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2017
1
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
Seropédica, RJ
Novembro de 2017
ÍNDICE
Apresentação....................................................................................................................1
1- Projeto de Pesquisa .....................................................................................................3
2- Plano de redação........................................................................................................40
3- Capítulo da dissertação .............................................................................................44
4
I- Apresentação.
Este caderno contém os materiais para a qualificação da dissertação “Intelectuais de
extrema-direita e negacionismo do Holocausto: o caso do Institute for Historical Review”.
Aqui estão distribuídos em três capítulos a) uma versão do projeto que coordena a
execução da pesquisa; b) o plano de redação da dissertação; e c) a amostra de um dos
capítulos que integram esse texto. Assim organizado, o caderno deve descrever e
demonstrar o processo e um ponto do processo de execução e sistematização da pesquisa
que agora submeto a exame.
O conjunto que apresento deriva das atividades que desenvolvi como bolsista de iniciação
científica do PIBIC/CNPq, entre 2013 e 2015, em função do projeto de pesquisa
“Intelectuais de extrema-direita e o problema da negação do Holocausto no Brasil”, do
Prof. Dr. Luís Edmundo de Souza Moraes. Esse projeto visava a investigação, o
mapeamento, a catalogação, a criação e a alimentação de um banco de dados e fontes que
cobrissem a análise de manifestações programáticas de grupos da extrema-direita em sítios
eletrônicos. Parte dos resultados desse trabalho foi sistematizada em uma monografia que
apresentei como trabalho de conclusão do curso de graduação em Relações Internacionais
nesta Universidade, em dezembro de 2015.
O que avaliarão é o segundo produto daquelas atividades. Sua primeira formulação tomou
corpo no projeto de pesquisa que submeti ao processo de seleção para ingresso no curso de
Mestrado em História deste Programa de Pós-Graduação. Algumas inconsistências daquele
texto e de suas proposições foram identificadas e corrigidas durante o curso, entre o
cumprimento de atividades de disciplinas, de tutorias e de orientações. Assim, o que
encontrarão no Capítulo 1 deste caderno é a versão do projeto que foi sendo construída e
revisada ao longo desse período. Antes o projeto propunha uma pesquisa que tinha o
objetivo de descrever histórias de vida através de uma investigação exclusivamente
prosopográfica dos agentes do negacionismo. O objetivo e o meio, bem como os
problemas que os teriam originado e as ferramentas que deveriam ser usadas para
viabilizá-los, eram, em grande medida, derivados de contatos incipientes e apressados com
as fontes, com a historiografia, com os instrumentos teóricos e com os procedimentos
metodológicos. Agora o problema é saber quais e como determinadas práticas e relações se
desenvolveram entre agentes em um ambiente institucionalizado durante certo período, e,
1
mais que isso, como essas relações e práticas foram informadas e influenciadas por
esquemas de percepção de mundo, ideologias formalizadas e programas políticos
particulares. Para tratar desse problema, eu estudo o caso de uma organização da extrema-
direita em torno da qual se reuniu um conjunto significativo de intelectuais entre 1978 e
2002. A hipótese que pretendo testar com este trabalho é a de que essa organização serviu
como um espaço organizador de interações e de relações que visavam a produção e a
reprodução de formas de perceber e agir no e sobre o mundo social.
É em razão da solução desses e de outros problemas que funciona o plano de redação que
encontrarão no Capítulo 2 deste caderno. O que será objeto de avaliação é a descrição de
uma possível estrutura formal e narrativa da dissertação. Como verão, é provável que o
texto da dissertação seja composto por três capítulos, cada um dos quais uma monografia
em que o desencadeamento interno e a sucessão estarão sujeitos a princípios lógicos
derivados das escolhas teóricas, metodológicas e, sobretudo, dos resultados do trabalho
empírico e das preocupações com a clareza dos procedimentos descritivos e explicativos
que comporão o texto base da dissertação e de seus anexos.
No Capítulo 3 desse caderno há a amostra de uma das monografias que deverão integrar o
volume da dissertação. Este texto sistematiza uma fase sintética da execução e
sistematização da pesquisa, o que justifica sua escolha como objeto de avaliação. Nele eu
trato de um conjunto restrito de relações que constituem um dos espaços de produção da
instituição que estudo como caso. Só poderei fazer isso bem se, no capítulo que deverá
anteceder este no volume da dissertação, eu tiver objetivado a estrutura organizacional e,
por assim, dizer, ecológica em que se ancora o caso. Da mesma forma, por tratar de um
conjunto de práticas correlatas e de outro espaço de produção do caso que estudo, o
capítulo que deverá ser o terceiro no volume, não poderá funcionar sem que este funcione.
Assim, nas próximas seções deste caderno a minha expectativa é a de mostrar e demonstrar
o que é a pesquisa e como ela tem sido conduzida.
2
1 – PPROJETO DE PESQUISA.
I- Apresentação.
Este projeto fornece as diretrizes para a execução de uma pesquisa que tem o
objetivo de investigar como as práticas negacionistas fazem sentido. Para alguns cientistas
sociais, falar do negacionismo é falar da negação sistemática, consciente e programática da
política e do processo de exclusão e de extermínio de judeus e de outros grupos de
indesejáveis do III Reich. O mesmo é dizer que quando nos referimos ao fenômeno, nós
nos referimos a um movimento ou a um campo intelectual em que a produção e a
reprodução dessas práticas são instituídas e instituintes.
Para tornar isso possível, a investigação que proponho será desenvolvida em torno
do estudo de um caso particular. O caso constitui um conjunto de relações e interações que
se desenvolveram entre produtores e divulgadores de narrativas negacionistas vinculados a
uma das mais representativas organizações do movimento: o Institute for Historical
Review (IHR). Talvez o IHR tenha sido a primeira organização negacionista a se
apresentar, de maneira estratégica, como uma instituição de pesquisa ou coisa parecida e,
assim, a acolher, desenvolver e cumprir práticas e funções propriamente programáticas,
organizativas, propragandistas, etc., enfim, estruturantes do negacionismo em determinado
período de sua manifestação. Assim as etapas da execução do estudo preveem a descrição
e a explicação da estrutura organizacional, do funcionamento, das funções e das
3
representações dessa organização, bem como as relações, interações, práticas e produtos
que a instituíram. Isso deverá permitir perceber como essas relações e práticas implicaram
e/ou foram implicações ou foram informadas e/ou informaram esquemas de percepção de
mundo, ideologias formalizadas, programas e projetos políticos.
1
Para uma tipologia do fenômeno c.f. CHARNY, I. W. Innocent denials of know genocides: a further
contribution to a psychologu of denial of genocide. Human Rights Review, vol. 1, n. 3, p. 15-39, abril/junho
de 2002; idem. A classification of denial oh the Holocaust and other genocides. Journal of Genocide
Research, vol. 5, n.1, p. 11-31, 2003. CHURCHILL, W. Denials of the Holocaust. In: CHARNY, I. (Org).
Encyclopedia of Genocide. Vol I. Santa Bárbara: Abc-Clio, 1999, p. 167-174.
2
MORAES, L.E.S. O negacionismo e o problema da legitimidade da escrita sobre o passado. In: Simpósio
Nacional de História, 26º, 2011, São Paulo. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História, julho de 2011 p.
3.
4
Negacionismo é uma palavra do final dos anos 1980. Com algum sucesso, o termo
passou a ser usado para descrever um movimento intelectual da extrema-direita do pós-
guerra que tenta negar e/ou fazer esquecer a política e o processo de extermínio de judeus e
de outros grupos de indesejáveis do nazismo. Os agentes articulados e articuladores desse
movimento, os negacionistas, produzem e divulgam diversos tipos de narrativas, nas quais
a representação de um tempo passado sem os crimes nazistas é uma constante. Quando os
negacionistas tentam estabelecer como verdadeiro esse passado falso, o que eles buscam é
tentar reabilitar as imagens sociais do nazismo que, no presente, pesam sobre a viabilidade
dos programas e dos projetos políticos da extrema-direita 3.
3
Sobre o uso do conceito c.f. idem.; LIPSTADT, Deborah. Denying the Holocaust: the growing assault on
truth and memory. Nova York: Plume, 1993, p. 12-31; ATKINS, S. Holocaust denial as an international
movement. Westport: Praeger Publishers, 2003, p. 1-8.
4
Sobre as manifestações do negacionismo paralelas ou fora do campo da extrema-direita c.f. YAKIRA, E.
Post-zionism, post-Holocaust: three essays on denial, forgeting, anthe the delegimation of Israel. Cambridge:
Cambridge University Press, 2009; ATKINS, 2003, p. 211-220; MORAES, L.E.S. Negacionismo: a extrema-
direita e a negação da política de extermínio nazista. Boletin do Tempo Presente, Sergipe, n.4, agosto de
2013; VIDAL-NAQUET, P. Os assassinos da memória: um Eichmann de papel e outros ensaios sobre o
revisionismo. Campinas: Papirus, 1988.
