Você está na página 1de 13
COMISSAO NACIONAL DE FOLCLORE / IBECC / UNESCO COMISSAO GAUCHA DE FOLCLORE TD tempo brasileiro IX CONGRESSO BRASILEIRO DE FOLCLORE ANAIS Porto Alegre — Rio Grande do Sul 20 a 23 de setembro de 2000 FOLCLORE E EDUCACAO Edigao patrocinada pela UNESCO AESCO COMISSAO NACIONAL DE FOLCLORE / IBECC / UNESCO COMISSAO GAUCHA DE FOLCLORE TEMPO BRASILEIRO 2002 SUMARIO Apresentagao — Braulio do Nascimento..... Programa oficial, Participantes.. de abertura Sess Discurso da Presidente da Comissio Gaticha de Folclore e Presidente do Congresso — Rose Marie Reis Garcia. Discurso do Presidente da Comissiio Nacional de Folclore — Braulio do Nascimento..... Discurso do Vice-Secretério de Cultura do Estado do Rio Grande do Sul — Luis Marques Sessdes de trabalho Conferéncia: Repertérios populares e praticas pedagégicas - Luiz Ant6nio Barreto... Mesa-redonda A Claudia Marcia Ferreira / Marisa Colnago Coelho — Preservagio do patrim6nio cultural brasileiro ..... o Luciana Versiani / Marisa Colnago Coelho — A Biblioteca Amadeu Amaral ¢ a preservagdo de documentos aed Martha Blache — En el mundo tecnol6gico el Folclore se extingue 0 se extiende?..... 50 Marita Socorro Monteiro — Educagio e¢ Folclore no Amazonas atual, 7 com vistas a uma sociedade tecnolégica .... " Osvaldo Meira Trigueiro — A televisio como fator de articulagio da modernidade de um Nordeste em transi¢géo do rural para o urbano... Mesa-redonda B Eleonora Gabriel — Reflex6es sobre a pratica de dangas e folguedos folcl6-ricos na Educagao ... Toninho Macedo — Dangas folcléricas bras : desafio para os pesquisadores. Mesa-redonda C Paula Simon Ribeiro — Atividades hidicas ¢ Educagio .... Marita Fornaro — El cancionero infantil iberoamericano: un enfoque de investigacién y sus aplicaciones en la educacién José Carlos Rossato — Adivinhagoes na lidica educacional Mesa-redonda D Luciana Prass — Bateria de Escola de Samba: Uma pesquisa sobre o ensino da misica entre “Os Bambas da Orgia” (Porto Alegre, RS). . 116 Mesa-redonda B Severino Vicente — Autos populares e educagio.... Ranilson Franga de Souza — Manifestagdes cantad: 128 e dangadas nas Alagoas: "Brincadeiras do povo” . 138 Cascia Frade — O saber do viver — Reflexde: pepular... bre O conhecimento . 154 Mesa—redonda F Ermelinda Azevedo Paz Zar Musica folclérica e Educagao vere LOL Reginaldo Gil Braga — Musica Folel6rica e Educagio: Interfaces na pesquisa e no ensino... D’Alva Stella Nogueira Freire — Musica foleférica e Educagi 169 175 Confer€ncia: Folclore e interdisciplinariedad — Manuel Dannemann........ 179 Mesa-redonda G Eliomar Mazzoco - Folclore e Politicas Educacionais... Mesa-redonda H Maria do Socorro Simées — Uma proposta integrada: as pesquisas em narrativas orais € 0 ensino ..... eo 193. Mesa—redonda I Angela Savastano — Folclore na Escola: A experiéncia de Sao Jos dos Campo: Maria Michol Pinho de Carvalho - A experiéncia do Projeto “Sabenca: Museu-Escola” .. Laura Della Monica — Folclore na Escola, Cristina Rolim Wolffenbiittel - O Folclore na Escol: Beatriz Muniz Freire - A Acio Educativa no Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular:Programas e projetos em andamento Doralécio Soares — Foiclore na Escola Palestra: Vestudrio folclérico masculino e feminino no Rio Sul - Jodo Carlos D'Avila Paixao Cortes ... - 203 . 207 2212 e217 . 222 se 229 Mesa—redonda J Roberto Benjamin - Folclore: Abordagens _interdisciplinares: Aspectos metodolégicos. José Moreira de Souza — Interdisciplinaridade no ensino e na pesquisa: a (in)experiéncia da Comissao Mineira de Folclore........ 