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A RELAÇÃO ENTRE HISTÓRIA E LITERATURA


Laboratório de Pesquisa e Ensino III

A MORTE EM PEDRO PÁRAMO, DE JUAN RULFO

Samantha Bezerra da Silva1

Resumo: No romance Pedro Páramo (1955), o escritor mexicano Juan Rulfo, apresenta uma
escrita única. A partir da recognição da morte, intrínseca na cultura mexicana e presente na
estrutura narrativa do romance, busco no presente trabalho, apresentado para a obtenção de
aprovação na disciplina Laboratório de Pesquisa e Ensino de História III, ministrado por
Francine Iegelski, discorrer sobre a morte, elemento central na narrativa, a fim de analisar a
partir do romance o reconhecimento da morte e sua importância no desenvolvimento da obra.

Palavras-chave: Morte; Juan Rulfo; Pedro Páramo.

Resumen: En la novela Pedro Páramo (1955), el escritor mexicano Juan Rulfo presenta una
escritura singular. A partir del reconocimiento de la muerte, intrínseco a la cultura mexicana y
presente en la estructura narrativa de la novela, busco en el presente trabajo, que se presenta
para obtener aprobación en la disciplina Laboratorio de Investigación y Docencia III,
impartida por Francine Iegelski, para discutir la muerte, un elemento central en la narrativa,
con el fin de analizar desde la novela el reconocimiento de la muerte y su importancia en el
desarrollo de la obra.

Palabras-clave: Muerte; Juan Rulfo; Pedro Páramo.

Introdução

A morte está presente na cultura e na sociedade mexicana há pelo menos três mil
anos, o culto aos mortos era realizado pelas civilizações indígenas, anteriormente à chegada
dos espanhóis. Os Astecas celebravam os seus mortos, durante rituais que comemoravam a
morte, mas também o renascimento. Para os povos indígenas, a morte não era o fim. Eles

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Graduanda de Bacharelado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
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acreditavam que a vida continuava após a morte; de fato, a vida mesma se alimentava da
morte2. A religião dos povos indígenas da América Central, os Maias e os Asteca, eram
politeístas. Os Deuses da morte eram representados por intermédios de caveiras; a
complexidade do culto aos mortos e a mescla surgida após a chegada dos europeus ao
México, ocasionaram em transformações ao povo mexicano que refletirá em sua cultura.
Durante a revolução mexicana, os constantes conflitos que resultou em diversas mortes no
México, formando-se, inclusive, esquadras de fuzilamento3. Será o cenário para a construção
da obra de Juan Rulfo, Pedro Páramo. Pois, as mortes resultante do processo revolucionário
ocorrido no México demonstra que o mexicano está submerso em processos conflitivos, e que
a morte, segundo Cantarelli, é uma “companheira” com a qual é necessário conviver.

A morte em Pedro Páramo

A revolução mexicana (1910) refletiu em diversos âmbitos culturais no México. Na


arte, o muralismo surgiu na primeira metade do século XX, inspirando os artistas como Diego
Rivera (1886 - 1957), David Alfaro Siqueira (1896 - 1974) e José Clemente Orozco (1883 -
1949) em exposições públicas como forma de manifestação crítica. Primeira revolução
popular latino-americana, a revolução mexicana mobilizou distintas classes sociais do
México, o reconhecimento dos princípios ideológicos que nortearam os confrontos
tornaram-se, para o povo mexicano, de forma geral, motivo de orgulho4. Na literatura a
revolução refletirá na escrita de Juan Rulfo, que em 1955, publica Pedro Páramo.

Na época de sua publicação, o México já havia conquistado o seu “triunfo”, frente a


esfera de deserção, e de degradação em meio às ruínas e a morte presente nas páginas do
romance Pedro Páramo. De acordo com Klahn, “a busca de Rulfo pelo mexicano o leva a
um questionamento crítico da história. Ao mitologização, recriando a partir da imaginação
situações concretas e personagens, ele constrói símbolos e dando-lhes esse aprimoramento ele
desmistifica estereótipos nacionais e os triunfos da revolução56”. Juan Rulfo desconstrói a
2
VILLASENOR, Rafael Lopez, 2003. p.6.
3
CANTARELLI, Ana Paula, 2013. p. 2.
4
IDEM, 2013. p.3.
5
1996, p. 56, apud CANTARELLI, 2013.p. 3
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Tradução minha, trecho original: “en Rulfo la búsqueda de lo mexicano lo lleva a un cuestionamiento crítico
de la historia. Al mitificar, al recrear desde la imaginación situaciones y personajes concretos, edifica
símbolos y al darles ese realce desmitifica los estereotipos nacionales y los triunfos de la revolución.”
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visão gloriosa da revolução e entrega uma narrativa crua, porém poética a fim de desconstruir
a imagem deste processo histórico, apresentando os resultados brutais para o povo mexicano
deixados pelo revolução. A morte é o elemento principal da narrativa de Juan Rulfo, em
Pedro Páramo; é ela quem ocupa um papel central ao evocar o passado e as histórias
narradas por cada personagem de Comala, a fim de estabelecer a identidade do país.
Enquanto símbolo nacional mexicano, a morte presente no romance, apresenta-se como um
elemento estruturador. Pois, a morte une os personagens, e suas histórias apresenta a
identidade mexicana. As histórias contadas pelos moradores se entrelaçam em meio às ruínas
de um povoado morto, em que Juan Preciado, personagem que inicia a história, que após a
morte de sua mãe Dolores Preciado, parte em busca de seu pai, um tal de Pedro Páramo, nos
apresenta uma jornada sem um “final feliz”. A partir deste início somos transportados para a
busca de Juan Preciado por sua identidade, e suas origens.

