Você está na página 1de 39

Cultura Material e Museologia

2008/2009
6 ECTS 2ºAno Obrigatória

1. Objectos como agentes


A cadeira procura pensar sociais
os objectos e os museus 2. O “sistema material” e a
numa perspectiva “biografia dos objectos”
cultural, abordando 3. Os objectos técnicos como
algumas das principais mediadores da acção social
contribuições teóricas 4. Os objectos, as colecções e
que permitem a sua os museus como modos de
conceptualização representação cultural
enquanto mediadores 5. Os museus como objectos
culturais. culturais
1. Kirshenblatt-Gimblett, B. 1998
(1991) “Objects of ethnography”
2. Pomian, K. 1984 (1978)
“Colecção”
3. Bennett, T. 1988 (1996) “The
exhibitionary complex”
1. Objectos de Etnografia

Sobre a poética da dissociação:


1. Artefactos etnográficos são objectos de
etnografia: são artefactos criados por
etnógrafos
2. Fragmentação in situ e in context
2.1. In situ – metonímia e mimese
2.2. In context – interpretação e grelha
teórica; forte controlo cognitivo; espécime
como documento
«The Agency of Display»

O que significa colocar algo em exposição?

Esta questão é colocada por B.K-G. relativamente a um


conjunto de lugares destinados a dar a ver, a mostrar
ou exibir, lugares tão diversos e diferenciados como os
museus, os festivais, as exposições universais, os
memoriais e as atracções turísticas.
Dentro do processo expositivo, a questão central não é saber
se um objecto possui intrinsecamente um interesse visual (ou
mesmo outros tipos de interesse), mas questionar sobre os
modos pelos quais esse interesse é suscitado ou criado.

B. K-G. questiona a convicção segundo a qual o interesse


visual é um requisito para a entrada de objectos em
exposição, opondo-se a outras visões que defendem que é o
interesse visual que deve determinar o que é exposto.
Problemas: como se determina esse interesse visual?

Como se escolhe o que é exposto? Segundo que critérios?


Interesse visual, histórico, cultural...?
O que é um objecto etnográfico e como é que ele deve ser
pensado dentro de uma exposição?
É a partir deste conjunto de questões que o texto analisa o
processo de categorização dos objectos e a constituição da
categoria de “objecto etnográfico”.
O objecto etnográfico não existe a priori, não é “etnográfico”
porque é feito deste ou daquele material, porque tem um
aspecto exótico ou porque foi encontrado na aldeia X em
Trás-os-Montes...
Um objecto etnográfico é um artefacto criado pelo saber
etnográfico, mais precisamente pelos etnógrafos que
definem e constroem esta categoria através de um
processo de fragmentação. O objecto etnográfico é
descrito, definido, segmentado, dissociado e transportado
pelo etnógrafo durante o exercício etnográfico.
O objecto etnográfico pode ser pensado como um
fragmento etnográfico, na medida em que corresponde
sempre a um processo de excisão, de corte – Poética da
dissociação.

Dissociação, diz a autora, refere-se não só ao acto físico


de produzir fragmentos, como também à atitude dissociada
que torna essa fragmentação e a sua apreciação possíveis
(p. 18). Isto significa que a poética da dissociação remete
para o processo de produção de fragmentos, neste caso, o
processo disciplinar/etnográfico de produção desses
fragmentos etnográficos.

As diversas designações atribuídas ao objecto –


curiosidade, objecto de arte, objecto etnográfico, artefacto
– remetem-nos não tanto para o objecto mas para as
vicissitudes que atravessam os domínios de
conhecimento e seus modos de conceber as relações
parte-todo.
Neste texto, B. K-G. lança também um modelo de
distinção entre dois modos de apresentar as colecções,
tendo em conta essas relações parte-todo e os
problemas da criação de significados (deslize entre a
representação e o que é representado).

Ambos remetem para a ideia de que “o objecto é uma


parte que está numa relação contígua com um todo
ausente que pode, ou não, ser re-criado” (p.18):
- in situ
- in context

Não são mutuamente exclusivas.


- Metonímia: Sublinha a natureza
fragmentária do objecto, expondo-o na sua
In situ parcialidade (em remissão para um todo).