5
longo do tempo, seus temas e motivos são relativamente regulares. No geral, as
proclamações que os negacionistas tentar afirmar como asserções podem ser resumidas
como o que segue:
III- os campos concentração nazistas não seriam uma particularidade da Alemanha do III
Reich;
IV- não teriam existido e seria impossível que tivessem existido câmaras de gás ou
qualquer outro dispositivo controlado para o extermínio de pessoas em massa, e, se assim
foi, campos de extermínio não poderiam ter existido;
V- o holocausto teria sido uma espécie de peça de propaganda usada pelos Aliados em
conluio com “os judeus” contra “o povo alemão”5.
5
C.f. VIDAL-NAQUET, 1988; LIPSTADT, 1993; ATKINS, 2003; MORAES, 2008, 2011, 2013; YAKIRA,
2009; KRAUZE-VILMAR, D. A negação dos assassinatos em massa do nacional socialismo: desafios para a
ciência e para a educação política. IN: VIZENTINI, P. (Org.). Neonazismo, negacionismo e extremismo
político. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2000.
6
Me refiro ao caso do livro de Paul Rassiner na França. Sobre isso, c.f. MORAES, 2013.
6
pesquisa, associações acadêmicas, editoras, think-tanks etc. foram criadas para dar suporte
a essas estratégias do movimento7.
7
LIPSTADT, 1993; ATKINS, 2003; MORAES, 2013.
8
MORAES, L.E.S. O negacionismo e as disputas da memória: reflexões
sobre intelectuais de extrema-direita e a negação do Holocausto. In:
XIII Encontro de História Anpuh-Rio, 2008. Rio de Janeiro: Anais do
XVIII Encontro de História Anpuh-Rio, 2008, p. 7; C.f. ATKINS, 2003; LIPSTADT, 1993.
9
Sobre famosos processos judiciais envolvendo negacionistas e seus impactos jurídicos, c.f. KAHN, R.A.
Holocaust denial and the law: a comparative study. Nova York: Palgrave MacMillan, 2004. Sobre efeitos
mais amplos dos mecanismos legais contra o negacionismo, c.f. BENZ, W. Holocaust denial: anti-semitism
as a refusal to accept reality. Historein, vol 11, 2001; LASSON, K. Defending truth: legal and psychological
aspects of Holocaust denial. Current Psychology, vol. 26, n.3, dez. 2007; EVANS, R. Lying about Hitler:
History, Holocaust, and the David Irving Trial. Nova York: Basic Books, 2001; LIPSTADT, D. History on
trial: my day in court with a Holocaust denier. Nova York: Harper & Collins, 2004. Algumas produções
cinematográficas importantes são DENIAL. Dir.: Mick Jackson. Prod.: Garry Foster; Russ Krasnoff.
Roteiro: David Hare (Deborah Lipstadt). Los Angeles/Londres: Krasnoff/Foster Entertainment; Shoebox
Films, Participant Media; BBC Films; BleeCker Street Entertainment One, 2016. Amazon Streamimg Video
(110 mim.); NEVER forget. Dir.: Joseph Sargent. Prod.: Nimoy/Radnitz Productions; Turner Productions.
Roteiro: Ronald Rubin. Los Angeles: Warner Home Video, 2013. DVD (94 min.). Alguns dos arquivos de
programas de tv em os negacionistas foram atração estão disponíveis em populares provedores eletrônicos de
vídeo, onde somam milhares de visualizações. Alguns deles são: GAS CHAMBER DENIERS. The Fill
Donahue Show. Nova York:
7
Estado, políticos e destacados burocratas reagem ao movimento, sempre que alguma
questão ligada às manifestações do fenômeno torna-se pública a ponto de requerer deles a
atenção; por outro lado, alguns patrocinam e promovem o negacionismo como plataforma
e estratégia para seus projetos políticos 10. Enquanto escrevo, uma busca simples no Google
com a chave “holocaust revisionism” sugere que essa expressão pode aparecer em cerca de
100 mil páginas e sítios eletrônicos, número que cresce para aproximadamente 490 mil se a
chave usada for “holocaust denial”.
Sindicalizado, 1994. (Talk-Show, programa de TV); FRED LEUCHTER. The Fill Donahue Show. Nova
York: Sindicalizado, 1992. HOLOCAUST DISCUSSION WITH DAVID COLE & MARK WEBER. Montel
Williams Show. Los Angeles: Sindicalizado; Paramount Domestic Television, 1994.(Tabloid Talk-show,
programa de TV); DAVID IRVING. Hardtalk. Londres: British Broadcasting Corp. Word News Channel,
2000. (Talk-Show, entrevista, programa de TV).
10
Um caso exemplar desse tipo de evento foi a controvérsia internacional que se desenvolveu em torno da
organização de uma conferência negacionista pelo governo iraniano em 2006, na capita Teerã. C.f. TAIT,
Robert. Holocaust deniers gather in Iran for ‘scientific’ conference. The Gurdian, Londres, 12 dez. de 2006;
KATRIN, B. Ties cut with Iran institute over Holocaust. The New York Times. Nova York, 16 dez., 2006, p.
A9.
11
Fora exceções que serão referenciadas, nos próximos três parágrafos eu me refiro ao seguinte conjunto de
trabalhos: ATKINS, 2003; LIPSTADT, 1993; VIDAL-NAQUET, 1988; MORAES, 2008, 2001, 2013. Em
quaisquer dos casos, eu apenas recorro a trabalhos publicados em língua inglesa ou em língua portuguesa.
8
conjunto de operações conscientes e/ou irracionais que visam tornar real um passado que
não existiu; ii) percebido como sendo motivado por ideologias ou projetos políticos tais
como os da extrema-direita; e iii) percebido como coisa que se torna viável graças a uma
atmosfera marcada pelo chamado pós-modernismo e pelas críticas ao positivismo em
História e nas ciências em geral, pelo desconhecimento sobre o Holocausto, ou ainda em
função do silêncio de quem pode falar sobre a política de extermínio nazista e sobre o
negacionismo12.
12
Sobre o negacionismo e o chamado pós-modernismo, c.f. EAGLESTONE, R. The Holocaust and the post-
modern. Nova York: Oxford University Press, 2005; idem. Postmodernism and Holocaust Denial.
Cambridge: Icon Books, 2001. Sobre as outras variáveis, c.f. VIDAL-NAQUET, 1998; LIPSTADT, 1993;
ATKINS, 2003.
13
De maneira mais ampla, nos termos da sociologia política, o problema aqui poderia ser colocado como um
problema de tradução. O mesmo quer dizer que trata-se de investigar como variáveis constantes, clivagens
diversas, sejam econômicas, sociais ou culturais, são traduzidas e sistematizadas em formas de organização
do político e da política e então podem influenciar determinados comportamentos. Sobre isso, c.f. SARTORI,
G. From the Sociology of Politics to Political Sociology. Government and opposition: an international
9
É nessa vaga que se situa a pesquisa que proponho. A perspectiva que orienta o
trabalho nessa direção foi fornecida por um conjunto de trabalhos do historiador Luís
Edmundo de Souza Moraes e também pelo trabalho com as fontes. Ela supõe que o
negacionismo é um movimento institucionalizado, um campo político que tem porta-vozes
autorizados, limites definidos, que produz e reproduz esquemas de percepção de mundo
que se dão a perceber nas práticas de seus agentes.
Portanto, o problema não é mais saber como são falsos os textos negacionistas e o
passado que eles representam. A questão também não é a descrever por descrever
trajetórias ou histórias de vida dos agentes do movimento. Tampouco trata-se de analisar o
conteúdo dos textos negacionistas em relação tangencial a essas histórias. O meu interesse
é saber como essa dupla falsificação se institucionaliza e dura como coisa que é, que
funções ela cumpre, em suma, qual é a lógica das práticas negacionistas e como elas fazem
sentido no e sobre o mundo.
O IHR foi fundado nos Estados Unidos em 1978, e talvez tenha sido a primeira
organização de seu tipo. Por trás de sua criação e funcionamento estiveram destacadas
figuras da extrema-direita estadunidense e europeia. Um diversificado conjunto de agentes
do negacionismo se reuniu em torno da organização, especialmente do período que vai de
journal of comparative politics, vol. 4, n. 2, abril/1978, p. 195-214; MYER, Nona. How to study political
culture without naming it. In: ELGIE, R.; GOSSMAN, E.; MAZUR, A.G. (Orgs.). The Oxford handook of
French Politics. Oxiford: Oxford University Press, 2005, p. 329-348; BOURDIEU, P. O campo político. Rev.
