Você está na página 1de 44
A economia politica do ajustamento brasileiro aos choques do petréleo: uma nota sobre © periodo 1974/84 Aunexr Fisntow # ste trabalho anata ax mudencas que oven senda introducidas na politics econdoicn do puls ao longo dos goveros muliteres de Erneito Geise! ¢ Tolo Pigiettede, em gio ‘dos alterasdes no cendrio internacionel que sueederam os dois chegur do petriteo, Os condicionamentos politicos internos tavtbéen so leealos em conta, apresar da. eehga eweraicada a respeite da auto-suficidncia do regime autoriuiio. © Estat beater, erabmente considerudo onipotente, & ma verdade, bastante limitado pura toner decider sobre os rumos de longo praso da economie. A xepH0 final do trabatho compare a pre- sente anilixe con autia interpretacio do feria, bastante premigiada entre os econo smitay raster, 1 — Introducéo Quando Eesto Geisel assumit a Presidéncia, em marco de 1974, ainda reinava a cuforia do “milagre” econdmico dos cinco anos anteriores, As vores dissidemtes cram poucas ¢ desacreditadas. Eram boas as perspectivas de sustentagio dx prosperidade, apesar da brusca elevacio dos precos do petrdleo ocorrida poucos meses’ atris. O erescimente espetaculah, a taxas Superiores a 10%, levava a visbes de grandeza, com a Brasil ocupando seu lugar no cenirio mundial. O proprio Geisel era o methor dentre os gene ris: um tecnocrata testado, capaz mio apenas de dirigir a economia mas também convencido da necessidade de um processo dirigido de Liberal, vaclo politica, a fim de assegurar uma duradoura tranqiilidade social. Em margo de 1985, Joio Figueiredo deixou a Presidéncia quase em des Braga. Durante seu mandato, a inflagao subira de 40% para hem mais de 200% a0 ano, a renda per capita cain cerca de 10% entre 1979 ¢ 1981 € uma divids externa colossal tinha se transformado no indesejivel sim: Loto sto destaque brasileiro no Lerceivo Mundo (@ Tabela I. adiante, ‘mostra alguns aspectos da deterioracio da economia). Adicionalmente, teinava a incerteza politica em relagio A wansigio para um govetno mio Nota do tditor: ‘Tradugio mio revista pelo autor + Da Universidade da California, Berkely. Eee EeePC Pesq, Plan. Econ Rio de Janel, we Bora 0 den a apenas civil, mas até de oposicio, tornida possivel em Funcio day desergées do partido oficial na yotacto do Colegio Eleitoral. Poucos poderiam prever, se € que o fizeram, reviravolta to radical Um fator obvio para que isto ocorresse foi a mudanca da economia mun. dial a partir de 1973. O choque do peudleo de 1973/74 mal tinha sido absorvido quando novas altas ocorreram em 1979, x0 Tado de profunda reeessio nos paises industrializadas e de taxas de jurros sem precedentes, Causanclo. perturbacdes adicionais. Os paises em desenvolvimento tinham. clamade por wma Nova Ordem Econdmica Internacional no inicio da ‘déeada de 70, mas pouco anteciparam a respeito da nova e adversa Ordem que surgitia, Pela primeira ver no pésguenta, uma queda generalizada do nivel de renda, devida a dificuidades de balanco de pagamentos, atingiu todos os paises latinoamericanos de renda média no infcio da década de 80. A explicacio oficial paya a reviravolta brasileira atribui influéncia pre- dominante aos desarranjos da economia mundial ao longo da iltima década. O Brasil, como maior importador de petréleo do Terceiro Mundo, claramnente sofrew 0 impacto das elevacdes do preco do produto e, como maior devedor entre os paises em desenvolvimento, foi também sacudido pela rapida escalada das taxas nominais e reais de juros a partir de 1979. © Ministro da Fazenda da época sustentou tal posigio em sen depoimento a0 Congresso, assim justificando x busca de ajuda janto ao FMI no final de 1982; "sem diivida, a crise de energia que se iniciou em 1973/74, com ‘a explosio dos pregos do petrdleo, foi o fator mais importante na inter Tupgio do desenvolvimento econdinico acelerado experimentado nas déca: das anteriores ... Entre 1958 e 1978, os principais indicadores econdmicos f sociais mostra que o pais tinha resolvido as limitagdes mais importantes 2 modernizagio da economia ... O pals estava se recuperando rapida ‘mente da primeira crise do petrdleo, quando novas altas de precos daquela matéria.prima afetou-nos em 1979 ¢ 1980, agora agravadas