Você está na página 1de 130

o m CL v ri n -a •d oi n

1-1 ?' g « V! 3' (T>


n CT. n •j-.
o c E. C 03 CL o fg; O
k* Q
H. 71 ?^ 3 o
oT tu u: 5* ai C i n CL
CL S" S !-í
ST
EJa c
|| c: CL -Ti T
CL S" &j u o m c (T
EJ 71 VI
- >-1
(D nw
CW~ CL Cl T3 3 3. §n
C Q o
x r— a |3 CL EJ c
'Jl

• procura n
m 3 tL ft> R C ft 3

'E. "S
5
CL
EJ m CL
CR CD
d Q.
3 fij n:
C

1 mente d oiTiinados estão


3 CR
TI o
3
i se dá o encontro -i
rãs? As eu Ituras dos grupos

grupos dominant
lanoé um ser eu!

saparecer ou a im
eu comportamení
nado? Um mesmi

ias das questões c


• mudar de cultur,
ítaneamente de v.

fft r-r
L
12. 'C ru
•V.. S-*
CL£- "" O xs c
<l 0) fL EJ Cu £• i—" "j: o -t

(7 w*V

tní -J • J
2 2 de cultura nas ciências sociais denys cuche
3 M . ,

00
-n
_Ím
01 W
(D
a noção
vos títulos de cultura nas
desta coleção

* Ética da informação
c n c a s socas
Daniel Cor mi

adquirido
* A Deontologia
das mídias ivênio entre
Claude-Jcart Bertmnd 3 e a UFES.
• A Mundialização da imônio
comunicação é seu.
Armam} Mattclard
iservá-lo.
' Introdução à ciência
da comunicação
Daniel Bousnoux

* O Multiculturalismo
Andréa Semprini

* A Argumentação na
comunicação
Phílippe Breton
Editora dl Univanldad* da Sijiado Confio
a noção
de cultura nas
c n c a s socas
Coordenação Editorial
Irmã JacintaTurolo Garcia

Assessoria Administrativa
Irmã Teresa Ana Sofiatti

Assessoria Comercial Denys Cuche


Irmã Áurea de Almeida Nascimento

Coordenação da Coleção Verbum


Luiz Eugênio Véscio

Tradução
Viviane Ribeiro

VERBUM
Cuche* Dennys

A noção de cultura nas ciência Sumário


s sociais

316.722/C963n
Introdução W
(182159/02)
ISIíN 2-7071-2649-7 (original} Capítulo l - Gênese,spcial da palavra
(..ojjyrigfot © 1996 Éditions I-a Découvcrtc, Paris e da idéia de cultura 1?
© de tradução 1999 EDUSC e Evolução da palavra na língua
francesa da Idade Média ao século XDÍ 18
«* O debate franco-alemão sobre a cul-
Tradução realizada a partir da í- edição (1996).
Direitos exclusivos de publicação em língua
tura ou a antítese "cultura" -"civilização"
portuguesa para o Brasil adquiridos pela (século XLX - início do século XX) 25
Editora da Universidade do Sagrado Coração
Rua Irmã Arminda, 10-50 Capítulo 2 - A invenção do conceito
Cep 17044-160 -Bauru -SP científico de cultura 33
Fone (014) 235-71 11 -Fax 235-7219
e-mail: edusc@usc.br s Tylor e a concepção universalista
da cultura 35
fl> Franz Boas e a concepção particu-
C971n larista de cultura 3V
Cuchc, Denys. ® A idéia de cultura entre os fundadores
A noção de cultura nas ciências sociais /
Denys Cuchc; inidução de Viviane Ribeiro. - -
da etnologia francesa 48
Bauru: EDUSC, 1999.
256p.; 19on. - (Verbum) Capítulo 3 - O triunfo do conceito de cultura 65
ISBN 85-86259-59-4 * As razões do sucesso 6S
Inclui bibliografia.
« A herança de Boas: a história cultural 68
Tradução de: La notion de cnlture dans lês
sciences sociales
* Malinowski e a análise funcionalista
1
-Cultura. 2. Antropologia cultural. da cultura 70
3.Antropologia social. [.Titulo. II.Série * Á escola "cultura e personalidade" "M
ft ti*J& .rfTfcV.

CDD 306
ô As lições da antropologia cultural 86
s Lévi-Strauss e a análise estrutural 0 A concepção relacionai e situacional 181
da cultura 95 * A identidade, um assunto de Estado i H8
«• Culturalismo e sociologia: as noções « A identidade multi dimensional 192
de "subcultura" e de "socialização" <-)9 * Ás estratégias de identidade 1%
« A abordagem interacionista w As "fronteiras" da identidade 200
da cultura K)5
Capítulo 7 - Conteúdos e usos sociais da
Capítulo 4 - O estudo das relações entre as noção da cultura 203
culturas e a renovação do conceito de * A noção de "cultura política" 205
cultura 109 ô A noção de "cultura de empresa" 209
ív "A superstição do primitivo" 110 * A "cultura dos imigrantes" 225
^ A invenção do conceito de
aculturação Conclusão em forma de paradoxo:
« Teoria da aculturação e culturalismo 120 um bom uso do relativismo cultural
* Roger Bastide e os quadros sociais e do etnocentrísmo 237
da aculturação 12'i
^ A renovação do conceito de cultura 136 Bibliografia -'**>

Capítulo 5 - Hierarquias sociais e hierar-


quias culturais 143
% Cultura dominante e cultura
dominada
% As culturas populares
* A noção de "cultura de massa"
® As culturas de classe
& Bourdieu e a noção de "habitus"

Capítulo 6 - Cultura e identidade 175


* As concepções objetivistas e subje-
tivistas da identidade cultural 177
Introdução

A jiucíu? de cultura nus ciências sociais


"O problema da cultura, ou ainda, das culturas,
passa por uma atualização, tanto no plano inte-
lectual, devido à vitalidade do cultüralismo ame-
ricano, quanto no plano político. Na França, ao
menos, nunca se falou tanto de cultura quanto
- hoje (com relação à mídia, à juventude, aos imi-
grantes) e esta utilização da palavra, por mais
sem controle que seja, constitui por si mesma
um dado etnológico."
Marc AUGE [1988]*

A noção de cultura c inerente à reflexão


das ciências sociais. Ela é necessária, de^cerfã
manejra, para pensaria unidade da ííumaríítiatlé
lia diversidade além dos

questão da diferença entre os povos, uma vez


que a resposta "racial" está cada ve^ mais desa-
creditada, à medida que há avanços da genética
das populações humanas.
O homemj essencialmente um ser de cul-
tu£|_._0 longo^ processo de^ hpminização, come-
çado há mais ou menos quinze milhões de anos,

* As referências entre colchetes remetem à bibli-


ografia no final
consistiu fundamentalmente >assaeem de
*—_. *-*
gicas particulares como, por exemplo, a diferen-
meio ambienfeTiatlf ça de sexo, não podem ser jamais observadas
_ cuIturalJAo longo destã~évo- "em estado bruto" (natural) pois, por assim di-
lução, que resulta no Homo sapiens sapiens, o zer, a cultura se apropria delas "imediatamente":
primeiro homem, houve uma formidável regres- a divisão sexual dos papéis e das tarefas nas so-
jgão^gs.instintQs,.^siibstítuídos""progrcssÍvamen- ciedades resulta fundamentalmente da cultura e
^te_pela cultura/isto é, por esta adaptação imagi- por isso varia de uma sociedade para outra..
nada e controlada pelo homem que se revela Nada é puramente natural no homem.
muito mais funcional que a adaptação genética Mesmo as funções humanas que correspoiT'
por ser muito mais flexível, mais fácil e rapida- dem a ncc^ssiaa'3êrHsiofógicgs, como_ a tome,
mente transmissível. A cultura permite ao ' ò~"sono, o deseio.sgxu^^tc^, sà^o informados
homem não somente adaptar-se a seu meio, pelã"cultura:-as sociedades não dão exatamen-
jnasjarnb_ém_adaptar este meiojao jpropnp Tio1" te as mesmas respostas a estas necessidades. ,4
jnenUa suas necessidades e seus projetos. Em domínios em que não há constran-
suma, a cultura torna possível a transformação gimento biológico,' os comportamentos são
da natureza. orientados pela cultura. Por isso, a ordem; "Seja
Se todas as "populações" humanas pos- natural", freqüentemente feita às crianças, em
suem a mesma carga genética, elas se diferen- particular nos meios burgueses, significa, na
ciam por suas escolhas culturais, cada uma in- realidade: "Aja de acordo com o modelo da cul-
ventando soluções originais para os problemas tura que lhe foi transmitido".
que lhe são colocados. No entanto, estas diferen- A noção de cultura, compreendida em seu
ças não são irredutíveis umas às outras pois, sentido vasto, que remete aos modos de vida e de
considerando a unidade genética da humanida- pensamento, é hoje bastante aceita, apesar da
de, elas representam aplicações de princípios existência de certas ambigüidades. Esta aceitação
culturais universais, princípios .suscetíveis de nem sempre existiu. .Desde seu aparecimento no
evoluções e até de transformações. séciüo XVIII, aJd^taJiiQdeglâ^Ç^uí^1 suscitou
A noção de cultura se revela então o ins-, constantemente debates acirradosjjualquer que
trumento adequado para acabar com as cxplica- seja o sentido preciso que possa ter sido dado à
jgões; naturalizantes dos comportamentos huma- palavra - e não faltaram definições de cultura -
nosj-A natureza, no homem, e^inTêifãmenfeTn- sempre subsistiram desacordos sobre sua aplica-
terpretada pela cultura. As diferenças que pode- ção a esta ou àquela realidade. O uso da noção de
riam parecer mais ligadas a propriedades bioló- cultura leva diretamente à ordem simbólica, ao
que se refere ao sentido, isto é, ao ponto sobre o Apresentaremos em seguida a invenção
qual è mais difícil de entrar em acordo. propriamente dita do conceito científico de cul-
As ciências sociais, apesar de seu desejo de tura, implicando a passagem de uma definição
autonomia epistemológica, nunca foram comple- normativa a uma definição descritiva. Contra-;
tamente independentes dos contextos intelec- riamente à^nocãp de^oTiéTlãctg>maÍs oujasnos
tuais e lingüísticos em que elaboram seus esque- riyainomesmo campo semântico, a noção de
mas teóricos e conceituais. Esta é a razão pela cultura se aplica unicamente ao que é humano.
qual o exame do conceito científico de cultura E ela oferece a possibilidade de conceber a uni-
implica o estudo de sua evolução histórica, dire- dade do homem .na diversidade de seus modos
tamente ligada à gênese social da idéia moderna de vida e de crença, enfatizando, de acordo com
de cultura. Esta gênese revela que, sob as diver- os pesquisadores, jajunidade^iHi a diversidade
gências semânticas sobre a justa definição a ser (capítulo II).
dada à palavra, dissimulam-se desacordos sociais Desde a introdução do conceito nas ciên-
e nacionais (capítulo I). As lutas de definição são, cias do homem, assiste-se a um notável desen-
em realidade, lutas sociais, e o sentido a ser dado volvimento das pesquisas sobre a questão das
às palavras revelam questões socjaisjtmdamen- variações culturais, particularmente nas ciên-
tais. Como cias sociais americanas por razões que não
acontecem por acaso e que são analisadas aqui.
Assim se pode rctraçar paralelamente à história Pesquisas sobre sociedades extremamente di-
da semântica, isto é, à gênese das diferentes sig- versas fizeram aparecer a coerência simbólica
nificações da noção de cultura, a história social (jamais absoluta, no entanto) do conjunto das
destas significações: as mudanças semânticas, práticas (sociais, econômicas, políticas, religi-
aparentemente de natureza puramente simbóli- osas, etc.) de uma coletividade particular ou de
ca, correspondem em realidade a mudanças de um grupo de indivíduos (capítulo III).
uma outra ordem. Correspondem a mudanças O estudo_atento do encontro das culturas
na estrutura das relações de força entre, de um ^revela que este encontre-se realiza segundo mo-
lado, os grupos sociais no seio de uma mesma _
__dalídades ^ ^ ^
muito rariad^aj e^lea^a^jesultados ex-
sociedade e, de outro lado, as sociedades em re- tremamente contrastados, segundo as situações
lação de interação, isto é, mudanças nas posi- de contato, As pesquísa_s sobre a "aculturação"
ções ocupadas pelos diferentes parceiros inte- permitiram ultcapassai-várias idéias preconcebi
ressados em definições diferentes de cultura das sobre as propriedades da cj.iltura e renovar
[1987, p. 25]. profundamente o conceito de cultura. A aculuT
ração aparece não como um fenômeno ocasi- pnr^
l, jde^efeitos. deyastadüres,jmas_^rrip uma ' dade,que esconde freqüentemente uma tentati-
va
jas_madalid_ade£ habituais íteJniPí^Çls^ÍmfeÓÍÍ£íUSeJa n° campo polí-
tico ou religioso, na empresa ou em relação aos
O encontro das culturas não se produz so- imigrantes, a cultura não se decreta; ela não
mente entre sociedades globais, mas também pode ser manipulada como um instrumento vul-
entre grupos sociais pertencentes a uma mesma gar, pois ela está relacionada a processos extre-
sociedade complexa. Como estes grupos são mamente complexos e, na maior parte das ve-
hierarquizados entre si, percebe-se que as hi- zes, inconscientes (capítulo VII).
erarquias sociais determinam as hierarquias cul- Não seria possível, no contexto desta obra,
turais, o que não significa que a cultura do apresentar todos os usos que foram feitos da no-
grupo dominante determine o caráter das cultu- ção de cultura nas ciências humanas e sociais. A
ras dos grupos socialmente dominados. As cul- sociologia e a antropologia foram então privile-
turas das classes populares não são desprovidas giadas mas, outras disciplinas recorrem também
de autonomia nem de capacidade de resistência ao conceito de cultura: a psicologia e sobretudo
(capítulo V). a psicologia social, a psicanálise, a lingüística, a
A ..defesa da autononi ia cultural é muito li- história, a economia, etc. Além das ciências so-
gada à Dreser^açãp^daJdentida^^leíivâT^COl^ ciais, a noção é igualmente utilizada, em particu-
_tura "e "identidade " sãp^conceitos que remetem lar pelos filósofos. Por não poder ser exaustivo,
a uma
.•.i* i i n. j TTT^mesma
W
j realidade,
Jo»r^jBiHj*,--j'aw^rs»
r J;^TOI>^_Í; a_ - ^.vista 4
por dois ângulos
*^
pareceu-me legítimo concentrar o estudo sobre
diferentes. Uma concepção, essencialista da um certo número de aquisições fundamentais
identidade não resiste mais a um exame do que da análise cultural.
uma concepção essencialista da cultura, A iden-
tidade cultural de um gn^Qrsó^ad&-secj:pjn;.
""preelidida ao^se^estudaj" suas relações com og
grupos vizinhos (capítulo VI).
"-"^yjj^jisg^u^,^ conserva, atualmente,
toda a sua pertinência e se revela sempre apta a
dar conta das lógicas simbólicas em jogo no
mundo contemporâneo, desde que não se negli-
genciem os ensinamentos das ciências sociais.
JVão basta tomar emprestado destas ciências a
Gênese Social da Palavra e da
Idéia de Cultura

