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Módulo

01
Fundamentos da
Contação de Histórias

Caros(as) alunos(as),

No primeiro módulo de nosso curso abordaremos dois tópicos de grande


relevância quando se pensa na arte de contar histórias:

• os fundamentos da contação de histórias;


• origem da Literatura Infantil.

Por meio desses tópicos, esperamos contribuir para que tenham algumas
dúvidas sanadas e que ampliem o conhecimento de vocês sobre as discussões
propostas.
Qualquer dúvida, contatem-nos através do quadro de avisos, ok?

Olá cursistas,
Iniciemos nosso primeiro módulo com alguns questionamentos:

Qual a importância da contação de histórias, seus fundamentos


na educação infantil e sua origem?

As histórias representam a cultura da humanidade, formando


uma relação entre passado e presente , criando e recriando através da
imaginação e da fantasia. O Contar histórias é um ato lúdico, uma arte
pedagógica que é usada como forma de aprendizagem, interação social e

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uma forma muito eficaz de trabalhar a comunicação.


De acordo com Sisto(2013), As histórias narradas oralmente
proporcionam às crianças uma visão epocal (ainda que de uma forma
esboçada), seja do seu tempo, seja de outros tempos. O recorte oferecido
pela história delineia sempre uma época, um conjunto de costumes,
comportamentos, vivências, códigos de ações, uma ética, que acabam
fazendo do texto esse complexo histórico. E se as histórias forem ainda
contos populares, há a possibilidade de revelarem uma sabedoria ancestral
e a tradição dos povos, com temáticas de caráter universal e neste
caso, apagando (borrando ou tornando elástica) a linha do tempo, pela
potencialização de questões que são de ontem e hoje, de todo e qualquer
tempo!
No entanto é na interação da criança com a obra literária que
está a riqueza dos aspectos formativos nela apresentados de maneira
fantástica, lúdica e simbólica. A intensificação dessa interação, através
de procedimentos pedagógicos adequados, leva a criança a uma maior
compreensão do texto e a uma compreensão mais abrangente do contexto.
Desta forma podemos dizer que a arte de contar histórias se revela
como um instrumento precioso para o trabalho lúdico pedagógico.

Vamos então, ver um pouco sobre a Origem da Literatura Infantil?

Agora que já iniciamos as discussões sobre a importância da


contação de histórias, acreditamos ser necessário fazermos um breve
passeio pela história da Literatura Infantil. Muitos de vocês podem pensar
que esse tipo de texto possa ser algo novo, recente.
Mas como veremos em seguida, a tradição oriental, séculos antes
do nascimento de Cristo, já produzia textos fabulosos (Fábulas), difundidos
oralmente e que, frequentemente, são apontados como a origem da
Literatura Infantil. Tais textos orais foram influenciadores das obras de
Charles Perrault, dos Irmãos Grimm, de La Fontaine e de Esopo.
Precisamos, então, verificar os desdobramentos das Narrativas
Primordiais ao longo dos séculos, bem como, a forma como foi recebida
pelos diversos escritores e, ainda, a maneira como esses mesmos escritores
absorvem e utilizam a influência dessas Narrativas em seus textos.
Acreditamos ser significativo e produtivo vermos algumas análises
de textos que se encontram na origem da Literatura Infantil. Transcrevemos,
abaixo, algumas análises que foram extraídas do excelente livro Literatura
Infantil: teoria, análise, didática, da Profa. Nelly Novaes Coelho. Esta é

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uma daquelas obras que devemos ter ao nosso lado sempre que formos
estudar, discutir ou trabalhar com Literatura Infantil.

Mas, passemos às análises.

TEXTOS REPRESENTATIVOS DA NARRATIVA PRIMORDIAL

Calila e Dimna - O Leão e o Boi

Disse Dabshalim, rei da Índia, a Báidaba, príncipe dos filósofos:


“Conta-me uma história que ilustre o caso de dois amigos que o
mentiroso e intrigante desune, semeando o ódio entre eles”. Disse Báidaba:
[ ... ] Muitas são as histórias que ilustram esse caso. Conta-se, numa delas,
que ...
As histórias que o príncipe dos filósofos vai contando ao rei,
sucedem-se às centenas no livro Calila e Dimna: umas saindo de outras,
interrompendo a anterior para dar início a uma nova, voltando depois a ela,
etc., etc., obedecendo a uma estrutura narrativa de “encaixe”. Entre essas
múltiplas narrativas, são incluídas fábulas que, levadas por peregrinos
para fora da Índia, acabaram se popularizando e fazendo parte da literatura
europeia. Entre essas fábulas, registramos:

Que tal você já ir treinando para começar a contar histórias????

