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imagens, onde é gestada a realidade, no nível Modernidade, que substituiu a erfahrung (experiência
consciente e inconsciente. Para Benjamin, portanto, autêntica) pela erlebnis (experiência inautêntica),
a imagem se consubstancia, não só como caracterizando a sua manifestação na linguagem oral
instrumento heurístico a serviço de um e escrita, nas artes e na sociabilidade, com o intuito
conhecimento sistematizado do mundo, mas como a de esclarecer os aspectos fundamentais da condição
forma primordial de saber, de um senso comum do homem moderno.
Inicialmente, será analisado o declínio da
espontâneo.
experiência na teoria da linguagem de Walter
Para esclarecer a dimensão sociocultural da
Benjamin. Em seguida, será enfocada a teoria da
Modernidade, Benjamin centrou-se na categoria de
narração e sua abordagem do fenômeno urbano e
experiência erfahrung (experiência autêntica),
da Arte.
inicialmente, esboçada em um texto irônico que
criticava a experiência como um apanágio da O declínio da experiência na Linguagem
maturidade, oposta à inexperiência da juventude.
A categoria de experiência foi retomada A teoria da linguagem de Walter Benjamin
posteriormente numa análise sistemática da apresenta certo caráter teológico, na medida em que
Modernidade, assumindo um papel tão relevante utiliza as imagens do relato bíblico do Gênese como
que a situação da sociedade e da cultura no contexto cenário para sua especulação sobre a natureza mais
da Modernidade pode ser resumida no fenômeno do recôndita da experiência humana. A teoria da
declínio da experiência. Benjamin considerava que o linguagem de Benjamin permeia toda a sua obra,
patrimônio cultural havia se avolumado e se apesar de ser abordada somente em alguns textos:
adensado na mesma proporção em que declinava a “Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem
sua capacidade de assimilação genuína. A instauração dos homens” (1916), “A tarefa do tradutor” (1921)
da Modernidade foi acompanhada, portanto, de um “Doutrina do semelhante”; “Sobre a capacidade
empobrecimento considerável da experiência: mimética” (1933). É, no entanto, no prefácio da
Origem do drama barroco alemão (1925) que a sua teoria
Qual o valor de todo o nosso patrimônio cultural, se a
da linguagem adquire contornos definitivos.
experiência não mais o vincula a nós? A horrível
mixórdia de estilos e concepções do mundo do século Walter Benjamin expõe sua teoria da linguagem a
passado mostrou-nos com tanta clareza aonde esses partir de uma alegoria inspirada no conteúdo do Gênese,
valores culturais podem nos conduzir, quando a do Antigo Testamento, que descreve o momento em
experiência nos é subtraída, hipócrita ou que a humanidade vivencia a experiência marcante da
sorrateiramente, que é hoje em dia uma prova de Criação por meio da linguagem. Com efeito, foi por
honradez confessar nossa pobreza. Sim, é preferível meio da linguagem (o “Verbo”), que Deus criou o
confessar que essa pobreza de experiência não é mais
mundo. Nesta forma primitiva da linguagem, o ato de
privada, mas de toda a humanidade. Surge assim uma
nova barbárie (BENJAMIN, 1985, p. 115). nomear não era diferente de criar, conhecer, pois o
primeiro ser humano, Adão, conhecia por meio da
Para Walter Benjamin, a pobreza da experiência na mesma linguagem com a qual Deus havia criado o
Modernidade consistiu na impossibilidade de erfahrung Mundo. Havia ainda um íntimo parentesco entre a
(experiência autêntica), ou seja, na impossibilidade da
linguagem divina e a linguagem humana - a linguagem
elaboração e comunicação da experiência coletiva,
adâmica. Imantada de som na esfera da locução livre e
visceral, prenhe de um amplo ordenamento cognitivo
primordial da criatura, a linguagem adâmica se
do mundo: “a erfahrung (experiência autêntica) é uma
experiência que se acumula, que se prolonga, que se contrapõe à linguagem escrita surgida após o Pecado
desdobra [...] o sujeito integrado numa comunidade Original. Após a Queda, efetivou-se o distanciamento
dispõe de critérios que lhe permitem ir sedimentando do homem do ser genuíno da coisa porque a
as coisas com o tempo” (KONDER, 1988, p. 72). Em linguagem escrita passou a escravizar o modo de ser das
suma, a ausência de erfahrung (experiência autêntica) coisas no amplexo redutor da significação.
evidencia um modo de perceber e de sentir próprio da Neste sentido, Benjamin enfatizou o resgate de
Modernidade. Segundo o autor, a experiência, nos uma experiência originária – a linguagem adâmica -
tempos modernos, foi substituída pela erlebnis apta a dizer o nome da coisa, que havia sido solapada
(experiência inautêntica) – a vivência do indivíduo pelo uso meramente comunicativo da palavra após o
isolado. Pecado Original.
