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V coMcult © que custa 0 virtual? COCA-COLA: DO CONSUMO A APROPRIACAO DA IMAGEM Paulo Celso da Silva’ Miriam Cristina Carlos Silva” Resumo Este trabalho propoe uma leitura a partir de apropriagdes plisticas e simbélicas da marca Coca-Cola, as quais ultrapassam o produto para comunicar problemas sociais, estéticos, de satide, juridicos ¢ ideolégicos, entre outros. O recarte é realizado a partir do cotejo de obras de dois artistas cataldies, és brasileiros ¢ um chinés. Privilegia-se o imbricamento entre comunicagao e cultura e conclui-se que, apesar de distantes no tempo e no espago, tais obras sto eapazes de dialogar e convergir, na representagio, na critica e na reinvengao analética da marca, o que as faz atemporais e universais. Palayras-chave: Coca-Cola, Comunicagao, Cultura, Arte. Imagem, Salvador Dal A Coca-Cola, langada como tm xarope e, posteriormente, como um reftigerante, sob a oesia na América — Os atletas cosmicos preteusio de ser sucesso em seu ramo de negécio, ganha, com a sociedade de massas, cariter simbélico que ultrapassa 0 contetido de sua embalagem, Toma-se, no século X icone do consumo, da sebeldia, da juventude que se via como jovem para sempre. da arte, do capitalismo, da publicidade, além de representar m segredo secular e patenteado. E, atualmente, também passa a ser um icone de um produto para nao ser consumido por aqueles que querem viver saudaveis, ‘Nao é s6 a marea, 0 ido ou o segredo que atraem e que nao deixam quase ninguém impassivel diante do produto ou de sua imagem. E essa espécie de fascinagao da e pela Coca Cola, enquanto una entidade auténoma, fez com que geragdes de artistas em varias partes do mundo a utilizassem em suas obras, alguns destes contratados pela propria empresa para + Professir ¢ eaordenaclor do Mestrado em Connmicago © Cultura dt Universidade de Sorocab, UNISO. Posquisedar do Grupo de Pesquisa MIDCID ~ Midia, cidade e priticas sociais, da UNISO. Emil: pale silva by, "Professora do Mostrado em Commnicagso e cultura da Universidade de Sorocaba, UNISO. Pesquissdora do Gnapo de Pasotisa etn Narrativas Midiatieas ~ NAMI, da UNISO. E-mail: miriam silva profi br V coMcult 0 que custa 0 virtual? ilustrar suas campanhas publicitarias, tais como Norman Rockwell ou Haddon H, Sundblom. Descolada do objeto, a imagem da Coca-Cola cairegarse de seutidos, 0 que parece con ergiv para a anélise de Flusser sobre a cultura de massa: (..) 9 problema é que quanto mais tecnieamente perfeitas vao se tomuando as imagens, tanto mais ricas elas ficam e melhor se deixam substituir pelos fatos que em sua origem devetiam representar. Eas consequéncia, 05 fatos deixam de ser necessfrios, as imagens passam a se sustentar por si mesmas ¢ entio perdem o sew sentido original (FLUSSER, 2007, p. 116). E fato que a imagem da Coca-Cola est nmito distante de seu sentido original, eque se sustenta por si mesma, Entretanto, o uso desta imagem pela arte sugere a colacagao criativa de novas eamadas, compreendendo outros sentides, Possivelmente um dos primeitos a ineorparar ¢ 1es-significar a imagem da Coca-Cola tenha sido Salvador Dali, em 1943, em sua obra Poesia de America, Los atletas césmnices. Nela podemos ver penducada no corpo de um dos jogadores de rugby, vestide com o azul ¢ -vermelho das cores da bandeira dos EUA, uma garafa que se liga a um telefone. 