pelo choque financeiro” [Galveas (1983, pp. 7 € $8) | Tal intetpretagio ¢ demasiado simplista, pois ignora a magnilicacio dos choques externos pelo estilo de ajustamento adotado pelo Brasil. A dete- rioragio das relagbes de toca em 1973/74 redusiu direcamente a renda real do Brasil em cerca de 8 a 4%, enquano outros paises foram mais Afetados, especialmente os de indusuializacio recente do Leste da Asia, pobres em recursos naturais, que, no etttanto, agora estio relativamente melhor situados. Igualmente simplistas, contudo, so os exercicios que se abstyaem da realidade da economia politica do Brasil, com suas receitas orientadas para fora no sentido de atingir um ajustamento eliciente. * Eles dio erro de nio se ter dado maior liberdade ao sistema de precos, expec {Para argumeniot ein fiver da orientagio para fora: cf, Kroeger (985) e, para uma anitie: no contexto den thowjues do. pettolen, cf, Balsa (ORL e 18H). Recent mente, Sachs {10R8) ‘comparou. 0 desempenho de pages atina-americatios © asitios, ido dlferengas S» politics cambiais adotadas 08 Pes. Plan. Econ, 163) des, 1986 mente a auséncia de uma politica cambial agresiva, para estimolar as exportagdes,Essas demonstracies a respeito da inadeqtacio da resposta icira, no entanto, d2o pouguissina atencio a importantes earacer tieas estruturais da economia, que impede a eletivacto dos resultados de tal estratégia, [gualmente importante, las nio levam em conta-9 impacto day consideragdes polities sobre as decisoes realmente tomadas Em wabaiho anterior, de quase 15 anos atrds, tentei levar ambas aquelas restrigges em conta e, por esta razko, antecipel dilicaldades para © modelo brasileiro quando este estava no auge de seu sucesso: "Argumento que 0 yetormo a altas taxas de crescimento em anos recentes baseia se parcalmen. te em ajustamento ciclico defasado a0 desenvolvimento industrial over tado para a substituielo de importagdes, Como tly & presente expans ‘io pode ser simplesnemte extrapolada, nem podem ser ignorades seus {lesequilibtios potencisis, apesir dos importantes progresios na exccucto dla politica econdamica desde 1964” [Fishlow (1973, p. 70) Presi, 4 seguir, {que o principal problema para o crescimento seria a diticuldade de geray taxas mais elevadas de poupance, necesitias assim que tivese sido wi rada 2 capacidade ocioe disponivel, ¢ anteciper que’ “o apego # solugdes que pioram sinda mais 2 disuibuigio de renda =. pode nio ser tals sustentével” [Fishlow (1978, p- 108)] As duas observagaes acim estavam corretas. O que faltava, contudo, era @ choque do petrdteo e, depois, uma situagio internacional na qual a escasez de divists voltaria a ser a preocupagao central des formuledores dle politica, Iso me levou a conchisio erronex a tespelto do, prove Pequeno pupel du poupanca externa ma sustentagso do ctescimentos "A Poupunca externa ambem expori a economia a tana imnportante fone de Insabilidade ... Os estrategistas (econdmicos) ilo. auial governe. ule conscientes do papel agravante antes desempenhad. pela necesidacice advindas do servigo da dvida” (Fishlow (1073, p. 108) }. Boss cautele foi desconsiderads quando da aceitagio das macigas'entrades de eaphtal da década de 70. : " ‘ is Na andlise tinal, subestime! também a resiséncia politica & recessdo, € quo dominante eta a ideia de grandera. Impliiamente, portanto, supe, restimei # capacidade da nova teenocracia pera responder’ nove rea dades. Ao inves, no inicio da década de 40. uma deemitica inconsistent tinh se tomato sun marca segistrad face a citcunstanciasctescentenente ilies. A evolugio econdmica do Brasil ao longo da kina década coloes, enti, a seguinte questio, inegavelmente central: por que Tizio 0 palt nao se ajustou methor a deterioracio da situagio externa? A respostaoncontrase em uma mistura de consideragées politica e econdmicay menhuma. delas satisfatdria isoladamence, Esta historia de dois presidentes © predominan temente a di interagio entre aspiragdes polticas © restrigbes ceonbmicas, «tem também un linal politico surpreendente ¢ feliz o testabelecento dde um governo civil mais representative, Este sesultado, em meio. & fecacéncia econimica, lange divides sobre pontos de vista Tineares a ree peito da relagio enire 0 