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C) Relacione o romance com a proposta da transculturação narrativa de Angel Rama, citando PELO
MENOS UM FRAGMENTO DE RAMA E 3 FRAGMENTOS do romance. [2 pontos]
D) Explique a forma narrativa do romance levando em conta o texto bibliográfico de Rodríguez Monegal
e/ou as idéias do “real maravilhoso” de Alejo Carpentier, citando PELO UM FRAGMENTO DE
MONEGAL/CARPENTIER E UM FRAGMENTO DO ROMANCE. [2 pontos]
Orientações:
RESENHA
RULFO, Juan. Pedro Páramo; tradução de Eric Nepomuceno. 7ª ed. – Rio de Janeiro: José
Olympio, 2022.
Carlos Juan Nepomuceno Pérez Rulfo Vizcaíno, mais conhecido como Juan Rulfo,
foi, sem dúvidas, um autor que marcou sua geração. Nasceu no dia 16 de maio de 1917, em San
Gabriel, México; morreu no dia 07 de janeiro de 1986, na Cidade do México. Foi reverenciado
por grandes nomes, como Gabriel García Marquez e Julio Cortázar.
Apesar da proeminência de seu legado, o autor publicou poucas obras. Os dois livros
mais destacados foram El llano en llamas (1953) e a obra objeto desta resenha, o romance Pedro
Páramo (1955). Houve um terceiro livro – El Gallo de Oro (1980) – publicado pela insistência
de seu amigo, o pintor Vicente Rojo.
Após a compilação de seus contos no livro El llano en llamas (1953), Juan Rulfo
passou a ser conhecido e amplamente comentado, tendo sido considerado um novo expoente da
literatura regionalista mexicana1.
Pedro Páramo foi traduzido em diversos idiomas. Pela grande influência de Juan Rulfo,
pode-se dizer que a obra precedeu o “Boom” ocorrido na década de 60, cujo estopim se deu
com “Cem anos de solidão” de Gabriel García Marquez.
1
RULFO, Juan. Pedro Páramo, 2013, p. 13.
O contexto de publicação da obra resenhada se deu no período do chamado realismo
mágico, quando a América Latina passou a assumir uma identidade própria na produção
literária, bem como organizou a publicação e distribuição em larga escala dos produtos literários
com um mercado interno e externo. Nesse contexto, uma grande marca desse período foi o
regionalismo. Na obra Pedro Páramo, pode-se dizer, portanto, que são ilustrados inúmeros
conflitos culturais observados por Juan Rulfo.
2. PEDRO PÁRAMO
No início da história, vemos Juan Preciado fazendo uma promessa à mãe moribunda
de que procuraria seu pai, Pedro Páramo. Juan inicia sua jornada até Comala para cumprir sua
promessa e encontrar seu pai. Quando chega à cidade, se depara com um lugar árido, sem
movimentação, aparentemente sem vida. Lá descobre que Pedro Páramo já havia morrido há
muitos anos.
A história não é linear. Por vezes, há um recorte na história inicial e somos introduzidos
na Comala de antigamente, quando Pedro Páramo dominava com toda sua tirania a cidade.
Conta-se a história do filho de Pedro, Miguel, que foi morto por seu próprio cavalo. Conta-se,
também, a história de Susana, por quem Pedro nutria um amor não correspondido. Entre idas e
vindas no tempo, diversos personagens contam suas histórias e, por sua vez, revelam a história
de Comala e de Pedro Páramo.
Pedro Páramo foi um homem cruel que dominou o povo e a cidade de Comala. Ao
longo da história, descobrimos que Pedro Páramo somente se envolveu com a mãe de Juan por
interesses financeiros. A grande surpresa, porém, é que Comala é, na verdade, uma cidade-
fantasma cujas histórias ecoam de seus moradores mortos.
O próprio protagonista que inicia a história, Juan Preciado, morre e se torna um
fantasma. No final do livro, é revelado que Pedro estava amargurado por conta de seu amor não
correspondido por Susana, que morreu enlouquecida. A morte de Susana é o estopim para
provocar o desinteresse de Pedro por tudo, até pela vida. A cidade, por conta disso, começa a
sofrer. No fim, Abundio atenta contra a vida de Pedro Páramo, que morre se desfazendo como
se fosse um monte de pedras.
É interessante notar que a obra Pedro Páramo é marcada por uma não-linearidade. A
história avança e recua, proporcionando inúmeras leituras e conexões com base nas múltiplas
vozes existentes. A marca da narração espontânea é evidente:
Um homem chamado de o Gago chegou à Média Luna e perguntou por Pedro Páramo.
– Para que o senhor o solicita?
– Quero falar comcom ele.
– Não está.
– Diga aa ele, quanquando voltar, que venho da paparte de dom Fulgor. (RULFO,
Juan. Pedro Páramo, 2022, p. 135)
Outro ponto interessante que se pode extrair da obra de Juan Rulfo e relacionado ao
processo de transculturação é a quebra de uma obra literária voltada exclusivamente à elite
letrada. As marcas de oralidade presentes no romance revelam um processo de transculturação
à medida em que traz uma linguagem mais acessível com marcas regionalistas:
Sobre os campos do vale de Comala, está caindo a chuva. Uma chuva miúda, estranha
para estas terras que só sabem de aguaceiros. É domingo. De Apango desceram os
índios com seus rosários de camomila, seu alecrim do campo, seus punhados de
tomilho. Não trouxeram nós de pinho porque o pinho está molhado, e nem terra de
azinheira porque também está molhada pelo muito chover. Estendem suas ervas no
chão, debaixo dos arcos da entrada do povoado, e esperam. (RULFO, Juan. Pedro
Páramo, 2022, p. 126)
Pedro Páramo influenciou muitos autores. Destaca-se sua influência em Gabriel Garcia
Márquez, que disse o seguinte: “A leitura profunda da obra de Juan Rulfo me deu, enfim, o
caminho que buscava para continuar meus livros”. Nesse sentido, pode-se dizer que a obra em
questão é um exemplo claro de como a narrativa pode incorporar o real maravilhoso.
