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Série Mitologia - Celtas

Fernando Martins – ofernando@globo.com


Terapeuta Holístico – CRT 37.039
http://fmth.webnode.com

AS TRÍADES
Para os celtas, o número três era o número mágico por excelência, o que expressava sua
visão do mundo. Podemos encontrá-lo repetido à exaustão em seus mitos. Era representado
graficamente como um triskele, símbolo solar de três braços derivado da roda e, como tal,
aparentado com a também antiga e venerável suástica — que, apesar de sua bondade é de
sua universalidade, continua a carregar uma imagem negativa, em especial na Europa, nos
Estados Unidos e em Israel, devido ao seu mau uso durante a Segunda Guerra Mundial. No
triskele aparece a espiral dupla regressiva/evolutiva de seu famoso equivalente oriental do
Yin-Yang, porém contendo uma terceira espiral que supõe a genuína contribuição céltica à
diferença entre a espiritualidade do Oriente e a do Ocidente.
No Leste, os homens se submetem à ação das grandes forças que se alternam para manter
viva a estrutura do universo: o Bem e o Mal, representados pelo dia e pela noite, o branco e
o negro, o homem e a mulher, a vida e a morte. No Yin-Yang, aparece um ponto negro no
meio do branco, mostrando a impossibilidade de alguma vez um dos dois princípios sair
ganhando. Sua luta deverá ser por força eterna, pois a vida nasce do atrito entre ambos, e se
qualquer um dos dois chegasse a triunfar por completo sobre o outro, o mundo seria
destruído automaticamente e não poderia continuar existindo ao perder sua razão de ser.
Por isso, o caminho espiritual oriental faz referência ao reconhecimento dessa luta colossal
e interminável e propõe como preceitos fundamentais sua aceitação e a humilhação humana
diante dela. O oriental deve renunciar a tudo, abandonar a ilusão das coisas materiais, o
maya que nada importa e a nada conduz, e se dissolver no nada original.
No Oeste, surge um caminho diferente representado por esse triskele, que inclui uma
terceira espiral, que nada mais é que o símbolo do homem que transcendeu a si próprio até
se libertar das forças poderosas e, equiparando-se a elas, converter-se ou integrar-se a Deus.
É algo simples e ao mesmo tempo complexo. Não se trata de acumular poder e exercê-lo
como um tirano, arbitrariamente, mas sim de se submeter à Natureza, reconhecer-se como
seu operário e, de acordo com suas leis, acumular a Vontade — representada na espada
utilizada por todos os heróis — e progredir no espiritual até atingir o ápice. Assim, para os
celtas, entre o Bem e o Mal há a Indecisão, momento supremo em que o homem pode
escolher seu destino, orientando-se de um lado para outro; entre o dia e a noite existe "a
hora indeterminada", no alvorecer ou no crepúsculo, quando é mais fácil estabelecer
contato com os seres sobrenaturais; entre o branco e o negro há muitos matizes de cinza;
entre o homem e a mulher está o filho, a obra que os une e ao mesmo tempo os separa e
transcende..., e entre a vida e a morte, entre o ciclo de vidas e de mortes, está o Outro
Mundo, o lugar em que a alma descansa e faz um balanço antes de dar continuidade a sua
grande e eterna aventura. Tudo isso contrasta somente na aparência com o desejo oriental
Série Mitologia - Celtas
Fernando Martins – ofernando@globo.com
Terapeuta Holístico – CRT 37.039
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de dissolver-se no Poço de onde saiu toda a criação, a fim de reunir-se com a divindade
porque, na realidade, se o ocidental prefere subir até o Céu é para alcançar o mesmo
objetivo. Assim, o anão e o gigante seguem por diferentes caminhos apesar de ambos se
dirigirem para um fim idêntico, pois sabem que Deus está em todas as partes, no princípio e
no final, e que os extremos se tocam, por mais estranhos que possam parecer os paradoxos
aparentes do mundo.
Esse caminho espiritual ocidental tampouco é exclusivo dos celtas: apenas é mais fácil
reconhecê-lo em seus mitos do que em outras culturas parecidas. Limitam-se no fundo a