0 pintor catalao conseguity, em umta mesma composigao imagética, associar um des Scones da pop-att @ 0 da comuniengao de massa, o telefone. Essa composigao surrealista, ineluindo um vefkigeronte, é uma leita de sua esperiéucia em terras americanas, quando exilado por conta da guerra ua Ensopa. No quadro, além das referencias estadunidenses como a Coca-Cola, o telefone & 08 Jogadores de rugby, que representam os enfreatamentos entve uegios @ brancas, j& entto latentes, também estio as recorrentes paisagens da Catalunha, que o pinto distribuin em suas obras, © quadra “deve ser considerado uma homenagem ao pais que o recebia e também © simbolo dla eouquista do Novo Mundo por Dali ~ é uma mesela de recordagies de infincia e descobvimentos do continente onde viveu” (DESCHARNES & NERET, 2001, p. 374). V Congresso Internacional de ComunicagSo ¢ Cultura - So Paulo ~ 2015 V coMcult 0 que custa 0 virtual? Figura { - Poesia en Ametica - Los Atletas Césmicos, 1943. Oil on canvas, 118x Tem, utra referéneia na obra € o relégi colocade em uma torre que Dali conheceu na infncia, mas que aqui marca a dureza do tempo como dinheito, em uma plastica leve, como se as horas passassem. em un ritmo mais lento e hiper-real, ow seja, um tempo aperfeigoado para se viver, Dali retirava das imagens de sen cotidiano de exiliado a postica do imedinto, mesclanda possibilidades de eriar composigdes em um ambiente ue qual predominava a pressa ea tmpidez, tipicas da modemidade das cidades estadunidenses e, depois das mnetropoles americanas come um todo, A obra possibilita se pensar em uma descentralizagio do discurso cultural, isso porque se trata de wm eatalao exilado aos EUA. que desloca o olhar dos simbolos estadunidenses para os nacionalismos de um territéria auténomo, ctavado na Espanha, tenda em vista que em 1943 toda a Espanka vivia sob a ditaduea franquista, ¢ a Catalunha softia as eousequéncias de ser derrotada uo coufrouto da Guerra Civil (193 1943), Aw mesmo tempo, Dali, pelas miios de Joan Miré, outro artista catalao exilado, conheceu Paris e a ebuligfo das vanguardas antisticas, © agora, gragas ao mesino amigo, conhece os EUA. Em um movimento dialético, deslocou-se do centvo, onde estavam localizadas as vanguardas attisticas, @ foi criar nova centralidade na descoberta do temitétio americano. Dialogam as experigncias artisticas cotidianas, compondo, inclusive, © que Castells (2002, p. 46 -7) denomina como uma Naga sem Estado, com a nogito de "commidades imaginadas", em qne pesam fatoves como a cultura que, composta pelas etnias, religidies, idioma e territério, cria um Estado e uma forma de nacionalismo e identidade nacional, Na postica de lugar, poderiamos dizer que Dali atua, Stio Paulo - 2015 V Congresso Internacional de Comunicagao ¢ Cultun V coMcult 0 que custa 0 virtual? em sua obra, nos entre-lugares. Nesse mesmo ano de 1943, 0 presidente norte-americano aprova @ envio dé topas estaduaidenses para combater na Afviea contra os alemies, na Batalha de E] Alamein, da qual sairam vencedores, no Egito. Também esse cantinente aparece na obra de Dali, indieando a neeessidade de se repensar valores, pois os estadunicenses defendiam a Attica, aliados a outos paises europeus ¢, em seu proprio territdzio, descendentes de ambos os continentes que formaram aquele pais estavam 4 beira de um confronto énico, motivado por uma mentalidade pretendida superior ¢ desenvolvida no periodo colonial e eseravocrata. O liquide que escore do corpo com os membros superiores amputadas remete inicialmente ao sangue, mas um sangue negro. em uma junea organiea € inorginiea, Verificamos, na obra de Dali, uma preoenpagao estética, mas também ética, ainda que niio totalmente objetivada, na qual tados os elementos estio interligados ¢ compondo uma paisagem surrealista, mas de um onirico nada calmo e tampouco apético. denotando uma