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Folclore, junto com o Museu Histórico Na- um enredo que contasse a história da cultura
cional, foi idealizado a partir da questão da popular nacional. O Museu de Folclore cons-
“leitura da produção das culturas populares” tituiu-se como um complemento à construção
(Ferreira, 1997, p. 163). De 1969 a 1974, o do folclore como campo de atuação profissio-
Museu de Folclore funcionou junto ao Museu nal a partir dos objetos coletados por diversas
da República e ao Museu Histórico Nacional, pessoas: pesquisadores, intelectuais e diletantes.
no Palácio do Catete. As questões levantadas no Livro de Opiniões do
O período de 1976 a 1980 foi marcado pela Museu, durante os onze anos em que a exposi-
organização do acervo, na direção de docu- ção anterior esteve montada, levou à formula-
mentação básica e difusão maciça das coleções ção de títulos menos acadêmicos para as etapas
em vários espaços: escolas públicas, feiras livres do “roteiro” da exposição. A exposição passou
e outros, onde foram montadas exposições iti- então a ter os títulos atualmente apresentados:
nerantes. Em 1980, recebeu do Departamento vida, técnica, religião, festa e arte, dispostos
de Assuntos Culturais o prédio 179, da rua do nessa ordem.
Catete. Em 1980, inaugurou-se uma exposição Uma das preocupações que orientou a for-
permanente com a seguinte estrutura: brin- mulação do espaço museológico foi a relação
quedos; medicina popular; danças e folguedos; espaço-tempo, para que o visitante pudesse
literatura de cordel; instrumentos musicais e compreender que a cultura popular é o que se
artesanato. A maior parte das peças era disposta encontra em cada esquina a cada dia e não algo
em vitrines fechadas com iluminação interna, e que está sempre em algum lugar distante e em
somente a área central, dedicada ao artesanato, um tempo remoto. Na reformulação prestou-
era composta de bases abertas. se atenção para a “relação entre os usos e sig-
Em 1982, Lélia Coelho Frota assumiu a di- nificados das peças e aqueles que as produziam
reção da instituição sob influência de Aloísio e consumiam”. A atenção se voltou para uma
Magalhães e instituiu uma mudança conceitu- tentativa de “falar através dos objetos” (Ferrei-
al. A cultura popular passou a ser vista como ra, 1997, p. 167).
integrante do campo antropológico e o Institu- Teoricamente, nessa abordagem o que in-
to passou a dialogar com as universidades e os teressa é o contexto e significados dos objetos,
centros de pesquisa do país. A exposição per- ressignificados tanto no processo de produção
manente foi reformulada e a linha conceitual como de fruição. Entretanto, a falta de textos
passou a focalizar o homem brasileiro produtor explicativos, assim como a baixa luminosida-
de cultura, relacionando-o a quatro aspectos da de das salas de exposição acabam dificultando
vida que se organizavam sobre os seguintes tí- a leitura dos textos do guia do museu e apro-
tulos: ritos de passagem; o mundo ritualizado ximando a experiência daquela adotada pelos
das festas; o homem na transformação da natu- museus de arte de cunho meramente estético
reza e na produção de cultura e o indivíduo e a no qual se espera que os visitantes tenham uma
coletividade. O uso de vitrines foi parcialmente relação com as obras sem mediação. Nesses
abolido, a não ser no conjunto de Mestre Vi- museus, pressupõe-se que os objetos tenham
talino, cujas peças possuem alto valor no mer- um significado intrínseco, uma essência passí-
cado artístico. vel de ser apreendida diretamente pelo olhar do
Em 1984, foi inaugurada a exposição que observador “apto” a vê-lo. Essa acaba sendo a
pode ser hoje (2000) observada. Essa mostra relação que o visitante tende a estabelecer tam-
foi organizada com a preocupação de se criar bém com os objetos do Museu do Folclore.
