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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE


Instituto de História

Disciplina: Laboratório de Ensino e Pesquisa IV / Turma: 2022.2


Professor(a): Francine Iegelski
Aluno(a): Samantha Bezerra da Silva

Reflexão sobre as relações familiares


e o incesto nas Obras do mexicano Juan Rulfo

Relações familiares é um tema presente na literatura. Apreciado por leitores, as


relações descritas no universo imaginário dos escritores envolvem o leitor que passa a
construir um olhar crítico acerca do texto literário. A temática do incesto e a paternidade
integra a obra de Juan Rulfo. Ocupando uma posição central na narrativa do escritor
mexicano, entrelaçada com a idéia de pecado, assim como, o sentimento de culpabilidade em
uma narrativa carregada de uma rigorosa atmosfera religiosa/espiritual. Em contrapartida, na
construção de seus personagens, Rulfo desenvolve na trajetória deles no que abarca os
aspectos familiares o conflito existente sem usar para tal um extenso leque de figuras de
linguagens, ao contrário, as descrições adquirem ora objetividade, em outros momentos ironia
em um tom “engraçado” para determinar as características de seus personagens; não há uma
linearidade em sua narrativa, o escritor se faz presente permitindo que seus personagens
falem por elas mesmas quem elas são e, principalmente, as suas ações que parecem caminhar
a um destino sentenciado antecipadamente.

Sua originalidade narrativa é uma incontestável raridade dentro da literatura


hispano-americana. Pois, suas obras desafiam o leitor a esforços de interpretação. Rulfo não
usa nenhuma técnica linear em suas narrativas, mas uma técnica de acordo com Figliolo, com
diversos planos em composição, com elementos reais e imaginários1. A potência narrativa de
Juan Rulfo, transcende suas obras, porque o escritor mexicano deixa falar os personagens
como se eles o fizessem na vida real. Porém, tal ponto não significa a ausência do escritor.

1
FIGLIOLO, Gustavo Javier, p. 55.
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De acordo com TODOROV, o personagem não existe fora das palavras, já que o
personagem é “um ser de papel”. Todavia, recusar a relação entre personagem e pessoa seria,
ainda de acordo com ele, um absurdo. Afinal, os personagens representam pessoas, segundo a
modalidade próprias da ficção2. E as relações construídas entre os personagens na narrativa
de Rulfo, demonstram aspectos sociais que interage com o psicológico, de modo que, os
conflitos familiares, presentes em sua obra “El Lano en Llamas”, publicado primeiramente do
que, “Pedro Páramo”, em que a figura do incesto começa a conjecturar-se, assim como os
conflitos familiares que surge nos contos, e posteriormente, no romance de 1955.

A ausência paterna na narrativa de Rulfo, faz com que o leitor busque a afetividade
existente. No entanto, a figura paterna é somente biológico nas obras do escritor,
evidenciando o conflito entre pai e filho, ou na busca do filho pelo pai. Sendo o fim da
existência deste pai oculta, mas presente nas entrelinhas do texto quando refere-se à morte
daquele pai, ou do próprio filho. O que torna a narrativa do Rulfo extremamente interessante,
uma vez que os mesmos estão inseridos em uma sociedade patriarcal onde as mulheres da
narrativa pouco decidem ou opinam. Existindo apenas alguns breves momentos de lucidez
feminina que se fazem questionar acerca da situação vivenciada. Sendo, portanto, a resposta
para o poder masculino que é o responsável pela direção familiar. O incesto, no entanto,
aparece ora de modo explícito, ora de modo oculto. Remetendo novamente ao patriarcado
que surge representado em figuras masculinas de autoridade, como o latifundiário, ou o
irmão, tio ou até mesmo na imagem de filho que sustenta o lar.

As obras de Rulfo narra histórias familiares que cuja precariedade e a pobreza, tanto
quanto a miséria vivenciada por seus personagens, apresentam o outro lado, o anseio da
conquista de algo novo ou condições de vida melhores para seus familiares, buscando
distanciar da extrema pobreza que infiltra-se através da falta de perspectivas para construir
um meio de vida, ou de sobrevivência em meio à desolação.

A pobreza que assola os personagens os direcionam para o destino que parece


pertencente a eles antes mesmo das ações existirem na narrativa. Principalmente, o destino
das mulheres na obra de Juan Rulfo. No conto “É que somos tão pobres”, além de apresentar
a precariedade dos personagens, demonstra que a mulher peca aos olhos de Deus, enquanto
que, o irmão da personagem se delicia com “[...] os dois peitinhos dela se movem para cima e
para baixo, sem parar, como se de repente começassem a inchar para começar a trabalhar pela

2
TODOROV, 1972, p.286
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sua perdição3”. Ou seja, não bastasse o olhar lascivo do irmão da personagem, que configura
a situação oculta, porém incestuosa, demonstra a predisposição inicial da volúpia dentro da
família, que parece repetir-se diversas vezes nos contos da obra “Chão em Chamas”, tanto
quanto, os conflitos que remetem sempre ao seio familiar. Outro conto, onde o incesto se faz
presente de modo explícito é no conto “A Madrugada”. Onde Dom Justo, tio de Margarita,
tem uma relação incestuosa, “Se o senhor padre autorizasse isso, eu me casaria com ela; mas
tenho certeza que armará um escândalo se eu pedir isso. Vai dizer que é um incesto [...]4”.
Uma história aparentemente simples apresenta novamente um mundo prístino.