Nesta perspectiva, este estudo visa a sistematizar, Walter Benjamin referiu-se a uma tristeza que
por meio de uma pesquisa de cunho bibliográfico, a reside nas coisas e que seria responsável por sua
análise benjaminiana da transformação das formas de mudez, isto é, por sua ausência de linguagem; por
sentir e perceber o mundo, concretizada na outro lado, a mudez da natureza seria,
Acta Scientiarum. Human and Social Sciences Maringá, v. 32, n. 2, p. 147-155, 2010
Modernidade e declínio da experiência em Benjamin 149
reciprocamente, o motivo de tristeza que lhe é Neste sentido, a verdade consiste “em uma essência
inerente: “por ser muda, a natureza entristece. Mas é não intencional, formada por idéias” (BENJAMIN,
a inversão dessa afirmativa que nos faz penetrar 1984, p. 58), que não se vincula jamais à
ainda mais fundo na essência da natureza: a tristeza intencionalidade, pois a verdade é a morte da
do mundo natural o torna mudo.” (BENJAMIN intenção.
apud LAGES, 2002, p. 209). De fato, “a estrutura da verdade requer uma
Com isso, Benjamin definiu os limites da essência que, pela ausência de intenção, se assemelha
linguagem, classificando-a a partir de três níveis a das coisas, mas lhe é superior pela permanência”
regressivos da percepção humana: 1º - a linguagem (BENJAMIN, 1984, p. 58). Assim, para Benjamin,
muda dos objetos; 2º - a linguagem adâmica, que se as ideias são a essência da verdade, uma vez que não
consubstancia como um puro reconhecimento no são próprias da esfera fenomênica nem são um
ato primordial de Adão nomear as coisas; 3º - as objeto de intuição intelectual, mas, ao invés,
decaídas linguagens humanas. A linguagem muda consubstanciam-se como o ordenamento objetivo
dos objetos e a linguagem adâmica são virtual dos fenômenos na forma de representação.
essencialmente distintas da linguagem humana Acresce, ainda, que a ideia pertence a uma esfera
decaída porque somente esta vigora após a fundamentalmente distinta daquela em que estão os
instituição da linguagem como sistema arbitrário de objetos que apreende pela ausência de conceituação,
signos por meio da cultura escrita. Observa-se, determinando somente relações de afinidade mútua
nestes diferentes níveis da linguagem um processo entre tais fenômenos: “as idéias se relacionam com
gradual de declínio da experiência no contexto da as coisas como as constelações com as estrelas”
Modernidade. (BENJAMIN, 1984, p. 56).
Contudo, a teoria da linguagem de Benjamin Mas onde se localizam as ideias? No Nome.
cultiva ainda um desejo utópico de corrigir as Neste sentido, é preciso considerar,
linguagens deturpadas, decaídas, imperfeitas. Eis a
[...] a tensão entre nome e palavra, sob a forma de
“tarefa do tradutor” e do filósofo: uma oposição entre a linguagem oral, livre expressão
Haveria, em ambos os planos, uma tarefa do tradutor a da criatura, e essencialmente onomatopaica -
ser realizada: antes da queda, é preciso traduzir a nomeando assim as coisas com o nome que
linguagem muda das coisas da criação para uma verdadeiramente lhes corresponde – e a linguagem
imaterial linguagem sonora, articulada - essa tarefa teria escrita, reino das significações, sobre as quais pesa
sido já levada a cabo por Adão em seu impulso toda a tristeza do homem exilado (ROUANET apud
nomeador; e, depois da “queda” as várias línguas BENJAMIN, 1984, p. 17).
decaídas devem ser orientadas para a língua originária, a
A consideração acima poderia induzir à
ser reconstituída no processo dessa segunda tarefa de
tradução [...] (LAGES, 2002, p. 151). conclusão de que Benjamin é um nostálgico, que
pretende resgatar uma forma arcaica de linguagem.
Em outras palavras, a linguagem muda da Porém, quando afirma que as ideias se encontram no
natureza constitui o paradigma de todas as operações Nome, não se refere à linguagem oral do impulso
de tradução, anteriores e posteriores à Queda. Daí,
nomeador de Adão antes da Queda, mas a “uma
portanto, a tradução da mudez natural para a
percepção primordial, em que as palavras não
sonoridade da linguagem humana e a conversão das
perderam, em benefício da dimensão cognitiva, sua
línguas humanas imperfeitas para a pura linguagem.