A seleção das peças se deu com essas museu – um livreto com informações sobre a
questões em mente, de forma a garantir que exposição – que pode ser usado durante a visita
os objetos e temas estivessem colocados em e devolvido no final, mas que está disponível
seu contexto para possibilitar uma refle- para compra.
xão a respeito do valor da cultura popular, Logo que se entra, a luminosidade é radical-
para além do “puro e genuíno” ou exótico. mente diminuída. As paredes pretas, a ausência
A pesquisa para essa nova montagem levou de janelas e os focos de luz direcionados para as
em conta o tipo de público freqüentador do peças criam uma atmosfera intimista. Ao fun-
Museu. A intenção era despertar a curiosi- do, músicas diversas tocam ao longo da visita:
dade das pessoas em saber mais a respeito cantigas de roda, cantochões e rezas. Toda essa
do tema. cenografia parece nos remeter para um tempo
Segundo Cláudia Márcia Ferreira, coorde- etnográfico, indeterminado, onde o popular ou
nadora de folclore e cultura popular e curadora o folclórico poderia ser encontrado. O mun-
do Museu de Folclore, e Ricardo Gomes Lima, do cotidiano fica, literalmente, de fora. As fo-
curador do Museu, tos, pinturas cenográficas e ambientações em
uma área específica da exposição transportam
na constituição de seu acervo, o MFEC entende o visitante um pouco mais para dentro desse
os produtos da cultura em seu sentido antropo- mundo distanciado da vida cotidiana e dos te-
lógico contemporâneo, isto é, não como meros mas simples que as obras expostas reproduzem,
objetos cuja função se esgota na matéria de que atribuindo ao folclore, à cultura popular, uma
são feitos, mas sim como formas concretas que, aura de espetáculo que a torna, em grande me-
em sua materialidade, comportam e expressam dida, distanciada da experiência do dia-a-dia e
sistemas de significação que lhes são permanen- do tempo atual.
temente atribuídos e, portanto, constitutivos Além da iluminação escassa e dos pedestais
de nossa humanidade. São bens culturais que pretos, a visibilidade das peças é, de certa for-
participam do patrimônio de toda a nação e es- ma, prejudicada devido à sua disposição numa
tão disponíveis ao público, sobretudo por meio altura bem abaixo da linha de visão. Entretanto,
das mostras permanentes, temporárias e itine- a atmosfera criada por essas condições, além do
rantes que o museu organiza (Ferreira; Lima, fato das obras estarem expostas sem nenhum
1999, p. 107) tipo de anteparo diante dos visitantes, como no
caso das caixas de vidro, convidam a uma visita
mais atenta, conduzida pelos textos – peque-
Observações etnográficas nos resumos do guia do museu – espalhados
pelas paredes que dão ao visitante orientações
O Museu de Folclore Edison Carneiro está teóricas, escritas de maneira acessível, sobre a
localizado no Catete, bairro de fácil acesso de interpretação do enredo criado para organiza-
metrô ou de ônibus, no primeiro quarteirão de ção da exposição. A altura das bases/suportes
um conjunto arquitetônico de sobrados tom- das peças também favorece as crianças, o que
bados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e indica uma preocupação com a dimensão edu-
Artístico Nacional. Na entrada, um segurança cativa do Museu.
faz a recepção dos visitantes, informando so- Seguranças acompanham os visitantes do
bre a obrigatoriedade de deixarmos as bolsas início ao fim do roteiro, acionando e desligando
num guarda-volumes e nos indica o “guia” do as peças que dispõem de engrenagens para que
política em questão para construir suas simbo- Para Mascelani, Van de Beuque aos poucos
logias nacionais6. se percebeu como mediador entre diferentes
Em 1947, Augusto Rodrigues, criador da segmentos e camadas sociais.