As palavras"têm"~uma história e, de certa


maneira também, as palavras fazem a história. Se
isto é verdadeiro para todas as palavras, é parti-
cularmente verificável no caso do termo "cultu-
ra". O "peso das palavras", para retomar uma ex-
pressão da mídia, é grandemente influenciado
por esta relação com a história, a história que as
fez e a história para a qual elas contribuem.
S^-'

í As palavras aparecem para responder a al-


fíumas interrogações, a certos problemas que se
Y colocam em períodos históricos determinados
C_Ê em contextos sociais e políticos específicos.
Nomear é ao mesmo tempo colocar o problema
e, de certa maneira, já resolvê-lo.
A invenção da noção de cultura é em si
mesma reveladora de um aspecto fundamental
da cultura no seio da qual pôde ser feita esta in-
venção e que chamaremos, por falta de um ter-
mo mais adequado, a cultura ocidental. Inversa-
mente, é significativo que a palavra "cultura"não
tenha equivalente,na maior parte das línguas
orais das sociedades quedos etnólogos estudam
habitualmentejlsto não implica, evidentemente
(ainda que esta evidência não seja universalmen-
te compartilhada!) que estas sociedades não te-
nham cultura, mas que elas não se colocam a
questão de saber se têm ou não uma cultura e - que permitirá em seguida a invenção do con-
ajnclâ menos de clêhnir suã^áaria cultura,^ ceito - sejjroduziu na língua francesa do século
Por esta razão, se quisermos compreender das Luzes, antes de se difundir por empréstimo
o sentido atual do conceito de cultura e seu uso lingüístico em outras línguas vizinhas (inglês,
nas ciências sociais, é indispensável que se re- alemão).
constitua sua gênese social, sua genealogia. Isto Se o século XVIII pode ser considerado
é, trata-se de examinar como foi formada a pala- como o período de formação do sentido moder-
vra, e em seguida, o conceito científico que dela i
no dajgalavra, cm 1700. no entanto, "culturã"já
depende, logo, localizar sua origem e sua evolu- é uma palavra antiga no vocabulário francês. \
ção semântica. Não se trata de se entregar aqui a jo latim cultura que ^
uma análise lingüística, mas de evidenciar os la- dispensado ao campo ou ao ^agp^cla aparece
ços que existem entre a história da palavra "cul- nos fins do século XIII para designar uma parcc-
tura" e a história das idéias. A evolução de uma la_dg_terra cultivada (sobre este ponto e os se-
palavra deve-se, de fato, a inúmeros fatores que guintes, ver Bénéton, [1975]).
não são todos de ordem lingüística. Sua herança No começo do século XVI, ela não signifi-
semântica cria uma certa dependência em rela- ca mais um estado (da coisa cultivada), mas uma
ção ao passado nos seus usos contemporâneos. ação, ou seja o fato de cultivar a terra. Somente
Do itinerário da palavra "cultura" tomare- no meio do século XVI se forma o_ sentido fígu-
mos apenas os aspectos que esclareçam a for- :-radg e_"cultura" pode designar então a cultura
mação do conceito tal como é utilizado nas de uma faculdade, isto é, o fato de trabalhar para
ciências sociais. A palavra foi, e continua a ser, ..desenvolvê-la., Mas este sentido figurado será
aplicada a realidades tão diversas (cultura da ter- pouco conhecido até a metade do século XVII,
ra, cultura microbiana, cultura física...) e com obtendo pouco reconhecimento acadêmico e
tantos sentidos diferentes que é quase impossí- não figurando na maior parte dos dicionários
vel rctraçar-^aqui sua história completa. da época.
Até o século XVIILa evolução do conte-
Evolução da palavra na língua francesa údo semântico da palavra se deve principalmen-
da Idade Mgjlia^ aoseculo X1X_ te,^ movimento natural da língua e não ao mo-
vjmentQ das idéias, taue procede, por um lado
É legítimo analisarmos particularmente o a cultura como estado à cul-
exemplo francês do uso de "cultura", pois pare- tura como ação), por outro lado
ce que a evolução semântica decisiva da palavra Cda cultura da terra à cultura do espírito'), imi-
tando nisso seu modelt Cultura, consa- jque concebem a cultura como um Caráter distin-
grado pelo latim clásgiçpjlQ-gentido figurado^ 1 tiro da espécieihumana. A_cultura, para eles, é a
O termo "cultura" no sentido figurado J soma dos saberes acumulados e transmitidos
meça a se imporjiojéculo XVIII. Ele faz sua en- | pela humanidade, considerada como totalidade,
trada com-este sentido no Dicionário da Acade- ão, longo de sua história.
mia Frahcesa (edição de 1718) e é então quase Nojréculo XVHI." cultura" é sempre empre-
sempre seguido de um complemento: fala-se da gada no singular, o que reflete o universalismo e
"cultura das artes" , da "cultura das letras" , da "cul- o humanismo dos filósofos: a cultura é própria
tura das ciências", como se fosse preciso que a do Homem (com maiúscula), além de toda_dis-
coisa cultivada estivesse explicitada. tinção de povos ou de classes. "CultunTse ins-
A palavra faz parte do vocabulário dajm- creve então plenamente na ideologia do Ilumi-
gua doL-Duminismo^ sern^ser, no entanto, muito nismo: aj)a^waéa^s^aad^àsjdéias de progres-
utUJzada_Rglos fílósofos^A Enciclopédia, que re- so, de evolução, de educação, de razão que estão
serva um longo artigo para a "cultura das terras", no centro_doj?ensamento da érjoça. gg_Q_movi-
não dedica nenhum artigo específico ao sentido mento Uurainista nasceu na Inglaterra, ele j?n-
figurado de "cultura". Entretanto, ela não o igno- controu sua língua e seu vocabulário^ na Francai,
ra, pois o utiliza em outros artigos ("Educação", ele terá uma grande repercussão em toda a Eu-
"Espírito", "Letras", "Filosofia", "Ciências") . ropa Ocidental, sobretudo nas grandes metró-
Progressivamente, "cultura" se libera de poles como Amsterdam, Berlim, Milão, Madri,
jeus complementos e acaba por ser empregada Lisboa e até São Petersburgo.A idéia de cultura
só. para designar a "formação ", a. " educação " do participa do otimismo do momento, baseado na
^espírito. fòepois, em um movimento inverso ao confiança no futuro perfeito do ser humano. O^
observado anteriormente; pjagsa-se de "cultura" progrejSj^aacc^ajnstmcãG.isto ê. da cultura,
_ como ação (ação dejnstruir) a"cultura" comc^es- cada vezm^s_abrangente.
tadojestado do espírito^ cultivado ggbjnstru- "£ü!íjjra^_jgstá então muito gróxima de
cão^estado do indivíduo "que tem cultura^ Este uma palavra que vai ter um grande sucesso (até
uso é consagrado, no fim do século, pelo Dici- maior que o de "cultura") no vocabuláríojran-
onário da Academia (edição de 1798) que estig- cês do século XVIII: "civilização"4As duas pala-
matiza "um vras pertencem ao mesmo campo semântico^rei
nhando com esta expressão a oposição concei- fletem osjTiesmas cgn^epcõgsjiindamentaisj Às
tuai entre "natureza" e "cultura.". Esta oposição é vezes associadas, elas não são, no entanto, equi-
rfundamental para ojsjjensadores do Iluminismo" valentes. "Cultura" evoca príncipalmcntejjs pró

20
gressos individuais, "civilização", osprogressos "Civilização" é tão ligada a esta concepção pro-
coletivos. Como sua homóloga "cultura c pelas gressista da história que os que se mostram cé-
mesmas razões, "civilização" é um conceito uni- •tícos^com relação a ela, como Rousseau ou
tário .e só é usado então no singular. Ela sejibc- Voltaire, evitarão utilizar este termo por serem
rajapidamente, junto aos filósofos reformistas, jmnoritâriÕs^fe não estarem em condições de im-
de seu sentido original recente (a palavra apare- por uma outra concepção mais relativista.
ce somente no século XVlII)^quedes^gna^^afl.- OJJSQ de "cultura"c de "civilizaçâo"no sé-
namento^dos costumes, e sjgnjflãrpara elesjx culcOCVIII marca
processo nova concepção(^sga^cralizâ3ãida
cia" e da irracionalidade. preconizando esta nova 3í>fía-(daJiistQriaj-se-libera._dajeologia (da histó-
acepção de "civilização", os pensadores burgue- ria). As idéias otimistas de progresso, inscritas
ses reformadores, utilizando-se de sua influência nas noções de "cultura" e "civilização" podem ser
política, impõem seu conceito de governo da consideradas como uma forma deCsucedâneo* de
sociedade quê, segundo eles, deve se apoiar na esperança religiosa. A partir de então, o homem
razão e nos conhecimentos. está colocado no centro da reflexão e no centro
A civilização é então definida_çQrnp um do universo. Aparece a idéia da possi5iir3ãgê~ae
processo de melhoria das, instituições, dajegis- jjma^ciencia do homem"; a expressão é empre-
"Jação, da educação. A civilização é ummovimen- gada pela primeira vez por Diderot ern^l755 (no
to longe de j^star_acabadp^q.ue_e.preciso apoiar artigo "Enciclopédia" da Encyclopédié). E, em
e que afeta a socidade comojum todo, começan>
* ___ -^ * ~ - " " - •—n---— __ i^l "^
1 787, Alexandre de Chavannes cria o termo "et-
do pelo Estado, que deve se liberaf_dc tudo o nologia" ,
j]ue é áínclâ" irracional em seu funcionamentOj ^estuda a "história dos progressos dos povos cm
Finalmente, a civilização r>odc c deve se esten- direção à
der a todos os povos que compõem a humani-
dade. Se alguns povos estão mais avançados-que O debate francoaleniíio sobre a cultura
Doutros neste movimento, se alguns (a França ou a imtíteseVcultura" - "civilização"
particularmente) estão tão avançados que já po- (século XIX - início do século XX)
dem ser considerados como "civilizados", todos
os povos, mesmo os mais "selvagens", têm voca- Kulturno sentido figurado aparece na lín-
ção para entrar no mesmo movimento de civili- gua alemã no século XVIII e parece ser a trans-
zação, e os mais avançados têm o dever de aju- posiçãoexãta da palavra francesa.;O prestígio
dar os mais atrasados a diminuir esta defasagem. da língua francesa - o uso do francês é então a

23
marca distintiva das classes superiores na Ale- abandonar as artes e a literatura e consagrar a
manha - e a influência do pensamento Iluminis- maior parte de seu tempo ao cerimonial da cor-
ta são muito grandes na época e explicam este te, preocupados demais em imitar as maneiras
empréstimo lingüístico. "civilizadas" da corte francesa. Duas palavras
No entanto, Kultur vai evoluir muito rapi- vão lhes pmTiitirLrlffinir esta-ftj^-^ão"cIÕTjnteis
damente em um sentido mais restritivo que sua sistemas de valores: tudo o que é autêntico e
homóloga francesa e vai obter, desde a segunda que Contribui "pãrao enriquecimento intelec-
metade do século XVIII, um sucesso de público tual e espiritual será considerado como vindo
que "cultura" não teria ainda, já que "civilização" dã~cültUfa; ao contrário, OTjue é somente ãpa"-
era a preferida no vocabulário dos pensadores TéncJa"brilhante, leviandade, refinamento super-
franceses. Conforme explica Norbert Elias ficial, pertence a civilização* A cultura se opõe
[19391, este sucesso c deyjdQ_à_adQcão do ter- então ã civilização corno a profundidade se
mo pela burgucsiaintelectual alemã e ao uso opõe à superfícialidade. Para a intelligentsia
la faz delc^nasua oposição à aristocracia burguesa alemã, a nobreza da corte, se ela é ci-
^dacorte^De'iato, contrariamente à situação fran- vilizada, tem singularmente uma grande falta de
cesa, burguesia e aristocracia não têm laços es- cultura. Como o povo simples também não tem
treitos na Alemanha. A nobreza é relativamente esta cultura, a intelligentsia se considera de cer-
isolada em relação às classes médias, as cortes ta maneira investida da missão de desenvolver e
principescas são muito fechadas, a burguesia é fazer irradiar a cultura alemã.
afastada, em certa medida, da qualquer ação po- Por esta tomada de consciência, a ênfase
lítica. Esta distância social alimenta um certo da antítese cultura"^- "civilizacãõ^se desfocar
ressentimento, sobretudo entre muitos intelec- pouco a pouco da oposição social paraaoposf-
tuais que, na segunda metade do século, vão ção nacional [Elias, 1939]^Diversos fatos con-
opor os valores chamados "espirituais", ba- vergentes vão permitir este deslocamento. De
seados na ciência, na arte, na filosofia e também um lado, reforça-se a convicção dos laços estrei-
na religião, aos valores "corteses" da aristocracia. tos que unem os costumes civilizados das cor-
A seus olhos, somente os primeiros são valores tes alemãs à vida de corte francesa, e isto será
autênticos, profundos; os outros são superficiais denunciado como urna forma de alienação. Por
e desprovidos de sinceridade. outro lado, aparece cada vez mais a vontade de
Estes intelectuais, freqüentemente saídos reabilitar a língua alemã (a vanguarda intelec-
do meio universitário, criticam os príncipes que tual se expressa somente nesta língua) e de de-
governam os diferentes Estados alemães, por finir, no domínio do espírito, o que é especifica-
mente alemão. Como a unidade nacional alemã certeza, ela é a expressão de uma consciência
não estava ainda realizada e não parecia possível nacional que se questiona sobre o caráter espe-
então no plano político, a intelligentsia que cífico do povo alemão que não conseguiu ainda
tem uma idéia cada vez mais forte de "missão na- sua unificação política. Diante do poder dos Es-
cional", vai procurar esta unidade no plano da tados vizinhos, a França e a Inglaterra em parti-
cultura. cular, a "nação"alemã, enfraquecida pelas divi-
A ascensão progressiva desta camada so- sões políticas, esfacelada em múltiplos principa-
cial anteriormente sem influência que conse- dos, procura afirmar sua existência glorificando
guiu fazer-se reconhecer como porta-voz da sua cultura.
consciência nacional alemã transforma então os Estaca razão pela qual a noção alemã de
dados e a escala do problema da antítese "cultu- Kultur^yaLtender, cada yezmais, a partir do"gé-
ra" - "civilização". Na Alemanha, às vésperas da culo XIX, para a delimitação e a consolidação
Revolução Francesa, o lei das diferenças nacionajs^rata-se então de uma
sua conotação aristocrática alemã e passa a evo- noção particularista que_s_e opõe à noção fran-
car a França e "de uma mãheira~geral, as potên- cesa universalista de "civilização", que é a ex-
cias ocidentais .Da mesma maneira, a "cultura", pressão de uma nação cuja unidade nacional
de marca distintiva da burguesia intelectual ale- aparece como conquistada há muito tempo.
mã no século XVIII, vai jscr" convertida, no sécu- Já em 1774, mas de maneira ainda relativa-
lo XIX, ejfrTinarca distintiva da nação alemã intei- mente isolada, Johann Gottfried Herder, em um
"rãTNps texto polêmico fundamental, em nome do "gê-
^-<j traços s carãcterístSõT da classe intelêc-
tual, que manifestavam sua cultura, como a sin- nio nacional" de cada povo(yolksgeisf), tomava
ceridade, a profundidade, a espiritualidade, vão pãTtidó pelã~dÍversKlãdc dê~culturas, riqueza dlT
ser a partir de então considerados como especi- humãniSãde e contra o universalismo uniformi-
ficamente alemães. ^zante do Iluminismotque ele considerava empo-
Atrás desta evolução se esconde, segundo brecedor. Diante do que ele via como um impe-
Elias, um mesmo mecanismÕ^ícõloglco~Kgado rialismo intelectual da filosofia
a um sentimento de inferioridade ffiinHalilelmh Tninismo, Herder pretendia devolver a cada
de cultura é criada pela classe média que duvi- povo seu orgulho, começando pelo povo ale-
dajiela mesma, que se sente maisTm menos aff- mão. Para Herder, na realidade, çada,GQvo, atra-
jada_do pòdèr^_das honras e que procura para yès de sua cultuia.própria, tem um destino^espe-
jsi_umaoutra^rrnT3è~lSglHmíarãdie social'.-^Êsten- cífico ajgalizar. Pois cada cultura exprime à sua
dida à "nação" alemã, ela participa da mesma in- maneira um aspecto da humanidade .^ua coh-