pereepeao agnda das contextos relacionados em um pensamento selvagem, em saltos interpretativos Ho - Cosmococa - Programa in Progress Cosmococa é uma obra de Helio Oiticica e Neville D'Almeida (1973), dividida em einen séies: CC1 — THASHISCAPES; CC ~ ONOBJECT; CC3 — MAILERYN: CC4 - NOCAGIONS: CCS — HENDRIX WAR. Tais séties foram ampliadas ou apenas propostas, posteriormente, com os artistas Guy Brett Carlos Vergara, Neste artige, destacamos a obra CC3 — HENDRIX WAR, que se apropria da Coca-Cola com objeto componente do projeto ambiental — as instalapdes. No programa estio incluidas “.instalapbes multimidias, com -projegdes de slides fologrificos no formate 3$ mm, em ambientes especialmente concebidos © LMEIDA; 2005, orelha da capa). Oiticica com trilha sonora original” (OITICICA, D's ressalta, em suas anotagées para os programas, que: a PRESENCA DE COCAENA como clemento-pop nas primeiras CC nao significa q essa presenca seja obrigatéria ou q_justifique a idéiafNVENCAO DA. COSMOCOC.A-programa in progress: essa PRESENCA & mais um lado blague geval: why no! se se usam fintas fedorentas © tudo q é merda nas obras de arte V Congresso Internacional de ComunicagSo ¢ Cultura - So Paulo ~ 2015 V coM\cult © que custa 0 virtual? (plasticas)"porque ndo a PRIMA tao branca-brillo ¢ tao afim aos narizes gerais? (OITICICA; D'ALMEIDA, 2005, p. 196). Ja D’Almeida afirma: “bolei o nome Cosmococa, que ¢ a coca césmica.. que é 0 principio fundamental de arte. Acho que arte & transmutag’o, que & transformagio” (OITICICA: D'ALMEIDA, 2005, p. 242). A transmutagio apontada pelo artista converge para a antropofagin de Oswald de Andrade, Na criagao da obra, a Coca-Cola é res-significada a partir da devoragao critica, deglutigao © sun transformagao, em que o amélgama de elementos distintos fazem repensar o original, mas também propdem sentidos inovadores, inseridos em um novo contexto. Ao retirar elementos distintos de seus contextos originais, associando-os, amplia-se potencial polissémico da obra, propondo-se uma recontextualizago critico eriativa e parédica (SILVA, 2007). Figura 2 COSMOCOCA - Hille Oirieiea, 1973 Na proposta da CCS Hendrix — War encontramos uma caixa de fisforos de propaganda da Coca-Cola nos libios do guitarrista, ¢ seu rosto esta contornado por carreiras de cocaina. A escolha da marca nao foi aleatéria, mas indicava que, em um momento de 1903. seu contettdo ineluia 60 mg do alealoide de Erythroxyium coca, elemento ja conhecido em meados do séeulo XIX nos EUA (HERKENHOFT, 2008, p. 242). A obra foi criada no momento mais trucvlento da ditadura brasileira, quando desaparecidos politicos, mortes & 2 Optunos por manter a srafia proposta pelo antor quando criow ¢ datilografin: seu texto, assim como utilizar ‘una fonte typemiter, V Congreso Internacional de Comunicagao e Cultura - S40 Paulo ~ 2015 V coMcult 0 que custa 0 virtual? abusos no eram vistos como erimes pelos érgios de segnzanga, max como rotina burocratica, Oiticica ¢ D'Almeida desafiam as leis com Cosmococa. Entretanto, nie era a primeira vez que desafiavam censores e polisia, Citicica eriou, em 1966, 0 Béfide Catva 8 Poema Caiva 2 Homenagem a Cava de Cavata, que mostrava a foto da bandide Manoel Mereira, conhecide como Cara de Cavalo, executado por policiais em 1964. Em 1968, retoma o tema ¢ a personagem com o poema-bandeira "Seja marginal, seja heréi". Estes artistas criam uma ruptura também com a ideia do que seria tOxico na sociedade conservadora e capitalista, relembrando rifuais nes quais a substancia era utilizada sem couotagdes morais, camo no easo dos ineas e quéclmas. “Para o primeito, a cocaina