Escolinha de Arte do Brasil, organizou a pri- O imóvel comprado em 1975 só foi conclu-
meira exposição de arte popular com obras ído e inaugurado para o público em janeiro de
do Mestre Vitalino. Esse evento tornou-se um 1993. O texto que recebe os visitantes na en-
marco na história da arte popular por ter atra- trada se refere à exposição como um álbum de
ído a atenção para um gênero produzido nos família, apresentando a coleção como um pro-
meios periféricos, nos quais “prevalecem os jeto pessoal, resultado da “relação de intimida-
modos de vida e cultura tradicionais” (Masce- de com os artistas e a arte popular” (Mascelani,
lani, 1999, p. 133). Após a Semana de Arte de 1999, p. 122). A denominação do espaço Casa
São Paulo, em 1922, e o fim do Estado Novo, do Pontal teria sido o resultado do desejo de
a idealização de um tema abstrato, o popular, apresentar a arte popular como parte de um
cedeu lugar a personagens vivos, atores sociais tempo presente. Ainda segundo a diretora da
desses estilos de vida e protagonistas dos confli- instituição, a negação da caracterização desse
tos retratados em suas obras. espaço como um museu está relacionado a uma
Segundo Mascelani (1999, p. 140) percepção dessas instituições como espaços que
manipulam uma memória, em grande medida,
como integrante do amplo grupo formado pelos referida a um passado cristalizado no tempo.
artistas que partilham da norma culta, Jacques Em 1989, a Casa foi tombada pelo Conse-
Van de Beuque põe em contato mundos de dife- lho de Defesa do Patrimônio Artístico e Cul-
renças, dando visibilidade de conjunto à variada tural do Rio de Janeiro, e em 1996, recebeu
produção que compõe seu acervo. o prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade,
reconhecendo-a como a “melhor iniciativa no
Ainda segundo a diretora de pesquisa do país em prol da preservação histórica e artística
Museu de bens móveis e imóveis” (Mascelani, 1999, p.
122), concedido pelo IPHAN.
no exame da trajetória de Jacques Van de Beu- Nos últimos anos, o museu realizou 22
que, fica evidente que é o gosto pessoal, ou a exposições parciais de seu acervo pelo Brasil e
curiosidade, que conduz inicialmente ao pro- em outros dez países. Maria Ângela Mascelani
cesso. Mas com o passar do tempo, esse gosto (1999) comentou a importância da rede de re-
pessoal articula-se intimamente com o pulsar e lações que articula pessoas e iniciativas para que
as pressões sociais. (Mascelani, 1999, p. 141) essa coleção adquirisse internamente significa-
do como arte e seu pertencimento no mundo
6. Vilhena (1997) procurou compreender o proces- artístico (Becker, 1982) brasileiro. Mascelani
so de institucionalização do folclore enquanto uma (1999) destacou entre os diversos profissionais
disciplina acadêmica, entre 1940 e 1960, a partir da envolvidos nesse processo, a presença de artistas
formação de um mercado de trabalho e da organiza-
e intelectuais que ela destaca não pela pesquisa,
ção de instituições. Esse processo contribuía para a
produção de identidades intelectuais específicas, além mas pela mediação “entre as elites conservado-
de definir um campo de estudos, sua abrangência e ras do país e os artistas populares”.
limites, a partir da exclusão de uma série de mani- Mascelani (1999, p. 153) lembra que, a
festações que passaram a não ser consideradas como Casa do Pontal com sua história e coleções,
objeto dessa nova disciplina por não se encaixarem mostra que
nos critérios institucionalizados.
No sistema arte/cultura as interações entre assim como um artigo sobre o Museu de Fol-
grupos e pessoas são fundamentais. É através clore Edison Carneiro. O museólogo informou
dessas interações, conflituosas ou não, que se sobre as publicações assim que se interou do
articulam interesses convergentes ou divergen- caráter investigativo da minha visita.
tes que resultam na criação de novas categorias Expostas em vitrines fechadas com ilumina-
e conceitos para o entendimento da realidade. ção interna – alguns módulos expositivos em
Portanto, o reconhecimento e a legitimação da formatos e cores vibrantes –, quase todas as pe-
Casa do Pontal e de suas coleções mostram que ças são identificadas quanto a autoria e técnica,
o interesse pela expressão plástica popular tem não constando data de produção em nenhu-
uma trajetória que vem sendo tecida por grupos ma delas. No total, cerca de cinco mil peças
e pessoas pertencentes a diferentes segmentos estão expostas e outras três mil se encontram
sócio-culturais. E também que, nesta trama, na reserva técnica para formação de exposições
legitimação e criação caminham juntas e se in- temporárias que são emprestadas para outros
fluenciam mutuamente. museus7.
