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Universidade Federal de Pelotas

Instituto de Ciências Humanas


Programa de Pós-Graduação em Memória Social e
Patrimônio Cultural

Passagens da Museologia:
a musealização como caminho
Bruno Brulon

Apresentadora: Paula Pereira Pinto


Disciplina: Patrimônio e Estratégias de Conservação
Bruno
César
Brulon
Soares

Bacharel em Museologia – UNIRIO


Licenciado e Bacharel em História – UNIRIO
Mestre em Museologia e Patrimônio – UNIRIO
Doutor em Antropologia – UFF
Doutor em História – UFF
1. Introdução

“Musealizar é mudar algo de lugar; às


vezes no sentido físico, mas sempre
no sentido simbólico. É recolocar, ou Performance museal
dispor para revalorizar. Reordenar, =
sem a perda de sentidos, mas visando Musealização
a aquisição de informação ou a sua
potencialidade. Processo este que
escapa aos limites do museu.”
(BRULON, 2018, p. 190)
• Stránsky (1965) questiona o objeto de estudo da Museologia:
como o museu poderia ser o objeto central da Museologia?

• Nesse contexto, ocorre um abalo das estruturas o que leva


ao aparecimento de novos conceitos.

“O presente texto demonstra como os diversos caminhos


teóricos da Museologia contemporânea levam essa
disciplina a assumir a musealização, ato social de
construção de valores e transformação de realidades por
meio da comunicação museológica, como o seu principal
objeto de investigação.” (BRULON, 2018, p. 191)
2. Metodologia

• Revisão bibliográfica aliada à análise crítica das diferentes acepções


do termo na Museologia.

• Experimentação do conceito de Museologia em casos práticos,


considerando os trabalhos realizados pelo Grupo de Pesquisa
Museologia Experimental e Imagem – MEI, da Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, no qual diversos projetos se
voltam para a musealização como um conceito teórico-prático e
aplicado aos diferentes contextos e nas unidades sociais em que ele
vem sendo empregado.
3. Passagens da musealização: a transformação de
um conceito teórico-prático

Em 1980, Stránský definiu a


Na história do termo Museologia como “uma disciplina
“museologia”, primeiramente científica e independente cujo
colocava-se no centro deste ramo objeto de conhecimento é uma
de conhecimento os objetos postura específica do homem com
materiais, depois, os museus. a realidade”, estabelecendo que “a
natureza da museologia é a de
uma ciência social” que contribui
para a “compreensão da
sociedade humana” (STRÁNSKÝ,
1980, p.39).
A reflexão museológica partiria, então, dessa
passagem dos

outras instâncias de
museus consagração da relação
humana de atribuição de
valor
O conceito de musealidade como a “qualidade” ou o “valor” dos musealia,
aparece na obra de Stránský em 1970, sendo, então, defendido como o
verdadeiro objeto de interesse da Museologia.

Segundo o próprio Stránský, o papel do museólogo não devia ser o de


apontar o valor nas coisas, mas o de compreender como e por que um
objeto adquire valor.

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“é somente por meio de métodos
Em seguida, Stránský específicos da museologia que é
revela um interesse pelo possível descobrir aquilo que faz de
um objeto comum um objeto de
processo da museu” (STRÁNSKÝ, 1995, p.20).
musealização:
A musealização, para Stránský, foi definida como
“a aquisição da qualidade museal” (Ibidem, p.28);
entendida como um processo, pensado por ele como
universal, de atribuição de valor às coisas da
realidade, que demandaria que a Museologia
reconfigurasse a sua finalidade básica de invenção dos
valores, para se propor à investigação dos próprios
valores.
Para Stránský (1995, p.29), enquanto a patrimonialização, expressão
demasiado vaga, designa um tipo de preservação passiva, a
musealização, ao contrário, dependeria de uma abordagem ativa,
que perpassa três ramificações previstas na teoria da Museologia
proposta pelo autor:

1 Seleção - identificar o “potencial de musealidade” nos objetos.

Tesaurização - processo de inserção do objeto no sistema


2 documental da nova realidade de uma coleção ou museu.

Comunicação museológica - processo por meio do qual uma


3 coleção ganha sentido, tornando-a acessível e transmitindo o seu
valor científico, cultural e educativo para um público.
O museólogo holandês Peter van Mensch propõe a Museologia como o
modelo PPC, que se refere às funções básicas do museu de Preservação,
Pesquisa e Comunicação.

Para o belga François Mairesse (2011), a musealização, em seu sentido


mais tradicional, implica necessariamente no conjunto de atividades do
museu: preservação (seleção, aquisição, gestão, conservação), pesquisa
(com fins de catalogação) e comunicação (por meio da exposição, das
publicações, etc.).

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A brasileira Marília Xavier Cury enumera quatro momentos para a
musealização que, segundo ela, trata de um processo de valorização de
objetos:
1 seleção dos objetos que serão integrados a uma coleção ou acervo;
2 inserção do objeto no contexto museológico;

3 escolha de objetos para compor a exposição;

4 processo de comunicação.