Brasileira de Ciência Política, n. 5, Brasília, Jan./Jul. 2011.
14
LIPSTADT, 1993; ATKINS, 2003; MORAES, 2013.
10
sua fundação até 2002, quando suas atividades diminuem em função de conjunções que a
investigação deverá demonstrar.
15
C.f. Institute for Historical Review. About the IHR: our misson and record. Disponível em <
http://www.ihr.org/main/about.shtml> . Acessado pela última vez em 15/05/2017. Os trechos citados são
tradução minha.
11
fundos e propaganda, alimentaram páginas do JHR e forneceram material para a produção
de materiais de áudio e/ou audiovisuais produzidos e comercializados através do IHR.
16
Vidal-Naquet fala do IHR como uma espécie de “internacional” negacionista; Kenneth Stern percebeu o
IHR como uma espécie de pilar do movimento; Deborah Lipstadt tratou do IHR como o maior disseminador
de materiais negacionistas; Atkins percebeu na organização um centro financiador e articulador do
negacionismo internacional. C.f. VIDAL-NAQUET, 1988, p. 129; LIPSTADT, 1993, p. 1-8; STERN, K..S.
Holocaust denial. Nova York: The Ammerican Jewish Committee, 1993, p. 29; ATKINS, 2003, p. 163-191.
17
LIPSTADT, 1993; ATKINS, 2003.
18
LIPSTADT, D. The Institute for Historical Review
19
LIPSTADT, 1993, p. 14-24.
12
Atkins usou outra perspectiva para tratar do problema. Como Lipstadt, ele propôs
que o negacionismo é uma variedade de antissemitismo; diferente dela, ele olhou para o
fenômeno como um movimento internacional articulado por agentes de tipologias variadas.
Atkins fez isso descrevendo manifestações geográficas do negacionismo, descrevendo
biografias de agentes e analisando o conteúdo de textos negacionistas 20.
20
ATKINS, 2003.
21
Idem., p. 145-207.
22
Ibdem., p. 163-192.
13
negacionistas fazem sentido, se institucionalizam e ganham durabilidade. O que equivale
dizer é que a lógica do modus operandi foi investigada nestes trabalhos, mas a do opus
operatum e a das tomadas de posição dos agentes do movimento podem não ter sido
escolhas desses historiadores. Decorre disso que uma questão fundamental neste terreno
ficou sem formulação: como a incorporação das práticas negacionistas se relaciona a um
universo político particular e lá encontra sua racionalidade e sua sistematicidade?
23
Na Universidade de Oregon, nos Estados Unidos, há um fundo composto por 56 pastas preenchidas por
séries de notas, textos, correspondências, livros e outros materiais que pertenceram a um dos mais longevos
editores e administradores do IHR, Keith Stimely. Esse fundo cobre um espectro importante das
manifestações do IHR. Um guia desse fundo pode ser acessado em <
http://archiveswest.orbiscascade.org/ark:/80444/xv98853 > .
24
BLOCH, M. Apologia da história ou o oficio do historiador. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2002, p. 78.
14
Relacionado à pouca diversidade de fontes, está o problema que deriva da forma
pela qual eu vou tratar do problema e do caso que estudo. Durante o trabalho preliminar
com o material empírico eu coletei evidências que sugeriram a viabilidade de tratar do IHR
como um espaço de sociabilidade intelectual da extrema-direita. Formulei essa alternativa
recorrendo à uma chave interpretativa fornecida pelo Jean-Fraçoise Sirinelli em um
programa de pesquisa sobre os intelectuais e a política. A chave tem seus dentes compostos
por variáveis sociológicas, culturais e políticas. Ela aciona a fechadura que abre espaço
para uma abordagem acurada das relações entre produtores e divulgadores do
negacionismo em um ambiente institucional. O funcionamento da chave será descrito na
seção deste projeto que trata da instrumentação teórica; por hora, o que interessa é
mencionar que, além do volume coeso de fontes que eu mencionei, o que eu tenho são
pistas e indícios sobre as variáveis que a fazem funcionar. Embora sem bons esses indícios
e pistas, se eu não proceder com eles de maneira controlada, eu posso acabar por incorrer
em deduções e intuições apressadas. De outra forma, para usar a metáfora de Carlo
Ginzburg sobre o trabalho do historiador, se eu conseguir integrar os rastros que possuo ao
fio que me orienta no labirinto da realidade do IHR, se eu conseguir fazê-los falar, valerá a
pena correr os riscos 25.
Com esses riscos e problemas, a pesquisa tem suas vantagens e pode produzir
avanços se os procedimentos forem cautelosos. Antes de qualquer coisa, ela me permite
tomar os produtos das práticas negacionistas como em nada auto-evidentes, auto-
suficententes, ou nada naturais. Isso decorre da perspectiva que indica que os produtos das
práticas negacionistas são resultado de processos que, no caso que estudo, são indiciáveis e
correlacionais a modos de estar, perceber e agir sobre o mundo. Se eu conseguir tirar
consequências dessa perspectiva, recolher do conjunto de fontes esses indícios e sinais e, a
partir deles, descrever e explicar de maneira provisória os modos pelos quais essas práticas
tem lugar no mundo e o que informa esse lugar, então eu terei cumprido os objetivos que
pretendo alcançar.
Dessa forma, aberto e provisório, o trabalho que proponho poderá contribuir com
a historiografia do negacionismo testando e confirmado hipóteses já sugeridas; poderá
25
SIRINELLI, J.F. Os intelectuais. In: REMOND, R. (Org.). Por uma história política. 2. Ed. Rio de Janeiro:
Editora Fundação Getúlio Vargas, 2003. Cap. 9, p. 232-270; GINZBURG, C. Os fios e os rastros: verdadeiro,
falso, fictício. São Paulo: Cia. das Letras, 2007, p.7.
15
também experimentar perspectivas e caminhos ainda não explorados sistematicamente e,
assim, produzir resultados complementares. Deriva disso a relevância social de um
trabalho como o que proponho. Indicando as formas pelas quais esquemas de percepção de
mundo, ideologias formalizadas e programas políticos racistas e excludentes informam
determinadas práticas, esse trabalho pode se juntar ao de equipes de educadores e
pesquisadores que mobilizam esforços para promover a diversidade como valor e prática
constitutiva de uma sociedade plural e democrática. O exercício se justifica ainda mais
quando percebemos que, no nosso mundo, valores e projetos políticos como esses que
informam a escrita do texto negacionista tem se afirmado, se naturalizado e encontrado
para isso diversos vetores que tornam palatáveis as suas manifestações no espaço público.
Assim, o trabalho pode ainda contribuir para responder uma necessidade apontada pelo
cientista político Dietfrid Krause-Vilmar: a de esclarecer o fenômeno, de “mostrar que seus
objetivos não são genuinamente histórico-científicos [...] são políticos, por que eles (os
negacionistas) querem mostrar que não foi assim”; de mostrar os recursos e os jogos que os
agentes jogam para fazer o que fazem e de fazer “frente a eles”; e, no “contexto da
formação política e histórica, acionar uma argumentação clara em contraposição a esses
defensores da negação”26.
III- Objetivos.
a) objetivos gerais:
26
KRAUZE-VILMAR. A negação dos assassinatos em massa do nacional-socialismo: desafios para a ciência
e para a educação política. In: VIZENTINI, P. (Org.) Neonazismo, negacionismo e extremismo político. Porto
Alegre: Ed. UFRGS, 2000, p. 111-112.
16
À execução dessas etapas de trabalho prende-se o objetivo geral da pesquisa:
b) objetivos específicos:
17
IV- Referencias teóricos.
27
BOURDIEU, P. A força da representação. In: A economia das trocas linguísticas: o que falar quer dizer.
São Paulo: Edusp, 1998. Parte III, Cap. 3. p. 108. Sobre a política das visões do passado, c.f. SARLO, B.
Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. Belo Horizonte; São Paulo: Editora UFMG, Cia.
das Letras, 2007, p 12-15.
28
Eu falo da Política em referência à perspectiva aberta que atravessa o programa de pesquisa coletivo
organizado por Renè Remond no volume de “Para uma História Política”. C.f. REMOND, R. Do político. In:
idem. (Org.). Por uma História Política. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, cap. 14, p. 441-450. Para
operar com essa perspectiva de maneira mais controlada, eu integrei a ela o modelo relacional e disposicional
fornecido pelos trabalhos de Pierre Bourdieu. Esse modelo propõe que a lógica do mundo social deve ser
compreendida a partir de uma "particularidade empírica, historicamente situada e datada”, construída através
do trabalho de pesquisa como uma “figura em um universo de configurações possíveis” e em relação ao
funcionamento dos mecanismos e das estruturas regulares e das variáveis que compõem o mundo social.