X,
f"-.
T

cepção de cultura caracterizada pela desconti- Estas conquistas do espírito não devem ser
nmdade^que não cxcluíaT^oentantõ, iimjTpõs^ confundidas com as realizações técnicas, ligadas
sível__c_omunicação_entre-Qsw£ovos, era baseada ao progresso industrial e emanadas de um raci-
em Uma outra filosofia da história (título de onalismo sem alma. De maneira cada vez mais
seu livro de 1774). dife_rent_e,da_filpsofía. do Ilu- marcada ao longo do século XIX, os autores ro-
minismoyigpr isso,Herder pode ser considerà3õ7 mânticos alemães opõem a cultura, expressão
comj ustiça, prccursõTdõ conceito relatívistai de da alma profunda de um povo, à civilização de-
"cultura"; "Foi Herder quem nos abriu os olhos finida a partir de então pelo progresso material
sobre as culturas" [Dumont, 1986,p. 134]. ligado ao desenvolvimento econômico e técni-
Depois da derrota na batalha de lena, em co. Esta idéia essencialista e particularista da
1806, e a ocupação das tropas de Napoleão, a cultura está em perfeita adequação com o con-
consciência alemã vai conhecer uma renovação ceito étnico-racial de nação - comunidade de in-
do nacionalismo que se expressará através de divíduos de mesma origem - que se desenvolve
uma acentuação da jnterpretação particularista- no mesmo momento na Alemanha e que servirá
da cjuitucLalerfla.jp esforço para definir o "cará- de fundamento à constituição do Estado-nação
ter alemão"se intensifica. Não_é_somente a origi- alemão [Dumont, 1991].
nalidade, na_singularidade absoluta, da cultura -—~ Na França, a evolução da palavra no sécu-
alemã que é afirmada, mas também sua supe-
_ L*___ __ „ '—'— . - . _*_
lo XDÍ e um pouco diferente. Um certo interes-
rioridadex Desta afirmação, certos ideólogos se nos círculos cultos pela filosofia e as letras
concluem que existe uma missão específica do alemãsÃêm pleno desenvolvimento contfíEüíli
povo alemão com relação à humanidade. talvez para ampliar a acepção da palavra france-
A idéia alemã de cultura evolui então pou- sa. "Cultura" se enriqueceu com uma dimensão
co no século XEK sob a influência do nacionalis- colejtivacnã^ej;eferiajnais^somente aocíesen-
mo. Ela se liga cada vez mais ao conceito de "na- jTOtvimgnto intelectual do ^indivíduo. Passou a
_ção". A cultura vem da alma, do gênio de um designar também um conjunto decaracteres
povo. A nação cultural precede e chama a nação próprios de um'ã~cl>mumdade, mas em um sen-
política. A-^eultura. aparece como unLcontunto tidoj»ej*almente vasto e impreciso. Encontra-se
de^conquistas Artísticas, intelectuais e morais expressões como "cultura francesa" (ou alemã)
que^ constituem o patrimônio" de uma .nação, ou "cultura da humanidade". ^Cultura" está mui-
considerado coriífi^dquirido definitivamente e to próxima da palavra "civilização' e às vezes é
fundador de sua unmacle. "X substituível por ela. ' " ~" --'
O conceito francês continua
-B«HSa335S™S?' -———~
marcado pela
---—a., i .^ franceses replicam pretendendo ser os cam-
idéia d e d f e dogênero humano,, Entre os explica' ò ^ "
séculos XVin e XIX na França, há a cpntinuida- clínio, no iníciõ^dõséculo XX, na França, do uso
de do pensamento universalista.iA cultura, no de "cultura" na sua acepção coletiva, pois a ide-
sentido coletivo, é antes de tudo a "cultura da ologia nacionalista francesa deveria se diferen-
humanidade". Apesar da influência alemã, a ciar claramente, até em seu vocabulário, de sua
idéia de unidade suplantada consciência_da_di- rival alemã. No entanto, o conflito das palavras
versidade: além das diferenças que sepodeobT se prolongará até depois do fim do conflito das
" ™ ^-""""""
jiervar entr^cultura alemã" e "cultura francesa^, armas, revelando uma oposição ideológica pro-
^há a unidade da "cultura humana".Em uma céle- funda que não se pode reduzir a uma simples
bre conferência ]pro1runciã!3ãnnãsorbonne em propaganda de guerra.
1882, O que é uma nação?, Ernest Renan afir- O debate íranco-alemão do século XVIII
mava sua convicção: "Antes da cultura francesa, ao século XX é /arquetípicoNdas duas concep-
da cultura alemã, da cultura italiana, existe a cul- ções de cultura, uma^parfJtTtfarista, a outra uni-
tura humana." versalista^que estão na base das duas maneiras
Os particularismos culturais são minimiza- de definir o conceito de cultura nas ciências so-
dos. Oslntelectuais nãp^^m^nr^cõncepção ciais contemporâneas.
defuma cultura nacional antes de tudo, assim
como recusam a
enjr£^cujtura[^eji^ ___ __
tá francj^^da-cultura-acompanha a concepção
,jelejtiva^de_naçãqí surgida na Revolução: perten-
cem à nação francesa, explicará Renan, todos os
que se reconhecem nela, quaisquer que sejam
suas origens.
No sécuÍQ_-XX,AJivalÍdade dos nacionalis-
_mos francês^e alemão^e^seujenfrentament^Bru^
talna gi^rlfS^delpl^^-S vão exacerbar o de-
^
bate ideológico £ntre as duas~íõlíÕêpcoêT^è
,_., ^._~n!-C'"~-í^»~ ... ,^ ^ f
* _

"cultura. As_i*--—~
palavras tornam-se^slògãns_utili?ados
—t—-— ~—*
como armas. Aos alemães, que dizem defender a
cultura (no sentido em que eles a entendem), os
A Invenção do Conceito
Científico de Cultura

Ao longo do século XIX, a adoção de um


procedimento positivo na reflexão sobre o ho-
mem e a sociedade resulta na criação da soci-
ologia e da etnologia como disciplinas científi-
cas. ^TetnÕíõiaí por sua vez, vai tentar dar uma

ensar a especifícfflã3ê"hllmana
ovos e dos"costuffi"esa'?To-

Iham ummesmo nosjA.jla.do: ojjostulado da uni-


dade do homgrn, hermcj.^^dji^^^os^íj^donimii-
nismoj Para eles, a dificuldade será então pensar
a diversidade na unidade
Mas com a questão colocada desta manei-
ra, eles não podem se contentar com uma res-
posta biológica. Se eles reivindicam uma nova
ciência, é para dar uma outra explicação à diver-
sidade humana, diferente da existência de "ra-
ças" diferentes. Dois caminhos vão ser explora-
dosjjirnultânea e CQ^correntemelTte^pcI^gtTró-
logos: oqucrpYivjl^ía a unjdad^ jmmmizaj._di-
versidade, reduzindo a uma diversidade "tempo-
«^^^BÈttKaeEHÍ^ l • !!•• •" •' "l l •.,11.. lm..t . --||||,,,*_

rária", segundo um esquema evolucionista; e o


Doutro caminho que, ao contrário, dãTtõda a inT"
portância à diversidade, preocup ando-se "enTcÍer
.. ^_^~^«or-ri^wi Mí_.-r—íi—E-*»,.. — -T-í
monstrarque ela não é contraditória com a uni- (as culturas), ern^
pãHícüfacístãT-
Um conceito vai emergir como instrumen-
to privilegiado para pensarjgste_rjrpblema e ex- JVIor c a concepção universalista
plorar as diferentes respostas j^ossiveis da cultura
ceito de "cultura". A palavra está em voga, mas é
utlfizãcia, ria maior parte dos casos, tanto na
França quanto na Alemanha, com um sentido rã é devida ao antropólogo britânico Edward
jiQrjnatiyo. OsJundadores^ da .,gtngjoj^a_yjojhe ,BurnettTylorI1832- ^ ™ ™
dar um j:onteúdoj3urjmiente descritivcr^Nãojig
trata, para eles,jgsim com^pjraos fílósoíbs, de Cultura e civilização, tomadus em seu sentido
dizer o aue deve ser a cultura, mas de descrever
--- 1 i..ll"l¥|——"="*«=<L— • ---- m^ -- •- •, , _ _..__^- 0,^,-f^. *^*í-tf - — ' etnológico mais vasto, são um conjunto comple-
oj^ue ela, é, t alcomo arweccjias_sociedad.es, xo que inclui o conhecimento, as crenças, a
humanas^. arte, a moral, o direito, os costumes e as outras
No entanto, a etnologia iniciante não esca- capacidades ou hábitos adquiridos pelo homem
pará completamente às ambigüidades e não se enquanto membro da sociedade [1871, p- 1].
^livrará facilmente deJulgament!3,^de_yalor ou de
implicaçõesjdgslégiças^ Mas por se tratar de Esta definição, clara e simples, exige, no en-
uma disciplina que começava a se constituir e tanto, alguns comentários. Pode-se ver que ela
por isso mesmo não poderia exercer uma in-
IÍ£^OT^&J^^Sn^^^^SÍJ^^--Q^ÍFt'va e
fluência determinante no campo intelectual da ao normativa/Por outro lado, ela rompe com as
época, permitiu que uma reflexão sobre a ques- definições restritivas ^indmduatistas de cultür
tão da^cultura escapasse, em parte, à pròblemá- arpãraTyTolffit^ totalida-
ticado debate passional que opunha "cultura" e de da vida social do homem/ Ela se caracteriza
t
^Tri-iinM-nrnr-"-nu , i M inn -- —"m—— • C-pjLjmi» n «H hi^i
"civilização" e conservou uma relativa^ autono- tl