-Mimese: simulam a realidade; salas de


Partem de um conceito de cultura como época, aldeias indígenas, ambientes recriados,
um todo coerente e homogénio, passível rituais representados, etc.; coloca os objectos
de ser “captado” numa representação in situ, expandem o fragmento etnográfico
expositiva. No caso mimético mais para além do corte
extremo, como a autora refere, as
exposições miméticas incluem pessoas - operam de um modo panóptico, onde o
observador vê sem ele mesmo ser visível
vivas, que representam as culturas em (p.54)
exposição.

Apesar da aparência de realidade


(simulacro), as exposições nunca são
neutras. Aqueles que concebem a
exposição constroem o tema ou o
conteúdo do que é exposto. Tal como o
objecto etnográfico é uma criação do
etnógrafo, também os “todos culturais”,
as “culturas” donde esses objectos
partem e que assim são apresentadas
são. Correspondem sempre a visões
sobre a realidade (Ex. representação de
Espanha como nação nas expos)

Privilégio da imersão do visitante e da


experimentação, recriando um mundo
visual semelhante à da viagem turística.
In context
Disposição dos objectos segundo Operam de modo paronâmico,
quadros teóricos de referência apresentando o mundo conceptualmente,
(taxonomias, sequências segundo uma classificação. O observador
evolucionistas, desenvolvimento é soberano de tudo aquilo que vê. É uma
histórico, etc.), utilizando visão compreensiva, extensiva,
técnicas específicas de arranjo governadora e engrandecedora (p. 55).
dos objectos de modo a veicular
os conceitos subjacentes.

A inclusão de informação
(legendas, gráficos, diagramas,
comentários audiofónicos,
programas audiovisuais, visitas
guiadas, folhetos, catálogos, os
outros objectos expostos, etc.)
que contextualiza o objecto
coloca-o in context e não in situ.

Exercem um forte controlo


cognitivo sobre os objectos.
Criam e tornam explícito
determinados interesses ou
significados no objecto.
Os objectos etnográficos, na sua trajectória que passa pela
sua inclusão numa colecção museológica, atravessam um
processo de singularização. Enquanto objectos singulares são
reclassificados, podendo até, no extremo, serem exibidos
como arte. Mas essa capacidade de permanecer isolado
reflecte menos sobre a natureza do objecto do que sobre as
nossas categorias e atitudes.

Os objectos passam por diversas designações:


- curiosidade (anómalos, desafiam a classificação)
- espécimes (história natural, etnografia; classes taxonómicas;
séc. XIX)
- objecto de arte (singularidade)

Estas designações remetem-nos não tanto para o objecto mas


para as vicissitudes que atravessam os domínios de
conhecimento e seus modos de conceber as relações
parte-todo.
Limites da dissociação:
- Intangível (parentesco, cosmologias, mitos, valores, etc.)
- Efémero (história oral, ritual, dança, performance)
- Imovível (paisagem, monumentos)
- Animado (vivos ou mortos; espécimes de história natural; pessoas;
restos humanos)

Para além da excisão, a etnografia também produz documentos


tangíveis (objectos) por inscrição. Porque “inscrevemos o que não
podemos transportar, seja em notas de campo, registos,
fotografias, filmes, desenhos” (p.30). Paralelamente a objectos
etnográficos os etnógrafos produzem documentos
etnográficos, ainda que os objectos sejam cotados de um efeito
mais realista, mais metonímico.

Finalmente, o texto chama atenção para o efeito-museu. As


exposições transformam o modo como as pessoas olham para os
seus contextos imediatos. É um efeito em dois sentidos: a
espectacularização do ordinário (objectos aparentemente triviais
são singularizados, o quotidiano torna-se espectacular) e a
normalização do extraordinário (experiência do museu
transportada para fora das suas paredes).
As exposições, sejam de objectos ou pessoas, são
sempre exposições de artefactos das nossas disciplinas.
São por este motivo também exposições daqueles que
as fazem, independentemente de qual seja
ostensivamente o tema. A primeira questão a ser
levantada numa análise crítica é sobre as convenções
que guiam a exposição etnográfica, como é que as
exposições constituem os seus temas e com que
implicações para aqueles que vêem e são vistos. As
exposições museológicas, as performances folclóricas,
os festivais, as feiras, etc. São guiados por uma poética
da dissociação, porque implicam um processo de
fragmentação (produção de fragmentos etnográficos) e
uma atitude dissociativa. A questão não é se um objecto
tem interesse visual, mas sim a criação desse e de
outros tipos de interesse (p. 78).
2. Colecção
As colecções como mediadores visíveis do invisível (e
como operadores de relações sociais):
1. Formas de relação: metáfora, metonímia, analogia e
contiguidade
2. Oposições entre objecto-semióforo e objecto utilitário:
maximização para o significado e maximização para o
uso
3. Os percursores do museu moderno: antiguidades,
curiosidades, objectos de arte, instrumentos científicos
4. O museu como objecto colectivo: coisa, significado,
colectivo/consenso
Existe uma característica mínima que esteja subjacente ao
universo vasto e heterogéneo de museus e colecções,
públicas e privadas, existentes no mundo?