O Homem e a Serpente

Disse o rato:
- Conta-se que um homem ia de viagem, quando encontrou em seu
caminho’ uma serpente enroscada e enregelada pelo frio. Apiedou-se dela
e colocou-a debaixo de seu casaco, a fim de lhe dar calor. Pouco tempo
depois, a serpente, aquecida, desenroscou-se e deu uma forte mordida em
seu protetor.
- É assim que recompensas a quem cuida de ti e te salva? perguntou
o homem agonizando.
- Assim sou eu - respondeu a serpente. - Estes são meu caráter
e meus costumes. A traição e a ingratidão formam a essência de minha
natureza. Quando me socorreste, devias ter pensado nisto, e não esperar

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de mim outra coisa.


Esta fábula faz parte também da coletânea de Esopo, que viveu
no séc. V a.C., na Trácia, como escravo dos gregos. A presença de textos
semelhantes na coletânea indiana e na de Esopo não foi suficientemente
elucidada até hoje. A verdade é que essa e outras fábulas viajaram pelas
mais distantes regiões geográficas do globo e, através dos tempos, foram-
se incorporando ao acervo narrativo dos mais diferentes lugares do mundo
civilizado. La Fontaine registra-a em suas Fábulas. É curioso notar que
Monteiro Lobato não incluiu O Homem e a Serpente em seu volume de
Fábulas. Seria pela “mensagem” negativa que ele transmite? Note-se que
essa fábula (ou parábola) admite a existência do Mal, em certos seres,
como algo definitivo ou irremediável. (Seria um bom tema para seminários
o confronto do Bem e do Mal nas fábulas antigas e a discussão do
maniqueísmo dessa visão de mundo.)

Fábulas de Esopo

Esopo - Célebre fabulista grego, provavelmente nascido pelo


ano de 620 a. C. Segundo o historiador Heródoto, Esopo teria nascido
na Trácia, região da Ásia Menor, tornando-se escravo na Grécia. Outro
historiador, Heráclites do Ponto, afirma ser o roubo de um objeto sagrado
a causa da morte do fabulista. Como era costume no caso de sacrilégios,
Esopo teria sido atirado do alto de um rochedo .Discute-se a sua existência
real, assim como acontece com Homero. Assim, há ainda alguns detalhes
atribuídos à biografia de Esopo, cuja veracidade não se pode comprovar:
seria aleijado, dificuldades de fala e seria um protegido do rei Creso.
Levanta-se a possibilidade de a obra esopiana ser uma compilação de
fábulas ditadas pela sabedoria popular da antiga Grécia. Seja lá como for,
o realmente importante é a imortalidade das fábulas a ele atribuídas. As
primeiras versões escritas das fábulas de Esopo datam do séc. III d. C.
Muitas traduções foram feitas para várias línguas, não existindo uma versão
que se possa afirmar ser mais próxima da primordial. Destaca-se, entre
os estudiosos da obra esopiana, Émile Chambry, profundo conhecedor
da língua e da cultura gregas. Chambry publicou, em 1925, Aesopi -
Fabulae em que trabalha com 358 fábulas. Características das fábulas
esopianas: narrativas, geralmente, curtas, bem-humoradas e relacionadas
ao cotidiano; encerram em si uma linguagem simples, pois dirigem-se ao
povo; apresentam-se repetições vocabulares num texto em prosa; contêm
simples conselhos sobre lealdade, generosidade e as virtudes do trabalho;

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a moral é representada por um pensamento, nem sempre relacionado


diretamente à narrativa; personagens são, basicamente, animais que
apresentam comportamento humano. Para maiores informações acessem
http://www.graudez.com.br/litinf/autores/esopo/esopo.htm.

A Gralha Soberba e o Pavão

Para que a ninguém agrade gloriar-se com prendas alheias, mas


antes passar a vida em seu próprio estado, Esopo narrou-nos a fábula
seguinte:
Uma gralha, estando cheia de vã soberba, apanhou as penas
que tinham caído de um pavão e se enfeitou com elas; em seguida,
menosprezando as suas companheiras, introduziu-se no formoso bando
de pavões. Estes arrancam as penas à imprudente ave e afugentam-na
com os bicos. A gralha maltratada começou a volta tristonha para sua
própria raça e foi por ela repelida, sofrendo grave infâmia. Então uma das
companheiras, antes desprezada, disse-lhe: Se tivesses estado contente
com as nossas moradas, tivesses querido suportar o que a natureza te
havia outorgado, nem terias experimentado aquela contumélia, nem a tua
desgraça sentiria esta repulsa. Sossega dentro de tua pele.
Essa fábula aparece na coletânea de La Fontaine e também nas
Fábulas de Monteiro Lobato. (Um confronto entre as várias versões seria
um bom Exercício para a verificação dos elementos que teriam mudado em
cada autor.)