desempenho econdmico ¢ as mudangss politica 4 economia politica do sjustamento aos ehoques do petvseo 509 2 — A estratégia econdmica de Geisel: mudando prioridades 2.1 — Condigées inici (Os formuladores de politica de Geisel, apesar de sua reveréncia formal it continuidade, defrontarsm-se com desafios que exigiam novas respostas. ‘A nova administragio herdou do governo Médici, que saia, um milagre aque ji mostrava perturbadores sinais de faléncia, O crescimento econdmico Gurante o milagre beneticiouse de uma capacidade ociosa acumulada; desta forma, foram necessarias taxas relativamente baixas de investimento fixo c de poupanga doméstica, A razio incremental cupital/ produto foi de fepas 1,15 na média do perlodo 1971/73, comparada « 267 do periodo 1965/70, Para sustentar uma taxa de erescimento anual de 10%, aos niveis hiswéricos (pré-milagre) de investimento, er necessatio, entio, aumentar a taxa de poupanga em cerca de quatro pontos percentuais, possivelmente mais, dadas as mudancas estruturais que economia teria de sofver. ® Esse fumento da necessidade de poupar conflitava com o incentivo a0 consumo de bens duriveis que tinha sido wma caracteristica importante dos anos do milagre. ‘© impressionante volume de reervas internacionais, a0 final de 1973, tambént nao era_uma medida adequada da forga do balango de pags mmentos. As clasticidades reais das importacées tinham sido da ordem de 2 Teade o final da década de 60: o creseimento anual de 10% implicava um rescimento real das importagoes de 20%, O- crescimento do indice de (quanti das exportagdes no periodo foi de apenas a metade, exceto em 1972, quando estas cresceram rapidamente. A diferenga de crescimento hominal op suogt 86 ss 6 eo 8 oo oot = = ou wor meg, wo wo Fo wo a9 sot st evo so wo wv ts0r wo oot oust seor user oust gat ast 1p ovsnposd 2 sooduoduaa D41u9 openYy 2 vay, sal 4 economia politica do ajustasenta aos chogues do perréeo de participacio das importagées (logo. uma contribuicio nega tiva), houve uma reversio significativa. Mas baixo grau de abertura da economia impediu, mesmo tendo 1974 como base, yanhos substanciais © generalizados pela substituigio de importagaes ef. BIRD (1983, p. 39) } A substituigao de importagdes 56 funciona a curto prazo para melliorar a simacio do balango de pagamentos quando existe significativa margem de capacidade ociosa a ser explorada; era outra a realidade brasileira. O pais chegou a 1974 com 0 muior nivel de utilicagio da capacidade insta hada de todlo o pisguerra. Além disso, 9 Plano previa a entrada em areas inteiramente novas, nao s¢ limitando a expandir a participagao doméstica nas eas tradicionais. A substituigao de importacdes, dessa forma, 36 poderia ocorrer ao custo inicial de maiores importagécs (logo, de maior vulnerabilidade externa). siaene Mesmo em termos de estratégia de longo prazo a politica apresentava-se limitada, Os projetos especificos nao eram examinados sob a dtica de suas relacies heneficio/custo nem, naturalmente, por critérios dde__mercado: parecia suficiente apelar para a economia de imporiagoes. Nao havia cilezilos de taxas de retorno sobre os macigos investimentos do programa, apenas contavam-se os délares poupados.* Os programas nuclear e do dleoo! sao exemplos extremos das conseqiiéncias daquele critério, tendo ‘ido justificados por sua capacidade de estancar o vasto fluxo de recursos hecessitio para a importagio de petrdleo, bem como de sua contribuicio para a techologia nacional; mesmo na fase do ilcool anidro, que fol 2 primeira e mais limitada, € com os altos pregos do petrdleo, eram nega tivos 0s retornos sociais do pro do alcool.” O programa nucl praticamente desde sua concepc: n empreendimento bastante ques tiondvel, explicivel pela pretensioxa reivindicacio brasileira como poténcia emergente, Existiam também dispendiosas obras de infraestrutura, reti> radas de uma extravagance lista de preferéncias, como a ferrovia do ago, que seria depois abandonada. Essa estratégia de industrialiragio, em principio destinada a ampliar 0 papel do setor privado, aeabou com uma imprevista participagio do setor piiblico; o Estado teve de canalizar recursos para as empresas privadas, como foi feito através da ripida expansio do BNDES, e se