251 Antonio Dfaz - De la fotografia a la videoconferencia: algunas experiencias de Antropologfa Visual aplicadas a la Cultura Popular Tradicional Mesa-redonda L Ricardo Gomes Lima — Educar a quem, para que. 4 Baronesa Esther Sant’Anna de Almeida Karwinsky — As pinturas votivas: expresso de arte popular aplicada a educagio. S Ana Maria Dupey — La vigencia de las artesanfas folcléricas como Ambito de aprendizaje y ensefianza de nifios e jévenes en el siglo XXI Amélia Zaluar — Aplicagao da arte popular na educagio. Ant6nio Nolberto de Oliveira Xavier — Cultura popular e midia .. Documento Final Recomendagdes e Mogdes Encerramento Discurso do Presidente da Comissdo Nacional de Folclore — Braulio do Nascimento... Discurso da Presidente do Congresso — Ro: Atividades Paraleias Curso de Folclore para Professores do Ei Escolas Infanti Apresentagao de Grupos /Langamento de livros/Feira de artesanato ke Nova Sociedade Civil - Comissio Nacional de Folclore Ata da Eleigao e Posse da Diretoria. Estatuto ... Discurso de Braulio do Nascimento na transmissao da Presidé: Discurso do novo Presidente Roberto Benjamin, Mesa F Misica Folclérica e Educacao Ermelinda Azevedo Paz Zanini.” O ideal no ensino seria poder calcar suas bases em cima do conhecimento e da vivéncia das pessoas, Quando as pessoas participam ativamente do fazer em arte, criam um lago de afetividade, além do fato basico do exemplo palpdvel, que é mais vivo e marcante do que prelegdes abstratas. A arte € um patriménio da humanidade e seu aparecimento é fruto da linguagem natural dos homens. Herbert Read, considerado o pai da Educagio pela Arte, nos dé sua visdo do processo arte-educagao nos seguintes termos: “O dogma enunciado por Platdo, de que a disciplina da arte precede e determina a disciplina da consciéncia, é a base de toda uma filosofia de Educagdo pela Arte. [...] Necessdrio neste caminho seré o criar novos valores ja que esta transformacio se constitui em ameaga aos atuais sistemas educacionais e serd preciso estar sempre atento a perigos e armadilhas eternos nesta batalha, como 0 medo de ousar, a tendéncia ad obediéncia sem reflexdo e finalmente a acomodagdo — creio que 0 mais ameagador de todos eles. [...] Como educadores, olhamos o processo do lado de fora; como artistas, 0 vemos por dentro; e ambos os processos, integrados, constituem 0 ser humano completo. [..] Educamos para promover a inteligéncia, para promover a atividade, para assegurar o progresso”." 2g Transcorridas quase duas décadas e j4 préximo a virada do milénio ¢ ~ as preocupagées do arte-educador ainda encontram ressonncia em nosso dia a dia através da arte, O exercicio da arte amplia a capacidade de 0 homem observar, sentir, analisar, selecionar, associar ¢ criar. O homem, hoje, e sua relagdo com 0 mundo, o sentido do contemporaneco, do que estd acessfvel, so preocupagées que devem estar presentes em todo trabalho educativo. A escola ¢ a comunidade precisam caminhar juntas nesse processo. _ Nosso material de trabalho deve ser escolhido dentro do nosso meio, Os meios de comunicagio continuam interferindo cada vez mais no crescimento das criancas € jovens. Simplesmente ignord-los nao seria muito inteligente, aceité- los passivamente, com certeza também nao o seria. Perguntamo-nos se nao seria * Escola de Miisica/UFRJ ' Herbert Read. A Redengiio do Robé; meu encontro com a educaciio através da arte. So Paulo: Summus, 1986. 