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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE COMUICAÇÃO E EXPRESSÃO

TEORIA LITERÁRIA V

ALUNA: Ramona de Souza (Silmar de Souza Junior – 21105691)

Florianópolis, 20/10/22

1- O texto não é conhecimento intrínseco, é junção de subjetividade com histórias


previamente postas. Para compreensão do texto, é necessário abarcar a história através de
referências hermenêuticas – formas de análise, e conhecimento técnico textual – juntamente
com referencial teórico trazido de outras leituras. Quando Jameson coloca que a realidade
histórica é a mediação de textos e referência hermenêutica, podemos ver como a amada é uma
construção transportada de realidade, que carrega categorias históricas e também entrega uma
analise de segunda e terceira moldura do tempo em que se passa a narrativa. Toni, ao contar a
trajetória de várias vozes, baby suggs, Denver, Sethe, Paul D., etc. incita uma narrativa de
realidade que é visivelmente embasada na mediação com outros textos e memórias.

Toni se coloca num tempo que não viveu através da sua própria hermenêutica da
história dos estados unidos e recria uma narrativa textual que abarca a realidade histórica da
forma mais concreta que suas fontes permitiram.

2- Sendo ideologema a forma mínima de representação de classe; faço uma


interpretação que o ideologema possa estar ligado ao arquétipo. Amada é uma representação,
por si, de classe muito forte, numa narrativa de acompanhamento da mulher negra,
escravizada, ex-escravizada ou filha de escravizadas. O livro parece ter a intenção de
acompanhar a vida de pessoas, apenas, mas em um contexto de exclusão, invisibilidade e
violências diversas, se torna um livro tempestuoso e pesado.

“Eles eram jovens e tão loucos com a ausência de mulher que tinham passado a fazer com as
bezerras. Mesmo assim, deixaram a menina de olhos de aço sossegada, para ela poder
escolher, apesar do fato de que, para ficar com ela, cada um deles era capaz de bater no outro
até virar mingau. Levou um ano para ela escolher: um ano longo, duro de revirar na cama
roída pelos sonhos com ela. Um ano de desejo, quando o estupro parecia um presente solitário
de vida. O controle que exercitaram só possível porque eram homens da Doce Lar — os
homens de quem mr. Garner se gabava enquanto outros fazendeiros sacudiam a cabeça
desconfiados com a frase.” (p. 20)

Aqui temos um exemplo fortíssimo de ideologema, uma forma de controle social que afeta
principalmente a sexualidade, o desejo. O conteúdo do livro, leva constantemente a se pensar
o pior de todas as situações, como uma menina de 13 anos perto de vários homens resulta em
estupro na certa; e neste treco isto não ocorre, pois o senhor da casa castra psicologicamente
seus escravizados para que isso não ocorra, a ponto destes homens transarem com animais. O
ideologema nesta parte se torna tão intrínseco do contexto da época, que é a desumanização
do negro, não é algo humano, apenas animal, algo que transita entre animal e ferramenta, mas
não é humano.

“Depois que eu deixei vocês, aqueles rapazes entraram lá e tomaram meu leite. Foi para isso
que eles entraram lá. Me seguraram e tomaram. Contei para mrs. Garner o que eles fizeram.
Ela ficou com um nó, não conseguia falar, mas dos olhos rolaram lágrimas. Os rapazes
descobriram que eu tinha contado deles. O professor fez um deles abrir minhas costas e
quando fechou fez uma árvore. Ainda crescendo aqui.”

Na continuação de outro ideologema, é possível identificar que a forma mais comum de


representação de ideologema na obra Amada é a violência física e sexual. Se cria então o
pensando de que a forma de representação mínima da mulher negra pós escravagismo é
cercada de estupro, violência, ódio, morte e dor.

As vozes não hegemônicas na perspectiva do real ganham caráter de protagonismo, quando


pensamos na relação do texto com contexto histórico, entendemos que vozes que surgem no
texto são as vozes abafadas na materialidade. Toni recria essas vozes abafadas, através de
conceitos que ajudam ela a resgatar essas vozes oprimidas, como a ancestralidade.

3- É visto muito nos diálogos essa relação, os diálogos entre as protagonistas é


extremamente claro e objetivo, com a intenção de rejeitar o simbolismo de um momento tão
pesado. Mesmo em momento em que elas não são narradoras, o narrador ainda se coloca num
local de representar a história delas através de suas vozes, vivências e dores. Mesmo num
livro com muitas vozes, a mulher negra se torna foco e ganha voz, e quando a antagonismo de
narrativas, existe a intenção de reforçar o ponto das protagonistas. Toni quer que qualquer
pessoa que leia entenda a dor da mulher preta; o narrador é extremamente simbólico, mas
quando a mulher preta vai falar, é direto ao ponto; esse contraste de formas é usado para
entender o contraste de mensagem. E até uma ideia de que, se pararmos pra ouvir a mulher
negra, vamos conseguir imaginar a dor dela, pois ela nunca deixou de querer de falar sobre
sua própria dor.

4- A cronologia em si é um leitmotiv, uma forma de escrita que perpetua a memória


enquanto algo vivo e ao mesmo tempo morto, exatamente como o bebê. A memória é algo
que vai e volta, fazendo até o leitor a se questionar em que momento ele está. Estes flashbacks
e flashfowards constituem um leitmotiv pois vivem enquanto ferramentas para gerar um
embaraço temporal, se torna função do leitor desembaraçar. Algo que vive na forma, mas
grita conteúdo.

“Quase sozinha. Não sozinha de tudo. Uma moçabranca me ajudou.” (p. 18)

“Amy olhou para ela. “Quer dizer que não tem apetite? Bom, eu tenho de comer
alguma coisa.” Enquanto penteava o cabelo com os dedos, olhou cuidadosamente a paisagem
mais uma vez. Verificando que não havia nada comestível em torno, se pôs de pé e o coração
de Sethe se levantou também à ideia de ser deixada sozinha ali na grama sem presas na boca.”
(p. 46)

Na primeira citação, temos Sethe falando com o Paul D, sobre como ela teve o bebê;
ela foi ajudada por uma moça de cor branca, que Sethe não conhece e não conhecia. Na
segunda citação, Sethe ainda está gravida e encontra Amy que está indo comprar veludo, Amy
sendo a moçabranca citada pela Sethe no futuro ao Paul D.

Nisso, vemos que quem fala o nome da Amy para os leitores é o narrado, fazendo uma
entrega que nunca vai chegar aos personagens. A linha cronológica também não pode ser
descartada, a autora introduz a Amy pra gente, num primeiro momento sem nome, para
posteriormente voltar no tempo, em um leitmotiv, um flashback, para que nós entendamos o
que aconteceu entre Sethe e Amy.

6 - Como dito na questão 4, vemos que a construção de tempo da amada é e não é


linear simultaneamente. Ela possui essa quebra de linearidade entre as idas e voltas do narrado
para contextualizar diálogos e acontecimentos prévios. Então no caso da Amy, moçabranca,
nenhum dos personagens sabia o nome da Amy, e isto é apenas entregado a nós pelo narrador.
Com essas mudanças de narração através do texto, vemos que o tempo e narração são funções
importantes de mudança de voz, resgate de memória e simbolismo narrativo. O conteúdo de
amada é facilmente entregado, mas se pensarmos no formalismo russo, existe uma
dificultação por parte do narrador entrega de conteúdo para realmente emergir o leitor numa
leitura que transita entre espaços, pessoas e tempos.

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