tornou neces: ‘sirio subsidiar para estimukir investimentos considerados essenciais. Mas, dadas & escale dos projetes ¢ a propria relutincia em conferir subsidios ‘eediticios quando 2 participacio aciondria privada era limitada, frequen temente 0 governo optava por intervenclo mais direta. As estatais tora. ramvse a lorma tipica de cngajamento produtivo nos novos setores, em freqiiente associagto com o capital estrangeiro, Os imentos das maio- res estatais passaram de uma média de 4% do PIB no perfode 1970/73 > Veiloso (1977, p. 110) fornece estn nto, va do mantante de divas poupado ate 10 Cf, Marzelay M6), que contém no apenas uma andlise beneficiofeuso, mas também wim iluminade ensito em economia pale, san Peag, Plan. Bean, 163) det, 1986 para 5,tv% no periodo 1974/78 e, igualmente significativo, elevaranse de 17 para 886, do investimento total." Esse papel mais destacado contribu para provocar um debate sobre a extatizagio yue esteve aynecido entre 1975 e 1977. A crescente.centralic acto do potler € w crescente dependéncia do destino do setor privado em relacao as decisdes governamentais, sobre as quais os empresitios tinkam controle minimo, tomou desigradivel a situagio, O fato de que o “mila. gre” era, evidentemente, coisa do passado tornou mais faceis. a6 critica mesmo em relagio a tendéncias que vinham de longa data. H. Maksoud, editor de Visio, foi um oponence implacivel da justificativa do Plano para 4 iniclativa governamental onde houvesse “espacos varios” 2 serem octpa Atos. © ministo Vellose foi forgado defender smplamente suas polities, até o ponco de uma evidente exasperacio. Foram impostas novas limitagbes sobre as estatais © langadas novas promessas de contencao. = Um crescente papel do setor ptiblico estava implicito na estratégin de ajustamento adotada pelo Brasil; nio se watava apenas de ima questio. de escolha ou de alteracio da legislagio, Na medida em que o objetivo 1a construir capacidade produtiva em larga escala no setor de bens inter rnediérios, ¢ crescer aceleradamente, teria de haver problema de balango de pagamentos, bem como desequilibrio interno. Continuavamn necessdtias as importagées, embora crescentemente restringidas, enquanto mercado doméstico absorvia exportaveis. O Estado extimulava a demanda, a0 mesmo tempo em que implementava seus ambiciosos planos, defromtanlo-se com a incapacidade de financilos, Resistinse a elevacio dos impostos. no contiirio, o setor privado buscava maiores transfeténcias para compensas os controles de pregos, que eram utilizados para evitar ‘que # intlicre {ugisse do controle. Os stbsidios crediticios, através da limitaglo da cor. recio monetivis, foram um instrumento escolhide; os incentives fiscal, incluindose generosas benesses para os exportadores de manufaturados, foram outro instrumento, O problema brasileito era, no fundo, 0 de um Estado fraco (€ nio forte, como parecia) Os recursos externos ajudavam a abrandar algumas das inconsisténcias: fs bancos privados favoreciam as estatais para empréstimos, As iltimas (ransformaram-se em agentes do Estado, mio apenas av empreenderein novas atividades produtivas, mas também ao cobrinem os deficits do setor Piiblico ¢ do balanco de pagamentos. Os novos mercados de capitais, com sua preferéncia pelo setor piiblico, foram um salvador bem-vindo, espe. mente com taxis reais de juros baixas ou mesmo negativas. O ajusti mento da economia brasileira passou a bascar-se no endividamento externa comandado pelo crescimento, 18 es ileus apareccm em “Teebatt (1988, p. 180) ama cc ter uni idéla sobre or arguments, inciuindo uma entrevista com Velloso, ( Fisdo, numero especial de 19 de abril de 1976. Em alguma medida, Ini vee fot uma defesi mais alenica de seus ponton de vata A economia politica do ojustemente aos chogues do petviteo aes © processo ndo podia continuay com sta imtensidade inicial. O arrojado crescimento de 1976 — a indiistria cresceu mais de 12%, — ¢ 2 aceleracio dda inflagio — 48% contra 30% em 1975 — eram sinais claros de desequi- libtio doméstico. ‘Feve de ser finaneiado um deficit em conta correnie de US$ 6 bithdes, sendo que as juros liquidos representaram quase um terco daqucle total; exam grandes os riscos do crescimento excessive, A campanha