1. Quando um objecto chega a um museu, ou entra numa


colecção, perde a sua utilidade anterior, passa a ser um
objecto essencialmente de contemplação

1. Apesar de ser um objecto de contemplação, um objecto de


museu não é decorativo, é altamente preservado,
conservado, vigiado, protegido - o que nos indica que é um
objecto de valor; o facto de se encontrar fora do circuito
das actividades económicas, ie ser considerado inalienável
e não uma mercadoria (cf. Appadurai), não significa que já
não o tenha sido ou não volte a sê-lo
A colecção é o elemento mínimo definidor de todos estes
objectos:

“Qualquer conjunto de objectos, naturais ou artificiais,


mantidos temporaria ou definitivamente fora do
circuito das actividades económicas, sujeitos a uma
protecção especial, num local fechado preparado para
esse fim, e expostos ao olhar do público” (p. 53)

a. Objectos (e não momentos)


b. Inalienáveis, valiosos
c. Exibidos
Donde vem o valor dos objectos da colecção (que faz
com que se tome tantas medidas para prevenir a sua
deteriorização, para a sua protecção, para a sua exibição)?

Se, por um lado, os objectos da colecção perderam o seu


valor de uso, por outro, apesar de estarem
temporariamente arredados dos circuitos de mercado,
mantém um valor de troca.

Hipótese 2: argumento estético,


Hipótese 1. argumento
que concebe certos objectos de colecção
psicologista, que associa o acto de como fonte de prazer estético e de
coleccionar a um instinto ou a uma
prestígio, fazendo os objectos funcionar
propensão para acumular, como testemunhos do gosto, das
retirando-o do seu próprio
capacidades intelectuais, de quem os
processo de significação, do seu
adquiriu
contexto
Problemas:

Em que consiste o prazer estético? Porque é que se


procura adquirir conhecimentos científicos? Qual a
razão do prestígo conferido por estes objectos?

Se olharmos para colecções noutras sociedades, estes


princípios manter-se-ão? (sociedades do passado, não-
ocidentais)
Pomian identifica, ao longo da história, alguns conjuntos de
objectos que cumprem as características elementares na
definição da colecção

• Mobiliário Funerário
• Oferendas
• Presentes e despojos
• Relíquias e objectos sagrados
• Tesouros reais

Estas várias colecções diferem muito das contemporâneas e


também umas das outras, já que não se formaram nos
mesmos tipos de locais, os objectos não têm o mesmo
carácter ou origem, os seus observadores não se
comportam da mesma forma (cf. Argumento de Shelton em
relação à história descontínua do coleccionar e dos
museus). O argumento de Pomian é estruturalista.
A relação entre o visível e o invisível
Os objectos que compõem o mobiliário funerário ou as oferendas aos
deuses materializam as relações de troca entre os vivos e os mortos, bem
como as suas vicissitudes dessas relações (aqueles destinam-se a garantir
a protecção ou neutralidade dos mortos, estes podem também funcionar
como garantia de favores dos antepassados ou dos deuses).
Não sendo expostos ao olhar dos homens não significa que estes objectos
não cumpram a sua função de exibição.