por sua dimensão coletiva. Enfim, a cultura é ad-


'"iiirii LJIIII »«iinin"TrT—T—™' ^^y.-..~- ir.'- ••**—>,
^mia epistemológica.» cjuirida e não depende da hereditariedade bioló-
A introdução do conceito de cultura se gica. No entanto, se a cultura
fará com desigual sucesso nos diferentes países origem ej>eu caráter são,
onde nasce a etnologia. Porjxitro lado, riãojia- conscientes.
verájejntendimento entre as diferentes "escolas" SeTylor é o primeiro a propor uma defini-
sobre a questão de saber se é preciso utilizar o ção conceituai de cultura, ele não foi exatamen-
conceito no singular (a Cultura) ou no plural, te o primeiro a utilizar o termo em etnologia.
Ele mesmo, no uso que faz desta palavra, foi in- rentes: segundo ele, em condições idênticas, o
fluenciado diretamente por etnólogos alemães espírito humano operava em toda a parte de
que lera e, sobretudo por Gustave Klemm que, maneira semelhante. Herdeiro do Iluminismo,
de acordo com a tradição romântica germânica, ele aderiu igualmente à concepção universalista
utilizava Kultur com um sentido objetivo, prin- da cultura dos filósofos do século XVIII.
cipalmente por se referir à cultura material. Ele tentava conciliar em uma mesma expli-
Para Tylor, a hesitação entre "cultura" e "ci- cação a evolução da cultura e sua universalida-
vilização" é característica do contexto da época. de. Em seu livro Cultura Primitiva, lançado em
Se ele privilegia finalmente "cultura", é por com- 1871 e logo em seguida traduzido em francês
preender que "civilização", mesmo se tomada (em 1876), obra considerada como o momento
em um sentido puramente descritivo, perde seu em que é fundada a etnologia enquanto ciência
caráter de conceito operatório desde o momen- autônoma, Tylor examina as "origens da cultura"
to em que é aplicado às sociedades"primitivas". (título do primeiro tomo) e os mecanismos de
A etimologia da palavra civilização remete à sua evolução. Ele foi o primeiro etnólogo a abor-
constituição das cidades e o sentido que a pala- dar efetivamente os fatos culturais sob uma óti-
vra tomou nas ciências históricas designa prin- ca geral e sistemática. Ele foi também o primei-
cipalmente as realizações materiais, pouco de- ro a se dedicar ao estudo da cultura em todos os
senvolvidas nessas sociedades. "Cultura", para tipos de sociedade e sob todos os aspectos, ma-
Tylor, na nova definição dada, tem a vantagem teriais, simbólicos e até corporais.
de ser uma palavra neutra que permite pensar Após um temporada passada no México,
toda a humanidade e romper com uma certa Tylor elaborou seu método de estudos da evolu-
abordagem dos "primitivos11 que os transforma- ção da cultura pelo exame das "sobrevivèncias"
va em seres à parte. culturais. No México, ele pudera observar a coe-
Não é surpreendente que a invenção do xistência de costumes ancestrais e traços cultu-
conceito deva-se a Edward Tylor, livre pensador, rais recentes. Pelo estudo das "sobrevivèncias",
para quem sua condição minoritária de quaker ele pensava que deveria ser possível retornar ao
fechara as portas da universidade inglesa. Ele ti- conjunto cultural original e reconstituí-lo. Gene-
nha fé na capacidade do homem de progredir e ralizando este princípio metodológico, chegou
partilhava dos postulados evolucionistas de seu à conclusão de que a cultura dos povos primiti-
tempo. Ele não duvidava tampouco da unidade vos contemporâneos representava globalmente
psíquica da humanidade, que explicava as simi- a cultura original da humanidade: ela era uma
litudes observadas em sociedades muito dife- sobrevivência das primeiras fases da evolução
cultural, fases pelas quais a cultura dos povos ci- de cultural, rara na sua época. Além do mais, sua
vilizados teria passado necessariamente. concepção do evolucionismo não era nada rígi-
O método de exame das sobrevivências le- da: ele não estava totalmente persuadido que
vava logicamente à adoção do método compara- houvesse um paralelismo absoluto na evolução
tivo que lyior introduziu então na etnologia. cultural das diferentes sociedades. Por isso, ele
Para ele, o estudo das culturas singulares não considerava também, em certos casos, a hipóte-
poderia ser feito sem a comparação entre elas, se difusionista.Uma simples similitude entre tra-
pois estavam ligadas umas às outras em um mo- ços culturais de duas culturas diferentes não era
vimento de progresso cultural. Pelo método suficiente, segundo ele, para provar que elas es-
comparativo, ele tinha como objetivo estabele- tivessem situadas no mesmo nível da escala de
cer ao menos uma escala grosseira dos estágios desenvolvimento cultural: poderia ter havido
da evolução da cultura.Tylor desejava provar a uma difusão de uma em direção à outra. De uma
continuidade entre a cultura primitiva e a cultu- maneira geral, fiel a seu desejo de objetividade
ra mais avançada. Contra os que estabeleciam científica, ele se mostrava prudente em suas in-
uma ruptura entre o homem selvagem e pagão terpretações.
e o homem civilizado e monoteísta, ele se esfor- Devido a sua obra e suas preocupações me-
çava para demonstrar o elo essencial que os todológicas, Edward Tylor é considerado, com
unia e a inevitável caminhada do selvagem em justiça, o fundador da antropologia britânica. É
direção ao civilizado. Entre primitivos e civiliza- aliás a ele que se deve o reconhecimento desta
dos, não há uma diferença de natureza mas sim- ciência como disciplina universitária: eíe se tor-
plesmente de grau de avanço no caminho da naria em 1883, na Universidade de Oxford, o pri-
cultura. Tylor combateu com ardor a teoria da meiro titular de uma cátedra de antropologia na
degenerescência dos primitivos, inspirada por Grã Bretanha.
teólogos que não podiam imaginar que Deus ti-
vesse criado seres tão "selvagens", teoria que Franz Boas e a concepção particuiarista
permitia não reconhecer nos primitivos, seres de cultura
humanos como os outros. Para ele, ao contrário,
todos os humanos eram totalmente seres de cul- Se Tylor é o "inventor" do conceito científi-
tura, e a contribuição de cada povo para o pro- co de cultura, Boas será o primeiro antropólogo
gresso em digna de estima. a fazer pesquisas in situ para observação direta
Pode-se perceber que o evolucionismo de e prolongada das culturas primitivas. Neste sen-
Tylor não excluía um certo sentido da relativida- tido, é ele o inventor da etnografía.
Franz Boas (1858 - 1942) era oriundo de ção de "raça". Em um estudo de grande reper-
uma família judia alemã de espírito liberal. Sen- cussão, feito sobre uma população de imigran-
sível à questão do racismo, ele mesmo fora víti- tes chegados aos Estados Unidos entre 1908 e
ma do anti-semitismo de alguns de seus colegas 1910 (no total 17 821 pessoas), demonstrou, re-
de universidade. Estudou em diversas universi- correndo ao método estatístico, a extrema rapi-
dades da Alemanha, primeiramente cursando fí- dez (o espaço de uma geração apenas) da varia-
sica, depois matemática e finalmente geografia ção dos traços morfológicos (em particular a
(física e humana). Esta última disciplina o levou forma do crânio) sob a pressão de um ambiente
à antropologia. Em 1883 - 1884, ele participou novo. Segundo ele, o conceito pseudocientífico
de uma expedição entre aos Esquimós da terra de "raça humana", concebida como um conjun-
de Baffín. Ele partiu como geógrafo, com pre- to permanente de traços físicos específicos de
ocupações de geógrafo (estudar o efeito do um grupo humano, não resiste a um exame rigo-
meio físico sobre a sociedade esquimó) e perce- roso. As pretensas "raças" não são estáveis, não
beu que a organização social era determinada há caracteres raciais imutáveis. É então impossí-
mais pela cultura do que pelo ambiente físico. vel definir uma "raça" com precisão, mesmo re-
Retornou à Alemanha decidido a se consagrar, a correndo ao chamado método das médias. A ca-
partir de então, principalmente à antropologia. racterística dos grupos humanos no plano físico
Em 1886, Boas partiu novamente para a é a sua plasticidade, sua instabilidade, sua mesti-
América do Norte, desta vez para realizar pes- çagem. Por suas conclusões, ele antecipava as
quisas etnográficas de campo sobre os índios da descobertas posteriores da genética das popula-
costa noroeste, na Colúmbia Britânica. De 1886 ções humanas.
a 1889, passou longas temporadas entre os Por outro lado, Boas também se dedicou a
Kwakiutl, os Chinook e os Tsimshian. Em 1887, mostrar o absurdo da idéia de uma ligação entre
decidiu estabelecer-se nos Estados Unidos e traços físicos e traços mentais, dominante na
adotar a nacionalidade americana. época e implícita na noção de "raça". Para ele, era
Toda a obra de Boas é uma tentativa de evidente que os dois aspectos dependiam de
pensar a diferença. Para ele, a diferença funda- análises completamente diferentes. E, precisa-
mental entre os grupos humanos é de ordem mente por se opor a esta idéia, ele adotou o con-
cultural e não racial. Formado em antropologia ceito de cultura que lhe parecia o mais apropria-
física, manifestou um certo interesse por esta do para dar conta da diversidade humana. Para
disciplina, mas dedicou-se a desmontar o que ele, não há diferença de "natureza" (biológica)
constituía, na época, sua conceito central: a no- entre primitivos e civilizados, somente diferen-
ças de cultura, adquiridas e logo, não inatas. É cla- rigor científico, ele recusava qualquer generali-
ro que para Boas, contrariamente à idéia de mui- zação que não pudesse ser demonstrada empi-
tos, o conceito de cultura não funciona como ricamente. Cético, mais analista do que teórico,
um eufemismo do conceito de "raça", pois ele ele nunca teve a ambição de fundar uma esco-
o construiu precisamente para opor-se a esta la de pensamento. \
idéia. Ele foi um dos primeiros cientistas sociais Pelo contrário, ele ficará na história da an-
a abandonar o conceito de "raça" na explicação tropologia como fundador do método indutivo
dos comportamentos humanos. e intensivo de campo. Boas concebia a etnolo-
Ao contrário de Tylor, de quem ele havia gia como uma ciência de observação direta: se-
no entanto tomado a definição de cultura, Boas gundo ele, no estudo de uma cultura particular,
tinha como objetivo o estudo "das culturas"e tudo deve ser anotado, até o detalhe do detalhe.
não "da Cultura". Muito reticente em relação às Na sua preocupação de contato com a realida-
grandes sínteses especulativas, em particular à de, não apreciava muito o recurso a informan-
teoria evolucionista unilinear então dominante tes. O etnólogo, se ele quer conhecer e com-
no campo intelectual, apresentou em uma co- preender uma cultura, deve aprender a língua
municação de 1896,o que considerava os "limi- em uso. E, ao invés de apenas realizar entrevis-
tes do método comparativo em antropologia". tas formais em maior ou menor grau - a situação
Ele recusa o comparatismo imprudente da de entrevista pode modificar as respostas -, deve
maioria dos autores evolucionistas. Para ele, ha- estar atento principalmente a tudo o que se diz
via pouca esperança de descobrir leis universais nas conversas "espontâneas", e acrescenta, até
de funcionamento das sociedades e das culturas "escutar atrás das portas".Tudo isso supõe que
humanas e ainda menos chance de encontrar se permaneça por longo tempo junto ã popula-
leis gerais da evolução das culturas. Ele fez uma ção cuja cultura está sendo estudada.
crítica radical do chamado método de "periodi- Em certos aspectos, Boas é o inventor do
zação" que consiste em reconstituir os diferen- método monográfico em antropologia. Mas,
tes estágios de evolução da cultura a partir de como ele levava ao extremo sua preocupação
pretensas origens. com o detalhe e exigia um conhecimento
Boas duvidava também, e pelas mesmas exaustivo da cultura estudada antes de qualquer
ratões, das teses difusionistas baseadas em re- conclusão geral, não realizou nenhuma mono-
construções pseudo-históricas. De maneira ge- grafia no sentido pleno do termo. Ele chegava
ral, ele rejeitava qualquer teoria que pretendes- mesmo a pensar que toda descrição sistemática
se poder explicar tudo. Preocupando-se com o de uma cultura comporta necessariamente uma
dose de especulação. E era precisamente isso quisadores. Para ele, cada cultura representava
que ele não se permitia fazer, apesar de ter ade- uma totalidade singular e todo seu esforço con-
rido à idéia de que cada cultura forma um todo sistia em pesquisar o que fazia sua unidade. Daí
coerente e funcional. sua preocupação de não somente descrever os
Devemos a Boas a concepção antropológi- fatos culturais, mas de compreendê-los juntan-
ca do "relativismo cultural", mesmo que não te- do-os a um conjunto ao qual eles estavam liga-
nha sido ele o primeiro a pensar a relatividade dos. Um costume particular só pode ser explica-