Nessa altura eu reconheço que posso correr o risco de supersimplicar o modelo, ao representá-lo com uma
aparência de rigidez em tudo contrária ao seu funcionamento. De qualquer forma, o modelo permite analisar
o mundo social a partir de espaços de posições relacionais diferenciadas e diferenciadoras. De maneira
contingente, o modelo correlaciona e integra as ações às circunstâncias e às condições em que elas são
desenvolvidas nesses espaços em que as formas de estar no mundo (determinadas em função da distribuição e
da posse desigual de certos capitais que determinam as posições e o jogo das posições num espaço particular)
se correlacionam com as formas perceber o mundo, e, por sua vez, com as maneiras de agir no e sobre o
mundo. C.f. BOURDIEU, P. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. 9 Ed. Campinas: Papirus, 2008, p. 13-
52; idem. O campo político. Revista brasileira de Ciência Política, n. 5, Brasília, jan./jun. de 2011; ibdem.
The logic of practice. Palo Alto: Stanford University Press, 1992; BOURDIEU, P. ; WACQUANT, L. An
invitation to reflexive sociology. Oxford; Cambridge: Polity Press; Blackwell Publishers: 1992.
18
À primeira vista essa premissa parece ser redundante, um tanto abstrata e obscura.
Entretanto, sua utilidade prática consiste não apenas na definição dos pontos de partida:
com essa proposição eu posso traçar o mapa do trajeto que pretendo seguir com a pesquisa.
Ela é derivada do modelo de análise social relacional e disposicional fornecido pelos
trabalhos de Pierre Bourdieu, da historiografia do negacionismo e dos trabalhos de Michel
Pollak sobre “os processos e atores que intervêm no trabalho de constituição e
formalização das memórias”. Nestes trabalhos, Pollak sugeriu que “essas operações
coletivas dos acontecimentos e das interpretações do passado que se quer salvaguardar” só
podem se estabelecer socialmente e cumprir funções propriamente políticas se funcionarem
de maneira sistemática com o passado. Se isso acontece, e só assim acontece, o que há,
para Pollak, são processos de enquadramento da memória: operações controladas,
especializadas e socialmente justificadas com os dados e interpretações do passado29.
Normatizar dois aspectos decisivos nesta disputa: em primeiro lugar, quem dever
ter o acesso a palavra, no sentido de estabelecer quem deve ser considerado o
legítimo porta-voz do passado; e qual deve ser o terreno no qual se dê a
discussão sobre o passado, o que desvela elementos centrais desse moviemtno
político da extrema-direita. 31
33
SIRINELLI, 2003.
34
Sobre os problemas envolvendo o conceito de intelectuais, c.f. BOBBIO, N. Os intelectuais e o poder:
dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea. São Paulo: Editora UNESP, 1997;
BAUMAN, Z. Legisladores e intérpretes: sobre modernidade, pós-modernidade e os intelectuais. Rio de
Janeiro: Zahar, 2010.
21
de desenvolvimento variados que se encontram em determinados pontos e se afastam em
outros. Um dos pontos de convergência entre os dois modelos está na proposição de que os
intelectuais formam uma categoria social originada de determinados tipos de
desenvolvimento sócio-históricos. Os modelos divergem, entretanto, quanto à natureza
desses processos e de seus efeitos sobre os tipos, as funções, posições sociais,
comportamentos, em suma, sobre o próprio desenvolvimento da categoria dos intelectuais
e dos tipos que ela abriga.
35
GRAMSCI. A. Cuaderno 1. In: idem. Cuadernos de la cárcel. Tomo 1. Cidade do México: Edições Era,
1981, p. 103.
22
os intelectuais tradicionais, seriam aqueles que confeririam às classes dominantes “a
homogeneidad y consciência de sua própria función” no mundo da produção, e, a partir
daí, mediariam as relações delas com as classes subalternas nos níveis superestruturais. Na
sociedade civil, os intelectuais orgânicos atuariam em função das classes fundamentais
através de seus aparelhos privados, e, na sociedade política, através dos aparelhos de
Estado. O sentido dessa mediação especializada e técnica seria a produção e a imposição
do consenso necessário para manter o lugar das classes dominantes no mundo da
produção36.
Essas tipologias foram complementadas por uma sociologia e por uma história
natural que enquadra os tipos de intelectuais intuídos por Mannhein no processo de
modernização das formas de pensar e de se organizar dos grupos sociais. No primeiro caso,
o sociólogo investigou quais eram as origens sociais dos intelectuais, suas solidariedades e
formas de associação, suas posições, suas mobilidades e suas funções sociais. Essas
variáveis apareceram como relacionadas a comportamentos, motivações, formas de pensar
etc. que fariam da intelligentsia essa camada amorfa e particular. Da história natural dessa
categoria, Mannhein deduziu taxionomias e possíveis formas de vida para os diferentes
39
Idem.
40
Ibdem., p 79-93.
24
tipos de intelectuais. Ele fez isso relacionando os dados produzidos pela análise
sociológica do processo de formação da intelligentsia com os tipos de engajamento do
intelectual na divisão social do trabalho. Os resultados dessa operação determinariam o
intelectual como pessoa que tende ao convívio isolado, introvertido, limitado a seus pares e
aos livros, à mistificação e à automistificação. As formas de vida correlatas a essa
psicologia de grupo seriam então as que enquadrariam o intelectual em uma intelligentsia
vocacional por conta de uma carreira percorrida; que produzem o intelectual dos momentos
de lazer, que seria aquele que manteria ocupações paralelas e dedicaria seu tempo livre às
atividades do pensamento; e o intelectual transitório, que seria o jovem ou o adulto que
não teria se estabelecido numa profissão e que tomaria parte de atividades que fugiriam aos
seus interesses imediatos 41.
41
Ibdem.
42
A expressão cultural workman é de C. Wright Mills. C.f. MILLS, C.W. The sociological imagination. Ed.
de 40º Aniversário. Nova York: Oxford University Press, 2000, p. 13.
25
objetos simbólicos ao longo do tempo. Além disso, eles indicam que as relações dos
intelectuais com o poder e com a política podem ser várias ao longo do tempo.
Esse grau de generalização ainda não me permite dizer o que eu quero dizer ou
fazer com o descritor intelectuais de extrema-direita. O mais evidente seria dizer que essas
pessoas a quem tento descrever através do conceito são trabalhadores culturais que tem
alguma relação com a política de extrema-direita e que, em função disso, escrevem,
editam, publicam e apresentam textos para plateias. Ainda assim eu não teria condições de
sair do terreno em que o descritor é ainda apenas um descritor sem capacidade explicativa
do fenômeno que tento investigar. Isso acontece por que ele me leva ao caso que estudo,
mas me diz muito, e, por isso mesmo, nada sobre os problemas e o material empírico que
sustentam o trabalho que proponho.
Eu encontrei uma saída para essa armadilha na série das Reith Lectures proferidas
por Edward Said sobre as representações do intelectual43. Nessas conferências Said
propôs uma forma de tratar dos intelectuais em que o universal se correlacionasse com o
local, com subjetivo e com situacional. Ele começou fazendo isso operando uma síntese
entre o modelo do intelectual como agente público, de Gramsci, e do intelectual como
vocação crítica, de Julien Benda. Através desse procedimento, ele produziu uma definição
descritiva e uma normativa. Eu vou me deter na primeira44.
43
SAID, Edward. As representações do intelectual: as Conferências Reith de 1993. São Paulo: Cia. das
Letras, 2005.
44
Os dois aspectos da definição operada por Edward Said se correlacionam em diferentes graus ao longo das
conferências. Entretanto, o aspecto normativo não é operacional para o investigação que proponho. Isso se
deve não só a sua normatividade, mas também ao fato de que ele tem muito a ver com as tomadas de posição
assumidas por Saíd nas circunstâncias das produção e da divulgação das palestras e, em função disso, como o
lugar ocupado por este e outros trabalhos seus naquela situação. A ênfase reflexiva da definição normativa,
presente também na descritiva, não pode ser dissociada dessas conjunções. C.f. SAID, 2005, p. 9-19.
26
paradigmáticas. Com esse procedimento Said descobriu o mundo dessas práticas e, nele, o
sentido dessas práticas 45.
