dominante no sentido do “tecnocratismo” sob todas suas variantes, for- ma privilegiada de legitimagao do Estado através do apare- Tho administrativo; 5. A acentuagio no exercicio da violéncia_de Estado (tanto no sentido da violéncia fisica como no sentido da “violencia simbélica”), 0 que caminha lado a lado com a acentuagao do papel ideolégico direto “do Estado’ (imprensa, aparelho cultural, meios de comiunicagio de massa etc, em suma, aparelhos de “interiorizagio da repressio”), mas tam- bém com os deslocamentos deste papel dos aparelhos ideo- légicos (ensino, familia, etc.) no sentido dos aparelhos re- pressivos (0 exército, ou a policia, por exemplo), implicando uma reorganizacio dos aparelhos repressivos; 6. Em estreita relagio com as caracteristicas prece- dentes, o estabelecimento de toda uma tede_de novos _cir- cuitos_e correntes de “control ~(quadriculamento policial, “setorizacao~ psicolégico-psiquidtrica, enquadramento de assisténcia social), aparelhagem flexivel ¢ difusa na tes- situra social. E desta forma que este esquadrinhamento de vigilincia toma uma forma que R. Castel, em Le psycha- nalysme, chama “desinstitucionalizagao"da aparelhagem ideo- lgico-repressiva e proceso de “desencerramento”, na medi- irelhos especiais (asilos, prisées, diversos lugares de concentracio) destinados a “isolar” os supostos “anormais-desviantes-perigosos” se abrem, estendendo seu al- cance sobre 0 conjunto do corpo social: 0 que implica, bem entendide, que o conjunto do corpo social é considerado como “anormal” e “perigoso”, deslocando-se a culpabilidade do ato realizado para a intengio inscrita na estrutura mental, estendendo-se a repressio da punigdo a previsio antecipada; 40 7. A subversio do _sistema_de_dirsita_.e da ideologia jurfdica, que correspondiam ao tradicional “Estado de direi- to”, a fim de levar em conta estas transformagées institu- cionais: subversio que (caso patente na Franca) consiste igualmente no estabelecimento preventivo (por antecipagio) de todo um arsenal juridico ainda nao aplicado mas j4 pron- to para cobrir legalmente as atividades de um eventual Esta- do de excegio efetivo; 8. O recalque e deslocamento de cada ranio e -apare- Iho de Estado (éxército, policia, administragio, justiga, apa- relhos ideolégicos) em redes formais e aparentes, por um lado, e em nticleos estanques estreitamente controlados pelas cépulas do executivo, por outro, bem como o deslocamento constante dos centros de poder real dos primeiros para os segundos, o que implica uma transmutacio efetiva do prin- cipio de publicidade em principio do segredo, e do que o caso Watergate foi uma primeira ilustracao; 9. © desenvolvimento macigo, diretamente orquestra- do pelas cipulas do proprio” Estado, €°0 papel organizacional de redes estatais paralelas, de feicao publica, semiptiblica ou parapublica-privada, que tém como funcdes simultaneas uni- ficar e dirigir os niicleos estanques do aparelho de Estado, © que constituem também outras tantas reservas na previsio de embates sécio-politicos; 10. A incoeréncia_prodigiosa, e muito. caracteristica, da politica atual do Estado, cada vez mais reduzida’a mi- cropoliticas espasmédicas, imediatistas, e contradit6rias entre si, © que chamamos de “vo cego” ou mais nobremente “au- séncia de projeto global de sociedade” por parte do Estado e de suas diverses maiorias governamentais. Caracteristica da politica do Estado com relacio tanto ao bloco no poder como as classes dominadas: dai as formas atuais do bino- mio “reformas-repressio” que marcam a politica dos Estados capitalistas ocidentais. Tracos assinalados de modo indicative, mas que bastam no entanto para mostrar a gravidade dos problemas com os quais uma estratégia da Unido da esquerda na Franca se con- fronta atualmente e que concernem diretamente as transfor- magées radicais dos aparelhos de Estado que ela deverd acionar no caso de sua ascensio ao poder. 41

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