Na obra, os elementos fantasmagóricos são incorporados com naturalidade ao
cotidiano. Não é necessária uma explicação para que aceitemos o que está sendo escrito. No
romance a linha que separa o irreal da verossimilhança se desfaz. Isso é possibilitado pela
estrutura não linear e fragmentada, pois, como dito anteriormente, os monólogos e diálogos são
constantemente interrompidos por outras vozes.
No real maravilhoso, não se busca uma justificativa racional para o evento “mágico”.
A fé naquela realidade é o que a torna verossímil, conforme destaca Carpentier:
Tudo isto se me tornou particularmente evidente durante a minha permanência no
Haiti, logo que me vi em contacto quotidiano com algo a que poderíamos chamar o
real maravilhoso. Pisava eu afinal uma terra em que milhares de homens ansiosos pela
liberdade acreditaram nos poderes licantrópicos de Mackandal, ao ponto de que essa
fé colectiva pudesse produzir um milagre no dia da sua execução. (CARPENTIER,
Alejo. O reino deste mundo, 2010, p. 14)
Nessa passagem, gera uma certa confusão porque Dolores havia morrido e,
logicamente, não haveria como ter avisado da chegada do filho. Evidência ainda mais clara é a
passagem da morte de Juan Preciado:
– Está querendo que eu acredite que o que matou você foi a sufocação, Juan Preciado?
Eu encontrei você na praça, muito longe da casa de Donis, e comigo também estava
ele, dizendo que você estava se fazendo de morto. Nós dois arrastamos você até a
sombra do portal, já bem teso, retorcido daquele jeito em que morrem os que morrem
mortos de medo. Se não tivesse havido ar para respirar naquela noite que você está
falando, teriam faltado forças para que nós carregássemos você, quanto mais para
enterrá-lo. Você está vendo, nós enterramos você. (RULFO, Juan. Pedro Páramo,
2022, p. 91)
Note-se que não se questiona o fato de uma conversa ocorrer com Juan Preciado que,
inclusive, já estava enterrado. Percebe-se, portanto, que o real maravilhoso fornece um ponto
de vista único pelo qual se explora a realidade, misturando o real e o imaginário para criar
narrativas fantásticas.
Pode-se entender modernização como um processo pelo qual a sociedade “evolui” nos
mais diversos setores: histórico, político, econômico etc. Pode-se dizer que a modernidade
como ideia de “novo” provoca mudanças significativas na sociedade que, como resposta, se
moderniza, fazendo nascer movimentos artísticos (Modernismo) que dão conta da
modernidade, mas que, por outro lado, faz surgir contradições tanto artístico-literárias, como
sociais, políticas etc. A respeito das contradições Josef destaca que os modernistas buscavam
inovar, mas ainda flertavam com tradições deixada por escolas anteriores: “(...) sem deixar de
lado as conquistas literárias de séculos anteriores”. (Jozef, 2005, p.92)
Josef destaca que a forma literária do modernismo foi uma resposta à modernização:
“O Modernismo foi a resposta da América hispânica aos processos de modernização do mundo
ocidental, através da celebração de sua cultura (...)” (Jozef, 2005, p.91).
A obra de Juan Rulfo pode ser interpretada também como uma crítica à modernidade.
Isso porque, contextualizando a obra, podemos dizer que se passa num período de transição
quando o México rural está sendo afetado por mudanças trazidas pela modernização. No
começo dessa resenha, foi descrito que quando Juan Preciado chega a Comala encontra uma
cidade árida, sem movimentação, aparentemente sem vida: “Naquela hora, fui andando pela rua
principal. Olhei as casas vazias; as portas cambaias, invadidas pela erva”.2
Essa pode ser uma crítica feita por conta das contradições trazidas pela modernização.
Comala, outrora movimentada e cheia de vida, se encontrava desolada, assim como costuma
acontecer na sociedade (desigualdades, por exemplo) acompanhando o avanço da modernidade.
Outro ponto de contato com a modernidade seria a busca de Juan Preciado por sua
identidade e suas raízes em Comala que pode ser vista como uma tentativa de reconciliar o
passado com o presente, em um mundo que está se transformando rapidamente:
“Mas não pensei em cumprir minha promessa. Até que agora comecei a me encher de
sonhos e a soltar ilusões. E assim foi se formando em mim um mundo ao redor da
esperança que era aquele senhor chamado Pedro Páramo, o marido da minha mãe. Por
isso vim a Comala.” (RULFO, Juan. Pedro Páramo, 2022, pp. 25-26)
Por todo o exposto, podemos entender a obra de Juan Rulfo como um marco que
também levantou críticas contundentes à modernidade. Assim, apesar da obra não abordar
diretamente a modernidade no sentido contemporâneo, sua narrativa revela temas de perda, de
busca por identidade, que podem ser interpretados como reações à transformação social e
cultural provocada pela modernização no México do século XX.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RULFO, Juan. Pedro Páramo; tradução de Eric Nepomuceno. 7ª ed. – Rio de Janeiro: José
Olympio, 2022.
CARPENTIER, Alejo. O reino deste mundo; tradução de José Manuel Lopes. 1ª ed. – Portugal:
Saída de Emergência, fevereiro de 2011.
2
RULFO, Juan. Pedro Páramo, 2022, p. 30
JOZEF, Bella. História da literatura hispano-americana. 4ª ed. rev. e ampliada. – Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, Francisco Alves Editora, 2005.