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UPE – UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO – CAMPUS MATA NORTE

LITERATURA BRASILEIRA III

LETRAS – NOTURNO – 2021

WILLIAN FELIPE DIAS DA SILVA

PROF.ª MÁRCIA XAVIER

UM OLHAR SOBRE O CONTO ‘BALEIA’ DE GRACILIANO


RAMOS – uma narrativa curta como constituinte de um romance
emblemático da literatura nacional

O presente trabalho discutirá acerca do conto “Baleia”, uma obra de Graciliano


Ramos publicada em 1938, pertencente ao romance Vidas Secas. No entanto, como se
fará discutível em seguida, perceberemos que este conto fora publicado anteriormente
em jornais da época. Primeiramente, é necessário que saibamos que autor é considerado
um dos maiores romancistas da segunda fase do modernismo, ao lado de grandes figuras
como Rachel de Queiroz, Jorge Amado, José Lins do Rego, entre outros. Graciliano
nasceu no estado de Alagoas e residiu bastante tempo em Palmeira dos Índios, realizou
sua primeira publicação em 1933, a obra Caetés e fora preso posteriormente pela polícia
de Getúlio Vargas, onde, pesava sobre o autor a acusação de ser comunista. Durante o
período em que esteve preso, Graciliano Ramos escreveu sua obra Memórias do
Cárcere – dado de extrema relevância, pois, teremos isto como elemento característico
de suas obras, como, por exemplo, em Infância há uma predominância do caráter
autobiográfico na narrativa. Esta última em paralelo com São Bernardo e Vidas secas
caracterizam-se como os melhores romances produzidos pelo autor.

Vidas Secas é considerada, como dito, uma das principais obras produzidas por
Graciliano, mas também uma das principais do Romance da década de 1930. Ainda que
o autor tenha mencionado em cartas à sua mulher uma “não preocupação” com enredo
da narrativa, como se percebe a seguir: “[...] não me parece que o enredo seja coisa
demasiado importante. Não me preocupo com enredo: o que me interessa é o jogo dos
fatos interiores, paixões, manias, etc.” (ibid.: 158); é possível definir um enredo no
qual se narra a relação entre o homem, a natureza e a sociedade, pois, fica evidente a
luta pela sobrevivência do casal Fabiano e Sinhá Vitória, de seus filhos (o menino mais
novo e o menino mais velho), de seus animais (o papagaio e a cachorra Baleia)
ambientados em um lugar completamente inóspito, que impossibilita a existência de
indivíduo ou qualquer ser. Dividido em treze capítulos independentes, o livro é
considerado “desmontável”, ou seja, será possível a leitura dos demais capítulos sem a
necessidade de que se respeite sua cronologia/organização. Algo importante a ser
considerado é que a publicação do livro se deu pelo desenvolvimento de “extensões”
construídas sobre o até então conto já publicado: Baleia. Com isto, o autor constrói um
romance ‘sem ordem’, com capítulos avulsos e que não apresentam entre si relações
formais/cronológicas, mas sim, temáticas. Relação esta que justificará as características
delegadas aos personagens, aos diálogos – e não diálogos presentes no romance.

Baleia, como já apresentado, foi o conto propulsor da obra anteriormente


discutida. O conto inicial que personifica a cachorra constantemente com elementos
humanos, nos faz repensar sobre o valor que podemos atribuir a um animal. Graciliano
com o propósito de expressar o que se passa na “alma” deste animal, sensibiliza aos
leitores concedendo a cachorra elementos como: tato, paladar, visão, audição, visão e
olfato. Não obstante a isto, a cachorra possui um papel muito importante no romance,
tendo em vista a sua capacidade de proporcionar afeto aos demais personagens –
elemento que não se podia encontrar em seu Fabiano, Sinhá Vitória e nas demais
relações interpessoais do conto/romance; assim, esta capacidade particular de Baleia a
separa, em abismos, dos outros personagens. Baleia, tanto no conto quanto no romance
em si, integra o destino de toda esta família – não sendo o contrário por causa de se
tratar de um animal. Baleia, em primeira parte, apresenta-se como protagonista na sua
vida plena – servindo até como provedora de alimentos para a família como todo – em
sequência, apresenta-se adoentada e, posteriormente, sacrificada por Fabiano; em
seguida, ainda consegue se consolidar na história com uma trajetória que perpassa sua
morte. Esta importância existente na cachorra se dá pelos elementos desenvolvidos nela
por Graciliano, Baleia é provida de sentidos, devido a personificação, e isto fica
evidente neste trecho: “uma sede horrível queimava‐lhe a garganta(...) um nevoeiro
impedia‐lhe a visão(...) olhou‐se de novo, aflita(...) sentiu o cheiro bom dos preás que
desciam do morro (...)”. Com esses trechos, é possível apontar dois pontos importantes:
a personificação presente na cachorra e a visão de esperança atribuída a ela – e apenas a
ela – após sua morte. No conto apresenta-se uma visão ‘paradisíaca’, um ‘final feliz’ à
real protagonista desta obra, no entanto, essa realidade apenas se faz possível em
sequência ao clímax existente, que é o assassinado da cachorra realizado pelo seu dono,
Fabiano.

Dito isto, conseguimos perceber a importância de Baleia – como


personagem e como conto – na constituição da primeira obra, o conto, e, em sequência,
do romance que se estabeleceu em torno desta primeira narrativa. A então cachorra
assume dilemas de extrema importância e consegue assumir relações consideráveis com
os outros personagens, assumindo, como já tido, até o papel de provedora de alimentos
para a família, amiga dos personagens e ainda como ser capaz de proporcionar afeto e
carinho. Na minha perspectiva, é bastante simbólico delegar ao animal tais elementos,
que dialogam com o humano, e apresentar personagens – humanos – cujos traços
distanciam-se disto. Baleia detém a humanidade, que fora privada àquela família, detém
o afeto, o carinho – que também foram tirados; é a Asa Branca, é o símbolo de
esperança na seca daquelas vidas marcadas pelo sertão. Uma família marcada pela seca.
Uma família marcada pela ausência do que fora essencial, pela ausência de afeto, pela
seca que nada perdoa e até por estigmas sociais. Nesta narrativa, temos um enredo
marcado por criaturas literalmente secas que transbordavam apenas em angústia,
desgosto e miséria. Graciliano ao criá-los procura mostrá-los como representantes de
uma grande parcela da população nordestina que foge da seca e nem sempre consegue
garantias de um novo amanhecer, uma parte da sociedade cuja preocupação limita-se na
sobrevivência, um povo sem perspectivas e com constantes retiradas.

MARCHEZAN, Luiz (2011). Vidas secas: o romance móvel de Graciliano Ramos: UNESP – Brasil.

RAMOS, Graciliano (1978a). Vida secas. Rio de Janeiro: Editora Record.

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