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Ambiente de Robótica Educacional com Logo

Marco Túlio Chella

Faculdade de Engenharia Elétrica – Universidade de Campinas (Unicamp)


Caixa Postal 6101 – 13081-970 – Campinas – SP – Brasil
chella@terra.com.br

Abstract. The traditional teaching has been privileging the activities based in
the assimilation of the content presented by the teacher. The apprentice rarely
has the opportunity to create and to build objects. This work describes an
environment for robotics education based on the Logo language and hardware
interface. In this environment it is possible to develop a variety of activities that
can be programming the robotic device and construction, stimulating the
apprentice to look for the necessary knowledge to achieve the idealized project.
.

Resumo. O ensino tradicional tem privilegiado as atividades baseadas na


assimilação do conteúdo apresentado pelo professor. O aprendiz raramente
tem a oportunidade de criar e construir objetos. Este trabalho descreve um
ambiente para robótica educacional baseado na linguagem Logo e em uma
interface de hardware. Neste ambiente é possível desenvolver uma variedade
de atividades que vão desde a programação do dispositivo robótico até a
construção do mesmo, estimulando o aprendiz a buscar os conhecimentos
necessários para realizar o projeto idealizado.

Introdução
Analisando o ensino tradicional verifica-se que a preocupação maior está na apresentação
de conceitos contidos em um currículo. Esse enfoque curricular provoca um
distanciamento entre o que é ensinado e a realidade dos fenômenos físicos, biológicos e
sociais em que o aprendiz está inserido. Isto pode ser observado pelo significativo número
de pessoas que sentem dificuldades em aprender conceitos de matemática, ciências ou
biologia. Também é elevado o número de pessoas que, embora nunca tenham
demonstrado problemas no aprendizado de tais conceitos se mostram incapazes de aplica-
los de forma prática (Valente,1993).
Por outro lado, atividades de planejar, projetar e criar estão presentes em quase
todos os campos da atividade humana. O arquiteto projeta quando está preparando a
planta de uma edificação, o escritor cria quando está escrevendo sua obra, o gerente
planeja, elabora projeções quando está reestruturando uma organização.Portanto é de se
esperar que atividades que envolvam projetar, criar, planejar façam parte do ambiente
escolar.
O emprego de computadores em ambientes educacionais pode ser uma ferramenta
adequada para o desenvolvimento de atividades que envolvam criar, projetar e planejar
favorecendo assim o processo de ensino-aprendizagem.
Logo e Robótica
Entre os vários softwares disponíveis para utilização educacional do computador estão as
linguagens de programação e entre elas destaca-se o Logo.
O Logo foi desenvolvido por Seymourt Papert e pesquisadores do MIT
(Massachusetts Institute Technology), no final da década de 60, com o objetivo de ser
uma linguagem de programação para crianças. Inicialmente implementado em
computadores de médio e grande porte (PDP11 e PDP10), respectivamente, fez com que
até o surgimento dos microcomputadores, o uso do Logo ficasse restrito às universidades
e laboratórios.
Como os recursos para interação com estes computadores eram limitados e
influenciado pelos trabalhos dos primeiros pesquisadores de cibernética (Walter,1950) foi
criada a tartaruga de solo. Trata-se de um dispositivo mecânico conectado ao computador
por meio de um cabo que proporcionava sinais de controle e alimentação. O Logo inclui
comandos especiais como Parafrente, Paratras e Paradireita para controlar a tartaruga de
solo. Por exemplo, o aprendiz pode enviar o comando Parafrente 50, para fazer a
tartaruga mover-se para frente por 50 "passos de tartaruga" , ou Paradireita 90, para faze-
la mover-se a direita por 90 graus.
A partir da década de 80 com a popularização dos microcomputadores pessoais e
a expansão dos recursos gráficos e sonoros, os desenvolvedores migraram a tartaruga de
solo para a tela dos computadores. Os aprendizes continuaram a usar os comandos
Parafrente e Paradireita, mas agora controlando pequenas imagens que representam a
tartaruga. Tartarugas de tela são mais rápidas e mais precisas que as tartarugas de solo,
permitindo ao aprendiz criar gráficos e efeitos complexos.
Ao mesmo tempo que novas versões do Logo eram implementadas, pesquisadores
e a indústria desenvolveram uma série de kits para construção de robôs. Projetados para
estimular o aprendizado de conceitos e métodos relacionados à educação nos campos da
ciência, como matemática, física, ciência da computação e mecânica, estes kits incluíam
pequenos motores, sensores, engrenagens, polias, entre outros, possibilitando aos
aprendizes a construção dos mais diversos tipos de robôs.
Alguns destes kits incluíam uma interface de hardware, para conexão ao
computador, e por meio de um software, geralmente uma versão de Logo com comandos
específicos para acionar motores e sensores, era possível controlar o robô criado.
Produtos como LEGO Dacta e LEGO Cybermaster da empresa LEGO e o
CoachLab produzido pela Foundation CMA- Centre for Microcomputer Applications
são exemplos destes kits para robótica (Resnick,1993). Com o LEGO Mindstorms,
produto mais recente da empresa LEGO é possível criar robôs autônomos. Neste caso
elabora-se o programa no computador, que a seguir é transferido para o robô. Softwares
como o Robolab e Lego Mindstorms apresentam uma interface gráfica com ícones
representando sensores, motores, fios, entre outros. A atividade de programar significa
conectar os diversos componentes que formarão o robô, seguindo a lógica estabelecida
no projeto.
Uma característica comum a estes kits comerciais é que o ambiente de
programação disponibilizado por eles aplica-se apenas ao desenvolvimento de atividades
relacionadas ao controle de dispositivos robóticos. Como exemplo, pode-se imaginar o
desenvolvimento de uma atividade no computador envolvendo a utilização de sons,
gráficos, a exploração de algum conceito de ciências e a elaboração de um dispositivo
robótico. Para que essa atividade seja realizada será preciso um software de autoria
multmídia para sons e gráficos, uma linguagem de programação ou simulador para
explorar o conceito de ciência, e um outro software para programar o robô.

