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NOVO DESAFIO DO
DIREITO DE FAMÍLIA
CONTEMPORÂNEO:
a mediação familiar*
Beatriz Helena Braganholo
RESUMO
Analisa, de forma crítica, se a mediação familiar pode ou não ser uma alternativa viável para a superação dos conflitos familiares da sociedade atual,
haja vista a incapacidade do Direito de Família tradicional de regular as novas configurações da família brasileira.
Entende ultrapassada a rígida contraposição entre o Direito Público e o Privado, devendo o Estado garantir a realização pessoal do indivíduo, não
apenas acolhendo as questões referentes a patrimônio nas relações jurídicas de família, sem disponibilizar meios de superação das eventuais rupturas
dos laços de afetividade.
Conclui que a mediação familiar é a alternativa indicada para a superação de crise existente na área em questão, sendo que a potencialidade normativa
dos princípios e direitos fundamentais proporciona elementos capazes de fundamentar a nova perspectiva do Direito de Família, considerados tanto
os aspectos afetivos quanto os jurídicos.
PALAVRAS-CHAVE
Direito Civil; Direito de Família; constitucionalidade; mediação familiar; conflito; sociedade conjugal; arbitragem, conciliação.
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Conferência proferida no “I Congresso de Direito de Família do Mercosul”, realizada pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família, de 2 a 4 de junho
de 2004, no campus da PUC, em parceria com a Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica, em Porto Alegre-RS.
E
m qualquer direção para qual do Direito de Família. Ao verificar as forma de redimensionar conceitos até
se olhe, nota-se uma preocupa- grandes inovações trazidas pela então estabelecidos, reconduzindo o
ção eminentemente patrimonial Constituição Federal de 1988, cons- indivíduo à posição central de sujeito
sempre que ocorrem rompimentos tata-se que: O legislador não cria a de direitos. Tal teoria configura-se,
afetivos. Esta parece ser a ótica do família, como o jardineiro não cria a pois, como uma maneira crítica e
Direito de Família tradicional: uma primavera (...) soberano não é o le- científica de superar o antigo modelo
preocupação quase exclusiva com as gislador, soberana é a vida. Onde a do Direito de Família tradicional.
conseqüências patrimoniais das se- fórmula legislativa não traduz outra
parações judiciais, dos divórcios, do causa que a convenção dos homens, 2 INADEQUAÇÃO DO DIREITO DE
término de uma união estável; dele- a vontade do legislador impera sem FAMÍLIA TRADICIONAL FRENTE À
gando a outras áreas do conhecimen- contraste. Onde, porém, ela procura REALIDADE DA FAMÍLIA BRASILEIRA
to qualquer efeito, e sempre há, rela- regulamentar um fenômeno natural ou
cionado com o afeto dos envolvidos, o legislador se submete às injunções Mesmo tendo a família nuclear,
ou melhor, com a ausência de afeto da natureza, ou a natureza lhe põem nos moldes contemporâneos, resga-
e/ou novos sentimentos. em cheque a vontade. (...) O homem tado os fundamentos centrados na
Se então, continuar-se rele- quer obedecer à natureza, e por toda afetividade, estabelecido uma reper-
gando à esfera do Judiciário, quan- parte constitui uma família, dentro da sonalização do suporte fático da fa-
do se trata de Direito de Família, uni- lei se possível, fora da lei, se é ne- mília, substituindo a prevalência dos
camente questões de ordem patri- cessário 2. interesses patrimoniais, que antes
monial, como se toda problemática Conforme pode ser constatado, vigoravam, pelos interesses pessoais
envolvida fosse objetivamente solu- a preocupação com as questões so- e comuns do grupo familiar, ainda
cionada pelo mundo do legalmente ciais presentes na Constituição Fe- permanece amparada e vigiada por
estabelecido e obedecido, não esta- deral brasileira de 1988 substitui o in- um Direito de Família tradicionalmen-
remos enfrentando o desafio que se dividualismo, o patrimonialismo e o te centrado nas questões patri-
apresenta. formalismo do Direito privado, dando moniais.