tinha certo tear utépico, pois era “a dimensao latino-americana da obra” ¢, para o segundo, “coisa da nobreza ineaica”, numa perspectiva idealizada.” (HERKENHOFT, 2005, p. 246- também 0 Manifesto Antropéfago de Oswald de Andrade parece convergir, em um proceso Aqui de transformagio do tabu em totem. Além dessa conotacdo, a questiio econémica ¢ imperialista que 8 Coca-Cola represents nao passa despercebida, © reffigerante, elevado a categoria de signo pop, nega as diferengas de elasses. pois era —e ainda 0 é ~ eonsumido pelas mais diversas classes socinis n0 mundo, ¢ tem em Hendsix a resisténeia do artista megre que, primeiro, € ovacionado em paleos ingleses, con 0 § 0 caso do isle of Wight Festival, onde Oiticica o-vin em cena, para depois fazer sucesso nos EUA e no munde, Assim, dois signos communicatives — Coca-Cola ¢ Hendrix — uepros, antvopofagizados pelos artistas brasileigos, passam a desafiar o Ingar comm no qual poderiam set eoloeadas na sosisdade capitalista ¢ consumista, Ao mesmo tempo, Coca-Cola ¢ Hendrix, tomam-se simbolos para uma geragio de brasileisos desterritorializados, tanto os que foram extlados, quanto aqueles autoexiliados ¢ os que ficaram. Genioli (2013, p. 33) nos faz refletir quando recorre a Muniz Sodré e ao seu conceito de Bios midiitico, em que a existéncia humans se ve em) meio As esferas (midiéticas) construidas. Contudo, difereutemente dos artistas estudados por Genioli (Ana Maria Tavares. Barbara Kreger. por exemple). a virtmalidade, a indefinigto dos sujeites ouainda como uma “midia das comunivagdes [que] se coloea sob a forma de uma administragio do mundo” ..da vida como espeetro, da vida como quase presenga das coisas... ‘tudo que se passa ali é real, mas nto da mesma ordem da realidade das coisas__ Entio, como iéncia, come environment, cameo urn mundo: ntendemos @ midia come am que cerca esse V Congresso Internacional de ComunicagSo ¢ Cultura - So Paulo ~ 2015 V coM\cult © que custa 0 virtual? mundo” (ENTREVISTA A ...2001, s/n), com Oiticiea e D'Almeida, o Bios midiatico parece cumprit um papel diferente, o informar para o corpo todo, niio apenas para a eabega eo olho ~ “cada vez menos substancial e mais visual”, como diz Sodré - mas inclui o olfato com a cocaina, 0 paladar com a Coca-Cola, a audigao com o LP de Jimi Hendrix e a visto com os quase-filme ¢, ainda, o suor* pois: BRINCAR SEM SUAR: uma premissa e a meu ver importante caracteristica desse programa in progress é a de q 0 dever de o artista artesanar seus dons € suar suor fisico “na construgdo de sua obra” (trabalhar-trabalhar) € encarado com uma gargalhada: HA'HA!HA! (OITICICA: D'ALMEIDA, 2005, p. 196). Poderiamos dizer que Oiticica parece sinalizar um BIOS-Artistico-Midiético extremo, uum BIOS de resisténcia, com limites rompidos, tendo em vista que esse BIOS ultrapassa 0 artistico e 0 midiitice e, inclui, os trés BIOS propostos por Aristételes: o do conhecimento, © do prazer e o da politica. Este quinto poderia ser denominado. antropofagicamente, de BIOS Poético ou BIOS POETICICA. Cildo Meireles — Insersies em Circuitos Ideolégicos - Projeto Coca-Cola Moma Em meados do ano de 1970, no verio estadunidense, Cildo Meireles foi convidado para participar da Jiformation Exhibition Research, com curadoria de Kynaston L. MeShine, no MOMA (The Misenm of Modern art) de Nova Torque, ¢ estava inscrito na série IV artists Files 1V.56 "Cildo Meiselles, Brazil”, com 5 ites (MOMA ARCHIEVES... 