SULEIMAN CASSAMO nasceu em só pela representação dos hábitos
1962, em Marracuene, na província de e dos comportamentos sociais dos Maputo, em Moçambique. Publicou moçambicanos, mas também pelas três obras. A primeira delas, O regresso inclusões, em sua escrita, de um do morto (contos), foi publicada em crioulo luso-africano de origem ronga 1989 em Maputo, pela Associação dos - a sua língua materna -, que aproxima Escritores Moçambicanos, e em 1997 a narrativa da linguagem do discurso em Lisboa, pela Editora Caminho. oral, trazendo originalidade ao seu Foi traduzida para o francês com o discurso literário. título Le retour du mort e publicada em Paris em 1994, em parceria da RD: Ao abrir o livro O regresso do da Chandeigne/Unesco. A segunda morto, chamou-me a atenção, de é a coletânea de crônicas Amor pronto, a dedicatória às mulheres de Baobá, publicada em 1997 em “que anunciam ao mundo os Lisboa, pela Editora Caminho, e em homens com suas inimitáveis 1998 em Maputo, pela Editora Ndjira. minkulunguana hu lu, hu lu hu!”. O romance Palestra para um morto Em função da minha pesquisa foi publicado em 1999 em Lisboa, de doutorado nortear-se pela pela Editora Caminho, e em 2000 imersão no universo feminino em Maputo, pela Editora Ndjira. É em Moçambique, interessou-me escritor e professor universitário. É sobremaneira essa dedicatória e membro da Associação dos Escritores também dois contos contidos na Moçambicanos - AEMO -, da qual obra: “Ngilina, tu vai morrer” e foi Secretário-geral, e membro e “Laurinda, tu vai mbunhar”. As cofundador do Conselho de Redacção personagens dos dois contos são da revista Eco. Autor de uma escrita marcantes. O primeiro conto narra híbrida, Suleiman Cassamo procura a história de uma mulher que sofre representar a moçambicanidade não em função de ter sido lobolada em SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 14, n. 27, p. 183-186, 2º sem. 2010 183 Entrevista: Suleiman Cassamo
uma imposição familiar e ansiar viria da literatura latinoamericana,
sair da situação de um casamento primeiro com Jorge Luis Borges, Jose opressor que vive com o marido Lezama Lima, Juan Carlos Oneti, e a sogra. Essa saída ela encontra Gabriel Garcia Marques, e, finalmente na morte. Ngilina mostra, durante o escasso e espantoso Juan Rulfo. toda a narrativa, a seu desejo de morte. Suleiman o que significa RD: O que tem a destacar minkulunguana hu lu, hu lu hu!. da literatura produzida em SC: É uma saudação que as mulheres Moçambique no período pós- fazem ao bebê quando este nasce. independência? SC: O período que se seguiu à RD: Quais escritores inspiram a sua independência foi muito fértil. produção literária? Primeiro, assistiu-se ao fervor da SC: As primeiras influências literárias emancipação política do país. Depois, vieram com os textos, as fábulas, veio o trabalho mais cuidado com os contos e os poemas dos livros de a palavra. Aí, o país viu nascer um leitura no ensino primário. Nomes geração de talentos literários, com como Almeida Garret, Fiama Hasse, nomes que passaram a ser sonantes. Pais Brandao, Herculano, Matilde Falo de Aldino Muianga, Luís Carlos de Araújo, Miguel Torga, Miguel de Patraquim, Eduardo White, Armando Unamuno, Sophia de Melo Breyner Artur, Lília Momplé, Carneiro Anderson, nomes de que me lembro Gonçalves, Sebastiao Alba, Heliodoro sem muita precisão. Mas o choque Baptista, Marcelo Panguana, Kambira inicial veio das Américas, mais Kambiray, Gulamo Khan, Mia Couto, exactamente do Brasil, com o Jubiabá, Paradona Rufino Roque, Paulina de Jorge Amado. Acrescentaram-se Chiziane, entre muitos outros, aos outras descobertas como Guimaraes quais se juntaram José Craveirinha, Rosa e Graciliano Ramos. Cronistas Albino Magaia, Aníbal Aleluia, Rui como Ruben Braga, Ruben Fonseca, Nogar, Rui Knopfli. Foi, sobretudo, Dalton Trevisan, entre outros, fixaram-se na mente. Depois foi a vez A minha do Norte. O encontro com contistas norte-americanos como Edgar literatura Allan Poe, com romancistas como busca o Ernest Hemningway, com a crónica espírito da despretensiosa de William Saroyan. Mas o entusiasmo sem precedentes própria terra 184 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 14, n. 27, p. 183-186, 2º sem. 2010 Entrevista: Suleiman Cassamo
um período em alta para a prosa, em campo, em Marracuene. Sinto que um