Vale dizer que a conversão das línguas humanas dignidade nomeadora” (BENJAMIN, 1984, p. 58).
imperfeitas não visa à tarefa impossível de retornar à Aqui, há uma complexificação da concepção
língua mítica do paraíso: a empreitada consiste teológica pelo recurso à teoria platônica das ideias.
somente no movimento ascendente de elevação ou, Contudo, a teoria da linguagem de Benjamin
se quisermos, de sublimação, que “tende finalmente assume uma dimensão que rompe com qualquer
para a expressão do mais íntimo relacionamento das tipo de platonismo na medida em que a ideia não
línguas entre si” (BENJAMIN apud LAGES, passa de um elemento simbólico da palavra.
2002, p. 214). Como resgatar, então, este aspecto inefável da
Como já foi mencionado, o reencontro, em palavra?
nossa linguagem hodierna e deturpada, da Não pode ser por meio da abordagem das
linguagem pura dos nomes não é tarefa só do palavras em sua função comunicacional, cognitiva,
tradutor, mas também do filósofo (BENJAMIN, visto que desta forma há uma proibitiva “intenção de
1984). conhecimento”.
No prefácio da Origem do drama barroco alemão, Então, onde e como realizar essa tarefa de forma
Walter Benjamin relaciona as ideias e os fenômenos. não-intencional?
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Como a filosofia não pode ter a arrogância de falar (experiência autêntica) - era transmitido oralmente
no tom de revelação, essa tarefa só pode cumprir-se pelos narradores.
pela reminiscência voltada retrospectivamente, para a Walter Benjamin classificou os narradores
percepção original [...] Trata-se de um processo em
segundo a sua pertença aos respectivos círculos
que na contemplação filosófica a idéia se liberta,
enquanto palavra, do âmago da realidade, vitais: o marinheiro mercador que narra as peripécias
reivindicando de novo seu direito de nomeação de suas aventuras; o lavrador sedentário que exprime
(BENJAMIN, 1984, p. 59). as histórias e a tradição de sua terra; os artesãos.
Entretanto, na Modernidade, a narração declina,
É possível, pela análise da palavra profana, pois se torna cada vez mais rara a experiência coletiva
recordar-se de sua dimensão nomeadora original de contar e ouvir histórias. E isto é resultado de uma
para reconduzi-la, enquanto ideia, à ordem do mudança no modo de existência humana que não
nome. É assim que a Filosofia e a Tradução são, para consegue mais compartilhar “memórias comuns,
Benjamin, um meio de recuperação da percepção que garantiam a existência de uma experiência
originária da linguagem adâmica, que foi perdida coletiva, ligada a um tempo e trabalho partilhados,
pelo processo gradual de declínio da experiência no em um mesmo universo de prática e linguagem”
contexto da Modernidade. (GAGNEBIN apud BENJAMIN, 1985, p. 11).
Mas o declínio da experiência que atingiu a Em razão da degradação da erfahrung (experiência
linguagem repercutiu também em outras dimensões autêntica), não há mais uma sabedoria a compartilhar.
da vida humana que são conexas à linguagem: a A tradição de dizer a verdade sobre o mundo e de
narração, por exemplo. Afinal, como as pessoas se fornecer orientação à existência, transmitindo uma
comunicam entre si? Ora, a linguagem é o meio pelo sagesse de geração em geração foi perdida. No “período
qual as pessoas compartilham suas experiências e épico da verdade”, cultivava-se a sabedoria e, por isso, a
narram aquilo que aprenderam. A narração, narração apresentava uma função de aconselhamento
portanto, não restou imune ao impacto do declínio porque não era um simples relato, mas se
da experiência. A faculdade humana de transmitir consubstanciava como uma proposta de continuidade
experiências por meio da comunicação também foi de uma história que não cessava: “a arte de narrar tende
atingida pelo declínio da experiência. Nas palavras para o fim porque o lado épico da verdade, a sabedoria
do autor, este declínio traduziu-se no está agonizando” (BENJAMIN, 1980, p. 59). O
desaparecimento progressivo da narração: “a arte de declínio da dimensão épica da verdade e de seu impacto
narrar caminha para o fim [...]. É como se uma na arte de narrar se configura como um fenômeno
faculdade, que nos parecia inalienável, a mais semelhante ao da perda da aura na arte, como será
garantida entre as coisas seguras, nos fosse retirada. analisado mais adiante (GAGNEBIN apud
Ou seja, a de trocar experiências” (BENJAMIN, BENJAMIN, 1985a, p. 11-12).