2008, sin). Conforme documentagio do MOMA da época, Em um memorando para Arthur Drexler, datado de 05 de fevereiro de 1970, Kynaston McShine descreveu a exposigdo: "Como voces sabem minha exposigao Informations’ esté prineipalmente preocupada com © movimento artistico internacional mais forte ou estilo do momento que é a arte conceitual, arte povera, terraplanagem, sistemas, arte processo. efe.. em sta definigao mais ampla. A exposicao id demonstrar a qualidade dos nflo-objetos deste wabalho eo fato de que ele transcende as categorias tradicionais de pintura, escultura, fotografia, cinema, desenho, gravuras, etc’. (MOMA ARCHIEVES.... 2008, s/n). sberse que umn das efeitos da cocaina # 0 sor imedinto "Ina memorandum to Arthur Drexler dated February 5, 1970 Kynaston McShine described the exhibition: "As you kaw my exhibition ‘information’ is primarily concerned with the strongest international art movement or Style of the moment which is conceptual att, art povera, earthworks. systems. process ait. etc. in its broadest Gefinition, The exhibition sill demonstrate the rion-object quality of this work and the fact that it transcends the ‘uaditional categories of peinting, sculpture. photography. film. drawing. prints, etc." V Congresso Internacional de Comunicago e Cultura - S40 Paulo ~ 2015 V coMcult 0 que custa 0 virtual? A obra de Meireles consistia em dois projetos: Coca-Cola ¢ Cédula e, ambos como objetive indicar 18s pontos, que foram descritos pelo proprio autor: aban 1 a dolorosa realidade politico-social-econémica brasileira, consequéncia em boa parte do. 2 Awwerican Way of politics ond enimre ¢ sna ideologia (Filosofia) expansionista, imervencionista, hegeméniea. centalizadora. sem perder de vistas 0s 3. aspectos formais da linguagem, ou s¢ja, do ponta de vista da historia da arte, as necessidades de produzir um objeto que pensasse produtivaniente (criticamente, avancande ¢ apvofimudando). entre outas coisas, um dos mais fundamentais ¢ fascinantes de seus projetos: os reetdyiiades de Marcelo Duchamp. As insergdes em circnitos ideolégicos explicitavam o primeiro ¢ @ segundo itens acima, ¢ sobretude enfatizavam as quesidies de linguagem contidas no terceiso. As Insergdes em Cincuitos Ideoldgicns tinham essa presungio: fazer o caminho inverso ans do readvanaedes, (MEIRELES, 1999, p. 108) © Projeto Coca-Cola consistia em ‘grafitar’, nas garrafas do reftigevante, frases como Yankees Go Home, receitas de Coquetel Molotov, informagées a abra Insergies em Circuitos Ideolégicos. O alvo era a sociedade de classes, a mercadoria em seu estado puro, 0 objeto industrlal e ainda questionar os citcuitos — ineluindo os eizenitos autisticas — para os quais a capitalizagae ¢ # mereantilizagao de todos os setores da vida cotidiana sfio os objetivos primordiais e tinicos, invertende « caminho de objeto mereantil proposto por Duchamp, sue trazia o objeto para a dimensiio artistica. Com Meireles o objeto industrializado ganha status de arte, mas retoma para a cireulagio capitalista impregnado: de um nove sentido, de anonimato e mediatizado. Devemos lembrar que. nessa époea_ os vasilhames (caseos, como eran designades) entravam na eirculapae do consumo e retornavam para as fibricas wazios. tendo inelusive um valor nitéria allo. A compra de bebidas nos postos de revenda reeebiam os vasilbames vazios em isoca dos cheios, mais a diferenga em dinheiro. V Congresso Internacional de ComunicagSo ¢ Cultura - So Paulo ~ 2015 V coMcult 0 que custa 0 virtual? Figura 3: lnsergdes em Ciscuitos Ideologicos - Projeto Cova-Cola - Cilda Meineles 19 Insergdes em Cireuitos Ideologices - Projeto Coca-Cola’ possibilitou que o vasilhame completasse seu movimento ee rsse © produtor, simbole do capitalisme estacmidense no mundo, Em 1995, analisando a obra para a