Ambiente de Robótica Educacional (ARE)


O Ambiente de Robótica Educacional (ARE) proposto, tem o objetivo de propiciar meios
para que os diversos recursos disponíveis no computador, como multimídia, programação
e controle de robôs,possam ser utilizados de forma integrada e contextualizada. A fim de
oferecer estes recursos o ARE é constituído dos seguintes elementos:
• Interface de Hardware: responsável pela comunicação entre o software que está
sendo executado no computador e os motores e sensores que constituem o robô.
• Software: linguagem de programação genérica como o Logo.
• Dispositivos eletromecânicos: o que inclui os motores responsáveis pelos
movimentos do robô e os sensores que enviarão ao computador por meio da
interface de Hardware as grandezas físicas do ambiente como temperatura, luz,
umidade.
• Materiais de montagem: podem ser os mais diversos, incluindo madeira, metal,
plástico, serão utilizados na montagem mecânica do robô e na construção da
estrutura, rodas, engrenagens, entre outros.

Interface de Hardware
A Interface de Hardware desenvolvida para o Ambiente de Robótica é capaz de controlar
3 motores e 4 sensores. Foi implementada a partir do microcontrolador PIC16F84
fabricado pela empresa Microchip. A utilização de um microcontrolador tornou possível o
desenvolvimento de um equipamento confiável e robusto que oferece facilidade de uso,
haja visto que o trabalho de processamento, comunicação, controle e gerenciamento de
sensores e motores fica por conta do microcontrolador. Circuitos auxiliares garantem a
segurança do usuário, do computador e da própria interface.
O projeto mecânico com conectores diferenciados para motores, sensores e fonte
dispensa o uso de ferramentas, como chaves de fenda e alicate, eliminando o risco de que
conexões acidentais possam ocorrer, comprometendo o funcionamento do conjunto de
equipamentos (Figura 1).
Figura 1