Pomian problematiza a relação entre o visível e o invisível através da


questão da linguagem e da operação de representação implicada entre o
que é dito e o que é percebido, entre a representação e o representado.
Distinguem-se 4 eixos semióticos para o enunciado «A representa B»:
-A é uma parte de B (metonímia)
-A está próximo de B (contiguidade)
-A é um produto de B (causalidade)
-A é semelhante a B (analogia)
No entanto, como refere Pomian, o enunciado completo é composto por
um terceiro elemento: «A representa B, do ponto de vista de C».
A linguagem opera sempre na triangulação entre representação,
representado e um observador, ou sujeito, que assegura a adequação
e a eficácia da relação entre A e B. Para a admissão do enunciado (ou
a sua inteligibilidade) é necessário um consenso mínimo sobre a
relação entre A e B, podendo A ser um objecto visível e B um mundo
invisível (um conceito, uma divindade, uma entidade imaterial, etc.)
ou vice-versa. Para admitir a existência de algo que não é visível (B),
tem de existir uma crença no enunciado de A (não sendo o discurso, a
palavra, por si só suficientes para a sua validação).

Os objectos de colecção, enquanto materializações do invisível e


operando através de um processo de significação (por metonímia,
analogia, causalidade ou contiguidade), são duplamente
mediadores:
- Entre o mundo de cá e o mundo de lá
- Entre o espectador que as vê e o mundo donde vêm
Todos os objectos que Pomian vai descrevendo são
intermediários entre os espectadores e o
invisível. Esta relação é historica e culturalmente
específica.

Aquilo que caracteriza objectos tão diversos que


compõe as colecções privadas e dos museus é o
facto de participarem numa troca entre o visível e
o invisível. Estes objectos asseguram a função de
comunicação entre os dois mundos e por isso são
valorizados, mantidos fora de circulação, mas
também procurados (por serem preciosos há
sempre forças que os puxam para as esferas
económicas) e por isso protegidos (p.66).
O que é o invisível?

A ideia do invisível leva pressuposto que o que se vê é apenas


uma parte daquilo que existe. Podemos estar a falar do
distante (espaço, tempo), do que está para além do espaço
(extraterrestre) ou para além do tempo (eternidade), do
etéreo ou imaterial. Podem ser deuses, antepassados, mortos,
outras pessoas, acontecimentos, a natureza, etc.

Sendo esta relação contingente, é preciso olhar não só para


a diversidade de objectos, como também para os seus
destinatários e emissores, para as modalidades de
transmissão das mensagens.

É também uma relação dialéctica, porque se os


espectadores são invisíveis, trata-se de um mundo visível, e
se os espectadores são visíveis, trata-se de um mundo
invisível.

As colecção são então apenas uma componente entre a


panóplia de meios usados para assegurar a comunicação
entre os dois mundos. A diversidade de modos de opor o
visivel e o invisivel diz-nos alguma coisa sobre a condição
histórica e social da colecção.
Quais as consequências da produção de objectos que
representam o invisível? Para Pomian, a estruturação da
relação entre visível e invisível é um elemento definidor
de cultura, sendo por isso universal (e neste sentido o
seu argumento é estruturalista).

A relação parte do estabelecimento necessário de uma


divisão do visível (do mundo material) entre:

- coisas: objectos úteis, consumíveis, trocáveis, bens de


necessidade

- semióforos: objectos sem utilidade imeditata (valor-


uso), não são manuseados mas expostos ao olhar;
dotados de significado (Gr. semeîon, sinal + phorós, que
traz)
Utilidade e significado, qualquer que seja a sua conjugação
no mundo material, pressupõem um observador, alguém
que infere os significados ou que manuseia o objecto.
Portanto,

a. necessariamente, os objectos são mediadores de


relações sociais, na medida em que os grupos
estabelecem relações com o visível e o invisível através
deles.
b. para um mesmo observador, num dado momento,
utilidade e significado são mutuamente exclusivos (daí
Pomian chamar a atenção para os comportamentos
diferenciados sugeridos pelas coisas e pelos semióforos);
quanto mais carga de significado tem um objecto, menos
utilidade e vice-versa
c. a condição de semióforo é relacional e contingente e
por isso se entende que a relação entre visível e invisível é
instável e potenciadora de conflitos de valor (o que é um
semióforo para um grupo pode ser uma coisa com valor-uso
para outro grupo, ou para o mesmo num momento
diferente)
Deste modo, tendo em conta estas características do semióforo,
entendemos a relação entre a constituição de colecções e a hierarquia
social (e sua espacialização): o homem-semióforo – próximo do
invisível e do poder (o invisível é superior e fecunda o visível) – está
geralmente rodeado de semióforos e o seu lugar é concebido como
centro.