Fábulas de La Fontaine

La Fontaine - Francês de origem burguesa, nascido na região de


Champagne, foi autor de contos, poemas, máximas, mas com as fábulas
ganhou notoriedade mundial. Resgatando fábulas do grego Esopo (século
VI a. C.) e do romano Fedro (século I d. C.), os textos de La Fontaine não
apresentam grande originalidade temática, mas recebem um tempero de fina
ironia. O autor francês não só tornou mais atuais as fábulas de Esopo, como
também criou suas próprias, dentre elas “A cigarra e a formiga” e “A raposa
e as uvas”. Contemporâneo de Charles Perrault, frequentava a corte do Rei
Sol - Luís XIV, de onde extraiu informações para sua crítica social. Integrou
o chamado “Quarteto da Rue du Vieux Colombier”, composto também por
Racine, Boileau e Molière. Participou da Academia Francesa com ingresso
em 1683, em que sucedeu o famoso político Colbert, a quem se opunha

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ideologicamente. Estreou no mundo literário em 1654 com uma comédia. A


publicação da primeira coletânea de fábulas data de 1668, sucedida de mais
11, lançadas até 1694. No prefácio dessa primeira coletânea, deixa bem
clara suas intenções na constituição dos textos: “Sirvo-me de animais para
instruir os homens.”Morre aos 73 anos sendo considerado o pai da fábula
moderna. As narrativas de La Fontaine estão permeadas de pensamentos
filosóficos com forte moralidade didática e, apesar de tão antigas, mantêm-
se vivas até hoje. Disponível em http://www.graudez.com.br/litinf/autores/
esopo/esopo.htm // acesso em 24/07/2015

A Moça e o Pote de Leite

Perrette, tendo sobre sua cabeça um pote de leite, pretendia chegar


sem demora à cidade. Rápida e com a roupa curta, ela ia a grandes passos,
tendo posto naquele dia uma saia simples e sapatos baixos. Nossa leiteira
já pensava em quanto ganharia com o leite e como empregaria o dinheiro.
Comprava cem ovos: com sua diligência tudo ia muito bem. É fácil, dizia
ela, criar os frangos em torno de casa. Mesmo que a raposa seja bastante
hábil, eu ainda poderei comprar um leitão. Ele era quando eu o comprei de
um tamanho razoável: obterei ao revendê-la dinheiro belo e bom. E quem
me impedirá de trazer para nosso estábulo, visto o preço que está baixo,
uma vaca e seu bezerro, que eu verei pular no meio do gado?
Perrette, a esta altura, pula também, transportada: o leite cai, adeus
bezerro, vaca, leitão, frangos. A dona destes bens, desapontada, vai-se
desculpar com seu marido, receosa de apanhar.
Esta narração em farsa foi feita
E foi chamada O Pote de Leite,
Que espírito não ganha a guerra?
Quem não constrói castelos em Espanha?
Picrocole, Pirro, a Leiteira, enfim todos, sejam sábios ou tolos,
Todos sonham acordados; não há nada mais doce.
Um doce errar leva então nossas almas.
Temos todos os bens do mundo, todas as honras, todas as
mulheres. Quando estou só, desafio o mais corajoso.
Destrono o Sofi. Sou eleito rei, meu povo me ama.
Chovem diademas sobre minha cabeça.
Qualquer acidente faz com que eu volte a mim mesmo:
Sou João Ninguém, como dantes.
É esta uma das mais famosas fábulas da Antiguidade. La Fontaine

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recolheu-a no folclore francês, no séc. XVII. Sua fonte mais antiga é Calila
e Dimna, onde tem o título de “O Eremita e a Jarra de Manteiga”. Aparece
também na cena dos pastores em busca do gado perdido no Auto de
Mofina Mendes, de Gil Vicente (séc. XVI); e na coletânea oriental As Mil
e Uma Noites, como “O Asceta e a Jarra de Manteiga”. Monteiro Lobato
reinventou-a como “A Menina do Leite”. (Uma análise de confronto entre
todos esses textos será bastante elucidativa para o conhecimento da
evolução das ideias e transformação dos valores literários.)