Sabe-se da importância de se uma nova dimensão ao atual Direito Logicamente, o conceito de
reconhecer a existência, quase em de Família. família mudou. Apesar de ter muda-
uma pista paralela – de sentimento Mesmo assim, é evidente a do a estrutura de convívio familiar e
– pela qual transitam discussões aca- exclusão das questões afetivas – ina- encontrar-se resistência viva à trans-
loradas de cunho hermenêutico. Al- dequadamente isoladas do processo formação e às necessidades que se
guns processos, nas varas de famí- judicial. Fica, então, desrespeitado impõem pelos fatos, o papel a ser
lia, arrastam-se simplesmente por- esse aspecto das partes envolvidas exercido, nesse campo, pelos ope-
que os reais motivos que levam às nos julgamentos das ações decorren- radores do Direito, (...) há de ser sub-
terríveis desavenças entre os casais tes das relações heterossexuais de metida a prova 5.
nem sempre dizem respeito ao competência das varas de família, As concepções didáticas6 re-
patrimônio destes. consistindo num verdadeiro apartheid passadas em alguns cursos de gra-
Paradoxalmente, parece que jurídico, ferindo o princípio da digni- duação 7 permanecem evidenciando
qualquer tentativa de avanço no es- dade humana. uma realidade já superada do Direito
copo legal, mesmo as mudanças de- O Estado, sobrecarregado, de Família, negando-se que a reper-
terminadas expressamente em lei or- mostra-se incapacitado de solucionar sonalização do sujeito com a publi-
dinária 1, é adiada ou evitada em fun- situações tão complexas quanto a cização dos vínculos familiares po-
ção das conseqüências, que afetarão, relação entre o vínculo jurídico e emo- derá ser um fator decisivo para a
possivelmente, o patrimônio dos en- cional das pessoas envolvidas em construção da identificação dos su-
volvidos ou dos seus sucessores. É processos de separação judicial e di- jeitos, com relevantes desdobramen-
necessário, portanto, que haja mudan- vórcio. Sentimentos de amor, ódio e tos na esfera psicanalítica e jurídica
ças para a superação desse modelo dor inerentes aos conflitos jurídicos de conformação dos sujeitos à luz
já desgastado. acabam determinando conseqüências das transformações sociais surdas as
Decidir pela parte “inocente ou permanentes na vida dos envolvidos. doutrinas clássicas oitocenistas 8.
culpada” na separação judicial litigio- As partes envolvidas acabam discu- Ainda é preciso admitir que a
sa é comum. Adota-se, em alguns tindo questões afetivas no espaço até aparência é de que as regras legais
exemplos, a postura de culpa mútua, agora destinado unicamente à discus- de proteção da família fazem parte,
permanecendo, em certos casos de são de aspectos jurídicos e patri- unicamente, da esfera privada, como
ruptura da união, a atribuição da cul- moniais. se o Estado fosse um ente distante e
pa somente a um dos cônjuges. E Em função disso, o desafio que supervisor, afastado de uma função
mais: consideram-se ainda os efeitos se coloca ao jurista e à legislação é a de protetiva tutela constitucional.
patrimoniais, que envolvem as rela- capacidade de ver as pessoas em De fato, os limites demarcados
ções entre o ex-casal, mas excluem- toda sua dimensão ontológica e não entre a liberdade da família e do Es-
se as relações entre os parceiros e como simples e abstratos pólos de tado são sempre complexos 9, embo-
seus reflexos sobre a família originá- relações jurídicas. A pessoa humana ra juridicamente, será possível
ria de ambos, entre eles a coletivida- deve ser recolocada como centro das encontrá-la a partir dos valores cons-
de e o Estado. cogitações jurídicas, valorando-se o titucionalmente estabelecidos10. Mor-
Delega-se ao conservado- ser e não o ter, isto é, não sendo me- mente os métodos de interpretação
rismo, às implicações ideológicas e diada pela propriedade, que passa a constitucional e a subjetividade exis-
religiosas e o sustento, basicamen- ter uma função complementar 3. tente em cada legislador e intérprete
ABSTRACT