Você está na página 1de 2

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CCH


DEPARTAMENTO DO CURSO DE LETRAS
DISCIPLINA OPTATIVA: LITERATURA AFRICANA DE LÍNGUA PORTUGUESA
MINISTRADA PELA PROFª MÁRCIA MANIR MIGUEL FEITOSA
ESTUDANTE: RODRIGO CÉSAR SILVA LIMA

Breve resenha da leitura do romance de Mia Couto, Terra Sonâmbula

Antes de qualquer coisa, venho dizer que o que relatarei a seguir é baseado em
minhas próprias concepções e conhecimentos adquiridos acerca do assunto. Minha
intenção não é outra senão de caráter acadêmico falar a respeito do romance, jamais
querendo ofender ou criticar a crença de qualquer pessoa.
Dos temas abordados de forma inteligente e descritivamente discreta ao longo
da narrativa, há um que Mia Couto despertou minha atenção de maneira especial.
Portanto, e devido a intensidade desse tema, optei por explanar brevemente acerca
deste. A religião é um ponto bastante abordado na narrativa, servindo como uma das
bases para o desenvolver da trama. Determinados aspectos acerca da religiosidade dos
povos africanos se destacaram.
Pude notar o aparecimento de algumas entidades de determinada religião
originariamente de povos negros no decorrer da história. Dentre as quais a que
continuou utilizando o corpo do pai do menino mesmo depois de falecido. Obviamente
tais entidades não necessitam de um corpo propriamente vivo para poder utilizá-lo. No
entanto, antes de sua morte, o personagem já era usado por tal entidade, retratado
pelo autor nos momentos nos quais este vagava por aí como um sonâmbulo
(características, por vezes, retratada na literatura como um estado de meia-morte, ou
zumbi, como alguns preferem chamar). Diga-se de passagem, o título da obra pode
querer remeter a realidade de um povo dominado por tais crenças religiosas, seja por
escolha, seja por influência, seja por imposição... querendo dizer que este estado de
sonambulismo não seria exclusividade de apenas aquele morador daquela região, mas
de todos aqueles que podem incorporar entidades e seres do Astral.
Diga-se de passagem, o sonambulismo é visto pela religião, de uma maneira
geral, como estado de possessão, uma vez que seria durante o sono que a pessoa fica
em seu momento mais vulnerável a ataques de seres astrais.
Um desses seres que mais me chamou a atenção ao longo da leitura foram as
hienas, que apesar de aparecerem poucas vezes durante a narrativa, desempenham
um papel importante e significativo, porém de uma discrição bem trabalhada pelo
autor, sendo percebida apenas por quem já obteve algum tipo de informação a
respeito da vida espiritual, seres do Plano Astral e entidades de religiões africanas. A
hiena sempre procura aparecer nos momentos nos quais o autor vai retratar uma das
mais conhecidas características de seres abissais – o escarnecimento.
Apesar da miséria na qual vive aquele povo, ainda foram dirigidas oferendas para
o pai/marido falecido, e nesses momentos nos quais o filho leva o alimento, as hienas
aparecem rindo, escarnecendo, como se utilizadas pelos seres abissais para debochar
da situação crítica pela qual aquela família passa. Aos olhos do Cristianismo, não
existem entidades ou trabalhadores do Astral que cometam ações em prol do
benefício de outrem, e ainda que assim o façam, não é senão outro motivo senão o de
manipulação e estratagemas para ganho futuro as custas daqueles que escravizam.
Estes são os demônios, e o ponto que venho tratar agora é sobre a relação das hienas,
enquanto animais, com os seres abissais.
Algumas culturas não consideram hienas como seres da natureza, como os
demais animais, mas como aberrações influenciadas (ou criadas) pelo demônio para
disseminar escárnio e consequente perturbação. De posse dessa informação, Mia
Couto utiliza esse recurso para colocar em sua obra as hienas como estas
representações de seres abissais, ou seres inferiores, ou entidades ou demônios; seja
lá como quiser considerá-los. Uma maneira inteligente de utilizar esse elemento para
enriquecer a obra literária, uma boa obra é feita de detalhes bem colocados e
utilizados na hora certa.
Risadas são dadas por personagens ao longo da história descrita em Terra
Sonâmbula que lembram àqueles, para os quais são direcionadas, como as risadas das
hienas que sempre ouvidas em momentos nos quais os seres abissais (ou entidades, ou
demônios... mais uma vez: seja lá como quiser considerá-los, e isso dependerá da
crença de cada um) vêm escarnecer, rir, debochar daqueles que consideram mais
fracos do que eles (que geralmente é todo mundo). Para não entrar erroneamente em
um mérito de julgamento, não falarei de que maneira tais religiões que mesmo
possuindo seres que não seriam bons como objetos principais se inserem de forma
massiva entre povos menos esclarecidos através de um fator social muito poderoso – a
cultura. Diga-se de passagem, a manipulação de fatores tidos como verdades e a
vaidade são outras características marcantes de demônios.
E para finalizar este breve resumo, reitero, de novo, que minha intenção não é
criticar ou de qualquer maneira desmerecer as crenças de quem quer que seja, mas
meramente relatar um elemento literário de uma obra, muito bem produzida por
sinal, percebido por olhos acadêmicos. O bem e o mal existem, e o que devemos fazer
não é desafiar o outro lado, mas respeitá-lo.

Você também pode gostar