retrospectiva em Valéncia (Espanha). Meireles declara -Apesar da salutar pratica desobjetivadora (descentralizadova) da arte conceitual. dois dos problemas centrais colocados peias Jnseredes ent Chreutros Idealdgicos em. 1970 pessistem até hoje: 1. a nfo-superagtio do modelo de arte pre-industrial ( letrénico) ~ a nao-enist no dizer pr a de objetos de circulagae auténoma, Objeto nao-bingt 2. a niio-superacio do modelo de sistema d'arte. © si chamam-no de cireuito de arte) continna praticamente invariavelmente num mercantilismo empobreced (MEIRELES, 1999. p. 103) ma de arte (hoje no Brasil, jalterado: fumda-se quase que fraudulento © decadente Vale notar que se a garrafa de Coes-Cola midiatizeda entra no cireuito eapitalista, nie adentra come wma midia programada on controlada por um grupo midiftieo, uma ideologia dominante ou um governo para atingir um grande poblico. A circnlag4o cotidiana do tefrigerante-arte parantitia © eigeuito informacional ptblice. O Vasilhame ¢ mais que um suporte para mensagens. Aqui, novamente, temos disnte de nés a BIOS-Artistico-Midiatico pois, no cizeuito recriade, a mensagem “parasitaria todo ¢ qualquer esforgo contide na esséncia mesmo do proceso (meio)" (MEIRELES, 1999, p. 110), a saber: a dialética do vasilhame que carregava uma ideologia e agora carrega outta. Destaque da dialética proposta por Meireles foi o autor saber, e 2013, que trés garrafas dessa obra dos anos 1970 haviam sido vendidas em um leilto, oferecidas por uma amiga estadunidense que “resolveu 0 V Congresso Internacional de ComunicagSo ¢ Cultura - So Paulo ~ 2015 V coMcult 0 que custa 0 virtual? problema li de aposentadoria dela” (FRAGA, URANO, 2013, p. 16-17) Ai Weiwei - Han Dinasty Urn With Coca-Cola Logo Cildo Meireles (1999, p.112) deslarou, em. 1970, que “Marcel Dushamp afirmava que sett objetivo era, entre outros, liberar a arte do dominio da mao, nfo imaginava # que ponte hegarfamos em 1970, com o cenceitualismo”. G dadaista francés, influéncia para geragdes de artista ocidentais, foi “deseoberto’ por Ai Wei Wei quando ele se amdou para os EUA com roupa, passagem © 10 délares estadumidenses na eatteira, em L981. Dois anos depois est em ‘Nova Torque, estudando na Parsons School for Design, com o pintor Sean Seully, Foi nessa cidade que teve contato com a abra de astistas como Allen Ginsberg, Jasper Johns, Andy Warhol, ¢, principalmente, Marcel Duchamp, para quem a arte ¢ parte da vida © que indicou a Weiwei que sua rejeigao do Realismo Social Chinés, em nome do individualismo atistico © da experimentagdo, tinha sentido. ¢ era um caminho para a aie contemporanea. Com isso, Weiwei comega a produzis seus proprios ready-nuactes, além das intmeras fotogratias da vida cotidiana em New Fork Em 1994, evia a obra Han diaasty Urn with Coca-Cofa logo, conkecida como Uma Coca-Cola, e que consiste em uma urna da dinastia chinesa Han pintada eom a logomarca da Coca-Cola. A uma em questo, caso seja realmente original, pertence ao periodo da inovagao da cerfimien na China, entre os anos de 206 aC, ¢ 9 d.C., ea proposta de Ai Weiwei foi questionar a apedo. feita na Ocidente, principalmente. pelo progresso Linear, com uma visto sempre erescente de consume e utilizagao de recursos naturais ¢ sintéticos. Entretanto. a obra jo se enicerra na pintura: a performance de Ai Weiwei aerescenta quebrar a uma milenar ¢ fotografa‘filmar (Lu Qing foi a fotdgrafa) a sequéncia de: soltar, eair e impactar ao solo. Essa tenstio entre a cultura tradicional © a rapida mudanca da modernidade na arte. levou o artista criar uma cena de arte contemporinea na China, com artistas reunides no