contra a estatizagio ganhou, ao mesmo tempo, significado politico; estava enfraquecida umia importante base de apoio governamen. fal. Mais do que isto, wma corrente de opiniao conservadora e influente contestava, pela primeira ver, a alegagio do regime autoritério de que le era 0 promotor do interesse nacional. Repercussoes adicionais ocore fiam em 1978, quando empresitios paulistas foram além, declarando-se fayordveis 40 tetorno a um governo civil Recomendava-se cautela, mesmo a um governo ainda firmemente capaz de manipular as regras a seu favor. A agressiva cstratégia econdmica teve de ser_parcialmente abandonada a favor de maior atengio & politica macroceondmica ¢ de maior apoio aos industriais nacionais. 2.4 — Tapando buracos ‘A marca registrada das politicas adotadas entre meados de 1976 e o final do mandato de Geisel foi uma moderada contengio. Pereira (1984, p. 176) captou bem 0 espitito. do periodo: “Emibora as autoridacles monetarias tenham teoricamente adotado um discurso basicamente neockissico © mone tarista, sua pratica eta mais moderada, combinando instruments mone tarios ¢ liscais keynesianos para a politica macrocconémica com instru mentos de controle administrativo, como os controles de pregos wtraves do CIP eo controle da taxa de cimbio através da politica de minidesva lorizagoes.” ‘A mais impressionante realizagio da politica foi o progressivo aumen ddas taxas reais de juros do mercado. Ao longo de 1977 e 1978, as LTN renderam mais de 10% acima da correcio monetiria; 0$ tomadares podiam pagar mais do que o dobro daquela taxa (cl. BURD (1984, p. 299) ]. Taxas ho elevadas cram fundamentais a dois objetivos: desencorajar 0 consumo privado, tornando os ativos financeiros mais atraentes do que o dispéndio Pulevando o custo de se tomar emprestado (as resolucdes do Banco Central peravam diretamente, desviando o crédito dos financiamentos habitacio fais e dos bens de consumo duriveis) ; e estimular os tomadores domés- ticos a recorrerem ao crédito excerno, de forma a aliviay as pressbes infla- Cionirias devidas a taxas de juros €, 20 mesmo tempo, fechar 0 deficit do balango de pagamentos pela entrada de capitais. ‘Taxas de juuros mais elevadas nio significavam, no entanto, politica macroecondmica mais efetiva; a expansio monetéria continuava a excedcr tos limites fixaclos no Orgamento Monetirio, As entradas de capital finan- Gavain nao apenas o deficit em conta corrente, mas também a acumulagio we esq. Plan. Beon. 1603) des. 1986 de reservas, que redundava em aumentos da base monetaria © dos depé- sitos nos bancos comerciais, Mesmo quando os ¢1 zados por emiss6es de tivulos do governo, seu status de quasemoeda signi ficava grandes aumentos da liquider real, conforme mostrain as scries de My para 1977 € 1978 na Vabela | ‘Taxas de juros mais altas conuibuiam para segmentar ainda mais os nercados de capital; crescia a demanda por crédito subsidiado, Embora tenha sido cortado em 1977 0 tratamento favoravel que 0 BNDES dava em 1975/76 a setoves industriais prioritarios, « agricultura © os exporta dores continuavam a ser beneficiados. Estimase que 0 total de subsidios tenha superado 59% do PIB em 1977 ¢ 1978; seu financiamento mio era através de transferéncias fiscais explicitas, mas sim de créditos do Banco Ceniral. Em outras palavras, as taxas reais de juros positivas tornaramise uma forca desestabilizadora, que levava a expansio da base moneviria © financiamento indiveto desses subsidios era uma medida da erescente restrigio fiscal do Estado Brasileiro; no se podia mais cobrilos com transferéncias explicitas como tinha sido feito no passado. Os estorcos para veduzir o dispéncio das estatais nao foram inteiramente efetivos. Os con ‘roles administrativos sobre os pregos dessas empress — um esforgo. para segurar a inflacio ~ resultaram em deficits ainds maiores, qute eram cober- fos por empréstimos externos, especialmente em 1978, O- pagamento de juros indexados sobre a divida publica interna passou a ser uma parcela crescente das obrigagées totais A contengao, ainda que imperfeita, dew alguns resultados. O crescimento desacelerouse em 1977, em resposta as politicas detlaciondrias aplicadas Maiores exportacées, devidas parcialmente ao aumento