1980, p. 57). Quais as condições sociais necessárias para a
existência social da narração? A disponibilidade da
Erfahrung (experiência autêntica) e narração memória é uma condição sine qua non para o
O texto O Narrador trata do declínio da arte de intercâmbio de experiências, visto que é aí que as
narrar – da prática de troca comunicativa de experiências permanecem retidas, passíveis de serem
experiências pessoais e coletivas. Neste texto, reportadas. É precisamente a ausência da memória
Benjamin, constatou que a experiência foi que dissolve a experiência que é transmitida
gradualmente solapada no contexto da Modernidade. oralmente. E a memória só resiste no tempo se o
Como exemplo, Benjamin cita o fenômeno da ouvinte estiver receptivo, disponível, o que demanda
impossibilidade de expressão das vivências dos campos um estado de descontração e de distensão espiritual
de batalha própria dos combatentes da 1ª Guerra que se assemelha ao tédio: “o tédio é o pássaro
Mundial (1914-1918), “porque nunca houve onírico que choca os ovos da experiência”
experiências mais radicalmente desmoralizadas que a (BENJAMIN, 1980, p. 62).
experiência estratégica da guerra de trincheiras” Outra premissa necessária ao exercício da
(BENJAMIN, 1985a, p. 115). narração era a presença de uma atividade social
Nas sociedades pré-modernas, a narração favorável como, por exemplo, o círculo do trabalho
funcionava como fator gerador de amálgama social, artesanal que deixou de existir na Era moderna.
pois ensejava a vocalização genuína da cultura por Marx discorre a respeito desta forma de trabalho,
meio da transmissão de lições de vida de interesse comparando as formas de trabalho modernas e pré-
prático, de formação moral, traduzindo-se na forma modernas. É verdade que sua abordagem com
de conselhos ao ouvinte. De fato, o saber existencial, enfoque nos modos de produção diverge da ênfase
coletivo, oriundo de vivências profundas - a erfahrung nos modos de percepção e de estar no mundo,
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Modernidade e declínio da experiência em Benjamin 151
própria de Benjamin. Contudo, é inegável a marxista da corrosão gradual das formas medievais
inspiração marxista de Benjamin, evidenciada neste de produção que se centra no enfoque da evolução
trecho da Ideologia Alemã, cujas categorias de análise da indústria têxtil:
permanecem na abordagem benjaminiana:
A tecelagem que os camponeses praticavam no
O primeiro caso [o trabalho pré-moderno] campo como atividade suplementar, a fim de
pressupõe indivíduos reunidos por uma relação adquirir bens necessários à subsistência, foi o
qualquer, família, linhagem, solo, etc.; o segundo [o primeiro trabalho que a expansão do comercio
trabalho na era moderna], os indivíduos favoreceu. [...] a demanda crescente de tecidos para
independentes uns dos outros e reunidos vestir uma população crescente, a acumulação e a
unicamente pela troca. No primeiro caso, a troca se mobilização nascente do capital primitivo que
efetua principalmente entre os homens e a natureza, ocorrem após a circulação acelerada, as necessidades
o trabalho de uns sendo trocado com os produtos de luxo que emergem favorecidas pela expansão
dos outros; no segundo, ele é, de maneira progressiva do comércio em geral, conferem à
preponderante, uma troca entre os homens. No tecelagem, em termos quantitativos e qualitativos,
primeiro caso, a inteligência média basta, a atividade um fator de dinamismo que a arrancará
corporal e a atividade espiritual não são ainda completamente do modo de produção tradicional.
separadas; no segundo, é preciso que a divisão entre Do lado dos camponeses que tecem para o próprio
o trabalho corporal e o trabalho intelectual seja quase uso, surge, nas cidades, uma nova classe de tecelão
concretizada (MARX, 1982, p. 1091). [...] (MARX, 1982, p. 1097).
[...] [que] constitui aquilo que se chama de sua caso da diversão, é a obra de arte que penetra na
autenticidade” (BENJAMIN, 1980, p. 7). massa” (BENJAMIN, 1980, p. 26).