Contudo, o que Juan não imaginava encontrar era uma Comala morta. Que cujos
personagens estivessem lhe contando seus infortúnios, suas desgraças e em um lugar que
consome e some com sua vidas até não restar mais nada. Imaginando um lugar vivo, Juan
Preciado, no entanto, depara-se com um povoado seco, árido é habitado pelos moradores
mortos do lugar. Uma Comala morta, assim como Pedro Páramo.

Nas páginas iniciais do romance, é Juan Preciado quem conduz a narrativa. Após sua
chegada ao povoado, somos apresentados aos demais personagens que são as vozes que
passam a adentrar na narrativa; como Pedro Páramo que narra suas experiências de infância;
os moradores mortos, que por várias vezes assumem a narrativa a fim de apresentar ao leitor
os acontecimentos ocorridos em Comala e ainda há um narrador em terceira pessoa que
presente no romance relata as experiências de vida dos personagens do povoado que
estiveram envolvidos com Pedro Páramo. O passado e o presente se mesclam no momento
em que Juan Preciado chega a Comala.

Em sua segunda noite no povoado Juan morre, e a história que teve início com sua
busca por Pedro Páramo continua a acontecer mesmo após a sua morte. A partir disso, os
diálogos de outros personagens assumem o controle da narrativa e passamos a conhecer sua
vida e também a sua morte. O narrador em terceira pessoa também atua no romance, sendo
ele quem conta como os homens de Comala entraram para a revolução. Tais acontecimentos
são de extrema importância para a narrativa, pois selam o destino dos moradores do povoado
de Comala que, abandonado por Pedro Páramo desde a morte de sua amada Susana, tem sua
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história caminhando rumo à morte. E, é justamente a morte a herança que Juan Preciado
encontra em sua peregrinação em busca do pai, afinal ao descobrir que o mesmo jazia morto
desde do princípio de sua chegada, a morte e a subjugação são as únicas heranças que
Preciado ainda poderia reivindicar e, ao reivindicá-las, ele assumiu um lugar em Comala7.
Entretanto, sua busca nunca ficou completa, pois dentre os mortos de Comala, Juan nunca
encontrou entre eles o pai Pedro Páramo, tal qual, ele sempre ouviu falar pelos moradores.

Considerações finais

A morte em Pedro Páramo, está presente de modo geral, através do mortos de uma
forma não passiva. Intranquilos, os mortos contam o passado para Juan Preciado,
fragmentados de um tempo anterior; os mortos do povoado não fazem planos, não contam
seus sonhos, apenas relatam o seu passado. Pois a todo momento o presente se entrelaça com
o passado. De modo que, os vivos e os mortos se caracterizam pela falta de perspectivas,
onde todos permanecem presos a acontecimentos anteriores que interferem em suas vidas -
Juan está cativo pela promessa feita a sua mãe em seu leito de morte; Eduviges está presa por
seus tormentos e pelas vozes dos mortos que ouve (sendo ela posteriormente uma delas);
Susana perdida após a morte de seu amado marido que morreu.

Todos em Comala possuem tormentos que os mantém atormentados constantemente,


como um “purgatório” sem fim. Sendo assim, os mortos se mantêm entre os vivos como
observadores, e os vivos reconhecem os mortos que permeiam seu entorno. Ao utilizar
mortos como personagens em sua narrativa, Juan Rulfo faz uso de um dos símbolos nacional
mexicano: A morte. Ela emerge como estruturador em Pedro Páramo, o escritor mexicano
emprega uma narrativa que permite a cada leitor uma interpretação do acontecimentos
distintas, ao mesmo tempo em que, ele propõe que seja repensado o processo vivenciado pela
México durante a Revolução Mexicana. Apresentando um México em ruínas após a
revolução, em meio a mortos que não puderam falar, mas que, Rulfo busca lhe dar vozes para
contar a destruição deixadas pelo caminho.

O realismo mágico poderia explicar a morte que Juan Rulfo trouxe em Pedro Páramo,
mas para além da construção literária, o escritor ingressa na organização identitária mexicana.
Ao discorrer sobre a morte presente no romance, e abarcar a construção dos personagens, do
7
IDEM, 2013. p. 5.
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cenário e da trama. A morte é intrínseca a Pedro Páramo como algo interior à história que, em
simultâneo com, as relações que existem para além do romance, pois encontra a sociedade
mexicana e a cultura do México

Referências

RULFO, Juan. Pedro Páramo; tradução Eric Nepomuceno - 4ª edição, Rio de Janeiro: José
Olympio, 2021.

KLAHN, Norma. La ficción de Juan Rulfo: nuevas formas del decir. In: Fell,
Claude (Coord.). Juan Rulfo. Toda la obra. Edición crítica. 2. ed. Madrid: ALLCA XX,
1996.

VILLASENOR, Rafael Lopez. Interfaces da morte no imaginário da cultura popular


mexicana. Cadernos IHU ideias / Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Instituto
Humanitas Unisinos. – Ano 1, n. 1 (2003) – São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos
Sinos, 2003. Disponível em<Interfaces da morte no imaginário da cultura popular mexicana |
Missiologia>. Acesso em: 08 de junho de 2022.

BAQUERO, José Alberto Rubí. Juan Rulfo. Palibrio, 25 de jan. de 2012 (46-87). Disponível
em: <Laboratório de Ensino e Pesquisa 3 2022.1 (google.com)> acesso em 07 de julho de
2022.

CANTARELLI, Ana Paula. A morte como elemento cultural mexicano em Pedro


Páramo, de Juan Rulfo. Revista Eletrônica Literatura e Autoritarismo, nº 21 - Janeiro,
Junho de 2013. Disponível em: <Vista do A morte como elemento cultural mexicano em
Pedro Páramo, de Juan Rulfo (ufsm.br)>. Acesso em 05 de junho de 2022.

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