Em linhas gerais, a autora sintetiza o termo musealização como processo de


aquisição, estudo, documentação e comunicação do patrimônio cultural
com ênfase na exposição.
“E em todos esses momentos
ele [o objeto] estará sendo
musealizado, em passagem
contínua ao que constitui e
constituirá o seu valor, por
meio de um vir-a-ser eterno
que faz dele objeto de museu.
Isto porque, como musealia,
ele se torna “perpetuamente”
uma potência da
performance museal.”
(BRULON, 2018, p. 200)
Figura 1. Cadeia retroalimentar da musealização.
4. A performance museal: entendendo a
musealização como passagem criadora

Como um gesto social, levando à ação


criativa, a musealização instaura sobre a
realidade um ritual ou uma
performance ritualizada, que podemos
entender como a performance museal.
Em última instância, é ao museu que
este ritual remete, mesmo quando a
instituição em si não está manifestada.
Nesse sentido, a musealização instaura
uma passagem ao estado sagrado –
ainda que laico – na nova existência
museológica. Figura 2. Cadeia elíptica da musealização
(BRULON, 2018, p. 201) resultando na produção contínua de
musealidade.
Esse estado sublime constituído pelo ritual, por meio do qual as
coisas do real adquirem novas qualidades imateriais, é o que se
chamou na Museologia de “musealidade”.
Podendo ser entendida como “a característica do objeto
material que em uma realidade documenta uma outra
realidade” (MAROEVIĆ, 2004, p.45), a musealidade é um valor
criado pela mudança cultural.
Ela atesta a crença na diferença reconhecida entre o universo
banal e o universo mágico criado pela musealização, e logo ela
é produzida por meio da performance museal. (BRULON, 2018,
p. 202)
5. A passagem à Museologia: a musealização como
objeto da pesquisa museológica

• Para Brulon (2018), a pesquisa museológica existe na medida em que


entendemos a cadeia da musealização como objeto empírico e como modelo
metodológico para a Museologia.

• A pesquisa museológica [...] antecede o museu, assim como existe para


além dele, do mesmo modo que a musealização não se limita aos
perímetros – conceituais e físicos – dessa instituição social.

• [...] considerando a percepção de que não existem vínculos absolutos entre


museu e Museologia, o que os permite aceitar “a possibilidade de existência
de museus sem museologia e museologia sem museus” (SCHEINER, 2005,
p.100).
6. Considerações: a musealização como caminho para a
reflexão crítica sobre a ação
[...] compreender a Museologia Percebemos o museu como o
como uma ciência social e instrumento que encena a relação do
humana no contemporâneo, ou homem com a realidade e que é, por
sua vez, encenado neste processo; e a
compreendê-la como um
musealização como a ação simbólica
conjunto de saberes de base que atua sobre a realidade mudando a
para a “reflexão sobre a ordem das coisas para produzir novos
musealização” (GÓMEZ, 2017), sentidos a partir das coisas – como um
permite, finalmente, a integração verbo reflexivo, a musealização
do humano em nossas análises permite à cultura voltar-se para si
museológicas. (BRULON, 2018, mesma, instaurando uma nova ordem
cultural museológica. (Ibidem, 2018)
p. 206)
A metodologia de uma museologia experimental e
reflexiva, portanto, nos leva a enxergar a cadeia da
musealização abarcando sensível e conscientemente
todos os seus atores, nos diversos níveis em que se
dá a passagem ao estado de musealidade. (BRULON,
2018, p. 208)

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Nesta seara aberta da Museologia Experimental, somos levados,
frequentemente, a nos colocar perguntas sobre a nossa própria atuação na
cadeia da musealização.

Por exemplo, o quão conscientes A quem estamos dando voz?


somos do nosso próprio papel Quem estamos silenciando?
construindo musealidade? Quais representações escolhemos elevar
Como reconhecemos a nós mesmos, nos museus?
como cientistas ou atores de um Em detrimento de quais outras que são
certo ritual, no processo de apagadas?
musealização? Para quem fazemos comunicação
Quais objetos escolhemos expor? museológica?
Que critérios utilizamos nesta Quem estamos ouvindo? Quem nos ouve?
seleção? Quem convidamos aos nossos museus?
Em que medida influenciamos as Quem excluímos?
comunidades com as quais Para quem e com que propósito estamos
trabalhamos no ato de musealizar o sendo reflexivos, afinal?
seu patrimônio?
Referência

BRULON, Bruno. Passagens da museologia: a musealização como


caminho. Museologia e Patrimônio, v. 11, nº 2, p. 189-210, 2018.
Disponível em:
http://revistamuseologiaepatrimonio.mast.br/index.php/ppgpmus/article/vi
ew/722/657. Acesso em 30 out. 2020.

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