Software
Os passos necessários para a implementação de um robô normalmente envolvem o projeto
da estrutura mecânica, com a funcionalidade desejada e a conexão dos motores, sensores
e fonte de alimentação.
A seguir é preciso que um software, no computador, envie os comandos para que
o robô execute a tarefa planejada. Neste caso o software deve controlar os motores
indicando o motor que se quer controlar, a direção (sentido horário ou anti-horário) e o
deslocamento desejado.Para aquisição de dados, por sensores, o software deve selecionar
a entrada desejada e efetuar a leitura.
O software utilizado no ambiente de robótica educacional para o controle da
interface de hardware é o SuperLogo, uma versão do Logo, em português, traduzido e
adaptado pelo NIED (Núcleo de Informática Aplicada a Educação da Universidade de
Campinas).
Baseado em um modelo interativo de desenvolvimento, o SuperLogo inclui uma
janela de comandos, onde as instruções são executadas, após a digitação. Para o iniciante,
esta capacidade interativa facilita o aprendizado, pois para tentar uma nova idéia, basta
digitar a instrução na janela de comando. Para usuários mais experientes, a janela de
comandos propicia uma abordagem incremental no desenvolvimento do projeto,
permitindo uma fácil interação com o programa que está sendo implementado.
Originalmente o SuperLogo não dispõe de comandos para o controle de robôs,
portanto estes comandos precisaram ser desenvolvidos. Os comandos para robótica
implementados no SuperLogo mantém a estética Logo, sendo, por esta razão, facilmente
compreendidos por usuários que tenham alguma familiaridade com a linguagem,
dispensando a necessidade de conhecimentos técnicos relacionados à comunicação com o
hardware. Alguns destes comandos são: motorp, motorc, para controle de motores, e
sensor, para sensores.
Para exemplificar será apresentado um programa que demonstra as funções
básicas de entrada (leitura de sensores) e saída (atuação sobre os motores).
Neste exemplo, o objetivo do programa é ligar um motor, pelo tempo de um
segundo, com deslocamento à direita (sentido horário ), mas somente quando um sensor
de toque for ativado.
façaenquanto[
se sensor 1 [ motorp 1 “d 60 ]
][1=1]
No exemplo apresentado, o comando façaenquanto cria um laço infinito, e dentro
dele, atuam os comandos para controle da interface e do robô. O comando sensor com o
parâmetro 1 , captura o estado do sensor conectado à entrada 1 da Interface de Hardware,
e retorna verdadeiro ou falso, conforme o estado do sensor. Se for utilizado um sensor de
toque, a condição verdadeiro ocorre quando o mesmo estiver pressionado. Ao ocorrer
esta situação a função motorp é executada, onde o primeiro parâmetro indica o motor no
qual se vai atuar, o segundo, a direção (esquerda ou direita) e o terceiro o
deslocamento.Com os valores passados no programa será ativado o motor 1, com
deslocamento de 60 passos no sentido de rotação horário (direita).
Um exemplo mais elaborado é baseado na experiência proposta pelo pesquisador
da área de cibernética Braitenberg (1989). Trata-se de um robô móvel constituído por dois
motores, responsáveis pela tração, e um sensor de toque (Figura 2). Com a alteração nos
sentidos destes motores é possível obter o deslocamento para frente, para trás, direita e
esquerda. Devidamente programado, este robô pode, ao encontrar um obstáculo em seu
caminho, desviar-se e procurar um caminho alternativo.

Figura 2

Programa de controle em SuperLogo:


Façaenquanto[
motorc(1,”d) motorc(2,”e)
se sensor 1
[motorc(1,”e)
motorc(2,”d)
motorc(1,”p)
motorc(2,”p)
motorc(1,”d)
]
] [1=1]

Como o objetivo é que o robô entre em funcionamento e permaneça neste estado


até que seja desligado, é utilizado o laço infinito Façaenquanto. As funções
motorc(1,”d) e motorc(2,”e) fazem com que os dois motores efetuem um deslocamento
para frente ( Figura 3a). Se o sensor de toque for ativado, por exemplo ao encontrar uma
parede (Figura 3b), as funções motorc(1,”e) e motorc(2,”d) efetuam um deslocamento
para trás do robô (Figura 4a) motorc(1,”p) e motorc(2,”p) desligam os motores. A seguir
a função motor(1,”d) efetua um deslocamento para a direita do robô, o que pode tirá-lo
da rota de colisão com o obstáculo (Figura 4b). O programa exemplificado pode ser
aperfeiçoado e novas características podem ser incluídas, como um contador de colisões e
passos, uma rotina para efetuar estimativa de posição, podendo-se aplicar, inclusive
conceitos de Inteligência Artificial.