Nesta trama, onde se faz a vontade de quem tem o poder, apresenta-se também as
consequências do ato, visto que, o próprio Dom Justo sente a impureza do pecado. Assim
como, a personagem Margarita, que sofre pelo pecado cometido através da humilhação feita
pela mãe que depois de muito sermão, a chama de prostituta. Dom Justo (nome irônico
elegido por Juan Rulfo, ao personagem) termina assassinado por Esteban, demonstrando
neste momento que o incesto cometido apresenta consequência condenavéis. O último conto
da obra também contém o tema incesto, porém como humor. Sendo interessante perceber,
como Rulfo forma a natureza humana nos personagens de suas obras. Pois, existe a violência,
os conflitos familiares, principalmente paternos, assasinato e impunidade em uma terra
desolada e sem ninguém: morta. Havendo a promiscuidade, envolvendo incesto, mas também
a constante presença religiosa.

Apesar de presente no imaginário popular, o incesto pela sociedade e pela Igreja é


considerado abominavél, e a narrativa condena, basicamente, pelo fato de colocar em perigo a
ordem social e cultural, estabelecidos por um sistema hieráquico que, mas especificamente na
terra em chamas, manifesta-se como a figura masculina e cristã.

De acordo com o antropólogo Oscar Lewis, os aspectos que integram a pobreza no


que abrange o aspecto social e psicológico são o viver incômodo, ou seja, a escassez de
privacidade no espaço familiar, casos de alcoolismo, a constante violência com relação aos
filhos e às mães, além é claro, da iniciação precoce da vida sexual. Uma característica
presente na escrita do Rulfo, tanto quanto, a terra do homem que paga por seus pecados em
uma terra árida de chão que o consome miseravelmente até que não resta nada.

3
RULFO, Juan. É que somos muito pobres, in: Chão em Chamas. 2021. p. 41.
4
Rulfo, Juan. A madrugada, in: Chão em Chamas, 2021. p. 63.
4

A narrativa de Juan Rulfo é marcada pela sobriedade, pelo corte, pela força de evocar
o mundo construído, que por sua vez, carrega um lugar mais do que atemporal, assim como,
personagens cujos destinos trágicos carregam uma carga de culpa e do pecado. A escrita do
Rulfo não tem perspectiva de futuro. Mesmo condenados, os personagens buscam uma
salvação para o seu destino. O passado se faz presente e o presente é o passado, pois a
memória presente como condição necessária, onde o sentido da vida parece encontrar a
explicação do por que do trágico destino que antemão antecede a tragédia. Às narrativa dos
contos se entrecruzam, de modo que, falta cronologia nas sequências, a invasão de temáticas
e personagens não referidos, confundem o leitor a tal ponto que, o questionamento se à
estrutura da narrativa cruzam as histórias, ou não.

O único ponto perceptível de posicionamento ideologico acerca da temática incesto,


muito mais do que familiares, na obra do Rulfo, encontra-se nas ações dos personagens,
demonstrando um patriarcado, onde na narrativa as mulheres servem na trama
funcionalmente aos homens; ora no sentido religioso, ora no sentido sexual, em que a menção
aos casos de incesto se faz presente. Sendo notório o destino dos personagens que cometem
tal ato, assim como, o destino do filho, após o abandono paterno. Contudo, é a presença
religiosa quem aparece de modo onipresente nas obras de Juan Rulfo, seja nas relações
sociais existentes entre os personagens, onde o sentimento religioso de culpa pelos pecados
cometidos assombram, ou seja, pela autoridade da Igreja na vida das cidades presente na obra
“Chão em Chamas” e “Pedro Páramo”. Enfim, o que tentei apresentar no presente ensaio, foi
que os conflitos familiares e o tema do incesto na obra do escritor abrem caminhos para
novas problemáticas, tanto quanto, para os resultado dos conflitos vivenciados na família e as
consequências do incesto para Juan Rulfo.
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REFERÊNCIA

RULFO, Juan. Chão em Chamas; tradução Eric Nepomuceno – 1ª ed – Rio de Janeiro:


2021.

TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. Tradução de: Maria Clara Correa.
São Paulo: Perspectiva, 1975.

MENEGHINI, Soraia. Iesbich. A família e seus conflitos na obra de Juan Rulfo.


Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Comunicação e
Expressão. Programa de Pós-Graduação em Literatura. Disponível em: <A família e seus
conflitos na obra de Juan Rulfo (ufsc.br)>. Acesso em: 05 de dezembro de 2022.

FIGLIOLO, Gustavo Javier. Uma visão do incesto em Juan Rulfo: narrativa, semântica e
ideologia. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de
Comunicação e Expressão, Programa de Pós-Graduação em Literatura, Florianópolis, 2010.
Disponível em: <Uma visão do incesto em Juan Rulfo: narrativa, semântica e ideologia
(ufsc.br)>. Acesso em: 07 de dezembro de 2022.

Chiampi, Irlemar. El realismo maravilloso. Caracas: Monte Ávila, 1982.

LEWIS, Oscar. Los Hijos de Sanches. México: D. F., 1971.

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