161 possivel utiliz4-los, redimensioné-los ou até mesmo questiond-los? Maura Penna em Reavaliagdes e Buscas em Musicalizagdo afirma que € importante trabalhar 0 material folclérico, mas é importante também trabalhar a tevé. Ela enfatiza que: “E preciso, antes de mais nada, atuar sobre a vivéncia real do aluno, dando condigées para a sua compreensdo e critica, e, mais ainda, para a sua ampliagao. [...] Em suma, é preciso encarar 0 material folclérico como vivo, possibilitando a compreensto das manifestagées da cultura popular em sua complexidade — e ndo como wm substituto dessa compreensdo. Dessa forma, * a musicalizagao terd melhores condigées de cumprir seu papel de promover a insergdo critica e participativa do individuo em seu ambiente cultural” (p.65) Por todas essas leituras € que se torna necessdrio e estimulante analisar o fendmeno do hoje ¢ suas implicagdes no comportamento e no clima mental de nossa sociedade. Todo homem possui um potencial criativo, e, no cotidiano dele, a criagao esté sempre presente, variando apenas em intensidade, em decorréncia da propria vivéncia ¢ experiéncia O objetivo da educagio artistica no ensino fundamental tem sofrido modificagdes em fungaio das necessidades e da orientagdo politico-social vigente. Outrora era formar as futuras platéias, depois passou-se a preconizar 0 ensino de determinadas técnicas e, atualmente, ela visa ao homem, valorizando formas de ser que Ihe s&o inatas. Ela deixou de ser uma educagao puramente estética para transformar-se numa educagao para 0 gozo de uma vida plena. A educagao pela arte visa basicamente ao homem, e nao a arte. Dentro dessa nova visio, podemos estabelecer és metas como diretrizes basicas: Estimular a criatividade do aluno; Estimular a pratica da reflexiio & Estimular a percepgao e conhecimento do seu mundo, de sua cultura. A miisica € uma das op¢Oes, dentre as diferentes linguagens artfsticas, que pode funcionar como ativadora deste processo e, dentro deste, a misica tem um grande aliado, que é 0 Folclore. O Folclore é um material da maior importincia, nfo s6 por sua beleza e sabedoria, mas pelo que representa de tragos fundamentais da continuidade tradicional das nagGes. Apesar de nascer, viver e se afirmar nos meios rudimentares, esté longe de se confinar nesses limites. A cultura nao pode se fazer de cima para baixo, do centro urbano para 0 campo, dos extratos superiores para os inferiores, mas sim num movimento circular, onde 0 Folclore e a cultura dita erudita recebem e permutam contribuigSes; elas se realimentam numa espécie de feedback. 162 Nao se trata aqui de ensinar Folclore as criangas ou jovens, mas sim de aproveité-lo como material diddtico para o ensino, onde surgir oportunidade e onde for possfvel facilitar a compreensdo. O principal objetivo desta utilizagdo est4 em ligar 0 homem A terra, ao povo, como meio de melhor conhecé-lo. A importancia do Folclore como material expressivo e dinamico na Educag&o Musical tem sido preconizada desde 0 inicio deste século por todos aqueles que se ocuparam ou ainda se ocupam do encaminhamento e formagao do ser humano através da miisica, Relembraremos algumas colocagGes feitas a esse respeito, por pedagogos e compositores musicais do nosso século, que, em termos de diretrizes, dividiremos em duas fases Consideraremos, em primeiro lugar, os referenciais da primeira metade do século, no tocante a presenga dos géneros musicais nas diferentes propostas metodoldgicas estrangeiras e de inventiva nacional, Jaques Dalcroze foi o primeiro a langar as sementes de um ensino mausical ativo-intuitivo. Em seu método ele dé énfase a musica improvisada pelo professor em decorréncia da necessidade de cada momento do ensino, evitando, deste modo, a automatizagao de movimentos. Contudo, o repertério crudito tradicional, juntamente com 0 cancioneiro folclérico, ocupam um segundo lugar e, para sua ulilizagao, faz-se necessdrio apenas que haja clareza e um ritmo preciso ¢ fluente, que favorega a criagdo de movimentos. J4 em Carl Orff, 0 resgate das raizes folcléricas preenche