cultural nem o criador desta expressão que apa- do se relacionado ao seu contexto cultural.Tra-
recerá apenas mais tarde. Para ele, o relativismo ta-se assim de compreender como se formou a
cultural é antes de tudo um princípio metodoló- síntese original que representa cada cultura e
gico. A fim de escapar de qualquer forma de et- que faz a sua coerência.
nocentrismo no estudo de uma cultura particu- Cada cultura é dotada de um "estilo" parti-
lar, recomendava abordá-la sem a prtori, sem cular que se exprime através da língua, das cren-
aplicar suas próprias categorias para interpretá- ças, dos costumes, também da arte, mas não ape-
la, sem compará-la prematuramente a outras cul- nas desta maneira. Este estilo, este "espírito" pró-
turas. Ele aconselhava a prudência, a paciência, prio a cada cultura influi sobre o comportamen-
os "pequenos passos" na pesquisa. Tinha cons- to dos indivíduos. Boas pensava que a tarefa do
ciência da complexidade da cada sistema cultu- etnólogo era também elucidar o vínculo que
ral e julgava que somente o exame metódico de liga o indivíduo à sua cultura.
um sistema cultural em si mesmo poderia che- Sem dúvida há um vínculo estreito entre o
gar ao fundo de sua complexidade. relativismo cultural como princípio metodológi-
Além do princípio metodológico, o relati- co e como princípio epistemológico levando a
vismo cultural de Boas implicava também uma uma concepção relativista da cultura. A escolha
concepção relativista da cultura. De origem ale- do método de observação sem preconceito,
mã, formado em diversas universidades alemãs, prolongada e sistemática, de uma entidade cul-
ele não poderia não ter sido influenciado pela tural determinada leva progressivamente a con-
noção partícularista alemã de cultura. Para ele, siderar esta entidade como autônoma. A trans-
cada cultura é única, específica. Sua atenção era formação de uma etnografia de viajantes "que
espontaneamente voltada para o que fazia a ori- apenas passam" em uma etnografia de estada de
ginalidade de uma cultura. Quase nunca, antes longa duração modificou completamente a
dele, as culturas particulares tinham sido objeto apreensão das culturas particulares.
de tal tratamento autônomo por parte dos pes-
No fim da sua vida, Boas insistia em outro A atitude assim descrita parece bem universal,
aspecto do relativismo cultural. Um aspecto que sob formas diversas segundo as sociedades.
poderia talvez ser um princípio ético que afirma Como escreveu Lévi-Strauss, os homens tem
a dignidade de cada cultura e exalta o respeito sempre dificuldade de encarar a diversidade
e a tolerância em relação a culturas diferentes. das culturas como um "fenômeno natural, resul-
Na medida em que cada cultura exprime um tante das relações diretas ou indiretas entre as
modo único de ser homem, ela tem o direito à sociedades" [1952] .A maiocia-dos povos chama-
estima e à proteção, se estiver ameaçada. dos de "primitivos" considera que a humanida-
Considerando a obra de Boas em sua rica de acaba em suas fronteiras cínicas ou lingüís-
diversidade e nas inúmeras hipóteses sobre os ticas e é por isso que eles se denominam fre-
fatos culturais que ela propõe, descobre-se nela qüentemente usando um etnônimo que signifi-
o anúncio de toda a antropologia cultural norte- ca, segundo o caso, ''os homens", "os excelen-
americana que virá a ser desenvolvida. tes" ou ainda "os verdadeiros", em oposição aos
estrangeiros que não são reconhecidos como
seres humanos completos.
Quanto às sociedades chamadas "históricas",
Ftnoeentiismo elas têm a mesma dificuldade para conceber a
idéia da unidade da humanidade na diversidade
A palavra foi criada pelo sociólogo americano
cultural.
Willian G. Summer e apareceu pela primeira O mundo greco-romano antigo qualificava de
vez em 1906 em seu livro Folkways. Segundo "bárbaros "todos os que não participavam da
sua definição "o etnoccntrismo é o termo técni- cultura greco-romana. Em seguida, na Europa
co para esta visão das coisas segundo a qual Ocidental, o termo "selvagem" será utilizado no
nosso próprio grupo é o centro de todas as coi- mesmo sentido, para jogar para fora da cultura
sas e todos os outros grupos são medidos e ava- e, em outras palavras, da natureza, os que não
liados em relação a ele [...]. Cada grupo alimen- pertenciam à civilização ocidental. Com esta
ta seu próprio orgulho e vaidade, considera-se atitude, os "civilizados" se comportam então
superior, exalta suas próprias divindades e olha exatamente como os "bárbaros" ou os "selva-
com desprezo as estrangeiras. Cada grupo pen- gens". No final das contas, não estaríamos no
sa que seus próprios costumes (Folkways) são direito de pensar, como Lévi-Strauss que "o bár-
os únicos válidos e se ele observa que outros baro é primeiramente o homem que acredita
grupos têm outros costumes, encara-os com na barbárie" [1952]?
desdém." (citado por Simon [1993, p. 57])
O etnocentrismo pode tomar formas extremas mente, este pioneirismo vai provocar um atraso
de intolerância cultural, religiosa c até política. na fundação da etnologia francesa. Em um pri-
Pode também assumir formas sutis e racionais. meiro momento, pode-se dizer que a sociologia
No domínio das ciências sociais, pode-se agir ocupa todo o espaço da pesquisa-sobre as soci-
como se houvesse o reconhecimento do fenô- edades humanas. A etnologia - seria mais corre-
meno da diversidade cultural e ao mesmo tem- to dizer a etnografía - está então reduzida ao sta-
po conceber a variedade das culturas como tus de ramo anexo da sociologia. A "questão so-
uma simples expressão das diferentes etapas de cial" domina e oblitera a "questão cultural".
um único processo de civilização. Deste modo,
o evolucionismo do século XIX, ao imaginar os Uma constatação: a ausência do
"estágios" de um desenvolvimento social uniii- conceito cientifico de cultura no
near, permitia a classificação das culturas parti- início da pesquisa francesa
culares em uma mesma escala de civilização. A
diferença cultural, nesta perspectiva, era so- Na França, no século XIX e no começo do
mente uma aparência: ela estaria condenada a século XX, nas ciências sociais, os pesquisado-
desaparecer, cedo ou tarde. res se conformavam com o uso lingüístico en-
Em ruptura total com esta concepção, a antro- tão dominante e usavam correntemente o ter-
pologia cultural introduz a idéia de relatividade mo "civilização", já consagrado pelos historia-
das culturas e de sua impossível hierarquização dores e praticamente nunca o termo "cultura"
a priori . E ela recomenda, para escapar a qual- num sentido coletivo e descritivo. Apesar de es-
quer etnocentrismo na pesquisa, a aplicação do tarem informados sobre os trabalhos científicos
método de observação participante. alemães, eles recusavam geralmente a tradução
de Kultur por sua homóloga francesa e prefe-
riam "civilização". Do mesmo modo, a obra de
Tylor, Primitive Culture teve uma certa reper-
A idéia de cultura entre os fundadores cussão na comunidade científica na França, mas
da etnologia francesa o título da versão francesa foi: La Civttisation
Primitive (A Civilização Primitiva).
Em relação a seus vizinhos, a França mani- O termo "cultura" para os pesquisadores
festa uma originalidade no desenvolvimento das franceses continuava geralmente ligado a sua
ciências sociais. É na França que nasce a socio- acepção tradicional no campo intelectual naci-
logia como disciplina científica. Mas, paradoxal- onal: ele se referia unicamente ao campo do es-
pírito e só era compreendido em um sentido eli- em relação à sociologia e constrói seus próprios
tista restrito e em um sentido individualista (a instrumentos conceituais.A confrontação direta
cultura de uma pessoa "culta"). e prolongada com a alteridade e a pluralidade
É evidente que o contexto ideológico pró- das culturas favorece o surgimento do conceito
prio da França do século XIX bloqueou o surgi- de cultura através da introdução de um certo re-
mento do conceito descritivo de cultura. So- lativismo cultural.
ciólogos e etnólogos estavam eles mesmos mui- Mas este surgimento do conceito se dá
to impregnados do universalismo abstrato do apenas progressivamente na França e, inclusive
Iluminismo para pensar a pluralidade cultural na literatura etnológica, "civilização" resistirá e
nas sociedades humanas dissociada da referên- chegará, às vezes, a ser utilizada indistintamente
cia à "civilização". É certo que o contexto histó- com o termo cultura, até os anos sessenta. A
rico não levava a uma interrogação sobre esta obra clássica de Ruth Benedict, Pattems of
questão. A epopéia colonial se fazia em nome da Culture seria traduzido em 1950 com o título
missão"civüizatória" da França. A rivalidade e os (infeliz sob qualquer ponto de vista) de Amos-
conflitos com a Alemanha opunham dois na- tras de civilizações.
cionalismos que se serviam das noções de
Kultur e de "civilização" como armas de propa- Durkheim e a abordagem imitam
ganda. Enfim, o Estado-nação francês, confronta- dos fatos de cultura
do ao rápido desenvolvimento da imigração es-
trangeira no último terço do século XIX, adota- Emile Durkheim (1858 - 1917), por uma
va uma política cultural claramente assimila- curiosa coincidência, nasceu no mesmo ano
cionista destas populações, de acordo com o que Franz Boas. Como Boas na antropologia
modelo centralista que já havia produzido seus americana, Durkheim ocupará uma posição
efeitos sobre as culturas regionais do país. "fundadora" na antropologia francesa. Mais so-
Na etnologia francesa iniciante, o que cha- ciólogo do que etnólogo, Durkheim não deixa-
ma a atenção é a ausência de conceito de cultu- va, no entanto, de desenvolver uma sociologia
ra. Seria necessário atingir o desenvolvimento com orientação antropológica. De fato, tinha
de uma etnologia de campo, nos anos trinta, como ambição compreender o social em todas
para que seu uso começasse a aparecer, espe- as suas dimensões e sob todos os seus aspectos,
cialmente entre os pesquisadores africanistas, inclusive na dimensão cultural, através de todas
como Mareei Griaule ou Michel Leiris.A etnolo- as formas de sociedade.
gia adquire naqueles anos uma certa autonomia
Com a criação em 1897 da revista O Ano nha uma estreita colaboração, era ainda mais ex-
Sociológico, Durkheim contribuiu para fundar a plícito desde 1901:
etnologia francesa e assegurar seu reconheci-
mento nacional e internacional. A revista publi- A civilização de um povo não c nada além de
cou» em suas sucessivas edições, numerosas mo- um conjunto de seus fenômenos sociais; e falar
nografias etnográficas e diversas resenhas de de povos incultos, "sem civilização", de povos
obras etnológicas, em geral estrangeiras. "naturais" (Naturvõlker), é falar de coisas que
Durkheim não utilizava quase nunca o não existem (O Ano Sociológico, tomo IV,
conceito de cultura. Em sua própria revista,"cul- 1901,p. 141).
tura" em língua estrangeira era quase sempre
traduzida por "civilização71. Mas, se ele recorria O famoso artigo, escrito por Durkheim e
apenas excepcionalmente ao conceito de cultu- Mauss em 1902, Algumas formas primitivas de
ra, não era por se desinteressar pelos fenôme- classificação, pretendia demonstrar que os pri-
nos culturais. Para ele, os fenômenos sociais têm mitivos são perfeitamente aptos para o pensa-
necessariamente uma dimensão cultural pois mento lógico. Durkheim não mudara a respeito
são também fenômenos simbólicos. deste ponto. Mais tarde, em As Formas elemen-
Durkheim contribuiu muito para extrair tares da vida religiosa, ele confirmará sua posi-
do conceito de civilização os pressupostos ção inicial, recorrendo pela primeira vez à no-
ideológicos implícitos em maior ou menor grau. ção de cultura:
Em uma "Nota sobre a noção de civilização", re-
digida conjuntamente com Mareei Mauss e lan- [...], o pensamento conceituai é contemporâ-
çada em 1913, ele se esforçava para propor uma neo da humanidade. Nós nos recusamos então
concepção objetiva e não normativa da civiliza- a vê-lo como um produto de uma cultura tardia
ção que incluía a idéia da pluralidade das civili- em maior ou menor grau [1912].
zações sem enfraquecer, com isso, a unidade do
homem. Para ele, não havia dúvida de que a hu- Se Durkheim partilhava de certos aspectos
manidade é uma, que todas as civilizações parti- da teoria evolucionista, ele recusava, no entan-
culares contribuem para a civilização humana. to, suas teses mais redutoras e sobretudo a tese
Ele não concebia diferenças de natureza entre do esquema unilinear de evolução que seria co-
primitivos e civilizados. Mauss, que partilhava mum a todas as sociedades. Em uma resenha de
do pensamento de Durkheim com quem manti- um livro alemão que tratava da "psicologia dos
povos", ciência então muito em voga na Alema-