uma literatura marcada por uma forte dia irei escrever, eu próprio, “O outro predominância da poesia. Destacaria alegre canto da perdiz”. Ualalapi, de Ungulani Ba Ka Kossa e Vozes anoitecidas, de Mia Couto, RD: O que tem para nos dizer em como dois livros que marcaram este relação às suas obras Palestra para tempo. Mas Nós matámos o cão um morto e O regresso do morto? tinhoso, de Luís Bernardo Honwana, SC: As obras, que são próximas surgido muito antes, isto é, ao tempo uma da outra, pelo tema aparente da do início da luta pela independência, morte, se afastam na sua essência. O continua a ser um marco na prosa regresso do morto é uma coletânea moçambicana. de contos que são impregnados do sabor da terra. Neles, move-se um RD: O que tem para considerar mundo que, em pouco, acredito, estará sobre a literatura da escritora extinto. Talvez, por isso mesmo, o Paulina Chiziane? livro tenha tido traduções em alguns SC: A Paulina Chiziane não entrou países e também tenha ganhado a muito no entusiasmo do realismo distinção da UNESCO como obra mágico, que tocou a muitos dos representativa do património literário escritores seus contemporâneos. universal. Palestra para um morto é Em parte, isso pode ter sido bom. um texto bastante elaborado. Aliás, é Ela concentrou-se na escrita como um texto que pode ser escrito várias algo que brota da sua vivência ee vezes e ainda vai permanecer denso. da energia da terra, dos seus mitos, Tem uma construção torrencial que crenças, um registo muito rico e quase lembra um pouco a de O homem e o antropológico. A literatura de Paulina rio, de William Faulkner, para mim, Chiziane tem, no dar a conhecer as um dos melhores livros de sempre. coisas da terra, a sua premissa. Se eu Uma torrente em que a morte é tratada tivesse que escolher uns poucos nomes com ironia e até como uma condição da literatura moçambicana, sem imune e sublime. Ao contrário do mesmo entrar no seu conteúdo, mas primeiro livro, neste a frase tem um apenas por aquilo que um titulo pode fôlego longo e circular, numa escrita ter de festivo e alegórico, escolheria, que se estica e encolhe elasticamente entre eles, certamente, o romance O no ato da leitura. alegre canto da perdiz, da Paulina Chiziane, que muito lembra os rubros RD: Fale sobre os contos “Ngilina, entardeceres da minha passada pelo tu vai morrer” e “Laurinda, tu vai
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Entrevista: Suleiman Cassamo
mbunhar”. com qualquer outro. Um país que
SC: São dois contos muito idênticos soube dar a volta ao texto, após um no título e no sofrimento das longo ciclo de violência. A paz é hoje personagens, embora com desenlances o nosso maior património. Quanto diferentes. Voce pode à governação, ela preferir um ou outro. faz parte dos muitos Mas, para mim, creio que “Ngilina, tu vai Moçambique jogos de equilíbrio, num mundo de morrer” é um conto de é um país globalização. O maior uma enorme vibração, desafio da governação onde o sofrimento é, que soube é conciliar os esteticamente falando, belo. Há uma busca dar a volta interesses particulares e o geral, os interesses do espírito da própria terra, dos murmúrios ao texto externos e o interno, os interesses locais e o e da densa atmosfera rural. “Laurinda, tu após um nacional, transformar o potencial de vai mbunhar” marca o tempo de um país que longo ciclo riqueza em melhores condições de vida, se reergue do peso da guerra, da carestia de violência salário justo, teto e sustento à altura para de vida, tempo que todos. Felizmente, corrompe valores e torna fluidos os está-se a fazer o caminho. próprios limites entre a urbanidade RD: Quais questões no seu país e a suburbanidade. Em ambos os inspiram a sua escrita? contos, como em todo O regresso do SC: O país todo ele, a sua riqueza morto, de que fazem parte, a mulher cultural, sobretudo o povo, em si. é o mastro, a âncora, o esteio de uma Alguém escreveu do meu livro O sociedade que teima nos seus valores. regresso do morto que ele “era o povo falando pela própria boca”. RD: Tem considerações a fazer sobre a governação em Moçambique na atualidade? Mudanças ocorridas e o que, na sua opinião, ainda deve ser feito? SC: Moçambique é um país que se faz caminhando, aliás, como acontece
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