todo 0 espa¢o referente a pratica musical. Todo o trabalho de ensino-aprendizagem € feito sobre 0 Folclore, desde os ritmos e melodias mais simples e singelos até © contato com modos de estruturagdo totalmente diversos da * estereotipada musica tradicional. O Folclore é utilizado amplamente, direta ou indiretamente — uso substancial e essencial — através das criagSes por eles feitas com base no mesmo. Suzuki adota 0 repertério erudito tradicional, que, a seu ver, apresenta padrées claros ¢ definidos e, portanto, mais adequados a iniciagao instrumental. Utiliza também repertério folclérico largamente conhecido que possa ser executado por grande ntimero de criangas. Como Orff, comp6es outras mtisicas, com objetivo didatico. Maurice Martenot e Edgar Willems, guardando as diferengas entre eles existentes, de ordem metodoldgica, no que diz respeito ao repertdrio, utilizaram 0 mesmo caminho. Ambos partem de material diddtico por eles criado para atingir um determinado fim. Segue-se a isso a utilizagao do Folclore universal, seguido de musica erudita tradicional. 163 Willems insiste bastante sobre a importéncia dos cantos na educacao musical ¢ considera os mesmos como um ponto de partida, ¢ assim nos diz: “0 canto desempenha o papel mais importante na educagdo musical dos principiantes; agrupa de maneira sintética — ao redor da melodia - 0 ritmo e a harmonia — é0 melhor meio para desenvolver a audigdo interior, chave de toda verdadeira musicalidade. E necessério que todas as criancas aprendam as cangées populares nascidas do génio de sua raga; cangoes onde a beleza e 0 gosto musical devem antepor-se as preocupagdes pedagdgicas. O educador se encarregard mais tarde de fazer wma selecdo atinada e de insistir especialmente - nas cangées populares interessantes desde 0 ponto de vista do ritmo, dos intervalos, das acordes ou dos modas”? O hiingaro Zoltén Kodaly foi o responsdvel pela musicalizagio em massa de seu povo. O trabalho que ele planejou ¢ elaborou contou com uma equipe de colaboradores entusiastas como Béla Bart6k e desse trabalho participaram alunos de ambos. sabido que 0 povo hingaro é um povo musical por exceléncia, porém a magnifica contribuigao de Koddly veio_ acrescentar, somar a esta heranga musical. A beleza e a qualidade dos materiais musicais utilizados, onde o Folclore ocupa lugar de grande destaque, fizeram do sistema Koddly um dos mais utilizados no mundo. Aqui também, como em Orff, o Folclore inspira novas produgdes musicais. A pedagoga argentina Violeta Hensy Gainza tem sido muito enfatica na importincia do Folclore como veiculo de uma cultura, ¢ transcrevo um trecho do seu livro Fundamentos, Materiales y Técnicas de la Educacién Musical’ “Partindo da premissa de que a Educagdo Musical da crianga deve basear- se na tomada de consciéncia dos componentes musicais que estdo auditivamente ao seu redor, se deduz naturalmente a importancia do {folclore musical como ponto de partida para 0 ensino.[...] 0 educador e 0 artista devem, por definigdo, restituir ao povo seus valores auténticos. O Folclore é a miisica que conseguiu viajar através do tempo, mantendo intacta a maioria de suas caracteristicas essenciais, colocando-se junto as express6es musicais populares da atualidade. Oferece, por isso, suficientes garantias de forga e de pureza como para constituir-se no primeiro alimento musical da crianga. O Folclore infamil é facil de capiar, claro e sem rebuscamenios. [...] Move elementos primitivos bdsicos, sobretudo em relacdo ao corporal e afetivo. [...] Do ponto de vista musical, se desenvolve sobre elementos claramente delimitados que constituem seu sistema melddico, harménico ou ritmico. Por sua simplicidade, resulta num veiculo apto para a expressao de sentinentos e idéias elementares concretas.