Figura 3 Figura 4
Aplicação do ARE
O ARE foi utilizado com os alunos (professores do ensino fundamental) de pós-
graduação em Tecnologia Educacional, da Faculdade de Administração e Informática
(FAI), de Santa Rita do Sapucaí (MG), na disciplina de Robótica Pedagógica, com carga
horária de 30 horas.
O laboratório de informática utilizado estava equipado com computadores o ARE
e diversos materiais para montagem como plástico, papelão, madeira, arame, entre outros.
Como os alunos não tinham conhecimento do SuperLogo e não possuíam
experiência com linguagens computacionais, foi necessário a apresentação de conceitos
básicos de programação do SuperLogo no ambiente gráfico. A seguir foi realizada uma
demonstração dos diversos recursos do ARE.
Para adquirir fluência na utilização do ARE, os alunos tiveram um período para
utilizar o SuperLogo e explorar os recursos da Interface de Hardware. Nesta etapa foram
criadas seqüências de comandos, que atuam sobre os motores e são responsáveis pela
direção e deslocamento dos mesmos, e pequenos procedimentos que permitiram verificar
o funcionamento dos sensores.
O passo seguinte foi sugerir aos alunos o desenvolvimento de um projeto, usando-
se a robótica para explorar os conceitos utilizados em sua prática de sala de aula.
Os alunos desenvolveram projetos que abordaram conteúdos de suas suas
respectivas disciplinas, sendo algumas delas matemática, história, geografia, línguas, entre
outras.
Para explorar conceitos da língua inglesa um grupo de alunos criou a maquete de
um parque de diversões onde os vários brinquedos, como a roda gigante e o carrossel
executavam movimentos comandados pelo programa escrito com o SuperLogo, este
programa além de controlar os motores dispõe de uma interface gráfica onde o aprendiz
interage com sons da língua inglesa, textos e imagens.
O projeto de um catavento propiciou a exploração de alguns conceitos de física e
matemática. Os dados provenientes de um sensor de movimento incorporado a uma das
aletas do catavento permitiu a criação de um programa que aplicando fórmulas de física
determina a velocidade do vento apresentando-a no monitor do computador.
Um grupo de alunos constituído de professores de história e ciências desenvolveu um
projeto onde foi contada a história da utilização da água como fonte de geração de
trabalho, também a questão da escassez e aplicação racional dos recursos naturais foi
explorada. A criação de uma roda d`água e um monjolo automatizados com motores
(Figura 5) exemplificou de forma concreta o funcionamento deles.
Para demonstrar os movimentos de translação e rotação dos planetas foi montado
um modelo que representava a terra e o sol executando esses movimentos (Figura 6). O
programa de controle com animações, imagens dos planetas, pequenos textos
explicativos e o modelo robótico atuando de forma integrada criam um meio favorável a
construção de conhecimentos relacionados ao tema em questão.
Figura 5 Figura 6

Conclusão
O desenvolvimento do Ambiente de Robótica Educacional (ARE ) foi fundamentado em
princípios derivados da teoria de Piaget (1966) sobre o desenvolvimento cognitivo e
revisados por Seymour Papert (1985). Estas teorias sugerem que o centro do processo
relacionado ao aprendizado é a participação ativa do aprendiz que amplia seus
conhecimentos por meio da construção e manipulação de objetos significativos para o
próprio aprendiz e a comunidade que o cerca.
O ARE desenvolvido tem como objetivo oferecer recursos para que as teorias de
Piaget e Papert possam ser aplicadas nos ambientes educacionais.
A sua aplicação com alunos-professores mostrou a possibilidade trabalhar
concretamente e de forma contextualizada os diversos conceitos utilizados nas práticas da
sala de aula.
Referências:

Braitenberg, V. VEHICLES experiments in sinthetic psychology. Cambridge: MIT


Press, 1989. 144p.

Papert, S. LOGO: Computadores e Educação. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.


210 p.
Piaget, J. e Inhelder, B. La psychologie de L´enfant. Paris:P.U.F., 1966.

Resnick, M. Behavior Construction Kits. Communications of the ACM, v.36, n.7 , p.


78-95, July 1993

Valente, J.A. e Canhette C.C. LEGO-LOGO explorando o conceito de design. In J.A.


Valente, (org.) Computadores e Conhecimento repensando a educação. Campinas:
NIED – UNICAMP, 1993

Walter, W.G. An Imitation of Life. Scientific American, v.182, n.5, p. 42-45, May 1950

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