Nesse sentido eu opero com uma definição de intelectuais que leva em conta tanto
o caráter geral da prática intelectual – a produção e a mediação cultural – quanto o caráter
local e restrito dessas atividades no mundo sobre o qual elas produzem sentido e no qual
elas se tornam inteligíveis como relações associativas. Assim, quando eu falo de
intelectuais de extrema-direita negacionistas do Holocausto, eu me refiro a um conjunto de
pessoas que percebem o mundo de uma forma particular e agem sobre o mundo de uma
maneira característica, através da produção e da divulgação de narrativas falsas sobre um
passado falso. Essas formas de perceber o mundo e agir sobre o mundo são, nesse caso,
informadas pelas posições que os agentes do movimento ocupam no mundo dessas práticas
e pelos projetos políticos através dos quais eles tentam afirmar que a ideia de que um bom
mundo é mundo racialmente homogêneo e excludente.
45
Idem., p. 19-54, 71-88.
46
MORAES, 2008.
27
No seu aspecto mais geral, essa forma de tratar do problema também foi sugerida
por Sirinelli em seu programa de pesquisa. E isso me leva ao segundo elemento da chave
proposta por esse historiador. Aí a noção de sociabilidade entra no jogo. Sua definição
aberta no programa de Sirinelli sugere que as práticas, as posições, as tomadas de posição e
os deslocamentos dos intelectuais em uma paisagem particular pode ser matizada por
solidariedades que unem esses agentes públicos em um determinado espaço e tempo.
Assim, mais que levar ao mundo de relações em que as práticas dos intelectuais fazem
sentido, a sociabilidade poderia contribuir para dar formato a esse mundo através das
dinâmicas de aderência, filiações, rupturas, centros de atração, fenômenos de transmissão
etc47. Mas o que e falar de sociabilidade?
47
C.f. SIRNINELLI, 2003.
48
AGULHON, M. Historia Vagabunda: etnología y política en la Francia contemporánea. Cidade do
México: Instituto de Investigaciones José María Mora, 1994, p.12.
49
AGULHON, M. El Círculo Burgués: la sociabilidad en Francia, 1810-1848. Buenos Aires: Siglo XXI,
2009, p. 30.
28
temperamento típico da França iluminista, republicana e democrática, de um sinal dos
tempos modernos e da civilização burguesa 50.
50
Idem., p. 31-34.
51
Ibdem., p. 34-36.
52
Ibdem., p. 37- 43. A tradução é minha.
29
como forma de sociabilidade moderna, situado no tempo e no espaço. Entre muitas outras
coisas, além de ser um exemplar construtor de pontes entre as disciplinas pelo manuseio de
modelos sociológicos e antropológicos, Agulhon mostrou como as formas instituídas de
interação, as complexas redes de solidariedades que fazem com que as pessoas se associem
e as formas de agir e pensar compartilhadas podem estar atravessadas pela política. Mais
que isso, ele demonstrou que esses lugares de sociabilidade, esses lugares em que as
pessoas se reúnem por se reunirem, são lugares onde certos comportamentos políticos,
como a propensão republicana dos burgueses e a adesão democrática e socialista de grupos
médios e camponeses da Provença do século XIX, são gestados, produzidos e reproduzidos
por intermédio dessas relações que são, por sua vez e por uma via de mão dupla,
influenciadas e condicionadas por determinadas conjunturas.53 Dessa forma, a associação
como efeito e forma de interações, implica numa definição muito precisa e circunscrita de
sociabilidade como a “aptidão de viver em grupos e consolidar os grupos mediante a
constituição de associações voluntárias”54.
53
C.f. RIOUX, J.P. A associação em política. In: REMOND, R. (Org.). Por uma história política. 2 ed. Rio
de Janeiro: FGV Editora, 2003. Cap. 5, p. 994-140; AGULHON, 1994, p. 17-87.
54
AGULHON, 1994, p. 55. A tradução é minha.
30
A sociabilidade tem um lugar de destaque nos trabalhos de Georg Simmel. Como
Everet Hughes sugeriu, ela foi uma das principais peças de seus “jogos sociológicos” 55. E
não é para menos. O problema da sociabilidade deriva da questão fundamental da
sociologia formal de Simmel: a natureza, os limites e a relação do conceito de sociedade
como um domínio particular da sociologia. Numa das etapas da solução desse problema
neokantiado sobre como é possível a sociedade, Simmel sugeriu que falar sobre ela não
seria falar de algo cristalizado ou de uma unidade abstrtata, mas de algo que acontece
quando as pessoas interagem através de processos dinâmicos e fluídos, em correlações e
situações diversas, em função de certas coisas e para fazer determinadas coisas 56.
55
HUGHES, E.C. A note on Georg Simmel. Social Problems, vol. 13, n.2, Oakland, University of California
Press, outono de 1965, p. 117-118.
56
SIMMEL, G. The sociology of sociability. Trad. Evertt C. Hughes. American Journal of Sociology, vol.
55, n. 3, Chicago, University of Chicago Press, nov. /1949, p. 254. Idem. Questões fundamentais da
sociologia: individuo e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2006, p. 7-58.
57
SIMMEL, G. Sociologia. São Paulo: Ática, 1983, p. 47-58.
58
C.f. Idem., p. 165-181; SIMMEL, 1949.
31
em si e por si mesma das interações, mas buscar, no caso que estudo, aquilo que é seu
princípio condicionante. E isso se torna possível na medida em que o modelo sugere e
opera com correlações e sínteses múltiplas, nos mais variados níveis das interações que
povoam, fazem e dão sentido ao mundo social e às coisas do mundo social.
Tentei fazer dessa seção não uma discussão exclusiva ou um inventário puro de
conceitos, uma “finalidade do sem fim”. Ao contrário, minha expectativa foi a de fazer
funcionarem as ferramentas conceituais que uso no trabalho de pesquisa que proponho. Na
próxima seção eu vou mostrar como eles funcionarão em relação ao material empírico e
aos processos de execução da pesquisa.
59
C.f. BOURDIEU, P. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, M.M.; AMADO, J. Usos e abusos da história
oral. 8 ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2006.
32
IV- Metodologia.
33
IRC e do JHR. Os materiais textuais e audiovisuais produzidos em tono das IRC e os
textos publicados no JHR serão analisados na segunda fase. Em ambos os momentos, os
procedimentos deverão ser baseados na situação desses textos em um seu contexto
linguístico, na análise das práticas discursivas e das intenções que eles incorporam 60. Para
encerrar esse conjunto de procedimentos e acessar o princípio de eficácia simbólica desses
textos, seguindo agora a recomendação de Pierre Bourdieu, irei buscar “estabelecer a
relação entre as propriedades do discurso, as propriedades daquele que o pronuncia e as
propriedades da instituição que o autoriza a pronunciá-lo” 61. Em suma, o que eu buscarei
aqui é descrever e explicar como essas práticas discursivas e essas “representações
(individuais ou coletivas, puramente mentais, textuais ou iconográficas)”, para falar como
Roger Chartier, constroem as “próprias divisões do mundo social” 62.
V- Fontes.
34
Holocaust (CODOH). Lá elas estão disponíveis como hipertexto (HTML) ou para serem
descarregadas como impressão digitalizada (PDF). O material que uso é derivado desse
trabalho de Rudolf pra o CODOH. Após descarregar esses materiais, eu os classifiquei, os
cataloguei e então distribui as edições em pastas ordenadas por ano/volume dos números.
Essa série foi incluída no conjunto como GRUPO-A_SERIE-A1.
35
agem no espaço público estadunidense monitorando, prevenindo e combatendo atividades
de grupos extremistas. Para o cientista político George Michel, esses grupos formam uma
espécie de cena e são tão diversos em termos de estruturas organizacionais e posições
quanto os seus opositores. Da expressiva variedade e quantidade desses grupos, eu opero
apenas com materiais produzidos por dois deles, o Anti-defamation League (ADL) e o
Southern Poverty Law Center (SPLC).
36
contribuíram para retardar os processos de trabalho. O planejamento das etapas já
cumpridas e das que ainda há para cumprir é que está representado nas tabelas a seguir.
TABELA 1 - 2016
Meses 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Atividades
Levantamento de fontes X X X X X X X X X X X X
Classificação e catalogação de fontes X X X X X X X X X X
Produção de fichas biográficas/ X X X
prosopográficas
Tabulação de dados e construção de X X X
organogramas
Trabalho com instrumentos teóricos X X X X
TABELA 2 – 2017.
Meses 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Atividades
TABELA 3 – 2018.
Meses 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Atividades
37
Redação de dissertação X X
Defesa de dissertação X
BENZ, W. Holocaust denial: anti-semitism as a refusal to accept reality. Historien, vol 11,
2011.
BOURDIEU, P. The logic of practice. Palo Alto: Stanford University Press, 1992.
______. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 9 ª ed. Campinas: Papirus, 2008.
_______. A economia das trocas linguísticas: o que falar quer dizer. São Paulo: Edusp,
1998.
38
_______. A ilusão biográfica. IN: FERREIRA, M.M.; AMADO, J. Usos e abusos da
história oral. 8ª ed. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2006, p. 183-192.