{...] O ? Edgar Willems. Las Bases Psicolégicas de la Educacién Musical. Buenos Aires: Eudeba, 1961. ? Editado em Buenos Aires pela Ricordi Americana em 1977 As paginas 31, 32¢ 34. 164 Folclore musical constitui wn tipo de alimento auditivo espiritual completo e denso, porém ao mesmo tempo indcuo, como o leite materno, capaz de preparar o ouvido e toda sensibilidade para futuras aquisigdes e para uma etapa de amadurecimento.[...] Do mesmo modo que o leite materno, a presenca de materiais folcléricos musicais na educagdo atenuard o efeito contraproducente de outros materiais mais pobres e inadequados.[...] A escoia e o professor sdo os encarregados de conservar e difundir o patriménio cultural do povo. [...] Deveriam inculear também em seus alunos, 0 culto pelos valores estéticos permanentes”. A professora Gainza, no trabalho anteriormente citado, termina com um pensamento que reflete toda a implicagiio do Folclore: “O Folclore tem unidade, ndo confunde; tem qualidade, ndo intoxica; tem forca, educa; tem autenticidade, une; tem filosofia, ensina. Cada povo deveria contribuir, através de seu proprio cancioneiro, para alargar o patriménio musical da humanidade, cujo fim tiltimo é dar-se, repartir-se, difundir-se, confundir-se”. No Brasil, Villa-Lobos plantou a semente da importincia do Folclore para a Educag&o Musical. Infelizmente, esse trabalho nao teve continuidade por razSes de ordem politica e filoséfica. Villa-Lobos utilizou amplamente as raizes mais genuinas de nossa raga, deixou-nos um legado de cang6es por ele anotadas quando de suas viagens pelo interior do Brasil. Algumas delas podem ainda ser encontradas no Gufa Prdtico ¢ nos livros de sua autoria denominados Solfej: e Canto Orfednico. Ubtilizou-se profusamente de temdatica folcl6rica e popular em suas obras diddticas € A importincia que Villa-Lobos dava as manifestagdes folcléricas pode ser percebida no seguinte trecho: “Hoje ndo é mais posstvel fazer abstragées do material fornecido pelo folclore musical para as questées educacionais da infincia. Pois é perfeitamente intuitive que a consciéncia musical da crianga ndo deve ser formada tdo somente pelo estudo dos mestres classicos estrangeiros, mas, ‘simultaneamente, pela compreensdo racional e quase intuitiva das melodias e dos ritmos fornecidos pelo proprio folclore nacional, 0 que facilmente se compreende pela analogia que existe entre a imentalidade ingénua, espontanea ¢ primdria do povo e a mentalidade infantil, igualmente ingénua e primitiva[...] O folclore é hoje considerado como wna disciplina fundamental para a educagdo da infancia e para a cultura de um povo, porque nenhuma outra arte exerce sobre as camadas populares uma influéncia tdo poderosa quanto a miisica, como também, nenhuma outra arte extrai do povo maior soma de elementos de que necesita como matéria-prima, Acresce a circunstincia de que algumas de nossas cangées folcléricas apresentam o aspecto de wna beleza téo pura e caracterts 165 de brasilidade tdo acentuadas que nos fazem adinirar, sem restrigéo, 0 talento simples que as criou”.