Você está na página 1de 2

Prólogo


Preste atenção. Feche seus olhos e veja. Ouça o que seus ouvidos não
podem. Sinta com a alma o que faz a pele dos outros arrepiar. E fale essa
língua que ninguém mais entende. Esse é o seu Dom. Você precisa
aprender a lidar com ele, pois para aqueles que não sabem, pode virar uma maldição.
Alguns nunca saberão. Mas, é claro, seu aprendizado vem com um aviso: Seu dom irá
abrir caminhos ao conhecimento. E o conhecimento lhe trará poder. E poder, você
perceberá, é uma coisa perigosa.”

Foram com essas palavras que meu mestre iniciou meu treinamento, e é com
elas que inicio a narrativa dessa história, na qual sou apenas mais uma personagem.
Durante todo o trajeto nessa jornada lembrei das palavras de meu mestre, pois é sobre
isso que essa história parece falar, assim como muitas outras. Sempre achei que a busca
do conhecimento em função de se obter poder era algo feito por tolos. E, portanto, essa
é uma história de tolos.

O Império do Norte sempre brilhou como o maior e mais poderoso reino


humano no nosso mundo conhecido. Os homens se vestem com a glória de cotas de
malha brilhantes para a guerra. Suas espadas parecem mais afiadas, suas lanças mais
precisas. Ou é pelo menos o que seus bardos cantam. Mas é fato que na minha época,
foi uma nação muito poderosa. Não me impressiona seu poder - é o mínimo que se
pode esperar de um grande povo unificado como era o deles. Sua união sob a crença de
uma divindade única vem desde o nascimento do Império. Dizem que seu deus lhes dá
o poder que os tornou o maior reino que este lugar já viu. Às vezes parece verdade.

Os bardos do Império do Sul contam outra história. Dizem que é um bando de


seres patéticos sem vontade própria, com mulheres tímidas como doninhas. Falam que
suas lanças são tortas e curtas, e suas espadas... Bom, deixa pra lá. O tom de piada das
histórias serve apenas para amenizar o fracasso constante do Império do Sul, que
encontra dificuldade em se defender. O reino humano não é apenas um, mas é
fragmentado. Vários reis menores e senhores brigam entre si pelos seus territórios, e
ninguém se sobressai com a promessa de unificar o povo para lançar uma campanha
mais organizada de proteção contra o Império do Norte. Alguns dizem que essa rixa
iniciou quando o Império do Sul abrigou os não-humanos fugitivos, que segundo os
homens do Norte, “são sujos como animais, e não merecem ser tratados como iguais”.
Acham que eles devem servi-los. Pelo menos, diante da ameaça de extinção, os reinos
dos não-humanos permanecem unificados, mas eles sozinhos não são suficientemente
poderosos para lidar com uma guerra dessa magnitude. “Império” é apenas um termo
que as pessoas acostumaram-se a usar, com o tempo. Mas no Sul não há nenhum
império - nenhum Imperador.

Meu mundo foi construído assim, como muitos outros. Casas foram
construídas com machados de guerra, terras foram regadas com sangue e territórios
foram conquistados com a espada.
Mas aqui, os feiticeiros estão em extinção. O que não me surpreende, pois não
são raros os que têm a arrogância de achar que podem colocar o mundo todo aos seus
pés. Estes estão fadados a perder a cabeça. E os outros, a liberdade.

E enquanto a sabedoria antiga se perde, crianças com o Dom são disputadas


como pedaços de carne, vendidas como escravos pelas pessoas simples. Seu potencial é
desperdiçado ao lado de um líder que apenas quer ter mais poder e ouro, que se lança
em disputas com a cabeça erguida e oferece o peito aberto a espadas, pensando estar
protegido por um enviado de seus deuses. Poderia ser engraçado se não fosse trágico.

Por muito tempo esse cenário caótico manteve-se com uma certa estabilidade.
Conflitos internos eram apaziguados enquanto outros surgiam, o Império do Norte
lança sua campanha incansável contra o sul, que pode apenas defender suas fronteiras
enquanto tenta evitar que sua queda comece de dentro. E então começam a se destacar
pessoas que prometem fazer a situação mudar radicalmente. Para melhor ou para pior.

Os bardos contam essa história com seus floreios e mentiras, pois sua função é
agradar os ouvintes. Pelo contrário, minha intenção é mostrar a verdade. Imutável e
inquestionável. É disso que esse lugar precisa - precisa ser constantemente relembrado
de seus erros para não repeti-los.

Precisa de alguém que esfregue sal em seus olhos.

Você também pode gostar