DAVIS, P.J. Institute for Historical Review, The. In: BLAMIRES, C. JACKSON, P.
(Orgs.). World fascism: a historical encyclopedia. Vol 1. Santa Barbara: Abc-Clio, 2006.
EAGLESTONE. R. The Holocaust and the Post-Modern. Nova York: Oxford University
Press, 2005.
GINZBURG, C. Os fios e os rastros: verdadeiro, falso, fictício. São Paulo: Cia. das Letras,
2007.
EVANS: Lying about Hitler: History, Holocaust and the David Irving Trial. Nova York:
Basic Books, 2001.
39
HUGHES, E.C. A note on Geoge Simmel. Social Problems, vol. 13, n. 2, Okland,
University of California Press, outono de 1965, p. 117-118.
KAHN, R.A. Holocaust denial and the law: a comparative study. Nova York: Palgrave
MacMillan, 2004.
LASSON, K. Defending the truth: legal and pscychological aspects of Holocaust Denial.
Current Psychology, vol. 26, n. 3, dez. 2007.
LIPSTADT, D. Denying the Holocaust: the growing assault on truth and memory. Nova
York: Plume, 1993.
______. History on trial: my day in court with a Holocaust denier. Nova York: Harper &
Collins, 2004.
MILLS, C.W. The sociological imagination. Ed. de 40º aniversário. Nova York: Oxford
University Press, 2000.
40
MORAES, L.E.S. O negacionismo e as disputas da memória: reflexões sobre intelectuais
de extrema-direita e negação do Holocausto. In: Encontro de História ANPUH-Rio, 18.,
2008, Rio de Janeiro: Anais do XVIII Encontro de História ANPUH-Rio, 2008.
______. Pode haver racismo na esquerda: um estudo de caso. História [online], vol. 33, n.
2, 2014, p. 217-249.
REMOND, R. (Org.). Por uma história política. 2ª ed. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2003.
SARLO, B. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. Belo Horizonte; São
Paulo: Editora UFMG; Cia. das Letras, 2007.
41
______. Sociologia. São Paulo: Ática, 1983.
SIRINELLI, J.F. Os intelectuais. In: REMOND, R. (Org.). Por uma história política. 2ª ed.
Rio de Janeiro: FGV Editora, 2003. Cap. 9, p. 231-270.
42
2 - PLANO DE REDAÇÃO.
Introdução.
Para chegar aos resultados que pretendo apresentar neste capítulo, eu elaborei e alimentei
tabelas prosopográficas/biográficas, construí organogramas e tabelas quantitativas e
qualitativas que mapeiam e descrevem relações dos agentes negacionistas em torno e em
relação ao IHR. Fiz isso a partir de fontes nativas, a materiais produzidos por organizações
civis que combatem o extremismo político e também recorri a materiais historiográficos
como auxílio. No geral, esses resultados deverão mostras que o IHR foi uma instituição
polissêmica, que estruturava e era estruturado por certas práticas e relações, que cumpriu
determinadas funções, etc.
63
C.f. WACQUANT, L. Body and soul: notes of an aprentice boxer. Nova York: Oxford University Press,
2004, p. 13, 35.
44
de práticas desenvolvidas em torno da instituição. O objeto aqui serão as IHR International
Conventions (IRC), que foram uma série de encontros negacionistas realizados pelo IHR
entre 1987 e 2002. Esses eventos eram apresentados como fóruns de divulgação científica
e contavam com a participação de figuras destacadas do negacionismo internacional. O
objetivo deste capítulo será o de investigar a lógica e as funções desse tipo de produto de
prática desenvolvido em torno do IHR. Farei isso através da análise dos materiais
produzidos em função dessas conferências e dos relatos que existem sobre elas. O
pressuposto que orientará os procedimentos descritivos e explicativos será o de que as IRC
eram, mais que espaços de recrutamento, de arrecadação de recursos financeiros, entre
outras coisas, um meio de encontro, de socialização, de estabelecimentos de parcerias, de
discussões, enfim, um espaço de produção do IHR.
Este capítulo será dividido em quatro seções. Na primeira eu apresento os eventos, dando
ênfase em suas regularidades e rupturas formais e organizacionais ao longo de suas
edições. Na segunda seção o objeto será o conjunto de pessoas que participaram das
conferências e as circunstâncias de suas participações. A terceira e a quarta seção serão
dedicas às relações desenvolvidas nesses eventos.
Este capítulo funcionará em função dos dois primeiros. Ele se dedica ao principal produto
com marca do IHR: o periódico que imitava os formato das publicações científicas e que
foi produzido e circulado com o título de Journal for Historical Review (JHR). A
proposição do capítulo é de que também a produção do periódico cumpriu funções
socializadoras entre intelectuais da extrema-direita. O objetivo do capítulo será descrever e
explicar a dinâmica dessas relações e de suas implicações. Para tanto, um procedimento de
fichamento dos textos dos volumes do periódico seriam insuficiente. Mais que isso, um
histórico da publicação será apresentado no primeiro nível do capítulo; o procedimento aí
será descritivo e se preocupara com as transformações e permanências das estruturas
formais do impresso. No segundo nível eu farei esses mesmos procedimentos em relação
ao staff administrativo, aos editores e ao conselho editorial; o procedimento aqui também
deverá ser descritivo e me dar condições para os procedimentos explicativos que
45
corresponderão às seções se seguirão a esta. Na terceira seção do capitulo eu descrevo e
explico as regularidades temáticas, as práticas discursivas, as intenções e demais variáveis
que estão no domínio, por assim dizer, propriamente discursivo da produção do JHR. No
quarto nível eu observo as relações que de desenvolveram entre essas práticas discursivas,
objetivos, etc. situando-as em um contexto institucional linguístico. No quinto nível eu
aprofundo esse procedimento para falar de casos de relações que, de certa forma,
contribuíram para dar forma ao campo e ao contexto.
Considerações finais.
46
3- Capítulo da dissertação.
I- Introdução.
Continue e pense comigo que outra fase da elaboração dessa reposta provisória
tenha consistido na objetivação do espaço e da posição do IHR em uma ecologia
diversificada, e que esse espaço tenha sido objetivado e definido em relações a uma
espécie de rede de grupos da extrema-direita, formada em torno de um conjunto de
práticas, de representações, de um léxico, de referências comuns, de projetos políticos e de
opositores no espaço público.
Se eu tiver feito isso, terei conseguido elaborar a proposição de que, agora, falar
do IHR é falar de um microclima, de uma zona, ou de um plateau acidentado e polissêmico
em um relevo conveniente a essas propriedades. Assim, eu poderei ter sugerido que os
produtores e divulgadores de narrativas negacionistas em questão puderam, através do
IHR, puderam contribuir para formar paisagens e estados do negacionismo ao longo de
suas manifestações.
64
LIPSTADT, 1993; ATKINS, 2009.
48
espaços e meios para a socialização, organização, disputas pela definição e consagração65
de agentes, de representações, de objetos, de práticas, de temas e, no geral, das
manifestações do negacionismo ao longo do tempo.
65
C.f. BOURDIEU, 1998.
49
2.1 – Transgressão e consagração.
Não tenho condições de saber se, como e por que o que aquelas pessoas fizeram
naqueles dias despertou ou não a atenção de jornais. E o mesmo fica valendo para o caso
de o encontro ter sido ou não arcano. Mas, ao que parece, o que aconteceu naquele final de
semana foi importante para alguém. O encontro recebeu coberturas diferentes de dois
veículos particulares. Do pouco que se pode saber sobre aqueles dias, sabe-se por estes
registros: um texto descritivo que se quer uma reportagem e um volume que reproduz as
transcrições de algumas das coisas que foram ditas naquele encontro.
66
Anônimo. The world first anti-Holocaust convention. Instauration, vol. 05, n.1, Cabo Canaveral, dez.
1979.
50
internacional que tinha sua importância derivada, entre outras coisas, do fato de ser um
encontro e de ser internacional.