* Também tivemos em Gazzi de S4, SA Pereira, Liddy Chiafarelli Mignone, Anita Guarnieri e Esther Scliar, grandes adeptos e entusiastas do pode ser constatado num breve estudo de suas metodologias. sa linha, vimos surgir na década de 80 um importante trabalho — Educagaio Musical através do teclado - da professora Maria de Lourdes Junqueira Gongalves, sobre iniciagéo musical através do piano onde o Folclore Brasileiro ocupa lugar de destaque. Apés os anos 60, inicia-se uma outra fase que se caracterizou pela manipulago de novas estruturas sonoras, ou seja, os sons da atualidade, o rufdo incorporado a toda uma din@mica de criago, andlise e¢ reflexdo, baseada unicamente na experimentagao, livre de padres externos. Esta nova linguagem musical teve como ponto de partida a misica contempordnea, ou seja, 0 universo da musica do nosso tempo. Ele parte do hoje. Todavia, isto nao significa a rejeicfo de outros géneros; estes~ sobrevivem sem nenhuma hierarquia de um sobre o outro. Nao se repelem as melodias conhecidas, como as cantigas de roda, ou qualquer tipo especifico, ou seja, todo fazer musical tem seu espago. Quaisquer que sejam as diferengas existentes na concepgao e na aplicagaio dessas metodologias, todas elas tém em comum certo mimero de princfpios, que, ao que nos parece, constituem a base de uma prdtica pedagdégico-musical renovada. A t6nica que sempre estd presente é a da vivéncia do sentir os elementos que integram a linguagem musical, antes de qualquer intelectualizagao, isto é, s6 ha valor em se saber 0 significado de certa terminologia musical, se for possivel fazer uso destes conceitos musicalmente. Percebe-se nitidamente a presenga do Folclore em todas as metodologias; em algumas, cle é a base do trabalho em outras um enriquecimento, porém, é 0 Gnico direcionamento musical que est4 sempre presente. O canto popular adquiriu importancia histérica, desde o inicio deste século, Foi tal o valor que os miisicos deram ao cantos de seu pafs, que chegaram a estabelecer as bases de um nacionalismo musical e alguns dos mais importantes compositores se inspiraram em cantos e dangas do Folclore de seu pais. * A Misica Nacionalista no Governo Getiilio Vargas. Distrito Federal, DIP. [s.d]. p. 33. 166 Desde j4, h4 alguns anos, foram introduzidas cangdes populares nos solfejos e nos métodos instrumentais para iniciantes, que sempre substituem com vantagem os exercicios de entonagaio ou de técnica, com freqiiéncia didaticos, porém desprovidos de musicalidade. Um excelente exemplo dessa pratica é o trabalho da pedagoga argentina Emma Garmendia intitulado Educacién Audioperceptiva em oito volumes, editado pela Ricordi Argentina, com inserg%o de misicas folcléricas oriundas de todo o mundo. Trazendo esta discussio para 0 universo musical foicidrico brasileiro, veremos que 0 genuino Folclore Brasileiro nao conhece somente melodias no Modo Maior e no menor, assim como, nos compassos simples. Em muitos cantos infantis encontramos melodias bit6nicas, witénicas. A musica modal esté totalmente enraizada no nosso cancioneiro, especialmente no do Nordeste, assim como, 0s compassos alternados esto presentes na misica autenticamente popular em todo o Brasil. Nosso Folclore € tao variado que nos permite atender a quase todo um programa, por exemplo, da disciplina Percepgaio Musical, podendo ainda, fornecer materiais extremamente ricos sob a forma de cangGes para aplicagao em disciplinas outras como arranjo, andlise, composig&o e harmonia, para citar apenas algumas. Percebemos ao longo de nossa pratica docente na cidade do Rio de Janeiro, que 0 aluno nao trazia mais para a sala de aula a rica heranga musical advinda de seus antepassados. O cancioneiro mais b4sico e que fazia parte da bagagem musical produto da nossa infancia era totalmente ov quase totalmente ignorado pelos nossos alunos. O Folclore estava se perdendo ! Visando suprir essa lacuna, tomamos a nés a tarefa de desenvolver um projeto de pesquisa, que em sua fase inicial (1983-1985) se deu com bolsa de auxilio 4 pesquisa do CNPq — que objetivava inserir 0 Folclore no universo da disciplina Percepgao Musical, com o intuito de fazer reviver nossas mais genuinas expressdes € colocd-las