Contos de Mamãe Gansa – Charles Perrault

Disponível em: http://www.graudez.com.br/litinf/autores/perrault/


perrault.htm/ acesso em 24/07/2015

Charles Perrault – Contemporâneo do fabulista gaulês La Fontaine,


Charles Perrault sempre viveu em Paris e morreu aos 75 anos. O poeta da
Academia Francesa não atuou exclusivamente no mundo das letras. Além
de trabalhar como advogado, tornou-se superintendente de construções do
Rei Sol Luís XIV, posição política em que se destacou ao lado do ministro
Colbert.Membro da alta burguesia, Perrault foi imortalizado por criar uma
literatura de cunho popular que caiu no gosto infantil e contou também
com a aprovação dos adultos. Com pouco mais de 50 anos, trocou o
serviço ativo pela educação dos filhos. Movido por esse desejo, começou a
registrar as histórias da tradição oral contadas, principalmente, pela mãe ao
pé da lareira.Com quase 70 anos, publicou um livro de contos conhecido,
na época, como “contos de velha”, “contos da cegonha” ou “contos da
mamãe gansa”, sendo o último o título por que ficou conhecida a obra em
todo o mundo. A primeira edição, de onze de janeiro de 1697, recebeu o
nome de “Histórias ou contos do tempo passado com moralidades”, que
remete à famosa moral da história presente ao final de cada texto. Com
redação simples e fluente, as histórias eram adaptações literárias que
traziam ao final conceitos morais em forma de verso. Essa perspectiva
promove, desde a fase inicial, na chamada literatura infantil a existência de
um teor pedagógico associado ao lúdico.Os “Contos da mamãe gansa” se
constituem de uma coletânea de oito histórias, posteriormente acrescidas
de mais três títulos, ainda que num manuscrito de 1695, só encontrado em
1953, constassem apenas cinco textos. Os contos que falam de princesas,
bruxas e fadas trazem histórias que habitam até hoje o imaginário infantil
como “A Bela Adormecida”, “Chapeuzinho Vermelho”, “Cinderela”, dentre

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outros. Disponível em: http://www.graudez.com.br/litinf/autores/esopo/


esopo.htm

As Fadas

Era uma vez uma viúva que tinha duas filhas: a mais velha parecia-
se tanto com ela em gênio e feições, que quem a olhava era como se visse
a mãe. Eram as duas tão desagradáveis e orgulhosas que ninguém podia
viver com elas. A caçula, que era o próprio retrato do pai, pela doçura
e gentileza, era uma das moças mais belas que era dado ver. Como,
naturalmente, amamos o que nos é semelhante, aquela mãe era louca pela
filha mais velha e, ao mesmo tempo, tinha uma terrível aversão pela caçula.
Fazia-a comer na cozinha e trabalhar sem parar.
Era preciso, entre outras coisas, que essa pobre criança fosse, duas
vezes por dia, buscar água a uma légua de distância da casa e carregar
bem cheia uma grande bilha. Um dia, quando estava na fonte, chegou uma
pobre mulher que lhe pediu água para beber.

“Pois sim, minha boa mulher”, disse a bela moça, e enxaguando


depressa sua bilha, recolheu água no melhor lugar da fonte, ofereceu-a,
sempre sustentando a bilha, a fim de que a mulher pudesse beber mais
facilmente. A boa mulher, tendo bebido, lhe disse: “Sois tão bela, tão boa
e gentil que não posso me impedir de vos conceder um dom” (porque era
uma fada que havia tomado a forma de uma pobre mulher de aldeia, para
ver até onde ia a gentileza da jovem). “Dou-vos por dom”, continuou a fada,
“que a cada palavra que disserdes, saia de vossa boca uma flor ou uma
pedra preciosa”.
Logo que a jovem chegou à casa, sua mãe repreendeu-a por voltar
tão tarde da fonte. “Peço-vos perdão, minha mãe” disse a pobre menina,
“de haver demorado tanto”. E ao dizer tais palavras, lhe saíram da boca
duas rosas, duas pérolas e dois grandes diamantes. “Que vejo?” disse a
mãe espantada, “parece que lhe saem da boca pérolas e diamantes. De
onde vem isso, minha filha?” (Foi a primeira vez que a chamou de “minha
filha”.)
A jovem contou o que acontecera e a mãe mandou logo a filha
mais velha ir à fonte; mas, indo de má vontade, ela insultou a bela dama
que lhe apareceu pedindo água e, como castigo, o seu falar daí para diante
transformava-se sempre em serpentes e sapos horrendos.
Moralidade: Os diamantes e as armas / Podem muito sobre os

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espíritos; / Enquanto as palavras doces / Têm ainda mais força e são de


preço mais alto.
Outra Moralidade: A gentileza custa cuidados, / E exige um pouco
de complacência; / Mas cedo ou tarde ela tem recompensa, / E muitas
vezes no momento em que menos a esperamos.