do preco do café, ajudaram a construir, naquele mesmo ano, um pequeno mas bem-vindo excedente comercial. Na frente doméstica, a inflagio nao apenas estabi 2ou-se 20 longo do ano, como também hive ma desaceleracao dos precos Por atacado, que s6 subiram 35%. A politica adotada conseguin eviter que i economia brasileira fugisse do controle, No relaxamento que inevi. cavelmente se seguiu, devido as crescentes lamentagées do seior privado, Fetomourse o crescimento, com ligeisa pressio altista sobre os pregos indus taiais em 1978, A solugio stop-go era pouco elegante ¢, em dltima andlise, nada eletiva pata resolver 0 problema do ajustamento incompleto. Seus limites torna Tamse evidentes em 1978, quando a inflagio voltou aos niveis de 1976, apesar do crescimento moderadlo. A contengio convencional no tinha poderes contra as mis colhcitas e os precos ascendentes dos alimentos, ue eram acompanhados por outros setores. A correcio monetiria estava agora operando contra os formuladores de politica; cla havia ajudado a reduzir @ inflagio na medida em que tinha sido manipulada para baixar 08 saldrios reais e quando os choques de oferta tiveram um efeito positivo, Agora, quando a sociedade civil estava cada vez mais manifestando stay demandas, os salirios reais nao mais podiam ser determinados como a parcela residual da renda, A economia poiitice do ajustamento aos choques da petréteo ws Proliferavam os controles, em lugar das prioridades. Com o efetiva cres cimento dos subsidios, setores e intereses procuravam defender suas sélidas posicdes. Consideragies puramente de mercado estavam cada. ver iscantes de serem decisivas na claboragio de recursos. As mudancas de precos relativos tinham de ser minimizadas, para evitar pressoes inflacio. A situagdo externa nio era muito melhor. A politica cambial estava limitada a wompimbar a inflicio relativa, nada muico além disto. Desvalo- Firacées maiores eram descartadas pela expectativa de que seriam repas fadas aos precos © 208 sakirios. A taxa real de cambio variow numa faixa bastante estieita entre 1974 e 1977; sua Kimitada dewalorizacio em 1978 derivon basicamente da queda do délar em relagio a outras mocdas. Os Subsidios aos. prodatos manufaturados, exceto as isencdes dos impostos indiretos, permitidas pelo GATT, cresceram de 20 para 40% do valor exportado naquele perfodo; seu efeito, contuco, foi parcialmente neutral gadlo. por pressbes buixistas sobre os precos internacionais das exportacSes brasileiras. © Nao existia, portanto, mecanismo que assegurasse incentivos crescentes para penetrar fos mercados externos, Embora as exportacSes continuassem 2} erexcer no periodo 1974/78, como tinham crescido antes, © acarresse mais Giversiticagao no sentido de incorporar maior parcela de manufaturados, tuna decomposicao das fontes de crescimento mostra marcante diferenca fem relagio 20 periodo anterior. Durante 0 petiodo 1971/74, @ aumento de competitividade foi responsivel por cerca de metade do. exescimento as exportagoes, tendo essa parcela baixado para menos de 20% no perfodo 1974/78 (na verdade, # participagio brasileira no comércio mundial per- maneceu aprosimadamente constante) . Tomandese apenas o$ manufac rados, a conclustio € novamente reveladora: 71% do crescimento no periodlo 1971/74 ¢ 43% entre 1974 e 1978 foram devidos a melhorias cle produti vidade, Um aumento vigoroso das exportagdes era um componente necessirio dda estratégia de ajustamento, As restrigdes as importagies @ sua subst tuigio eram Timitadas quanto xo montante de divisas que podiam ser libe- rrdas para atender ao crescente servigo da divida externa, ‘Tais resultados indicavam dificuldades mais a frente. A divida crescia cerca de 280) 20 no — media do periodo 1973/78 —, levando 2 relagdes cada vex maiores enite a divida e as exportagies e a0 adiamento do necessirio ajustamento do balanco de pagimentos. Ao mesmo tempo, a contribuigio do endivi ‘Samento em termos de recursos reais funcionava na direcio oposta. Pro porgoes cada ver maiores dos pagamentos de juros diminulam o excedente fas importagdes sobre as exportagdes para “uso doméstico. A poupanca 2 para os cileuios dos subsidios, cl. Musalem (1984) ¢, para as taxas, cmbiais ponderaday pelo volume de