É a hierarquia social que conduz ao aparecimento de


colecções, pois estas são manifestações dos lugares sociais a
partir dos quais se opera a transformação do invisível para o
visível, em graus variáveis e hierarquizados.

Em resposta à questão colocada ao início (acerca do valor dos


objectos de colecção), Pomian responde com um argumento
sociológico e histórico: a formação de colecções emerge
historicamente como necessidade dos grupos sociais tendo em conta
o seu lugar na hierarquia (a maior e acesso circulação de semióforos,
significa maior flexibilidade social).

Qualquer análise deve procurar:


- como uma sociedade ou grupo traça a fronteira entre visível e
invisível; perceber o que é significante e o que é utilitário
- que objectos são privilegiados e que tipo de comportamentos eles
suscitam
- mapear os lugares onde se opera a relação entre o visível e o
invisível e onde residem aqueles que, por representarem o invisível,
acumulam semióforos e os expões como exibição de poder.
Os percursores do museu moderno

Europa da segunda metade do século XIV: emergência


de quatro tipos diferentes de semióforos associada à
emergência de quatro grupos sociais:

Antiguidades / Objectos de Arte /


Antiquários Artistas

Curiosidades / Instr. Científicos /


Viajantes, Naturalistas e
humanistas, cientistas
exploradores
os museus

O museu é a instituição por excelência que transforma coisas em


semióforos, privilegiando os significados representando o invisível
associados aos objectos, que deixam para trás o seu valor de uso.

Deste modo, o museu institucionaliza um consenso necessário que subjaz à


estruturação da relação entre visível e invisível no contexto social e histórico
da Europa a partir do final do século XIV. A sua existência vai estar
intimamente ligada com a hierarquia social emergente.

A partir do século XIX o museu assume um papel de relevo na criação de


consensos à escala nacional: a própria nação é tomada como tema
expositivo no museu e o museu, criando consenso sobre a relação com a
nação como elemento invisível (ou seja, criando consenso sobre o seu
significado), serve a coesão social e celebra a nação. É neste quadro que se
compreende o papel do Estado na garantia do acesso às colecções
constituídas como mediadores da ordem entre o visível e o invisível.

As colecções, mediando a relação entre o visível e o invisível, são centrais


para o fortalecimento do poder social e para a visibilização desse poder. A
colecção torna-se uma função do próprio princípio de hierarquização social,
dá forma ao conjunto de objectos portadores de significados (semioforos),
em oposição aos objectos utilitários, representando mais do que duas
categorias de objectos, um princípio de estruturação social que tende para a
acumulação de significados associada à acumulação de poder.
3. Complexo Expositivo
O complexo expositivo e as modalidades dominantes de
exposição de artefactos
1. O cárcere e o seu duplo (Prisão/crime; hospital/doença;
Hospício/loucura; Internato/ignorância)
2. A ordem como cultura
3. A sociedade do espectáculo
4. Do privado ao público: do público ao comum; o Estado como
garante da propriedade comum
5. Definição opositiva: feiras populares, carnavais e exposições
consideradas atávicas; monstros, marginais, mulheres de
barba, etc.
6. Constituição do Estado na representação de si próprio através
da formação de um público: aparelhos de consentimento
O arquipélago do cárcere... O museu?

M. Foucault Surveiller et punir: naissance de la prison (1975)

O arquipélago do cárcere é composto por um conjunto de


instituições de confinamento (hospital, o hospício, a prisão) que
articulam relações de poder e de conhecimento (durante a
formação do período moderno). Estas relações englobam para
além das instituições, um conjunto de disciplinas e respectivas
formações discursivas, e um conjunto de tecnologias de visão
(invisibilização).

Podemos pensar o museu como uma instituição de confinamento


no sentido de Foucault? (articulando com as disciplinas da
história, a biologia, a história de arte e a antropologia, e suas
formações discursivas, o passado, a evolução, a estética, o
homem)
O complexo expositivo

Segundo Bennett não. Os museus, principalmente a partir


do século XIX, quando começam a ser
progressivamente mais abertos ao público em geral, são
instituições de exposição e não de confinamento.