Com efeito, não há autenticidade nos produtos Para Benjamin, o cinema configura-se como a
oriundos da reprodução técnica, pois ocorre a escola de uma forma de percepção do tempo para a
alteração da forma do exemplar original, recriando-o qual não há mais ‘continuidade’. O cinema
por meio de recursos de aproximação, recorte, corporifica, pois, a percepção do real que se impõe
ampliação, dentre outros. na Modernidade, instaurada na vida cotidiana nas
Além disto, a cópia não admite a autenticidade, grandes cidades e na indústria cultural, centradas na
pois esta se vincula estreitamente à história do descontinuidade e no choque, uma vez que a
objeto. Sem o testemunho histórico, decai a sua sequência recortada de imagens se apõe ao
autenticidade, o seu hic et nunc - a sua aura - porque a observador passivo:
reprodução torna o objeto um mero acontecimento
Non seulement le film - nouvel 'inconscient
fortuito e uma atualidade vívida, próximo do optique' - nous révèle l'essence cachée de la ville,
expectador ou ouvinte em qualquer instante ou mais il transforme aussi la perception quotidienne et
lugar. désabusée du monde dans lequel nous vivons pour
Por último, com a disponibilidade absoluta do reconfigurer notre expérience de la ville [...] au
domínio pessoal sobre o objeto portador de imagem cinéma, les masses rejouent ce qu'elles subissent
e/ou de som, a obra de arte despojou-se da dimensão quotidiennement dans l'espace métropolitain
da distância, desvinculando-se, portanto, de seu (SIMAY, 2005, p. 16).
componente aurático. Com isto, pode-se dizer que o cinema
A indústria cultural e a reprodutibilidade são intensificou a entronização da erlebnis (experiência
manifestadas com plenitude numa arte moderna por inautêntica) como a forma mais típica de
excelência: o cinema. Como manter a aura, fundada sensibilidade na Modernidade, pela difusão da
sobre a unicidade da obra, quando impera no cinema atitude de atenção distraída: “o público das salas
a fragmentação da imagem proporcionada pela obscuras é bem um examinador, porém um
montagem? examinador que se distrai” (BENJAMIN, 1980,
No cinema, a técnica se instaurou no âmago da p. 27). Para Walter Benjamin, esta nova forma de
obra de arte, ensejando a ruptura da unidade da obra experiência - erlebnis (experiência inautêntica) - é
de arte, e, consequentemente, a dissolução da aura. favorecida pelo choque ou irrupção caótica de
Até a unidade da perfomance do ator, própria do estímulos na cena urbana e pela imersão dos
teatro, foi cindida, uma vez que a fotografia e a indivíduos nos produtos fragmentados e desprovidos
montagem a seccionam e o processo de filmagem a de aura próprios da indústria cultural, caracterizada
dispõe num fluxo espaço-temporal descontínuo. pela mercantilização extensiva e pela
Além disto, a técnica medeia a relação estabelecida reprodutibilidade técnica.
entre o ator e público, solapando a aura da obra de A erlebnis (experiência inautêntica) e a queda da
arte e, outrossim, dos atores. arte aurática são indissociáveis do advento de um
O cinema evidencia a característica mais público de massas que não percebe as nuances e a
destacada da experiência estética da Modernidade: o complexidade, nivelando as coisas e pessoas a tipos
hedonismo sem reflexão: “desfruta-se do que é paradigmáticos simplificados e facilmente
convencional, sem criticá-lo; o que é assimiláveis.
verdadeiramente novo, critica-se a contragosto” Walter Benjamim não deplora, no entanto, o
(BENJAMIN, 1980, p. 2). Benjamin constatou que solapamento da arte aurática e o relaciona a um
o cinema substituiu a estabilidade da imagem pelo processo mais amplo de desencantamento do
fluxo contínuo, que inviabiliza a interiorização e a mundo instaurado pela Modernidade que a despoja
reflexão – a associação de ideias – já que não se pode dos fundamentos ontológicos de cunho irracional e
meditar no que se vê, porque as imagens em transcendente: “noutros termos, a reprodução
movimento substituem os próprios pensamentos. técnica se insere num processo de racionalização, de
Neste sentido, a fruição irrefletida do cinema se
destruição do mito e dessacralização do mundo”
opõe à atitude concentrada, de contemplação
(KOTHE, 1978, p. 41).
desinteressada e visceral, própria da era da arte
aurática, apta a captar e elaborar a “erfahrung: aquele
Conclusão
que se concentra diante de uma obra de arte,
mergulha dentro dela, penetra-a como aquele pintor Pode-se concluir que a análise benjaminiana da
chinês cuja lenda narra haver-se perdido dentro da Modernidade, que é centrada nos modos de
passagem que acabara de pintar. Pelo contrário, no perceber e sentir o mundo, baseou-se na abordagem
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Modernidade e declínio da experiência em Benjamin 155
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