como veiculo de um twabalho musical. Tratava-se de uma pesquisa desenvolvida institucionalmente no Instituto Villa- Lobos da UNI-RIO tendo como objetivo a elaboragdo de uma coletinea de cangdes, com 0 objetivo maior de resgatar nosso folclore, disponibilizando-o para uso de alunos ¢ professores, através da veiculacio de seu produto sob a forma de uma publicagaio didatica, que contivesse todo o cancioneiro compilado, analisado ¢ distribuido pelos contetidos da disciplina em questo. Tal objetivo foi alcangado através da publicagao 500 Cangées Brasileiras no ano de 1989. Ao elaborar esta coletfinea almejdvamos fazer com que todas as regides do Brasil fossem ali representadas, 0 que ndo logramos alcangar.. As cang6es levantadas e analisadas durante os quatro anos de desenvolvimento do 167 projeto — em torno de 4 mil - foram agrupadas por contetidos e nao por ordem de dificuldade, sendo possfvel localiz4-las através de um dos quatro indices que © trabalho comporta: contetidos, por particularidades as mais diversas, pelo titulo e, ainda, pelas regides do Brasil. Quanto aos procedimentos por nés utilizados quanto a coleta, andlise e registro das canges, esclarecemos que a estrulura ritmica e¢ melédica das mesmas permaneceu inalterada, as modificagdes detectadas no decorrer do wabalho dizem respeito unica e exclusivamente 4 mudanga de tonalidade, denominador do compasso e, ainda, com relagao & grafia na partitura. . Como exemplo, ilustraremos utilizando-nos de uma das misicas do romance de Dom Jorge e Juliana extraida do livro Cangdes Brasileiras sob 0 ntimero238 de Ermelinda A. Paz, mostrando 0 contetido por ela abarcado, evidenciado a forma como a mesma € encontrada atrvés dos 4 indices, O professor e pesquisador Hélio Sena na apresentagao do citado trabalho enfatiza que: er “Nao se trata de ensinar folclore, mas de usti-lo onde se fizer oportuno, para que sua riqueza seja destilada na sensibilidade das novas geracdes, nutrindo-as e energizando-as. Na atual situag&o, esta produgdo diddtica, realizada com quanto esmero sobre as ratzes mais profundas da misica brasileira, é wm ato politico de afirmagdo da soberania cultural de nossa gente”. Queremos terminar com uma citacio do professor Ricardo Tacuchian, que sintetiza muito bem todo nosso pensamento. “O Brasil é um pats pobre.[...] Se ndo possuimos materiais altamente sofisticados, possutmos criatividade suficiente para elaborar em cima da sucata, do precdrio. A miséria também gera cultura. Somente com pleno dominio da realidade poderemos transformd-la. O trabalho do arte- educador hd de partir sempre da realidade cultural brasileira.[...] E muito importante saber que Lusaka é a capital de Zambia, mais antes é preciso saber o nome da rua onde se instala a feira livre do meu bairro. E muito importante ouvir a ¥ Sinfonia de Beethoven, mas somente depois de reconhecermos as caracteristicas de nossa muisica e as causas porque ela é discriminada, nos meios de comunicagdo, a favor da misica estrangeira, E importante reconhecer os instrumentos de uma orquestra sinfonica, mas nunca desconhecer os instrumentos de um regional ou de wna escola de samba, As caracteristicas musicais do barroco italiano nao sao mais importantes para o jovem do campo que as manifestagdes foleléricas de sua regiao. Em sua, fruir a cultura de seu tempo e de sua propria comunidade. Se a educagdo e a arte devem estar a servico do homem, sua estratégia deve partir de sua prdpria cultura, ainda que seja a cultura do oprimido”. * A Miisica na educacio como processo. In: A arte como processo na educagao. 2. Ed. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1982. (p.63) 168

Você também pode gostar