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RESENHA

Jean Bartoli
Nicole Aubert1 é socióloga e psicóloga, professora na ESCP-EAP European
School of Management que tem campus em Berlin, Londres, Madrid e Paris. Ela
conduziu várias pesquisas sobre os custos humanos da excelência e do estresse
profissional. Num livro, não traduzido em português, “le culte de l´urgence”, ela
mostra que um dos principais problemas da gestão da própria existência está na
alteração profunda da nossa relação com o tempo. Segundo ela, a ditadura do
tempo real instaurou, na empresa e na sociedade, o reino da urgência, da
instantaneidade e do imediatismo.
Mais recentemente, um terceiro tipo de metáfora invadiu fortemente o campo
das nossas representações: as análises econômicas e sociais falam muito da
contração ou da aceleração do tempo, ou da compressão do tempo induzidas pela
globalização e pelo funcionamento da economia em tempo real. Ela conferem ao
tempo uma dimensão ontológica dando-lhe um estatuto autônomo, independente
dos seres ou das coisas que o teriam conduzido, no primeiro caso, a fluir ou, no
último caso, a contrair-se. É importante mostrar que são os indivíduos, e não o
tempo, que aceleram sempre mais, contraem-se e comprimem-se sempre mais para
responder às exigências de uma economia e de uma sociedade que giram a uma
velocidade cada vez maior, exigem performances cada vez mais altas e ações cada
vez mais imediatas.
Nossa cultura temporal está mudando radicalmente e novas modalidades de
relação com o tempo tornam-se dominantes: a urgência, a instantaneidade e o
imediatismo. As implicações dessa cultura são percebidos a vários níveis e em
diferentes registros, na ideologia, na busca de significado, nos modos de terapia
psíquica, cada um traduzindo a seu modo a evolução dos nossos contemporâneos
em relação ao tempo. O alicerce desta nova relação com o tempo está na aliança
que foi celebrada entre a lógica do retorno financeiro imediato, a dos mercados
financeiros atuais donos da economia, e a instantaneidade dos novos meios de
comunicação.
Esta aliança gerou um indivíduo “em tempo real”, funcionando segundo o ritmo
da economia e aparente mestre do tempo. Numa economia que funciona “just in

1
Paris, Champs, Flammarion, 2003
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time”, este executivo tornou-se ele mesmo um indivíduo “just in time”, um produto de
duração efêmera, do qual a empresa se esforça de comprimir cada vez mais o ciclo
de concepção e o prazo de validade, um produto de consumo do qual é preciso
assegurar a rentabilidade imediata e a rotação rápida.
Esta urgência não é simplesmente um dado externo, ela comporta uma
dimensão interior: galvanizados pela urgência, algumas pessoas precisam desta
nova forma de droga para ter a impressão de existir intensamente! Para outros, a
perda do vínculo social, um trabalho de resultados intangíveis e carente de sentido,
a perda do significado de sua ação, levam a uma indiferença amarga e triste. Em
outros casos, o clima de pressão e urgência acaba levando a histeria e corroí os
relacionamentos pessoais e os próprios indivíduos.
O desenvolvimento tecnológico bem como os métodos de gestão a ele
associados levaram também ao aparecimento de novos riscos chamados os “riscos
temporais”. Nas tecnologias complexas e sensíveis (por exemplo o nuclear ou a
biotecnologia), o ser humano encontra-se face a horizontes temporais que escapam,
o que pode semear situações incontroláveis e arriscadas. Mais radicalmente ainda, a
compressão do tempo torna as possibilidades de volta atrás para corrigir eventuais
erros e danos quase impossíveis o que pode tirar toda possibilidade de erro de
gestão ou de manipulação das organizações.
Isto levanta a pergunta de saber se nos tornamos “homens – Presente”,
incapazes de viver a não ser no presente mais imediato, mas mais ainda os homens
do instante, colados à intensidade do momento e buscando as sensações fortes
ligadas ao único desfrutar das sensações do momento. A busca do sentido, que se
desenvolvia antigamente durante uma vida inteira, se transformou numa demanda
de “bem estar” aqui e agora; mesmo as terapias psíquicas mais demoradas são as
vezes substituídas por terapias focadas nos sintomas muito mais do que seus
significados.
Tudo isso contribui para desenhar uma sociedade imediata que funciona no
registro da reatividade o que compromete sua capacidade de enfrentar o futuro.
Assim, se forma um retrato multifacetado do homem hipermoderno:
• De um lado, homem instantâneo que vive no ritmo do próprio desejo e pensa
ter abolido o tempo, do outro, um homem afundado no aqui e agora da
urgência e da instantaneidade, como se a velocidade na resolução dos
problemas pudesse, por si só, dar sentido à sua ação.
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• De um lado, o indivíduo “por excesso”, conquistador, mestre de sua
performance e empreendedor da própria vida; do outro, o indivíduo “por
defeito”, cujo corpo é o único bem e que somente consegue agüentar o tempo
sem conseguir inscrever um projeto pessoal nele.

A partir dessa constatação, ela analisa como o indivíduo contemporâneo tenta


abolir o tempo numa busca desenfreada da “intensidade de si” no instante presente.
Este indivíduo flexível, sempre com pressa, focado no imediato, ou no curto prazo,
tem uma identidade incerta e frágil. Falar de contração, de compressão e de
aceleração do tempo dá a este um estatuto autônomo, independente dos seres e
das coisas. Na realidade, porém, são os indivíduos que “aceleram, se contraem e se
comprimem” para responder a uma economia e a uma sociedade que giram a uma
velocidade fora de controle, cobrando performances sempre maiores e imediatas.
Isso traz conseqüências no aspecto ideológico, na busca do sentido para a própria
existência, no aspecto profissional e no aspecto psicológico. A causa disso se dá,
segundo a autora, na aliança operada entre a lógica do retorno imediato dos
mercados financeiros e a instantaneidade dos novos meios de comunicação. O
executivo acaba se tornando, ele mesmo, um produto, com um ciclo curto de
concepção e de duração, de rentabilidade imediata e de giro rápido!
Levando em conta a facilidade de todo patrício de Descartes de sempre querer
conceituar a realidade, mesmo complexa, clara e distintamente, estes dois livros
trazem uma constatação e dois questionamentos. Os executivos / guerreiros podem
estar esgotados além da conta! Não se trataria do cansaço natural da sobrecarga de
trabalho, mas sim de uma problemática existencial: qual é o sentido do que está
sendo feito? Como lidar com a “violência do tempo” que subverte qualquer ritmo
humano de reflexão e de tomada madura de decisão? Talvez seja urgente ouvir as
pessoas envolvidas!

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