comercio eo papel das variagbes do. dolar, ef IPEA/INPES. "405, Tabela 12.1) M4 Fssas decomposicdes foram fetas por Horta (1985, pp. 1645) 26 esq. Plan, con. 1683) es. 1986 doméstica teria de aumentar para sustentar ay altas taxas de investimento — cerca de 25% do produto — que a poupanga externa tinha ajudado a financiar. A divida tinha sido aplicada produtivamente, nfo apenas em investimento, mas sem os desvios de grande parte do capital como ocorveu em outros Iugares, Ainda assim, o endividamento ¢ um mecanismo de tansferir 9 ajustamento para o luturo, mas nio o dispensa. Indcpenden- temente das posteriores elevacies das taxas de juros € da recessio dos paises industrializudos, existia um problema potencial de endividamento no futuro do Brasil. Durante sua. integra use claramente mais vulneravel, j4 que undial era cada vez mais assimétrica: sua 10 no total mundial da divida era muito maior que stia partici pacio no comércio. Caso no se conseguisse manter 0 crescimento das exportacies, se falhasse 0 rigid controle sobre as importagSes ou se as condigdes da oferta se apresentascem menos favariveis, 2 restrigio. do. balango de pagamentos — que pairava qual wna espada de Dimocles — facilmente poderia tomnar-se efetiva A Tabela 3 deixa evidente a natureza do ajustamento durante o periodo, Geisel, Embora a conta corrente tenha sido continuamente redurida apts os US$ 7,1 bilhdes em 1974, atingindo USS 4 bilhées em 197, a divida liquida quadruplicou em relagZo 2 seu nivel de USS 6,2 bilhoes ao final de 1973. As importagdes de petrdleo represemtavam uma parcela impressionante ¢ crescente, ma medida em que o pais aumentava suas compras. O ciesci- mento mais lento da economia mundial dificultava as exportagoes em comparacio com seu ritmo anterior. Uma das razdes importantes para explicar a capacidade brasileira de acertar sew bakinco de pagamentor fo! © aumento do preco do calé, que em 1977 anulow 2/3 do eleito adver dos precos de petréleo. Na verdade, depois de tudo considerado, em 19) as relagoes de troca do Brasil foram mais favaraveis da que em 1973, Se 0 pais houvesse tomado outras medidas para seu ajustamento, cert mente teria tirdo maior vantagem dessa tendéncia favorivel. A Tabela mostra o efeito de tr€s outras respostas as politieas adotadas, A promocs de exportacdes, através de uma alta de 10% no preco das exportacies exceto café, teria dado uma contribuicio mocesta, mas erescente. A restr: Ho das importacoes, para evitar uma elasticidade-renda superior & unidade, feria tido wm impacto mais significativo, especialmente entre 1974 © 1976, quando poderia ter ocorrido uma redugio de 40% na necessidade de financiamento externo, Um crescimento mais lento, a uma taxa const. teria um efeito menor, ja gue estava acopladdo a uma elevada elasti cidade das importagdes em 1974; neste sentido, a recessio ortodoxa era pouco atraente como regulador do balango de pagamentos. Essas duas politicas alternatives resultariam em maiores importagdes em 1977 do que as que efetivamente se realizaram, uma ver que as restrigées tinham final- ‘mente comecado a funcionar. Esses célculos deixam clara a necessidade de uma rapida ¢ firme combi- ago de esforcos, excluindose a hipotese de uma tinica alternativa, para enfrentar o ambiente externo mais desfavorivel, Ao invés disso, 0 Brasil A economia politica do ajustomenta ans choques do petro ser Tamra 8 © balancu de pagamentos ¢ 0 primeira chogue do peiréleo (Em _ USS bilhées) $$ ein uss ithe) Sale omen ioe gids Conta cortente Efeitns esterase rego do potrslen Recess Volume exportado 08 Prego do cate aa espastas & police eeontmia ‘Promogho de exportacaes oe “Limitoe A importagao a Redugi do ereseimente is. Divide Navid rel 62g Divide liquide ajustads por; Promopdo de oxporingiex 15. imites A imporlagso 03 Malugto do ereseimente wos TPONTT: Dulce rai do busner Ge prannence: Tabla 1 — Volune espa derry fe vere exptad (ori café) em vite dv menor enti Insc ap perce oes de Onin oder asset's pate Se sn repeebs sae © ese ae ran OH frin iM 8, oaaso uate de septate cat dn ere at eh rere Satan uel daa sourrasnh ates ganar pm Samia Tee *DSgE RS, CrP als de un lai al win spt sfe 17, on eae eget cneyisn de uate i ee 04 7. 