Chiner Art Archives and Warehouse (CAAW) de 1997 — 1998, mareanda os trabalhos nos anos seguintes. Suas criagbes levaram a “extensio do sentide de arte. Sua abordagem holistica pode ser comparada équilo que Joseph Beuys chamou de wma interdisciplinar eseultara social” (OBRIST, 2011, p. ix). Ai Weiwei traz para a arte fiagmentos dos discursos dé suas influéncias, lendo & V Congresso Internacional de ComunicagSo ¢ Cultura - So Paulo ~ 2015 V coMcult 0 que custa 0 virtual? reescrevendo em obras suas referéncias ocidentais, sem deixar suas influéncias © ideais orientais. Em 2007, no Blog que eserevia, Ai Weiwei escreve que “a historia é sempre a parte que falta do quebra-cabega em tudo o que fazemos, Eu acho que sé tém uma verdade momentanes, que o fragmenta; estas pegas momentaneas (WETWEI, 2011, p. 43). Figura d+ Han dinasty Urn with Cocaeeola logo, 1994 Arturo Blasco - A line made by drinking - 2015 Arturo Blasco ¢ um artista multimidia de Baroslona, que atwa em Vallgrassa = Centre Experimental de Les Arts Pare de] Garraf, Parque Natural Jocalizado na montanha do Garrat, em Barcelona. 4 inte made by Drinking & uma homenagem & obra A dive made dy walking, csinda por Richard Long (1967). Long realizou a obra audando varias vezes pelo mesmo Inger, no campo, até que a grams ficasse mareada pelos passos, Foi registrada em fotografia em preto ¢ brance, de 37,3 X $2 em, e insmgura o Lane Art, que sto obras ¢ intervengoes. em espagos uaturais, utilizando, uo caso de Long, 0 minimo de materiais, unites vezes aqueles que ele encontrava pelo eaminho: paus, pedras, gravetos, folhas, criado uma escultura, O suporte em que essa foi divulgada também utiliza o minimo de materiais ¢ midias; uma fotografia, um timo, um mapa da rota e, a0 local de exposigto, Leng dispuaha no espago aquilo que havia wazide de ambiente natural, formande um eireule on uma linha veta, Rocriava uma terceira natmreza artisticn pois, com os mesmes elementos da natureza era possivel compor diversas pepas (OSBORNE. 2006, p. 76-7). No website do artista inglés V Congresso Internacional de Comunicagio ¢ Cultura - Stic Paulo ~ 2015 V coM\cult © que custa 0 virtual? temos sua descrigio para o trabalho que executa: ‘Na natureza das coisas: Arte sobre mobilidade, leveza ¢ liberdade. Simples atos criativos de caminhada ¢ marcagao sobre o lugar, localidade, tempo, distineia e medligao. Trabalhos usando matérias-primas € minha escala humana na realidade das paisagens. A nititsica das pedras, caminhos compartihades mareados pelos pés, domnindo pelo migido do rio, (LONG, 2015, sin) A tine made by Drinking dialoga com diversos elementos da arte conceitual e, com as possibilidades de composigto que a paisagem de um parque natural comporta, Tendo como objetivo primeiro homenagear Long, trilhar e refazer seus passos ilusérios é reconstruir um itinenirio de mplicidade tedrien e metodolégica © ouvir miisiea das pedras. Ou, ainda, poetizar as pedras, Agua, grama que aparecerem pelo caminho. A imagem poética que mais parece dar conta da proposta dos dois autores, remete a Manoel de Barros: “Uso a palavra Para compor meus siléncios. / Nao gosto das palavras fatigadas de informar’ Dou mais respeito as que vivem de barriga no chto! tipo Agua pedra sapo’ Entendo bem o sotaque das Aguas. Dou respeito as coisas desimportantes” (BARROS. 