A mostra é dividida tematicamente em doze
setores: profissões; Mestre Vitalino; Ciclo da
Etnografia da Casa vida (casamento, nascimento, infância, noiva-
do, morte); Jogos e diversões (jogos de adultos
A Casa do Pontal fica em um sítio de doze e crianças); Bichos e areias; Arte. Esses setores
mil metros quadrados no Recreio dos Bandei- se subdividem em outros assuntos específicos
rantes, zona oeste do Rio de Janeiro, em uma como: realejo, banda de pífaros, casa de fari-
área sem nenhum serviço de transporte públi- nha, rendeiras, atividades domésticas etc. Cada
co. A arquitetura da Casa é “moderna”. Seus vitrine apresenta em média vinte peças de ar-
espaços, externo e interno, são amplos e bem tistas e procedências variadas sobre o mesmo
iluminados. Muitas janelas, grandes e peque- tema.
nas, exibem, durante a visita, toda a vegetação O programa educativo da Casa é basica-
que abunda ao redor da casa, localizada entre o mente restrito a escolas particulares, pois além
maciço da Pedra Branca e a Prainha. Entretan- da dificuldade de acesso ao museu, cobra-se
to, nem a iluminação farta, nem todo o verde uma taxa de R$ 12,00 por aluno para a reali-
da vegetação são capazes de “roubar” a atenção zação da visita guiada, exigindo-se um mínimo
que insiste em voltar para as peças expostas. de 35 alunos, o que torna quase inviável a visita
O museólogo responsável pela manutenção de escolas públicas. A visita é orientada por um
e restauro das peças recebe os visitantes de forma grupo de contadores de história que preparou
polida. O ingresso custa R$ 5,00 para adultos e um enredo para explicar o significado da expo-
é grátis para idosos e estudantes uniformizados sição e a história da Casa. O museu recebeu,
da rede pública. Quando da visita etnográfica, em 1999, quatro mil visitantes, tendo esse nú-
catálogos de exibições montadas com o acervo mero sido contabilizado a partir dos ingressos
da Casa estavam prestes a ser lançados, junto cobrados.
com a Revista do Patrimônio Histórico e Artís- Os poucos textos espalhados pelo museu se
tico Nacional: Arte e Cultura Popular (1999), referem a artistas específicos (Mestre Vitalino,
que apresenta um artigo da diretora de pesqui-
sa do museu, Maria Ângela Mascelani, sobre o 7. Informação concedida pelo museólogo responsá-
acervo da Casa e o colecionador responsável, vel pela manutenção e restauro das peças do acer-
vo, Sérgio Santos.
Nhô Caboclo e alguns outros), às festas (Boi como parte de uma comunidade “artesanal”
bumbá, Bumba-meu-boi, festa do Divino en- organizada e seus trabalhos refletem os cons-
tre outras), à técnica de fazer garrafas de areia, trangimentos e oportunidades da comunidade
aos mamulengos, ex-votos e alguma coisa so- onde são produzidos. A arte popular, assim
bre religião e sincretismo religioso. Não pare- existe dentro de uma noção de alteridade, por
ce haver um esforço de exibir uma erudição oposição à arte erudita que, apesar dos discur-
acadêmica quanto à pesquisa sobre cultura sos de autonomia, se produz e reproduz a partir
popular, mas percebe-se o esforço de constru- de certas regras, instituições e discursos.