As instituições englobadas no complexo expositivo, à


semelhança do arquipélago do cárcere, articulam
também relações de poder e conhecimento. O
desenvolvimento de ambos é justaposto, coevo.
A. C. C. E.
Corresponde à viragem da Corresponde à passagem de
exibição pública de objectos e corpos dos
objectos e corpos como domínios fechados,
lição moral para a privados para arenas cada
sociedade para o vez mais abertas e
encarceramento como públicas.
castigo para o indivíduo.

Final do século XVIII e


meados do século XIX

1840 Prisão de Mettray como 1851 Grande Exposição de


arquétipo do sistema do Londres, concentrando
cárcere, onde se concentram disciplinas e técnicas
todas as tecnologias coercivas expositivas; novas formas de
individualizantes e espectáculo e visibilização da
normalizantes, de vigilância e ordem
disciplina
A ordem

Foucault concebe o Para Bennett, o Complexo Expositivo


desenvolvimento de novas também responde a um
formas de disciplina e vigilância problema de ordem, que é
como tentativa de reduzir uma transformada progressivamente
populaça ingovernável a uma em cultura.
população diferenciada. As instituições do C.E. Procuravam
Conflitos económicos e sociais e “conquistar os corações” e
formas políticas de desordem “treinar os corpos”, revertendo
passam a ser problemas os aparatos disciplinares do A.C.
técnicos ou morais para uma tornando-os visíveis. A populaça
administração central. é transformada em cidadania.
Mapear e conhecer a realidade para As exposições permitiam às pessoas
torná-la visível para o poder. conhecer (em vez de serem
conhecidas), serem sujeitos (e
objectos) de conhecimento e de
poder.
Auto-regulação e auto-vigilância.
“Conjunto de tecnologias culturais
dedicadas à organização de uma
cidadania voluntariamente auto-
regulada” (p. 84).
Tecnologias disciplinares e formas de observação

Com o sistema do cárcere, o O complexo expositivo


castigo é removido da vista reverte o efeito
pública.
O objectivo já não era dar lições panóptico, onde toda a
à sociedade mas corrigir o gente pode ver. No
castigado, transformar o seu entanto, mantém
comportamento através de também a existência de
técnicas disciplinares.
pontos de vantagem
onde toda a gente podia
Panoptico.
ser vista. O C.E. combina
Sociedades modernas como
disciplinares e quarentena as funções de vigilância e
social. Sociedade de do espectáculo
vigilância. (panóptico + panorama)
(Crítica de Bennett a esta
generalização de Foucault; o fim
da espectacularização do castigo
não significa o fim da exibição do
poder)
Transformações operadas na emergência do C.E.
• Tendência da sociedade como um todo (e não
individualizada) ser tomada como um espectáculo.
• Envolvimento crescente do Estado na provisão destes
espectáculos
• O complexo expositivo permite uma exibição
permanente do poder e da sua articulação com o
conhecimento

Gramsci
A retórica do C.E., ao contrário do A.C., procurava colocar
as pessoas – concebidas como uma cidadania disciplinada
- do lado do poder (tanto seu objecto como seu sujeito). O
poder é tornado manifesto na sua capacidade de
organizar e coordenar uma ordem de coisas e produzir um
lugar para as pessoas dentro dessa ordem.
Privado - Público

As colecções anteriores, independentemente de que tipo


(instrumentos cientificos, curiosidades, obras de arte) e das
suas funções mais imediatas (acumulação do conhecimento,
exibição do poder real), eram propriedade privada e tinham
um acesso restrito.
A formação do C.E. Implicou uma ruptura com estes dois
principios, transferindo as colecções para a esfera pública e
garantindo progressivamente o acesso a elas, dentro de
instituições administradas pelo Estado.
Assim, dada a estreita relação entre o C.E. e a formação dos
Estados, podemos perceber como se foram criando novos
instrumentos de regulação moral das classes sociais através
dos museus e das exposições. Muitas vezes isto produziu-se
no sentido contrário ao modo e aos conteúdos das exposições
populares até então.
As disciplinas

História
História de Arte
Arqueologia
Geologia
Biologia
Antropologia
Exibir publicamente modelos individuais e sociais
normativos, politicamente determinados, com
vista a produzir auto-vigilância e auto-regulação
nos cidadãos.

Você também pode gostar