2002. cad. IX). Continuando com a proposta do Bios Postico, a obra de Blasco, desde sua pré-ideaso, toma as latas de Coca-Cola na Plaza John Lennon, aa cidade de Gava (regio metropolitana de Barcelona), para “um caminho feito com latas amassadas por caminhses, recolhidas nas zonas industriais durante alguns meses” e convida trés fotogriifos locais, Pep Masta, Quim Corvo y Lluis Estopiiian para que registrem suas objetivagdes. Os fotografos estao livres para propor um registro do caminhar em homenagem a Long. no siléncio montanhoso do Garrat. Como a obra-intervenc’o deve acontecer em setembro de 2015, algumas fotos sertio notumas no ontono que se inicia no hemisfério norte, O que nos remete 4 nova composi¢ao postica entre a montanha, sua escuridao, seu siléneio, talvez um Inar e um caminho de latas disputados por ratos, coelhos, aranhas, cobras ¢ outros animais notumos, homenageando a Long. © caminho percorrido com as latas é também o caminho das sneatas, como na poesia de Barros: tun camino hecho com latas chafadas por camiones, recopidas en las zonas industiales durante unos meses. es un homenaje a Richard Long, el Gtulo “A line made by Drinking”. Me enzantaria tener vuestra colaboracion ‘para toma fotos 0... Un abrazo. E-mail secebido em 27 de julho de 2015. V Congresso Internacional de Comunicago e Cultura - S40 Paulo ~ 2015 V coMcult 0 que custa 0 virtual? ‘vi que mdo que o homem fabrica vira sucata: bicicleta, aviao, automvel, S60 que uwio vira sucata € ave, drvore, r, peda. ATé nave espacial vira sucata, Agora eu peaso uma garga branca do brejo ser mais linda que mua nave espacial. Pega desculpas por cometer essa verdade” (BARROS, 2002, cad. X’ Figura $- Arturo Blasco - A fine made by drinking 2015 ‘No Ganraf, essa verdade também deve manifestar-se, Consideragbes Finais Mais do que representar o mundo, » arte propde repensirlo; enseja, ¢ As vezes consegue, criar um mundo novo, A Coca-Cola, distante do produto que a originou, construm um imaginario polissémico, envalvendo distintas esferas da cultura @ ampliando sew poder de eomunieagao, ainda que carvegado de ambiguidades © contadipbes. Flusser afinma que “antes da invengio da esctita, as imagens eram meios decisivos de comunicagio” (2007, p. 129). Mais que dotada de sabor on qualquer funcionslidade objetiva, a Coca-Cola segue exercendo @ seu poder de gerar imagens. cultura da Se podemos concordar com Finsser, quando este afirma que, ao futuro, teeno- magem seri o nazismo aperfeigoade” (idem, p. 148), eabe-nos questionar se algum futuro existe, E se concordamos, vale ressaltar o poder da arte em subverter o nazismo das imagens e doti-las de outros sentidos, ao presente. Qs artistas, a0 apropriavem-se de uma gasrafa de Coca-Cola, cetiram de cisculagio mm conteide consumivel, ¢ também retiram um vasilhame. A dial ica aprapriagao- sapropriaeaes resulta om inna estranha sinte e, qe Tega os processos anteriores, isto V Congresso Internacional de ComunicagSo e Cultura - So Paulo ~ 2015 a V coMcult 0 que custa 0 virtual? ‘vasilliame nao representa mais 0 contetido consumivel e nem exetce a fimgaa de envasar uma bebida, mas passa a um vasilhame-cultural-consumivel, que nao € mais aquela “garrafa de Coca-Cola”, Duchamp jé apontava para isso em 1911, com a.obra TFheet of Bicyele, Estamos diante de uma superagao ontolégica do proprio ser da “garrafa de Coca- Cola”, rumo ao ‘além de, ao mais alto” (vii, em grego, dvi) somada a outra ISgica, na qual © poético contradiz o objeto, ou seja, convida a experimentar alga sem compreendé-lo (Levinas), por meio de metiforas, Como signo em devir, talvez essa experiéncin por metiforas possa ser considerada uma poténcia de comunicagao, E talvez por isso agrezue distintos tempos, historias, culturas, camadas de imagens que se relucionam e que relacionam artistas ¢ seus frnidores, no tempo @ ne espage. 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