Entre os valores ético-sociais aí realçados temos o servilismo


atribuído aos afazeres domésticos, a exaltação da beleza, da submissão,
bondade, cortesia, paciência, gentileza, como qualidades fundamentais
da mulher; o prêmio ou recompensa futura, como estímulo à virtude; a
importância do falar educado e cortês que devia prevalecer no convívio
humano; etc. A partir dessas ideias, as análises podem verificar como se
deu aqui a transfiguração literária: tipo de enredo, de personagens, situação
problemática etc.

Contos de Fada para Serões e para Crianças-Irmãos Grimm

Irmãos Grimm – Inseridos num contexto histórico alemão de


resistência às conquistas napoleônicas; os Irmãos Grimm recolhem,
diretamente da memória popular, as antigas narrativas, lendas ou sagas
germânicas, conservadas por tradição oral. Buscando encontrar as origens
da realidade histórica germânica, os pesquisadores encontram a fantasia,
o fantástico, o mítico em temas comuns da época medieval. Então uma
grande Literatura Infantil surge para encantar crianças de todo o mundo.
Tinham dois objetivos básicos com a pesquisa:
• levantamento de elementos linguísticos para fundamentação dos
estudos filológicos da língua alemã;
• fixação dos textos do folclore literário germânico, expressão
autêntica do espírito da raça.

O primeiro manuscrito da compilação de histórias data de 1810


e apresentava 51 narrativas. Em sua primeira edição, a compilação foi
entitulada “Histórias das crianças e do lar” e já contava com mais algumas
histórias. A quinquagésima edição, última com os autores vivos, já totalizava
181 narrativas. Algumas dessas estórias são de fundo europeu comum,
tendo sido também recolhidas por Perrault, no séc. XVII, na França (o que
remete à existência de uma fonte comum).
Na tradição oral, as histórias compiladas não eram destinadas ao
público infantil e sim aos adultos.

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Foram os Irmãos Grimm que dedicaram-nas às crianças por sua


temática mágica e maravilhosa. Fundiram, assim, esses dois universos:
o popular e o infantil. O título escolhido para a coletânea “Histórias das
crianças e do lar” já evidencia uma proposta educativa. Alguns temas
considerados mais cruéis ou imorais foram descartados do manuscrito de
1810.
O Romantismo trouxe ao mundo um sentido mais humanitário.
Assim, a violência (presente nos Contos de Perrault) cede lugar a um
humanismo, onde se destaca o sentido do maravilhoso da vida. Perpassam
pelas histórias, de forma suave, duas temáticas em especial: a solidariedade
e o amor ao próximo. A despeito dos aspectos negativos que continuam
presentes nessas estórias, o que predomina, sempre, é a esperança e a
confiança na vida.
Ex: Confrontando os finais da estória do “Chapeuzinho Vermelho”;
em Perrault (que termina com o lobo devorando a menina e a avó) e em
Grimm (onde o caçador chega, abre a barriga do lobo, deixando que as
duas vivam vivas e felizes; enquanto o lobo morria com a barriga cheia de
pedras que o caçador ali colocou...).
Vários críticos afirmam serem as histórias dos Grimm incentivadoras
do conformismo e da submissão. Ainda assim, a permanência dessas
narrativas, oriundas da tradição oral, justificam o destaque conferido a
estes autores alemães.
Nos Contos de Grimm não há, propriamente, contos-de-fadas,
distribuem-se em:
• contos-de-encantamento (estórias que apresentam metamorfoses,
ou transformações, por encantamento, a maioria);
• contos maravilhosos (estórias que apresentam o elemento mágico,
sobrenatural, integrado naturalmente nas situações apresentadas);
• fábulas (estórias vividas por animais, algumas);
• lendas (estórias ligadas ao princípio dos tempos, ou da comunidade,
e onde o mágico aparece como “milagre” ligado a uma divindade);
• contos de enigma ou mistério (estórias que têm como eixo um
enigma a ser desvendado);
• contos jocosos (humorísticos ou divertidos).
A característica básica de tais narrativas (qualquer que seja sua
espécie literária) é a de apresentar uma problemática simples: um só núcleo
dramático.
A repetição, ou reiteração, juntamente com a simplicidade de
problemática e da estrutura narrativa, é outro elemento constitutivo