ção de um mito em torno do colecionador. Ambas as instituições aqui tratadas apre-
Exalta-se o processo de construção da coleção sentaram uma representação de arte popular
forjado em torno da curiosidade do mesmo, que, apesar dos discursos de pertencimento
assim como sua condição de estrangeiro e de dessas manifestações ao mundo contemporâ-
suas relações sociais. Todos esses fatores con- neo, constituem-se a partir de um conjunto
tribuem para legitimar o critério de qualidade de pares de oposição que trabalham a noção
estética dos objetos colecionados de modo a de alteridade em diversas dimensões: urbano
caracterizá-los como uma forma específica de e rural, próximo e distante (no tempo ou no
arte: “arte popular”. espaço), excepcional e ordinário, rústico e ela-
Como todas as peças pequenas se encon- borado. Essas oposições ainda podem ser in-
tram em vitrines fechadas, a visita pode ser terpretadas a partir de categorias como “arte
feita sem o acompanhamento de seguranças. popular” e “arte erudita”, “cultura popular” e
Isso possibilita o estabelecimento de uma re- “cultura erudita” ou ainda através da relação
lação mais pessoal com as obras, na medida entre pesquisa acadêmica e “gosto” que pode
em que se encontram “a sós” o visitante e suas ser relacionada ao binômio reflexão e espon-
impressões sobre elas. O tempo dispensado taneidade.
em cada vitrine é dado exclusivamente pelo Nesse sentido, ao abdicar das informações
interesse na mesma, não há a sensação de ser- cronológicas quanto a produção das obras ex-
mos observados quanto à nossa reação frente postas – com exceção das obras dos artistas
a cada peça. Tampouco há música no local, o individuais que tenham conquistado valor no
único som que acompanha os visitantes é o mercado de arte – perde-se a oportunidade de
dos pássaros que cantam do lado de fora da discutir as várias temporalidades, isto é, as re-
Casa. O acervo estava, no período da pesqui- lações diferenciadas com a tecnologia, a vida
sa, sendo digitalmente catalogado no intuito social e as concepções de mundo implícitas em
de que o banco de dados fosse disponibilizado cada uma. Apesar de os profissionais do Museu
para pesquisa e comercialização das imagens do Folclore argumentarem que a cristalização
das obras. da cultura não pode ser resumida à sua relação
com o museu e sua imagem de depositário do
passado, seus esforços para apresentar aquelas
Considerações finais manifestações culturais como dinâmicas aca-
bam por reforçar a idéia de que os objetos estão
Howard Becker (1982) define o artista po- fora do tempo e do espaço.
pular como aquele que trabalha totalmente O fato de as peças serem apresentadas sem
alheio aos cânones dos mundos artísticos. Es- data de produção, assim como a atmosfera cons-
ses artistas geralmente produzem seus trabalhos truída pela cenografia da exposição contribuem
para uma leitura da produção cultural popular das lida com a parcela de seu acervo selecionada
como se esta estivesse inserida em um tempo para constituir as diversas exposições como
etnográfico indeterminado, tema amplamente sistemas “possuidores de códigos carregados de
tratado em trabalhos antropológicos da segun- significados próprios” (catálogo Arte do povo,
da metade do século XX. Entretanto, o caráter 1982, p. 8, grifo no original). Entretanto, ape-
de pesquisa do Museu Edison Carneiro é ainda sar de se constituírem de peças, em grande me-
evidente na atualidade das diversas exposições dida, de mesma procedência, esses “sistemas”
que são frequentemente renovadas na Sala do adquirem códigos e significados diferenciados
Artista Popular. Essa sala rompe com a pers- para cada uma das instituições, devido à for-
pectiva atemporal da produção popular, apesar ma de apresentação e manipulação dos dados
de não retirar a exposição permanente de sua referentes aos signos e a diferença no propósito
“redoma cronológica”. constitutivo das duas instituições e do caráter
A Sala do Artista Popular contrasta ainda dos colecionadores.