Apesar de o mote do autor comunicar uma ruptura, a descrição que ele fez
colóquio deixa ver que, para ele, o que aquelas pessoas fizeram e disseram não eram coisas
absolutamente novas e estranhas. A convenção tinha um patrono, o então já falecido
historiador Harry Elmer Barnes, de quem se celebrava a memória como a de precursor e
fundador do que aquelas pessoas faziam naquela ocasião e já há algum tempo antes. O que
faziam tinha, portanto, uma história. Uma história de desenvolvimento, de perseguidos, de
censurados, de mártires, de figuras destacadas e de decanos - história que foi contada pelo
escritor anônimo da Instauration através do que ele percebeu e do que ele escolheu relatar
do que se havia feito e dito no colóquio. Há ainda que se levar em conta a possibilidade de
que essas histórias e seus protagonistas fossem conhecidos dos leitores da Instauration. Em
uma seção do primeiro número do mensal, que saiu em dezembro de 1975, outro ou
mesmo escritor anônimo falava sobre o que ele percebia como um cenário de “decadência
da cultura ocidental” e apresentava um sintoma daquela situação. Entre um conjunto de
pessoas a quem ele chamou de revisionistas, havia aquelas que tentavam reabilitar figuras
de esquerda, e que seriam publicamente aclamadas por isso, e havia aquelas que
representavam o contrário. Estas últimas seriam os “revisionistas silenciosos”, censurados
e perseguidos por uma “minoria liberal” por terem questionado “a ideia de que seis
milhões de judeus teriam sido mortos pelos nazistas durante a II Guerra Mundial”. Depois
de declarar esta divisão, o autor passou a falar daqueles “revisionistas” e de suas obras,
conferindo ao conjunto uma ossatura de escolas e vertentes. Fazendo isso, ele declarava e
realizava uma das razões de ser da recém-lançada publicação: a de fornecer um canal e dar
voz aqueles negadores do Holocausto. Resenhas, relatos, comentários, textos autorais e
peças publicitárias sobre o que aquelas pessoas faziam passaram a ocupar, em um ritmo
ascendente, as páginas dos números do mensal que se seguiram.
67
Sobre Butz, Martin, Faurisson, Barnes, App, Carto e o Liberty Lobby, e Udo Wallendy, c.f. ATKINS,
2009.
52
documentários “The Nuremberg Trials” e “Noite e Neblina”, que foram comentados por
Butz, Faurrison e Wallendy após a projeção.
53
Com base nessas declarações, teriam resolvido que o IHR deveria encaminhar ao
congresso dos Estados Unidos uma petição exigindo uma investigação que esclarecesse
questões relacionadas à culpa e à responsabilidade sobre a guerra, à “agressões militares no
século XX”, à violações movidas por interesses políticos e econômicos, “à propaganda de
guerra disfarçada de fato”, à “história distorcida” e outras coisas correlatas. No
encerramento da conferência, Carto teria lançado um concurso que premiaria com $50,000
a quem provasse que câmaras de gás não foram usadas para extermínio em massa de
judeus na Alemanha nazista. Outro ponto alto do encerramento teria sido o anuncio de uma
nova publicação, saudada por Carto como “uma plataforma” para “revisionistas de todo o
mundo”: o Journal for Historical Review (JHR).
Foi essa “plataforma” que serviu de registro e veículo para o conjunto que forma a
segunda narrativa possível sobre os acontecimentos que teriam marcado aquele final de
semana de setembro de 1979. O primeiro número do JHR, que saiu no segundo trimestre
de 1980, nos fala do que foi dito no colóquio. E faz isso por um caminho paralelo ao
percorrido pelo jornalista anônimo da Instauration.
68
Journal for Historical Review, vol. 1, n.1, Torrance, primavera de 1980.
55
As circunstâncias, os porta-vozes, o conjunto comum das referências, dos
aspectos formais, do léxico e das estratégias e regularidades discursivas que caracterizam o
material selecionado indicam que, também para os produtores e divulgadores do primeiro
número do JHR, aquele final de semana de 1979 realizou e significou uma espécie marco,
mas de um marco diferente daquele anunciado pelo repórter da Instauration. Vou
demonstrar a viabilidade dessa sugestão começando por uma análise das transcrições das
comunicações apresentadas na primeira IRC.
Quanto ao Holocausto, a ele interessava banalizar ou, nos seus termos, “reforçar a
simplicidade do que seria ‘a fraude’” (the hoax). Foi a isso que ele dedicou a segunda
seção de sua palestra. Para Butz, não haveria nada de complexo na definição do
Holocausto nestes termos e no geral; a complexificação do tema seria o sintoma de uma
doença cultural que teria engendrado, como uma espécie de terapia curativa, os esforços do
"revisionismo".
69
BUTZ, A. The international “holocaust” controversy. Journal for Historical Review, vol. 1, n.1, Torrance,
primavera de 1980, p. 5-22.
56
resultado do colapso da Alemanha e da proliferação de epidemias; os nazistas não teriam
exterminado internos por que isso seria contraproducente para o esforço de guerra alemão;
crematórios eram regulares e funcionavam para incinerar corpos mortos naturalmente ou
em decorrência das epidemias; os campos que eram chamados de “extermínio” teriam
inexistido na Alemanha; as câmaras de gás seriam uma ficção. Afirmar essa simplicidade
seria parte do processo curativo da “doença cultural” a que Butz se refere.
Ainda falando sobre o que não falaria, Butz usou a terceira seção de sua fala para
justificar o título de seu livro e, portanto, a forma como ele tratava o Holocausto como
fraude. Ele acreditava que o tratamento do Holocausto como “a fraude” (the hoax) teria
provocado reações negativas, mas defendia que essas reações seriam desmedidas e que sua
escolha seria justa simplesmente por que o nome corresponderia à coisa nomeada, de
maneira auto-evidente e óbvia. São essas reações que servem de gancho para o momento
em que Butz passa a falar sobre o que havia intencionado falar. E aí ele entra no domínio
daquilo que seria o centro articulador de sua fala: a “controvérsia internacional sobre a
fraude”.
Para Butz, falar sobre tal controvérsia era, por assim dizer, estabelecer o quadro
geral da “doença cultural” a qual ele se referiu: uma espécie de fetichismo; um problema
social, enquanto “histeria coletiva provocada pela mídia”; e um “problema político”,
enquanto "instrumento de exploração" e "plataforma para a realização de interesses
particulares" que existiriam “enquanto houvesse um Estado judeu”.
Neste ponto, Butz retoma o que disse e oferece uma conclusão aos seus ouvintes
e/ou leitores. Para ele, esse processo mostrava e confirmava coisas que ele já havia dito. A
primeira destas coisas é a que o grupo a que ele nomeia, e no qual se inclui à distância, o
dos “revisionistas da solução final”, seria formado por uma espécie de paladinos: mesmo
com poucos recursos, eles teriam feito coisas extraordinárias que não poderiam ser
medidas em termos qualitativos, mas em termos da penetração da “tese” do Holocausto
como fraude no espaço público. Ele termina deixando indicado que havia um espaço aberto
a ser conquistado: o de virar o jogo, o de estabelecer a banalidade e a possibilidade de se
questionar o Holocausto, e fazer isso de forma legítima, com qualidade científica, para que
a percepção pública sobre o Holocausto se transformasse e se afirmasse na “tese” da
negação do Holocausto como política e processo de extermínio nazista. Ocupando esse
espaço, a tal controvérsia chegaria ao fim. E esse espaço seria, para Butz, o espaço e o
sentido do IHR: foi para começar a preencher esse vácuo, antes ocupado por “publicações
ideológicas”, que aquelas pessoas as quais Butz qualificou como bem informadas e
versadas se reuniram naquele final de setembro de 1979.
58
O texto que segue o de Butz é o da transcrição da palestra de Faurisson, que falou
sobre o funcionamento de câmaras de gás. A fala transcrita de Faurisson se desenvolve
num movimento difuso em torno do argumento de que a existência de câmaras de gás para
extermínio em massa de pessoas seria uma coisa impossível e que, se assim fosse, seriam
inválidos e mentirosos todos os depoimentos e declarações que dizem o contrário,
incluindo aí os dos oficiais nazistas aos tribunais do pós-guerra.
70
FAURISSON, R. The Mechanics of Gassing. Journal for Historical Review, vol.1, n.1, Torrance,
primavera de 1980, p. 23-30.
59
anterior, nada poderia atestar a verdade sobre o que Höss teria dito em relação ao
extermínio em câmaras de gás em Auschwitz. Disso Faurisson concluiu que seriam falsos
todos as declarações e confissões de testemunhos sobre as câmaras de gás, simplesmente
por que as câmaras de gás como dispositivo de extermínio em massa não poderiam ter
existido.
71
FITZGIBBON, L. Hidden aspects of the Katyn Massacre/The lost 10.000. The Journal for Historical
Review, p. 31-43.
72
Sobre estes e outros aspectos massacre, os documentos e as disputas publicas pelas narrativas sobre Katyn
ao longo do tempo, e o lugar de FitzGibbon nesses processos c.f. CIENCIALA, A. M.; LEBEDEVA, N.S;
WOJCIECH, M. Katyn: a crime without punishment. New Haven: Yale Universty Press; Federal Archival
Agency of Russia; Head Office of State Archives in Poland, 2007, p. P. 242, 333,; SANFORD, G. Katyn and
the Soviet massacre of 1940 - truth, justice and memory. Abingdon; Nova Irque: Routledge, 2005.