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básico dos contos populares. Da mesma forma que a elementaridade,


ou simplicidade da mente popular, ou da infantil, repudia as estruturas
narrativas complexas (devido à dificuldade de compreensão imediata
que elas apresentam), também se desinteressam da matéria literária que
apresente excessiva variedade, ou novidades que alterem continuamente
as estruturas básicas já conhecidas.
Essa reiteração dos mesmos esquemas, na literatura popular-
infantil, vai, pois, ao encontro da exigência interior de seus leitores:
apreciarem a repetição das “situações conhecidas”, porque isso permite o
prazer de conhecer, por antecipação, tudo o que vai acontecer na estória.
E mais, dominando, a priori, a marcha dos acontecimentos, o leitor sente-
se seguro interiormente. é como se pudesse dominar a vida que flui e lhe
escapa .Disponível em: http://www.graudez.com.br/litinf/autores/grimm/
grimm.htm

Moedas de Estrelas

Era uma vez uma meninazinha. Seu pai e sua mãe haviam morrido,
e ela ficou tão pobre que não tinha sequer um cantinho onde morar, nem
uma caminha onde dormir. Não lhe restava nada mais do que a roupa do
corpo e um pedacinho de pão em sua mão, que um coração compadecido
lhe havia dado. Era, porém, uma menina boa e piedosa e, por estar sozinha
no mundo, saiu pelo campo afora, depositando toda a confiança em Deus.
Nisto, encontrou-se com um pobre homem que lhe disse:
- Ah! Dá-me alguma coisa para comer. Tenho tanta fome ...
A narrativa prossegue com os atos de caridade da menina que
foi dando o pouquíssimo que tinha a todos que lhe solicitavam, acabando
quase despida, só com uma camisinha sobre o corpo, numa noite bastante
fria.
Estando assim, sem ter mais nada, eis que de repente caíram
as estrelas do céu, e elas eram verdadeiras moedas duras e polidas. E
embora tivesse dado a sua camisinha, estava a menina vestida com uma
outra nova de finíssimo linho. Nela, então, ela recolheu as moedas e ficou
rica para toda a vida.
Aí também temos, fundidos, os ideais cristãos (humildade,
generosidade, resignação) e os burgueses (valorização do dinheiro e
incentivo à caridade ou ao paternalismo); convergência de atitudes como
estas são bastante frequentes nos contos tradicionais recriados pelos
Irmãos Grimm ou por Andersen, pois esses autores representam, de

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maneira exemplar, a mentalidade pragmática burguesa/romântica, que


se consolidava na época. (Como bom exercício de análise, confrontar os
valores ideológicos registrados no 1º. capítulo deste livro com os presentes
nestes contos e a correspondente transfiguração literária.)

Contos de Andersen

Andersen – Célebre poeta e novelista dinamarquês, nascido em 2


de abril de 1805. Era pobre, meio desajeitado e alto demais para sua idade
quando criança. Há a hipótese de que, ao escrever “O patinho feio”, o autor
tenha se inspirado em sua própria infância. Andersen nasceu no mesmo
ano em que Napoleão Bonaparte obtinha suas primeiras vitórias decisivas.
Assim, desde menino, vai respirar a atmosfera de exaltação nacionalista.
A Dinamarca também se entrega à descoberta dos valores ancestrais, não
com o espírito de autoafirmação política, mas no sentido étnico, de revelar
o caráter da raça. Tal como fizeram os Irmãos Grimm. Andersen foi um
escritor que se preocupou, essencialmente, com a sensibilidade exaltada
pelo Romantismo. Entre os títulos mais divulgados de sua obra estão: “O
patinho feio”; “O soldadinho de chumbo”; “A roupa nova do Imperador”, “A
sereiazinha” e “João e Maria”. Embora entre suas estórias haja muitas que
se desenrolam no mundo fantástico da imaginação, a maioria está presa
ao cotidiano. Andersen teve a oportunidade de conhecer bem os contrastes
da abundância organizada, ao lado da miséria sem horizontes. Ele mesmo
pertenceu a essa faixa social. Andersen vai tornar mais explícitos os padrões
de comportamento exigidos pela Sociedade Patriarcal, Liberal, Cristã,
Burguesa que então se consolidavam. A par desses valores éticos, sociais,
políticos e culturais ... que regem a vida dos homens em sociedade, Andersen
insiste, também, no comportamento cristão que devia nortear pensamentos
e ações da humanidade, para ganhar o céu...Foi, assim, a primeira voz
autenticamente romântica a contar estórias para as crianças e a sugerir-
lhes padrões de comportamento a serem adotados pela nova sociedade
que se organizava. Na ternura que ele demonstra, em suas estórias, pelos
pequenos e desvalidos, encontramos a generosidade humanista e o espírito
de caridade próprios do Romantismo. No confronto constante que Andersen
estabelece entre o poderoso e o desprotegido, o forte e o fraco, mostrando
não só a injustiça do poder explorador, como, também, a superioridade
humana do explorado, vemos a funda consciência de que todos os homens
devem ter direitos iguais. É considerado o precursor da literatura infantil
mundial. Em função da data de seu nascimento, comemora-se em 2 de abril

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o Dia Internacional do Livro Infanto-Juvenil. O prêmio internacional mais


importante na literatura infanto-juvenil é conferido pela International Board
on Books for Young People - IBBY. Esta premiação é representada pela
medalha Hans Christian Andersen. Em 1982, Lygia Bojunga foi a primeira
representante brasileira a ser contemplada com esta medalha.
Acesso: http://www.graudez.com.br/litinf/autores/andersen/
andersen.htm .