5 i>
*2
nha, Durkheim escreveria, em desacordo com a Anos mais tarde, em 1929, em um estilo
tese central da obra que apresentava a idéia de mais polêmico e mais explícito, Mauss prolonga-
um futuro idêntico para toda a humanidade: ria o pensamento de Durkheim, em uma confe-
rência sobre "as civilizações":
Nada nos autoriza a acreditar que os diferentes
tipos de povos vão todos no mesmo sentido; al- Os homens de Estado, os filósofos, o público, e
guns seguem caminhos muito diversos. O de- sobretudo os jornalistas, falam da civilização.
senvolvimento humano deve ser ilustrado não Em período nacionalista, a civilização, é sem-
sob a forma de uma linha em que as sociedades pre a sua cultura, a de sua nação, pois eles ig-
viriam se colocar umas depois das outras como noram geralmente a civilização dos outros. Em
se as mais avançadas não fossem senão a conti- período racionalista e geralmente universalista
nuação e a seqüência das mais rudimentares, e cosmopolita [...] a Civilização constitui uma
mas como uma árvore com ramos múltiplos e espécie de estado de coisas ideal e real ao mes-
divergentes. Nada nos diz que a civilização de mo tempo, racionai e natural simultaneamente,
amanhã será apenas o prolongamento da exis- causai e final num mesmo momento, que seria
tente atualmente para uma mais elevada; talvez, liberado aos poucos por um progresso indubi-
ao contrário, ela terá como agentes povos que tável [...].
nós julgamos inferiores como a China, por Esta perfeita essência nunca foi nada além de
exemplo, e que lhe darão uma direção nova e um mito, de uma representação coletiva. Esta
inesperada (OAno Sociológico, tomo XII, 1913, crença universalista e nacionalista ao mesmo
p. 60-61). tempo é um traço de nossas civilizações inter-
nacionais e nacionais do Ocidente Europeu e
O pensamento de Durkheim era então im- da América não indígena [1930, p. 103 - 104].
pregnado de uma grande sensibilidade em rela-
ção à relatividade cultural, que provinha de sua Para manter sua própria lógica, Durkheim
concepção geral da sociedade e da normalidade chegou a privilegiar um uso flexível da noção
social. Ele abordava esta questão adotando uma de civilização que ele fazia funcionar como um
atitude relativista: a normalidade é relativa a cada conceito "de geometria variável". Na Nota sobre
sociedade e ao seu nível de desenvolvimento. a noção de civilização, escrita com Mauss, ele
Sua concepção da normalidade pretendia ser pu- se dedicava a tirar a noção da generalidade im-
ramente descritiva e baseada em uma espécie de precisa que a caracterizava então e a dar-lhe
"média" própria a cada tipo de sociedade. uma conteúdo conceituai operatório:"a" civiliza-
cão não se confunde com a humanidade e seu Contra as teses individualistas que ele refu-
futuro, tampouco com uma nação em particu- tava por serem dominadas pelo psicologismo,
lar; o que existe, o que se pode observar e estu- Durkheim afirmava a prioridade da sociedade
dar, são diferentes civilizações. E é preciso en- sobre o indivíduo. Sua concepção dos fenôme-
tender "civilização" como um conjunto de nos era feita, no entanto, do mesmo holismo me-
todológico. Em As Formas Elementares da Vida
fenômenos sociais que não estão ligados a um Religiosa, sobretudo, mas desde O Suicídio
organismo social particular; estes fenômenos se (1897), ele desenvolvia uma teoria da "consciên-
estendem sobre áreas que ultrapassam um ter- cia coletiva" que é uma forma de teoria cultural.
ritório nacional, ou ainda se desenvolvem em Para ele, existe em todas as sociedades uma
períodos de tempo que ultrapassam a história "consciência coletiva", feita das representações
de uma só sociedade [1913, p. 47]. coletivas, dos ideais, dos valores e dos sentimen-
tos comuns a todos os seus indivíduos. Esta
Esta definição levava à teoria difusionista a consciência coletiva precede o indivíduo, im-
noção de "área"e ao mesmo tempo, introduzia na põe-se a ele, é exterior e transcendente a ele: há
teoria evolucionista a noção de "período", mes- descontinuidade entre a consciência coletiva e
mo que Durkheim se opusesse às reconstítuições a consciência individual, e a primeira é "supe-
históricas imprecisas das duas escolas. Preocupa- rior" à segunda, por ser mais complexa e inde-
do em fundar um método rigoroso de estudo dos terminada. É a consciência coletiva que realiza a
fatos sociais, ele apenas reconhecia como válido unidade e a coesão de uma sociedade.
o procedimento empírico e recusava qualquer As hipóteses de Durkheim sobre a cons-
forma de comparatismo especulativo. ciência coletiva seguramente exerceram uma
Não se deve procurar junto a Durkheim influência sobre a teoria da cultura como "super
uma teoria sistemática da cultura. Sua reflexão organismo" de Alfred Kroeber [1917]. Pode-se
sobre a cultura não forma um conjunto unifica- também fazer uma aproximação entre a noção
do.A preocupação central de sua obra era deter- de consciência coletiva - à qual Durkheim atri-
minar a natureza do vínculo social. No entanto, buía características espirituais - e as noções de
sua concepção da sociedade como totalidade pattern cultural e de "personalidade básica" pró-
orgânica determinava sua concepção de cultura prias aos antropólogos culturalistas americanos.
ou de civilização: para ele, as civilizações consti- O próprio Durkheim utilizava às vezes a expres-
tuem "sistemas complexos e solidários". são "personalidade coletiva", em um sentido
muito próximo da "consciência coletiva".
Se o conceito de cultura é praticamente Desde 1910, com o livro As Funções Men-
ausente da antropologia de Durkheim, isto não tais nas Sociedades Inferiores, Lévy-Bruhl colo-
o impediu de propor interpretações dos fenô- ca a diferença cultural no centro de sua refle-
menos freqüentemente chamados de "culturais" xão. Ele se interroga sobre as diferenças de
pelas ciências sociais. "mentalidade" que podem existir entre os po-
vos. Esta noção de "mentalidade" não era muito
Lévy-Bruhl e a abordagem distante da acepção etnológica de "cultura", ter-
diferencial mo que ele praticamente não utilizava.
Todo esforço de Lévy-Bruhl consistia em
Ainda que a obra de Lucien Lévy-Bruhl refutar a teoria do evolucionismo unilinear e a
(1857 - 1939) não tenha tido a mesma repercus- tese do progresso mental. De uma maneira ge-
são ou exercido a mesma influência que a obra ral, ele se opunha à própria idéia de "primiti-
de Durkheim, pode-se observar que na seu iní- vos", ainda que ele mesmo tivesse utilizado este
cio, através de dois de seus fundadores, a etno- termo várias vezes, devido ao contexto da épo-
logia francesa hesitava entre duas concepções ca. Para ele, os indivíduos das sociedades de cul-
de cultura, uma unitária, a outra, diferencial. A tura oral não eram "crianças grandes" que teriam
confrontação destas duas concepções em um o mesmo tipo de interrogações que os "civiliza-
debate científico às vezes acirrado, contribuiria dos", vistos como adultos, dando a estas ques-
muito para o desenvolvimento da etnologia tões respostas ingênuas, "infantis". Na Mentali-
francesa. É legítimo considerar Lévy-Bruhl como dade Primitiva, ele afirmava:
um dos fundadores da disciplina etnológica na
França. De fato, ele foi um dos primeiros pesqui- [Sc] a atividade mental dos primitivos [não for
sadores a consagrar uma grande parte de seus maisj interpretada a priori como uma forma ru-
dimentar da nossa, como infantil e quase pato-
trabalhos ao estudo das culturas primitivas.
Além do mais, no plano institucional, é a ele que lógica. [...] ela aparecera ao contrário, como
devemos a criação, em 1925, do Instituto de Et- normal nas condições em que é exercida, como
nologia da Universidade de Paris, onde será for- complexa e desenvolvida à sua maneira [1922,
mada a primeira geração de etnólogos de cam- p.15-16].
po sob a responsabilidade de Mareei Mauss e de
Paul Rivet, a quem ele confiou o secretariado ge- Lévy-Bruhl contestava também uma certa
ral do Instituto. concepção de unidade do psiquismo humano
que implicava um modo único de funcionamen- buição. Pode-se então perguntar as razões que
to. Ele não partilhava das teses de Tylor sobre o levaram esta contribuição a ser mal compreen-
animismo dos primitivos (paraTylor, o animismo dida, deturpada, rejeitada e finalmente esqueci-
constituía a forma mais antiga de crença religio- da em sua maior parte.
sa, isto é, a crença na existência e na imortalida- Dominique Merllié [1993] responde a es-
de da alma e, logo, em seres espirituais, baseada ta pergunta e propõe uma nova leitura, sem o
na interpretação dos sonhos): ele criticava sua a príori, deste autor. Contrariamente à apresen-
insistência excessiva para demonstrar o caráter tação que é comumente feita de sua obra, ela
"razoável" desta crença. Pelas mesmas razões, ele não é etnocentrista. Foi assim qualificada para
discordava de Durkheim, criticando-o por que- ser mais desacreditada enquanto todo o esforço
rer provar que os homens têm, em todas as so- de Lévy-Bruhl consistia justamente em uma ten-
ciedades, uma mentalidade "lógica" que obede- tativa de pensar a diferença a partir de catego-
ceria necessariamente às mesmas leis da razão. rias adequadas. Mas esta tentativa entrava em
Por outro lado, Durkheim não admitia a contradição com o universalismo (abstrato) do
distinção que Lévy-Bruhl estabelecia entre Iluminismo e seus princípios éticos que serviam
"mentalidade primitiva" e "mentalidade civiliza- de referência à maioria dos intelectuais france-
da". Mas a crítica que ele fazia em 1912, em sua ses do início do século.
resenha, para O Ano Sociológico, do primeiro li- O que chamamos de tese de Lévy-Bruhl
vro de Lévy-Bruhl sobre esta questão, foi marca- era apresentada por ele mesmo como uma "hi-
da por um evolucionismo bastante redutor: pótese de trabalho", como nos lembra Merllié.
Se ele tentava dar conta da diferença das menta-
Estas duas formas de mentalidade humana, por lidades, isto não o impedia de afirmar a unidade
mais diferentes que sejam, ao invés de derivar psíquica humana. Para ele, a unidade da humani-
de origens diferentes, nasceram uma da outra e dade era mais fundamental que a diversidade. O
são dois momentos de uma mesma evolução. conceito de "mentalidade primitiva" ("pré-lógi-
ca") não era nada além de um instrumento para
Estas discordáncias entre Lévy-Bruhl e pensar a diferença. Seu procedimento, que se
seus pares eram apenas a expressão de um de- servia explicitamente das pesquisas de campo,
bate científico muito animado sobre a questão era tudo, exceto dogmático.
da alteridade e da identidade culturais.A este de- Aliás, segundo este autor, a diferença não
bate, Lévy-Bruhl trouxe uma importante contri- exclui a comunicação entre os grupos huma-
nos, que continua possível devido ao fato de Á noção de "mentalidade" terá maior su-
pertencerem a uma humanidade comum. Não cesso junto aos historiadores, sobretudo os da
há então um corte absoluto entre as diferentes escola conhecida como "desAnnales". É verda-
"mentalidades", que não são feitas de lógicas de que esta noção foi utilizada por eles em uma
contraditórias. O que difere entre os grupos são acepção geralmente menos globalizante e me-
os modos de exercício do pensamento e não nos psicologizante, já que em geral, eles estavam
suas estruturas psíquicas profundas . interessados na diferenciação social em uma
Lévy-Bruhl pensava também que "mentali- mesma sociedade.
dade pré-lógica" e "mentalidade lógica" não são
incompatíveis e coexistem em todas as socieda-
des; mas a preeminência de uma sobre a outra
pode variar segundo os casos, o que explica a di-
versidade de culturas. Recorrendo ao conceito
de "mentalidade", ele não afirmava que os siste-
mas de representações e os modos de raciocí-
nio no interior de uma mesma cultura formam
um conjunto perfeitamente estável e homogê-
neo. Mas pensava indicar assim a orientação ge-
ral de uma dada cultura.
O conceito de "mentalidade" não chegará a
se impor entre os etnólogos, talvez por causa das
críticas injustas contra Lévy-Bmhl que não estão
dissociadas das críticas dirigidas mais tarde aos
culturalistas, como observa Dominique Merllié:

Há talvez alguma coisa de comparável na for-


ma de descrédito um pouco sistemático que
atingiu os trabalhos dos "culturalistas". Lévy-
Bruhl esboça, aliás, análises muito próximas
das dos antropólogos culturalistas [,..] [1993,
nota 26,p.7J-

62
O Triunfo do Conceito
de Cultura

Se o conceito ou ao menos a idéia de cul-


tura se impõe, a pesquisa sistemática sobre o
funcionamento da cultura em geral ou das cul-
turas em particular não se desenvolve de forma
igual em todos os países em que a etnologia co-
meça a progredir. O conceito recebe sua melhor
acolhida nos Estados Unidos e na antropologia
americana, ele vai conhecer seu aprofundamen-
to teórico mais notável. Neste contexto científi-
co particular, a pesquisa sobre a questão da ou
das culturas é verdadeiramente cumulativa e
não terá nenhum declínio. Isto é tão verdadeiro
que falar de antropologia americana ou de "an-
tropologia cultural" é praticamente o mesmo. A
consagração científica de "cultura" é tanta nos
Estados Unidos que o termo é adotado rapida-
mente em seu sentido antropológico pelas
disciplinas vizinhas, sobretudo a psicologia e a
sociologia.
As razões do sucesso
A pesquisa científica não é totalmente in-
dependente do contexto no qual é produzida.
Ora, o contexto nacional americano é bem espe-
cífico, comparado aos contextos nacionais euro
peus. Os Estados Unidos sempre se considera- gação da sociologia nos Estados Unidos, colo-
ram um país de imigrantes de diferentes origens cam no centro de suas análises a questão dos es-
culturais. Nos Estados Unidos a imigração funda trangeiros na cidade, contribuindo assim para
e precede então a nação que se reconhece na- promover um campo de estudos essencial para
ção pluriétnica. as sociedades modernas. Este campo só se de-
O mito nacional americano, segundo o senvolverá e obterá um certo reconhecimento
qual a legitimidade da cidadania é quase ligada muito tardio na França na década de setenta. Ao
à imigração - o americano é um imigrante ou um contrário dos Estados Unidos, a França não se
descendente de imigrantes - é a base de um mo- via como um país de imigração, no entanto ela
delo de integração nacional original que admite se tornou isso, de forma maciça e estrutural des-
a formação de comunidades étnicas particula- de a segunda metade do século XIX.A represen-
res. A vinculação do indivíduo à nação se dá pa- tação unitária de nação, unida à exaltação da ci-
ralelamente à participação reconhecida em uma vilização francesa, concebida como modelo uni-
comunidade particular; esta é a razão pela qual versal, explica em parte o fraco desenvolvimen-
a identidade dos americanos foi chamada por al- to da reflexão sobre a diversidade cultural nas
guns de "identidade com hífen": pode-se de fato ciências sociais na França durante muito tempo.
ser "ítalo-americano", "polono-americano", "ju- Ao contrário, o contexto próprio dos Estados
deu-americano", etc. Daí resulta o que se pode Unidos favoreceu uma interrogação sistemática
chamar de "federalismo cultural" [Schnapper, das diferenças culturais e dos contatos entre as
1974] que permite uma certa continuidade das culturas.
culturas de origem dos imigrantes, não sem A antropologia americana será freqüente-
transformações, devidas ao novo ambiente so- mente qualificada, às vezes com uma conotação
cial. É preciso observar, no entanto, que o mito pejorativa,de"culturalista>'.Tomado no singular,
americano leva a considerar os índios, que não o adjetivo parece redutor: na realidade, não
são, por definição, imigrantes, e os Negros, cuja existe um culturalismo americano, mas cultura-
imigração foi forçada, como não sendo total- lismos que, apesar de vinculados uns aos ou-
mente americanos. tros, representam, abordagens teóricas diferen-
Pelas mesmas razões históricas, a sociolo- ciadas.É possível agrupá-los em três grandes
gia americana nascente privilegia a pesquisa so- correntes.A primeira é herdeira direta do ensi-
bre o fenômeno da imigração e das relações in- namento de Boas e encara a cultura sob o ângu-
terétnícas. Os sociólogos da Universidade de lo da história cultural. A segunda se dedica a
Chicago, primeiro centro de ensino e de divul- elucidar as relações entre cultura (coletiva) e
personalidade (individual). A terceira considera Como foi mostrado por Kroeber, o concei-
a cultura como um sistema de comunicações to de área cultural "funciona" bem no caso das
entre os indivíduos. culturas indígenas da América do Norte, pois ali
áreas culturais e áreas geográficas são mais ou
A herança de Boas: a história cultural menos coincidentes. Mas, em muitas outras re-
giões do mundo, seu caráter operatório é discu-
Entre todos os caminhos abertos por Boas,
tível, pois as fronteiras são bem menos nítidas e
é a pesquisa sobre a dimensão histórica dos fenô-
as áreas culturais só podem ser definidas de ma-
menos culturais que vai sobretudo ser retomada
neira aproximativa, a partir de um número pou-
por seus sucessores imediatos. Entre eles, espe-
co significativo de traços comuns. No entanto,
cialmente Alfred Kroeber e também Clark Wissler
empregada de maneira flexível, a noção não é
vão se esforçar para explicar o processo de distri-
totalmente desprovida de utilidade descritiva
buição dos elementos culturais no espaço. Eles
[Kroeber, 1952].
tomam emprestados dos etnólogos "difusionis-
As críticas foram severas contra os esque-
tas" alemães do início do século uma série de ins-
mas teóricos e conceituais dos antropólogos
trumentos conceituais que procurarão refinar,
principalmente a noção de "área cultural" e de que centralizavam sua reflexão nos fenômenos
"traço cultural". Esta última noção deve permitir, chamados de "difusão".A difusão seria o resulta-
em princípio, definir os menores componentes do dos contatos entre as diferentes culturas e
de uma cultura. Exercício aparentemente sim- da circulação dos traços culturais. Na verdade,
ples, ele se revela bastante difícil e até ilusório, devido a alguns pesquisadores "hiperdifusionis-
tão difícil se torna isolar e analisar um elemento tas" europeus e não americanos, certas recons-
de um conjunto cultural, sobretudo no domínio tituições históricas foram imprecisas e até aber-
simbólico. A idéia é de estudar a repartição espa- rantes. A maioria dos discípulos de Boas, forma-
cial de um ou de vários traços culturais nas cultu- dos pelo seu rigor metodológico empírico,
ras próximas e analisar o processo de sua difu- mostraram-se, no entanto, prudentes em suas
são. No caso em que aparece uma grande conver- interpretações.
gência de traços semelhantes em um dado espa- Além de um impressionante acúmulo de
ço, fala-se então de "área cultural". No centro da observações empíricas, as contribuições teóricas
área cultural se encontram as características fun- desta corrente da antropologia americana para a
damentais de uma cultura; na sua periferia, estas compreensão da formação das culturas são bas-
características se entrecruzam com os traços pro- tante importantes. Devemos a ela o conceito fun-
venientes das áreas vizinhas. damental de "modelo cultural" (cultural patterri)
que designa o conjunto estruturado dos mecanis- de escrever a história das culturas de tradição
mos pelos quais uma cultura se adapta a seu oral. Para ele, é preciso se ater à observação di-
meio ambiente. Esta noção será retomada e apro- reta das culturas em seu estado presente, sem
fundada pela escola "cultura e personalidade". buscar a volta às suas origens, o que representa-
Por outro lado, ao centralizar suas pesqui- ria um procedimento ilusório, pois não suscetí-
sas nos fenômenos de contato cultural e, logo, vel de prova científica.
nos fenômenos de empréstimo, Boas e seus dis- Por outro lado, Malinowski critica a atomi-
cípulos abrem o caminho para as futuras pes- zação da realidade cultural à qual chegam algu-
quisas sobre a aculturação e as trocas culturais. mas pesquisas da corrente difusionista. Estas
Seus trabalhos revelam a complexidade dos fe- pesquisas se caracterizam por uma abordagem
nômenos de empréstimo e mostram que as mo- museográfica dos fatos culturais, reduzidos a tra-
dalidades de empréstimo dependem ao mesmo ços colecionados e descritos em si mesmos sem
tempo do grupo que dá e do grupo que recebe. que haja a compreensão de seu lugar em um sis-
Estes autores formularam também a hipótese, tema global. O importante não é que tal traço
que será teorizada mais tarde, que entre emprés- esteja presente aqui ou lá, mas que ele exerça,
timo e inovação culturais não há diferenças es- na totalidade de uma dada cultura, uma função
senciais, sendo o empréstimo freqüentemente precisa. Como cada cultura forma um sistema
uma transformação e até a recriação do elemen- cujos elementos são interdependentes, não se
to emprestado, pois ele deve se adaptar ao mo- pode estudá-los separadamente:
delo cultural da cultura receptora.
[em toda cultura] cada costume, cada objeto,
cada idéia e cada crença exercem uma certa
função vital, têm uma certa tarefa a realizar, re-
d;i cultura presentam uma parte insubstituível da totalida-
de orgânica [1944].
Do mesmo modo que as especulações de
um certo evolucionismo levaram à reação empi- Qualquer cultura deve ser analisada em
rista de Boas, os excessos interpretativos de al- uma perspectiva sincrônica, a partir unicamen-
guns difusionistas provocaram a reação de te da observação de seus dados contemporâ-
Bronislaw Malinowski (1884 - 1942), antropólo- neos. Contra o evolucionismo voltado para o fu-
go inglês, nascido como súdito austríaco de fa- turo, contra o difusionismo voltado para o pas-
mília polonesa. Ele se opôs a qualquer tentativa sado, Malinowski propõe então o funcionalismo
centrado no presente, único intervalo de tempo cessidades individuais.As instituições são os ele-
em que o antropólogo pode estudar objetiva- mentos concretos da cultura, as unidades bási-
mente as sociedades humanas. cas de qualquer estudo antropológico, e não os
Como cada cultura constitui um todo co- "traços" culturais: nenhum traço tem significa-
erente, todos os elementos de um sistema cultu- ção se não estiver relacionado com a instituição
ral se harmonizam uns aos outros, o que torna à qual ele pertence. O objeto da antropologia é
todos os sistemas equilibrados e funcionais e o o estudo das instituições (econômicas, políticas,
que explica que todas as culturas tendem a se jurídicas, educativas...) e das relações entre elas,
conservar idênticas a si mesmas. Malinowski su- ligadas ao sistema cultural no qual estão integra-
bestima as tendências à mudança interna pró- das e não o estudo de fatos culturais arbitra-
prias de cada cultura. Para ele, a mudança cultu- riamente isolados
ral vem essencialmente do exterior, por contato Através desta teoria das necessidades
cultural. que coloca a antropologia em um impasse,
Para explicar o caráter funcional das dife- Malinowski sai da reflexão sobre a cultura
rentes culturas, Malinowski elabora uma teoria propriamente dita para voltar ao estudo da
muito controvertida, a teoria das "necessida- natureza humana cujas necessidades ele tenta
des", fundamento de Uma Teoria Científica da determinar, chegando até a listá-las e classifi-
Cultura (título de um de seus livros, editado em cá-las de maneira pouco convincente. Sua
1944). Os elementos constitutivos de uma cultu- concepção "biologista" da cultura o leva a
ra teriam como função satisfazer as necessida- prestar atenção unicamente aos fatos que re-
des essenciais do homem. Ele toma emprestado forçam sua idéia de estabilidade harmoniosa
seu modelo das ciências da natureza, lembrando de todas as culturas. O funcionalismo mostra
que os homens constituem uma espécie animal. aí as suas limitações: ele se revela pouco apto
O indivíduo tem um certo número de necessi- para pensar as contradições culturais inter-
dades psicológicas (alimentar-se, reproduzir-se, nas, as disfunções e até os fenômenos cultu-
proteger-se, etc.), que determinam imposições rais patológicos.
fundamentais. A cultura constitui precisamente O grande mérito de Malinowski será, no
a resposta fuiicional a estes imperativos natu- entanto, demonstrar que não se pode estudar
rais, Esta resposta se dá pela criação de "institui- uma cultura analisando-a do exterior, e ainda
ções", conceito central para Malinowski, que de- menos a distância. Não se satisfazendo com a
signa as soluções coletivas (organizadas) às ne- observação direta "em campo", ele sistematizou
w
o uso do método etnográfico chamado de "ob- ram e vivem sua cultura. Para eles, a cultura não
servação participante" (expressão criada por existe enquanto realidade "em si", fora dos indi-
ele), único modo de conhecimento em profun- víduos, mesmo que todas as culturas tenham
didade da altericlade cultural que poderia esca- uma relativa independência em relação aos indi-
par ao etnocentrismo.Ao longo de uma pesqui- víduos.A questão é então elucidar como sua cul-
sa intensiva e de longa duração, o etnólogo par- tura está presente neles, como ela os faz agir,
tilha a existência de uma população em cuja que condutas ela provoca, supondo precisamen-
mentalidade ele se esforça para penetrar, através te que cada cultura determina um certo estilo
do aprendizado da língua vernacular e pela ob- de comportamento comum ao conjunto dos in-
servação meticulosa dos fatos da vida cotidiana, divíduos que dela participam. Aí estaria o que
inclusive os mais banais e aparentemente insig- faz a unidade de uma cultura e o que a torna es-
nificantes. Trata-se fundamentalmente de com- pecífica em relação às outras. Usando outro
preender o ponto de vista do autóctone. Somen- modo de explicação, a cultura é então encarada
te este procedimento paciente pode permitir como totalidade e a atenção está sempre centra-
que apareçam progressivamente as inter-rela- da nas descontinuidades entre as diferentes
ções que existem entre todos os fatos observa- culturas.
dos e, a partir daí, definir a cultura do grupo Edward Sapir (1884 - 1939) será um dos
estudado. primeiros a lamentar o empobrecimento da
realidade das tentativas de reconstituição da di-
A escola "cultura e personalidade" fusão dos traços culturais. O que existe, segun-
do ele, não são elementos culturais que passa-
A antropologia americana, em seu esforço riam imutáveis de uma cultura a outra, indepen-
constante de interpretação das diferenças cultu- dentemente dos indivíduos, mas comportamen-
rais entre os grupos humanos, vai progressiva- tos concretos de indivíduos, característicos de
mente, a partir da década de trinta, orientar-se cada cultura e que podem explicar cada em-
para um novo caminho. Considerando que o es- préstimo cultural particular [1949].
tudo da cultura se fez até então de maneira abs- Surge uma corrente teórica que vai exer-
trata demais e que os vínculos que existem en- cer uma influência considerável sobre a antro-
tre o indivíduo e sua cultura não foram levados pologia americana. Pode-se chamá-la de escola
em conta, alguns antropólogos se dedicarão a da "cultura e personalidade". O termo é talvez
compreender como os seres humanos incorpo- um pouco excessivo, pois a diversidade nas
orientações e nos métodos dos pesquisadores é gerais e as escolhas significativas que eles fazem
grande. Alguns, por exemplo, são mais sensíveis entre opções possíveis a priori. Benedict lança
à influência da cultura sobre o indivíduo, outros a hipótese da existência de um "arco cultural"
privilegiam as reações do indivíduo à cultura. que incluiria todas as possibilidades culturais
Eles têm em comum,no entanto, a preocupação em todos os âmbitos, cada cultura podendo tor-
de considerar as aquisições da psicologia cientí- nar real apenas um segmento particular deste
fica e da psicanálise e são muito abertos à inter- arco cultural. As diferentes culturas aparecem
disciplinaridade. Todavia, sua problemática in- então definidas por um certo "tipo" ou estilo. Es-
verte a perspectiva freudiana: para eles, não é a tes tipos de cultura possíveis não são em núme-
libído que explica a cultura. Pelo contrário, os ro ilimitado devido aos limites do "arco cultu-
complexos da libido se explicam por sua ori- ral": é possível então classificá-los uma vez que
gem cultural. tenham sido identificados. Convencida da espe-
A questão fundamental que os pesquisa- cificidade de cada cultura, Benedict afirmava, no
dores desta escola se colocam é a da personali- entanto, que a variedade de culturas é redutível
dade. Sem questionar a unidade da humanida- a um certo número de tipos caracterizados.
de, tanto no plano biológico quanto no plano Benedict é célebre sobretudo pelo uso sis-
psíquico, estes autores se perguntam por quais temático do conceito de pattern of culture
mecanismos de transformação, indivíduos de (que dará o título a seu livro mais conhecido,
natureza idêntica a princípio, acabam adquirin- editado em 1934), apesar de não ser pror
do diferentes tipos de personalidade, caracte- priamente a autora deste conceito. A idéia pode
rísticos de grupos particulares. Sua hipótese ser encontrada na obra de Boas e de Sapir. Para
fundamental é que à pluralidade das culturas Benedict, cada cultura se caracteriza então por
deve corresponder uma pluralidade de tipos de seupattern, isto é, por uma certa configuração,
personalidade. um certo estilo, um certo modelo. O termo im-
plica a idéia de uma totalidade homogênea e
Ruth ficnedict e os "lipos culturais" coerente.
Toda cultura é coerente, pois está de acor-
A obra de Ruth Benedict (1887 -1948), alu- do com os objetivos por ela buscados, ligados a
na e em seguida assistente de Boas, é dedicada suas escolhas, no conjunto das escolhas cultu-
em grande parte ã definição dos "tipos cultu- rais possíveis. Ela busca estes objetivos à revelia
rais" que se caracterizam por suas orientações dos indivíduos, mas através deles, graças às ins-
tituições (sobretudo as educativas) que vão mol- Margaret Maed e a transmissão
dar todos os seus comportamentos, conforme
os valores dominantes que lhes são próprios. O
cultural
que define então uma cultura, não é a presença
Na mesma época que Benedict, Margaret
ou ausência de tal traço ou de tal complexo de
Mead (1901 - 1978) preferiu orientar suas pes-
traços culturais, mas sua orientação global em
quisas em direção à maneira como um indiví-
certa direção, "seu pattern mais ou menos co-
duo recebe sua cultura e as conseqüências que
erente de pensamento e ação". Uma cultura não
isto provoca na formação de sua personalidade.
é uma simples justaposição de traços culturais,
Ela coloca no centro de suas reflexões e suas
mas uma maneira coerente de combina-los. De
pesquisas o processo de transmissão cultural e
certa modo, cada cultura oferece aos indivíduos
de socialização da personalidade. Ela analisará
um "esquema" inconsciente para todas as ativi-
dades da vida. conseqüentemente, diferentes modelos de edu-
cação para compreender o fenômeno de inscri-
Conseqüentemente, a unidade significativa
ção da cultura no indivíduo e para explicar os
de estudo adotada deve ser a "configuração cultu-
aspectos dominantes de sua personalidade devi-
ral" para apreender sua lógica interna. Benedict
ilustrará seu método estudando de modo compa- dos ao processo de inscrição.
rativo dois modelos culturais contrastados, o dos Sua pesquisa mais significativa nesta área
foi feita na Oceania em três sociedades da
índios Pueblo do Novo México, sobretudo os
Nova Guiné, os Arapesh, os Mundugomor e os
Zuni (conformistas, tranqüilos, profundamente
Chambuli [Mead, 1935]. Ela mostra, através
solidários, repeitadores, comedidos na expressão
destes casos, que as pretensas personalidades
dos sentimentos) e o modelo de seus vizinhos, os
masculina e feminina que consideramos uni-
índios das Planícies, entre os quais os Kwakiutl,
versais, por crermos que são de ordem biológi-
ambiciosos, individualistas, agressivos e até
ca, não existem, como as imaginamos,em todas
violentos, manifestando uma tendência para o
as sociedades. E mesmo, algumas sociedades
exagero afetivo. Ela chamará o primeiro tipo de
têm um sistema cultural de educação que não
"tipo apolínico" e o segundo, de "tipo dionisíaco"
busca opor meninos e meninas no plano da
(a referência a Nietzsche é clara), considerando
personalidade.
que a estes dois tipos extremos em maior ou em
Entre os Arapesh, tudo parece organizado
menor grau se ligavam outras culturas e que
na infância para que o futuro Arapesh, homem
entre as duas existiam tipos intermediários
[Benedict, 1934]. ou mulher, seja um ser doce, sensível, servil. En-
quanto entre os Mundugomor, a conseqüência garantem o essencial da subsistência do grupo,
do sistema de educação é treinar a rivalidade e enquanto os homens se dedicam principalmente
até a agressão, seja entre os homens, entre as às atividades cerimoniais e estéticas, que os colo-
mulheres ou entre os dois sexos. Na primeira so- cam freqüentemente em competição uns com os
ciedade, as crianças são tratadas com afeição, outros.
sem distinção de sexo; na segunda, elas são edu- Baseada nestas análises, Margaret Mead
cadas duramente pois não são desejadas, sejam pode afirmar que:
elas meninos ou meninas. As duas sociedades
produzem, devido a seus métodos culturais, dois os traços de caráter que nós qualificamos de
tipos de personalidades completamente opos- masculinos ou de femininos são, em grande
tos. Entretanto, elas têm um ponto em comum: parte ou até mesmo na sua totalidade, determi-
não fazendo distinção entre "psicologia femini- nados pelo sexo de uma maneira tão superficial
na" e "psicologia masculina", elas não criam uma quanto o são as roupas, os modos e o penteado
personalidade especificamente masculina ou fe- que uma época designa a um ou outro sexo
minina. Segundo a concepção corrente em nos- [(1935) 1963, p. 252].
sa sociedade, o Arapesh, homem ou mulher, pa-
rece dotado de uma personalidade mais femini- Deste modo, a personalidade individual
na e "o" ou "a" Mundugomor tem uma personali- não se explica por seus caracteres biológicos
dade mais masculina. No entanto, apresentar as- (por exemplo, como aqui, o sexo), mas pelo "mo-
sim os fatos seria um contra-senso. delo" cultural particular a uma dada sociedade
Ao contrário, o terceiro grupo, os Chambuli que determina a educação da criança. Desde os
pensam como nós que homens e mulheres são primeiros instantes da vida, o indivíduo é im-
profundamente diferentes em sua psicologia. pregnado deste modelo, por todo um sistema de
Mas, diferentemente da nossa sociedade, eles têm estímulos e de proibições formulados explicita-
a convicção de que a mulher é, "por natureza", mente ou não. Isto o leva, quando adulto, a se
empreendedora, dinâmica, solidária com os mem- conformar de maneira inconsciente com os
bros de seu sexo, extrovertida; e que o homem, ao princípios fundamentais da cultura. Este é o pro-
contrário, é sensível, menos seguro de si, muito cesso que os antropólogos chamaram de "encul-
preocupado com sua aparência, facilmente inve- turaçao".A estrutura da personalidade adulta, re-
joso de seus semelhantes. Entre os Chambuli, são sultante da transmissão da cultura pela educa-
as mulheres que detêm o poder econômico e que ção, será em princípio adaptada ao modelo dês-
tá cultura. A anormalidade psicológica, presente ignora a variedade das psicologias individuais.
e estigmatizada em todas as sociedades, se expli- Ele pensa até que a toda a gama de diferentes
ca da mesma maneira, não de um modo absolu- psicologias pode ser encontrada em cada cultu-
to (universal) mas de maneira relativa como sen- ra. O que varia de uma cultura à outra, é a pre-
do a conseqüência de uma inadaptação do indi- dominância de um tipo de personalidade. O que
víduo chamado "anormal" à orientação funda- lhe interessa, enquanto antropólogo, não são as
mental de sua cultura (por exemplo, o Arapesh variações psicológicas individuais, mas o que os
egocêntrico e agressivo ou o Mundugomor doce membros de um mesmo grupo partilham no
e altruísta). Existe então um vínculo estreito en- plano do comportamento e da personalidade.
tre modelo cultural, método de educação e tipo Prolongando as pesquisas teóricas de
de personalidade dominante. Benedict e Mead, Linton procura demonstrar, a
partir de pesquisas de campo nas ilhas Marque-
Línton, Karditier c ü sas e em Madagascar, que cada cultura privilegia
"personalidade básica" entre todos os tipos possíveis, um tipo de perso-
nalidade, que se torna então o tipo "normal"
Para os antropólogos que se ligam à esco- (conforme à norma cultural e por isso reconhe-
la "cultura e personalidade", a cultura só pode cido socialmente como normal). Este tipo nor-
ser definida através dos homens que a vivem. O mal, é a "personalidade básica", isto é, o "funda-
indivíduo e a cultura são vistos como duas reali- mento cultural da personalidade" (segundo a ex-
dades distintas, mas indissociáveis que agem pressão que se tornará em 1945 o título de um
uma sobre a outra: somente se pode compreen- de seus livros). Cada indivíduo o adquire através
der uma em sua relação com a outra. do sistema educativo próprio de sua sociedade.
Mas, o antropólogo retém do indivíduo Este aspecto da questão - a aquisição da
apenas o que, na sua psicologia, é comum a to- personalidade básica pela educação - será objeto
dos os membros de um mesmo grupo; o aspec- de pesquisas específicas por parte de Abram
to estritamente individual da personalidade é Kardiner (1891 -1981), psicanalista que trabalha
do âmbito de uma outra disciplina, a Psicologia. em estreita colaboração com Linton. Ele estuda-
Este aspecto comum da personalidade, é chama- rá como se forma a personalidade básica no in-
do por Ralph Linton (1893 -1953) de "persona- divíduo através do que ele chama de "as institui-
lidade básica" e é diretamente determinada pela ções primárias" próprias de cada sociedade (em
cultura à qual o indivíduo pertence. Linton não primeiro lugar, a família e o sistema educativo); e