com o processo de digitalização das obras da As duas coleções possuem também valores
Casa do Pontal. O museu Edison Carneiro, em campos diversos construídos por critérios
através da proposta de exposições temporárias, diferentes. A coleção de Jacque Van de Beuque
coloca o artista em contato com o público, possui valor no mercado de museus e galerias
cria uma oportunidade de transformação do de arte devido à sua rede de relações no mundo
significado de sua produção a partir da parti- artístico e ao discurso do critério de valor esté-
cipação em uma exposição em um museu pú- tico para a seleção das obras. A coleção do Mu-
blico, apresentando ainda uma possibilidade seu de Folclore, por sua vez, enfatiza seu valor
de inserção desses artistas em novos mercados. de documento, baseada nos esforços de pesqui-
Por sua vez, a Casa do Pontal preocupa-se em sa de diversos profissionais. O valor “estético”
digitalizar ela mesma as imagens de suas obras é então um critério subjetivo que contribuiria
para comercializá-las e captar recursos para de forma quase negativa para a valoração des-
o museu. As diferenças entre as instituições sas coleções. Tratando a “alta” cultura como
podem ser compreendidas, também, a partir um sistema de classificação, Bourdieu procura
do contraste entre o caráter público que conta mostrar como “o modo de expressão caracterís-
com recursos estatais, de uma delas, enquanto tico da produção cultural depende sempre das
a outra é uma instituição privada que depende leis do mercado no qual ele é oferecido” (1998,
de arrecadamento para se manter. xiii).
Os contextos de formação diferenciados das Os programas educativos dos dois museus
duas instituições, apesar da cronologia coinci- diferem em sua forma e conteúdo. O Museu
dente, determinou abordagens díspares com de Folclore preza pela formação do professor,
relação ao tema a que se dedicam, evidencian- com base no conteúdo anteriormente trazido
do a história dos dois museus como momentos pelo aluno e deixa que o professor descubra
complementares na constituição da noção de junto com os alunos a cultura popular. A Casa
cultura popular: um confirma as manifestações do Pontal, por sua vez, oferece a leitura da co-
populares como um campo de estudos e, o ou- leção a partir dos parâmetros que orientaram
tro, consagra seu valor artístico para o mercado seu proprietário na constituição da mesma,
nacional e internacional. oferecendo aos visitantes uma leitura pronta
Na tentativa de dar conta do que se pro- das peças. A equipe do departamento de Ação
põem, cada uma das duas instituições observa- Educativa do Museu de Folclore se preocupa
em preparar o professor para que ele perceba a Museum Edison Carneiro and Casa do
cultura popular como parte integrante do co- Pontal: discourses on folklore and popular
dados empíricos a respeito das obras – quem of cultural preservation shows that the different tre-
fez, onde e com que material. atments of their collections reproduces the social re-
Ao utilizar os projetos educativos de cada lations inherent in the construction of two distinct
um como metáfora de suas relações com o intellectual fields. “Popular culture” and “folk art”
campo da cultura popular, percebe-se que are observed from the point of view of the parti-
enquanto um procura integrar o artista e sua cipation of involved social actors in the organiza-
produção na vida cotidiana – em consonância tion of the institutionalized collections. included in
com o olhar antropológico –, o outro man- these collections salient different forms of the ways
tém um distanciamento entre a arte popular in which art is understood : 1) a field of study in
e o cotidiano de seus visitantes – em sintonia which the artist and his art are integrated into daily
com a forma como o campo artístico mantém life, or 2) as a consecration of the value of aesthetic
hierarquizados o artista, ser especial dotado de objects in national and international markets.
habilidades incomuns, e o público que aprecia keywords Folklore. Popular culture. Museum.
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dade e de seu patrimônio cultural. Rio de Janeiro: Ed. lar, Rio de Janeiro, n. 28, 1999, p. 120-155.
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Recebido em 03/11/2006
Aceito para publicação em 29/11/2007