A Rainha da Neve (Fábula em Sete Histórias)

1 ª História: Que Trata do Espelho e dos Cacos

Vamos começar a narrativa. Quando chegarmos ao fim, saberemos


mais do que agora sabemos. Vamos falar de um duende maligno, um dos
piores, pois é nem mais nem menos que o Tinhoso em pessoa. Certo dia
achava-se ele muito bem-humorado. Fabricara um espelho com estranha
virtude: o bom e o belo que nele se refletiam encolhiam até serem um
quase nada, mas o feio e o mau sobressaíam, tornando-se ainda piores.
As mais lindas paisagens, refletidas naquele espelho, pareciam espinafre
cozido, e as melhores pessoas tornavam-se repelentes ou apareciam de
cabeça para baixo, sem barriga. Os rostos ali ficavam tão contorcidos que
eram irreconhecíveis, e quem tivesse uma única sarda podia ter certeza
que ela lhe cobriria todo o nariz e a boca.
(Este original conto de Andersen, analisado na íntegra, revela-
se como exemplar da grande criatividade do autor. É um texto muito rico
para se estudar a invenção literária que funde, de maneira essencial, a
intencionalidade lúdica e, ao mesmo tempo, didática, que caracteriza a
literatura infantil/juvenil criada pelo Romantismo.)

Alice no País das Maravilhas - Lewis Carroll

Lewis Carroll, pseudônimo de Charles Lutwidge Dodson,


(Cheshire, 27 de janeiro de 1832 — Guildford, 14 de Janeiro de 1898)
foi um matemático e escritor inglês.Lewis Carroll teve uma carreira como
professor de matemática na Christ Church, origem da famosa Universidade
de Oxford, tendo sido um bom matemático e lógico, porém não brilhante.
Sua fama vem mais de seus dois livros infantis, Alice no país das maravilhas
(1865) e Alice no País do Espelho (Alice do outro lado do espelho, no
título mais conhecido em Portugal) (1872), ambos escritos sob inspiração

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de Alice Liddell, filha do deão da Christ Church, de apenas dez anos de


idade, por quem ele nutria uma paixão platônica. Lewis foi o inventor de
inúmeros jogos e quebra-cabeças infantis, com que ele entretinha suas
amigas crianças. Como matemático dedicou-se a criar e resolver diversos
problemas intrincados de lógica, sendo esta a sua maior contribuição
científica. A pedofilia de Carroll nunca foi às vias de fato, tendo sido
sempre platônica, e ficou registrada em inúmeras fotografias de seminu
infantil que ele fez durante sua vida. Carroll jamais se casou. A própria
sugestão de seus relacionamentos com as meninas envolverem algum
componente sexual constrangia Carroll.Ambos os livros infantis de Carroll
contêm inúmeros problemas de matemática e lógica ocultos no seu texto.
Em Alice no país da maravilhas, em que a personagem Alice entrava em
uma toca atrás de um coelho falante e caía em um mundo fantástico e
fantasioso, uma das passagens mais conhecidas é a do chá com a Lebre
de Março e o Chapeleiro, em que o Chapeleiro propõe um enigma, nunca
resolvido por Carroll, ao perguntar “por que um corvo se parece com uma
escrivaninha?”.A passagem mais comentada e lembrada de Alice no País
do Espelho, livro em que Alice entra no espelho e encontra lá um mundo
em que tudo é invertido, é o evento, nunca dito, mas apenas sugerido, da
queda de Humpty Dumpty. O interessante de Alice no País do Espelho é
que toda a história se passa como se fosse um jogo de xadrez, em que
cada evento constitui-se em uma jogada, sendo o final da história, e seu
clímax, o xeque-mate.Lewis Carroll até hoje continua um enigma, e seus
livros infantis uma fonte de diversão para adultos e crianças.