3 chads Mania Mags SOU a ee demorou a reagir 4 enchente de importagées em 1974, xpostando num ambicioso plano de substituigao de importagdes. Tapar os buracos foi una atitude que permitiu manter os desequilibrios resultantes dentro de certos limites, sem nada fazer para corrigt-los, Mas essa politica foi suficiente para assegurar uma tranqlila transigio para o Governo Figueiredo, 0 suces sor escolhido. Geisc! manobrou com sucesso as oposigées que surgiam, da esquerda politica ¢ da diveita militar, asseguranda a continuidade da aabertura politica, Na medida cm que {oi evitado o desastre e a economia continuoul a crescer, a atengao principal pode ser dirigida A delieada tarefa de comandar o ritmo da partietpacio popular. A nova acninistragio podia procurar resolver 0 problema do’ ajustamento cconémico, 28 Pes. Plan. Brom, 163) de, 1986 3 — Figueiredo: a economia da desordem 3.1 — Novas iniciativas A sucesso presidencial, em marco de 1979, na verdade definiu uma nova politica econémica. Era esse o estilo do autoritarisino brasileiro: nos 15 ios apés 1964, nenhum ministro da Fazenda ou do Planejamenta tinha sido exonerado’ de seu cargo; mudancas significativas de diregio ficavam reservadas as novas administracdes. A decisio de nao apenas manter Simon- sen no ministério ~ Velloso saiu —, mas de aumentar suas responsabil dades, colocandoe como superministro da economia, indicava um novo estilo de politica, Era tempo de se proceder a um cuidadoso exame da economia brasileira, para trazbla de volta a um controle mais rigido. © principio bisico era o de restaurar 0 papel das forgas de mercado ¢ intensificar a efetividade dos instrumentos de politica. Simonsen pretendia reduzir 08 subsfdios crediticios: na medida em que a inflagio se acclerava, crescia a diferenca entre as taxas fixas de juros € o custo real dos recussos. © ministro propos as seguintes medidas: a) que fossem feitas transferén- cias fiscais explicitas para cobrir os subsidios, em lugar de seu tratamento impiicito no Orgamento Monetitio, restabelecendo a possibilidade de ves tuingir a oferta de moeda; 5} exercer maior controle sobre a despesa, incluindo os dispéndios das estatzis, que escapavam & disciplina do Go verno Central, em parte devido a sei acesso a recursos externos; c) ga dual redugio dos subsidies as exportagoes, que erum fonte de crescente atrito com os Estados Unidos, a ser compensacla pela aceleracio das mi desvalorizagies; d) modesta liberalizagio das restrigdes as importagbes; ¢ ¢) desaceleragao do crescimento, que seria um preco tempordrio para a reordenacio da economia brasileira Essa visio reformista encontrou opasigio, ji que 0s eriticos do. setor privado discutiam a validade de uma eventual recessio, quando seus Iucros ja se encontravam sob alguma pressio; os trabalhadores estavam lo a erosio de seus salitios reais, em virtude da aceleragiio da infla- gio e dado que a indexagio era apenas anual; 05 bancos privados no Viam com bons olhos 0 fato de © Banco do Brasil competir com eles por clientes preferenciais, ao invés de té1o como uma fone de eréditos subsi- diados do Banco Central para setores priorititios, Os demais ministros festavam ansiosos para gastar, © no para terem seus orcamentos € seus porleres reduzidos. Safras pequenas reforcavam o pleito de crédito abun- dante ¢ subsidiado para « agricultura, O programa do alcool necessitava de novos investimentos pars sua segunda fase, a des carros a alcool hidr lado, As estatais, igualmente, resistiam a controles sobre suas operagées; a Petrobras, em particular, queria aumentar substancialmente seus gastos em prospeceao. © Presidente Figueiredo, acossado pelos aumentos dos precos da OPEP em junho © pela necessidade de uma “economia de guerra”, rendewse A economia politica do ojustanenta aos chogues do petrélen 0 logo. © ciclo politico do Brasil tem sido desde 1967 oposto wo do. México. conde as politica adotadas si0 notoriamente mais restritivas no inicio do que no final dos mandatos presidenciais. No Brasil, as novas administra «bes preferiam mostrar sua capacidade gevando crescimento e, desta forma nando seus mandatos. A’proposta de Simonsen estava apenas yerando ovas pressdes inflacionaiias e's: perspectiva de tima recessto.

Você também pode gostar