seguir uma tradição indo-ariana que se reflete nos povos anteriores ao seu e que se
prolongará em outros posteriores. Distinguimos entre os celtas, tríades como a de Teutates,
Esus e Taranis — os três grandes deuses gauleses —, a de Galahad, Perceval e Boores —
os únicos cavaleiros de Artur que encontrarão o Graal após aventuras espetaculares —, ou
os inúmeros grupos de três personagens da lenda galesa encontrados nos textos mitológicos
conhecidos como Mabinogion. Porém, podemos encontrá-las antes, entre os egípcios —
sendo que a mais famosa é a composta por Osíris, Ísis e Hórus —, os persas — Mitra,
Ormuz (Bem) e Arimã (Mal) — ou os hindus — Rama, Vishnu e Shiva. Além disso, vamos
encontrá-las depois entre os gregos — Cronos, Ceo e Oceano são os três filhos dos
primitivos Urano e Gaia — ou entre os cristãos — o Pai, o Filho e o Espírito Santo, que vão
além da primeira dualidade entre o deus hebreu e seu adversário, Satanás.
Muitos deuses e guerreiros celtas repetirão três vezes a mesma ação concreta antes de
colher as vantagens que esperam dela; terão de se confrontar com três tipos de animais,
seres malignos ou até mesmo calamidades naturais diferentes; em certas ocasiões, terão de
concluir três vezes uma aventura antes de dá-la por vencida ou realizar três atos heróicos
em vários lugares — distintos somente na forma, pois em essência trata-se sempre do
mesmo — ou repeti-los durante três dias consecutivos.
Um dos heróis mais importantes do mundo celta, cujo nome ecoa em diversos mitos, é
Bran. Esse nome tem, no original, duas outras variantes, Bron e Bren. Delas obteremos
muitas outras derivações lingüísticas de acordo com as diferentes lendas dos territórios
célticos. Mas, além disso, Bran pode ter três significados distintos e qualquer um deles
chamativo: "seio", "corvo" ou "altura".
O primeiro deles, "seio", indica a capacidade de fertilidade, provisão material, abundância e
renascimento que deve gerar um autêntico caudilho celta, porque este não é senão a
encarnação dos deuses e é por isso que recebe o comando de seu povo, que a partir de então
fica sob sua proteção e responsabilidade pessoais. Do ponto de vista da comodidade ou da
ganância material, não se trata de um posto invejável, pois quem o ocupa terá de empregar
suas maiores forças, sua fortuna, sua honra e seu amor; e por ele há de se sacrificar, até a
morte, se necessário for. Na lenda arturiana, quando o rei adoece os rios secam, as colheitas
se perdem e todo o reino fica estéril já que, da mesma forma que no plano espiritual, o
mesmo acontece no plano material. Por isso Artur tem de se restabelecer o quanto antes e,
com Merlin desaparecido, a única maneira de lhe devolver a vida, o fogo interior — uma
vez que sua enfermidade não é física — consiste em encontrar o Graal. No mito de Bran,
quando ele é derrotado exige que seja cortada a cabeça, para salvar os poucos dentre os
seus que haviam conseguido escapar do desastre de sua expedição.
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Fernando Martins – ofernando@globo.com
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O segundo significado de seu nome, "corvo", refere-se a um dos pássaros típicos do Outro
Mundo. Sua presença indica divindade e talvez por isso para os romanos — e a longo prazo
em todo o mundo ocidental, romanizado — converteu-se em uma ave de mau agouro. E
qual era um dos piores presságios para o antigo romano? Contemplar três corvos voando
juntos! Também encontramos ecos de seu valor como animal sagrado nas mitologias
posteriores dos germanos e dos escandinavos, nas quais o corvo aparece como ave
mensageira pessoal de Odin. O grande deus nórdico enviava seus dois corvos para viajarem
por todo o mundo para que lhe dessem notícias do que acontecia para além de Asgaard.
Quanto ao terceiro significado, "altura", o nome se refere tanto ao tamanho físico do
personagem — dizia-se que era grande como uma colina — como ao espiritual — trata-se
de um espírito "elevado".

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