60
A transcrição da palestra de Austin J. App, que recebeu o título de “O Holocausto
em perspectiva”, é a que se segue ao texto de FitzGibbon. A perspectiva em que App
percebe o Holocausto é fornecida pela declaração axiomática de que “a propaganda”, boa
ou má, é um elemento constitutivo e essencial de qualquer grande guerra; se é assim,
para o caso da II Guerra isso também é verdadeiro, e os agravantes que particularizariam
aquela experiência atestariam se tratar, neste caso, de má propaganda: os vitoriosos teriam
reclamado rendição total dos vencidos; teriam sido guiados a isso por aquilo que App diz
ser “as mais vingativas ideologias do mundo”, o “sionismo” e “o bolchevismo”; e, em
função desse mesmo enquadramento ideológico, agora refletido no slogan “jamais
esquecer, jamais perdoar”, teriam continuado a guerra contra os vencidos através da
propaganda. A própria guerra, os tribunais, os acordos, as convenções e uma crescente de
retaliações e, em extensão, todas as ações de política externa dos Aliados, especialmente as
dos EUA, contra a Alemanha são incluídos nesse processo de continuação da guerra por
outro meio73.
É nesse processo, como um ponto alto e decisivo, que o Holocausto teria sua
inteligibilidade e seu sentido como estratégia e instrumento de propaganda produzida por
uma política externa comprometida com aquilo a que se App se refere como “o sionismo”
e “o judaísmo mundial”. Esta é a tese que App apresentou em sua palestra. A transcrição
de sua intervenção, como no caso da de Faurisson, não foi sistematizada em um texto
formalmente seccionado, o que reforça o caráter de oralidade do texto e a dispersão dos
argumentos que lhe é característica.
Entretanto, a linha do raciocínio de App pode ser seguida em pontos nos quais ele
aparentemente tenta justificar a sua tese. Na parte introdutória de sua palestra, em um
movimento difuso, entre avanços e repetições em que se intercalam determinados pontos
que serão contemplados ao longo da palestra, ele apresenta sua tese; fala de si, de seu
trabalho e de sua formação, buscando autoridade para falar do que vai falar em sua
trajetória; e fala do lugar e da missão do que chama de “revisionismo histórico” e do IHR
em relação a isso.
73
APP, Austin J. The “Holocaust” put in perspective. Journal for Historical Review, vol. 1, n.1, Torrance,
primavera de 1980, p. 43-59.
61
App diz ter começado a perceber e a denunciar as violações cometidas pelos EUA
e por outros países Aliados contra a Alemanha logo no imediato pós-guerra. Essas
denúncias, segundo ele, teriam sido mal recebidas pela imprensa e isso não teria afetado
sua dedicação e preocupação com o tema da política externa estadunidense, que teria o
acompanhado desde o período de sua formação universitária, no entre-guerras. É essa
preocupação e dedicação que teriam permitido a App perceber como uma aberração a
participação dos Estados Unidos nas duas grandes guerras; para ele, a entrada dos EUA
nos conflitos teriam observado apenas interesses e influências externas. Para App, a missão
do "revisionismo" era mostrar isso e o IHR represetaria o reconhecimento dessa
empreitada.
Segundo App, a boa política externa é aquela que é executada por nacionais e em
função dos interesses nacionais. A sua percepção, que atravessa a palestra, é a de que este
não seria o caso dos EUA. A política externa estadunidense seria uma aberração por que
seria conduzida por e/ou em função de interesses não nacionais de entidades como “os
judeus” ou “os sionistas”. App considerava que o fim da política de neutralidade, o apoio à
declaração de Balfour e a entrada dos EUA na I Guerra tenham sido orquestrados por “os
sionistas/os judeus” infiltrados no governo de Woodrow Wilson; declarava que essas
medidas teriam levado o mundo e os EUA à Segunda Guerra e a um acerto final
sionista/judeu/comunista desta, o que teria implicado na destruição da Alemanha e na
criação de recursos para fazer isso de maneira continuada e sistemática, tais como os
planos de ocupação, os julgamentos internacionais, o Holocausto e as reparações. Para
App, essa situação, mais a criação do “Estado Judeu” na Palestina e os seus efeitos
62
provocariam a eclosão de uma III Grande Guerra que, mais uma vez, seria uma “guerra
dos judeus”.
No terceiro ponto de sua palestra, App falou dos pioneiros da missão apresentada
por ele como sendo a “dos historiadores revisionistas”. Aqui ele referiu-se a trabalhos de
negacionistas Paul Rassinier, Butz, Josef Burg, Helmut Divald e David Irving, que ainda
não teria abraçado por completo a tarefa. App falou mais sobre o trabalho de Butz do que
qualquer outro, e isso por causa do caráter aparentemente conclusivo do livro de Butz (“os
judeus europeus não teriam sido exterminados por que não havia interesse da Alemanha
que eles fossem exterminados”) e pelas reações que ele teria causado.
App considerava que o livro de Butz tivesse provocado o interesse público pelo
tema do Holocausto e repostas como uma “História do Holocausto” de grande circulação
produzida pela Anti-Defamation League e a mini-série Holocausto, produzida e exibida em
1978 pela NBC, e que recebeu audiência massiva. Ainda neste ponto, ele volta no tempo e
passa a falar dos processos que se iniciaram com o Acordo de Luxemburgo, em 1952, e
que regularam o pagamento de reparações e indenizações prestado pela República Federal
da Alemanha à Israel. Quando falou desses processos, App falou como eles tivessem sido
orquestrados por Israel em conluio com os Estados Unidos e a Inglaterra, e, portanto, como
resultado dessa guerra continuada como propaganda contra a Alemanha, declarando que:
Depois disso, ele parte para a conclusão, onde declara que um “mundo decente e
justo” seria um mundo em que os danos causados por essa guerra continuada e a “mentira
dos seis milhões” que lhe seria constitutiva fossem extirpados. E isso começaria pelo
74
Idem, p. 57. Tradução minha de "Surely the atrocity story of the extermination of six million Jews has been
and still is the profitable invention and swindle in world history. So organized and so supported by perjury is
this ‘manna’ from the German taxpayer, that one might suspect virtually every Zionist in the world or
someone in his family of being a beneficiary of a pension or a indemnity based on the lie of the six million."
63
“estabelecimento da verdade” sobre a política nazista para os judeus. App então apresenta
o um de seus trabalhos como solução para esse problema. Em 1973, ele havia publicado
um panfleto intitulado “The six million swindle”; segundo ele, desde a publicação deste
trabalho, estudos haviam confirmado o que ele disse e então “destruído todos os
fundamentos do ‘Holocausto’ e exposto como uma mentira insolente a história dos seis
milhões asfixiados”. Nessa parte, querendo demonstrar isso, ele apresenta a seção mais
famosa do panfleto, a “as oito asserções incontestáveis sobre o Holocausto”, concluindo
com a declaração de que ele mesmo teria colhido provas que atestariam “a mentira dos seis
milhões”.
75
WALENDY, U. The fake photograph problem. Journal for Historical Review,vol. 1. n.1, Torrance,
primavera de 1980.
64
por cerca de 40 títulos comercializados pelo IHR e a ficha biográfica dos autores que
assinaram os textos daquele número do períodico. O texto de Felderer, a resenha de Weber
e o catálogo só podem ser compreendidos em relação ao conjunto que compõe a edição.
Fora o segundo texto da série "Auschwitz notebook", que foi publicado no número seguinte
daquele volume, e apesar de ter passado a integrar o conselho editorial do JHR, Felderer
não teria mais nenhum texto desse tipo publicado no periódico, da mesma forma como não
foram mais publicados catálogos extensos como aqueles.
Esses sentidos não estão ausentes na narrativa organizada no primeiro JHR. Ela
também registra um ato inaugural e a operação de uma transgressão na ordem do possível.
Mas ela vai além e realiza, incorpora e comunica um ato de instituição que não se encerra
na performance, na liturgia e na enunciação solene. Ali começa a se delimitar o que seriam
os objetos e os porta-vozes legítimos daquele campo; o que se poderia e o que não poderia
falar, quem poderia ou não poderia falar, e de onde deveria se falar sobre o passado, no
geral, e sobre o Holocausto, especificamente 76.
76
C.f. MORAES, 2008.
65
“historiadores profissionais/historiadores não profissionais”, “verdade/mentira”,
“fraude/autenticidade”, etc., é, nesse caso, a manifestação do que Pierre Bourdieu chamou
de lutas de representações pelo “monopólio de fazer ver e crer, de fazer conhecer e
reconhecer, de impor a definição legítima do mundo social e, por essa via, de fazer e
desfazer grupos [...] estabelecer o sentido e o consenso sobre o sentido”77.
Lista de Fontes.
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