1. Entrando na toca do coelho

Alice começava a enfadar-se de estar sentada no barranco junto à


irmã e não ter nada que fazer: uma ou duas vezes espiara furtivamente o
livro que ela estava lendo, mas não tinha figuras nem diálogos: “E de que
serve um livro” - pensou Alice - “sem figuras nem diálogos?”.
Assim meditava, ponderando (tanto quanto podia, pois o calor a
deixava sonolenta e entorpecida) se o prazer de tecer uma grinalda de
margaridas valeria o esforço de levantar-se e colher as flores, quando de
súbito um Coelho Branco de olhos róseos passou perto dela. Não havia
nada de tão notável nisso; nem Alice achou tão extraordinário ouvir o
Coelho murmurar para si mesmo: “-Ai, meu Deus! Ai, meu Deus! Vou chegar
muito atrasado!” - (quando pensou nisso bem mais tarde, ocorreu-lhe que
devia ter-se espantado; na hora pareceu-lhe muito natural). Mas quando o

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A Arte de Contar Histórias - Curso Livre - UNIGRAN / 2015

Coelho tirou um relógio do bolso do colete e deu uma espiada apressando-


se em seguida, Alice levantou-se sem demora, pois assaltou-a a ideia de
que jamais vira na sua vida um coelho de colete e bolso, e muito menos
com relógio dentro. Ardendo de curiosidade, correu atrás do Coelho campo
afora, chegando justamente a tempo de vê-lo enfiar-se numa grande toca
sob a cerca.
Logo depois, Alice entrou atrás dele, sem pensar sequer em como
sairia dali outra vez. A toca do Coelho se alongava em linha reta como um
túnel, e de repente abria-se numa fossa, tão de repente que Alice não teve
nem um segundo para pensar em parar, antes de ver-se caindo no que
parecia ser um poço muito profundo.
Escrito para crianças, este livro introduz o maravilhoso na própria
realidade cotidiana e os funde de tal maneira que se torna impossível
separarmos o que seria fantasia da personagem ou o verdadeiro real. Carroll
escreveu-a durante o reinado da rainha Vitória, na Inglaterra (a quem satiriza
no livro), e em plena vigência do racionalismo “vitoriano”. Um bom exercício
de leitura interpretativa seria detectar no fragmento transcrito (ou no texto
integral) as críticas feitas à excessiva lógica que então pretendia governar
a vida das pessoas, e também a submissão ao pragmatismo necessário
ao aproveitamento do tempo etc. O que pode parecer brincadeira gratuita
é, em essência, uma análise lúcida dos exageros a que as convenções
dominantes estavam submetendo os homens.
Mas, ao mesmo tempo, analise-se a extraordinária logicidade
que Carroll imprime à sua narrativa: uma prova disso é o contínuo uso
de parênteses, o sinal gráfico mais característico da intenção explicativa
por parte do narrador. Na verdade, Carroll realiza em Alice no País das
Maravilhas uma lúcida crítica aos costumes ou equívocos da civilização
de seu tempo, atingindo especialmente as falhas do sistema de ensino
vigente.
Sem dúvida, o sucesso desse livro entre as crianças não se deveu
à contundência e verdade dessas críticas, mas à transfiguração simbólica
das situações reais; a qual, por sua originalidade, inesperado e comicidade,
continua seduzindo os pequenos leitores. Nestes últimos anos, Alice ... vem
sendo redescoberta pelos adultos e reinterpretada através de diferentes
perspectivas.

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A Arte de Contar Histórias - Curso Livre - UNIGRAN / 2015

Disponível em/ http://www.tribunadecianorte.com.br/cidades/2013/08/terra-boa-biblioteca-promove-oficina-


-de-arte-de-contar-historias/863230/ acesso em 26/07/2015

Monteiro Lobato

Foi um dos mais influentes escritores brasileiros do século XX. É


conhecido por sua obra de livros infantis, que constitui aproximadamente
a metade da sua produção literária. Dedicou-se a um estilo de escrita com
linguagem simples onde mistura realidade e fantasia. Um dos precursores
da literatura infantil no Brasil. que
Com a publicação de A menina do narizinho arrebitado, em 1921,
José Bento Monteiro Lobato inaugura o que se convencionou chamar de
fase literária da produção brasileira destinada a crianças e jovens. Sua obra
foi um salto qualitativo comparada aos autores que o precederam, já que é
quase toda permeada do ânimo de debates temas políticos contemporâneos
ou históricos, que problematiza de modo a ser compreendido por crianças
e expressa em linguagem original e criativa, na qual sobressai a busca do
coloquial brasileiro antecipatória do Modernismo (Sandroni, 1998, p.12).

Desse modo, encerramos nosso primeiro Módulo! Esperamos


que tenha viajado com as histórias da origem da Literatura Infantil.

A Literatura não é como tantos supõem, um passatempo. É uma


nutrição. (Meireles, 1984, p. 32)”.

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