83
como esta personalidade básica reage sobre a Por outro lado, continuando sua reflexão so-
cultura do grupo produzindo por uma espécie bre a interação entre cultura e indivíduo, Linton e
de mecanismo de projeção, "instituições secun- Kardiner afirmarão que o indivíduo não é o depo-
dárias" (sistemas de valores e de crenças, em par- sitário passivo de sua cultura. Kardiner define as-
ticular) que compensam as frustrações provoca- sim a personalidade básica:
das pelas instituições primárias levando a cultu-
ra a evoluir insensivelmente [Kardiner, 1939]. Uma configuração psicológica particular pró-
Linton, por sua vez, tentará ultrapassar pria aos membros de uma dada sociedade e
uma concepção muito rígida da personalidade que se manifesta por um certo estilo de com-
básica. Ele critica aliás Benedict pela redução portamento sobre o qual os indivíduos bordam
que ela faz ao ligar cada cultura a somente um suas variantes singulares [19391-
tipo cultural, correspondente a um tipo domi-
nante de comportamento. Ele admite que, em Qualquer indivíduo, pelo simples fato de
uma mesma cultura, podem existir simulta- ser um indivíduo singular, com traços de caráter
neamente vários tipos "normais" de personalida- singulares (mesmo que a sua psicologia integre
de, porque em muitas culturas, diversos siste- em larga escala a personalidade básica) e com
mas de valores coexistem. uma aptidão fundamental para a criação e a ino-
Além disso, segundo Linton, é preciso levar vação, enquanto ser humano, vai contribuir para
em conta a diversidade de status no interior de modificar sua cultura, de maneira freqüente-
uma mesma sociedade. Nenhum indivíduo pode mente imperceptível e, conseqüentemente, mo-
sintetizar em si o conjunto de sua cultura de ori- dificar a personalidade básica. Em outras pala-
gem. Nenhum indivíduo tem um conhecimento vras, cada indivíduo tem seu próprio modo de
completo de sua cultura. Cada indivíduo conhe- interiorizar e viver sua cultura, mesmo sendo
ce de sua cultura apenas o que lhe é necessário profundamente marcado por ela. O acúmulo
para se conformar a seus diversos status (de das variações individuais (de ínteriorização e de
sexo, de idade, de condição social, etc.) para de- vivência) a partir do tema comum que constitui
sempenhar os papéis daí decorrentes. A existên- a personalidade básica permite explicar a evolu-
cia de status diferentes cria então modulações ção interna de uma cultura que se faz quase
significativas em menor ou maior grau de uma sempre em um ritmo lento.
mesma personalidade básica que são as "perso- As diferentes considerações que foram
nalidades estatutárias" [Linton, 1945]. apresentadas mostram que não se pode confun-
dir as conclusões de Linton e Kardiner sobre a culturalistas. Sempre houve uma crítica interna
personalidade básica com as teorias românticas na antropologia cultural, As propostas teóricas
sobre a"alma"e o "gênio"dos povos. Se os antro- do culturalismo foram lançadas progressivamen-
pólogos americanos partiram de um mesmo te, corrigindo certas propostas anteriores. E, en-
questionamento que certos escritores ou filóso- tre a maioria dos pesquisadores tomados indivi-
fos, alemães principalmente, sobre o caráter ori- dualmente, pode-se observar sensíveis evolu-
ginal de cada povo, isto não significa que eles ções do pensamento ao longo de suas carreiras.
cheguem às mesmas respostas. Linton e Kardiner O essencialismo ou substancialismo, que
têm uma concepção flexível da transmissão cul- consiste em conceber a cultura como uma reali-
tural que deixa espaço para variações individuais dade em si - crítica freqüentemente dirigida aos
e não negligencia a questão da mudança cultural. culturalistas - é uma crítica que se aplica somen-
Sua abordagem da cultura e da personalidade é te a Kroeber, que considerava a cultura como li-
então mais dinâmica que estática. gada ao âmbito do "super-orgânico", definindo-a
como um nível autônomo do real, que obedece
As ííções da antropologia cultural a suas próprias leis. Kroeber atribuía conse-
qüentemente à cultura uma existência própria,
Os trabalhos da antropologia cultural ame- independente da ação dos indivíduos e fugindo
ricana sofreram inúmeras críticas, o que é per- ao seu controle [Kroeber, 1917]. Um certo es-
feitamente legítimo na discussão científica. O sencialismo é ainda perceptível na obra de
que é menos legítimo é a apresentação freqüen- Benedict que pensava que todas as culturas bus-
temente redutora, às vezes quase caricatural cam um objetivo relacionado com a orientação
que foi_feita, sobretudo na França, das teses dos de seu pattern, à revelia dos indivíduos. Mas a
culturalistas. maioria dos antropólogos da escola "cultura e
O aspecto mais contestável desta apresen- personalidade" reagiram contra o risco de reifi-
tação é seu caráter globalizante. Apresenta-se o cação da cultura. Margaret Mead afirma clara-
culturalismo como um sistema teórico unifica- mente que a cultura é uma abstração (o que
do, enquanto seria mais justo falar "dos"cultura- quer dizer uma ilusão). O que existe, segundo
lismos. Pode-se enumerar toda uma série de crí- ela, são indivíduos que criam a cultura, que a
ticas ao culturalismo, sem levar em conta que transmitem, que a transformam. O antropólogo
muitas destas críticas foram primeiramente for- não pode fazer uma observação de campo de
muladas por culturalistas em relação a outros uma cultura; o que ele observa são apenas com-

86
portamentos individuais. Todos os esforços dos das como totalidades específicas, autônomas en-
culturalistas próximos de Mead serão então no tre si, e, conseqüentemente, cada uma deve ser
sentido de compreender as culturas a partir das estudada em si mesma, na sua lógica interna
condutas dos indivíduos que "são a cultura", se- própria.A questão principal é saber se este rela-
gundo uma expressão de Mead. tivismo cultural é somente uma exigência meto-
"O"culturalismo também foi acusado de dológica ou também uma concepção teórica.
apresentar uma concepção estática, rígida, da Os antropólogos culturalistas são às vezes
cultura. Já foi mostrado anteriormente que esta bastante ambíguos em relação a esta questão. A
crítica é pouco fundamentada. Os culturalistas princípio, com Boas, o relativismo cultural é
não acreditam na estabilidade das culturas e es- uma reação metodológica contra o evolucionis-
tão atentos às evoluções culturais. Ele procuram mo. Não se pretende que as diferentes culturas
explicá-las pelo jogo das variações individuais sejam absolutamente incomparáveis entre si,
na aquisição da cultura. O indivíduo, em função mas que só se pode pensar em compará-las após
de sua história pessoal, que produz uma psico- o estudo de cada uma, de maneira exaustiva. Há
logia singular, "reínterpreta" sua cultura de uma talvez aí uma certa ilusão ao se acreditar que
maneira particular. A soma e a interação de to- seja possível identificar facilmente uma cultura
das as reinterpretações individuais fazem a cul- particular, fixar seus limites e analisá-la como
tura evoluir. uma entidade irredutível a uma outra. Resta ain-
Margaret Mead insiste que a cultura não é da o fato que, no plano metodológico, é às vezes
um "dado" que o indivíduo receberia como um útil e até necessário se agir "como se" uma cul-
todo, definitivamente, ao longo de sua educa- tura particular existisse enquanto entidade se-
ção.A cultura não se transmite como os genes. parada com uma real autonomia, mesmo que, na
O indivíduo "se apropria" de sua cultura pro- realidade, esta autonomia seja apenas relativa
gressivamente no curso de sua vida e, de qual- em relação às outras culturas vizinhas.
quer maneira, não poderá nunca adquirir toda a Os culturalistas, seguramente não conse-
cultura de seu grupo. guiram definir de uma vez por todas a "natureza
O debate mais crucial em torno da antro- da cultura", para usar a expressão de Kroeber
pologia cultural é o que se refere à abordagem [1952].A discussão continua aberta.A antropo-
relativista das culturas, que enfatiza a pluralida- logia cultural americana continuou a contribuir
de das culturas ao invés da unidade da cultura. para esta discussão, prosseguindo com suas pes-
Segundo esta abordagem, as culturas são trata- quisas de maneira freqüentemente muito inova-
dora. As lições do(s) culturalismo(s) são, no en- Deve-se à escola "cultura e personalidade"
tanto, desde já, pródigas em ensinamentos. Não a ênfase na importância da educação no proces-
é mais possível hoje ignorar que existem outras so de diferenciação cultural. A educação é neces-
maneiras de viver e de pensar e que elas não são sária e determinante entre os homens, pois o ser
a manifestação de qualquer arcaísmo ou menos humano quase não tem programa genético que
ainda de "selvageria"ou "barbárie". Deve-se aos guie o seu comportamento. Os próprios biólo-
culturalistas o fato de terem evidenciado a rela- gos dizem que o único programa (genético) do
tiva coerência de todos os sistemas culturais: homem é o que o leva a imitar e aprender.As di-
cada um é uma expressão particular de uma hu- ferenças culturais entre os grupos humanos são
manidade única, mas tão autêntica quanto todas então explicáveis em grande parte por sistemas
as suas outras expressões. de educação diferentes que incluem os métodos
Os pesquisadores culturalistas contri- de criação dos bebês (aleitamento, cuidados do
buíram muito para eliminar as confusões entre corpo, modo de dormir, desmame, etc.) muito
o que se refere à natureza (no homem) e o que variados de um grupo a outro.
se refere à cultura. Eles foram muito atentos aos Três pesquisadores americanos tentaram
fenômenos de incorporação da cultura, no sen- explicar a presença de ritos de iniciação dos jo-
tido próprio do termo, mostrando que até o cor- vens no momento de sua puberdade em certas
po é trabalhado pela cultura. Eles explicavam sociedades. Eles acreditaram poder estabelecer
que a cultura "interpreta" a natureza e a transfor- uma correlação entre uma estreita dependência
ma. Até as funções vitais são "informadas" pela em relação à mãe na infância e a institucionali-
cultura: comer, dormir, copular, dar à luz, mas zação destes ritos. Nas sociedades em que a or-
também defecar, urinar ou ainda andar, correr, ganização da maneira de dormir prevê que a
nadar, etc. Cada cultura particular determina mãe e a criança durmam juntas e o pai durma
profundamente todas estas práticas do corpo, separado deles durante vários meses e até al-
aparente e absolutamente naturais. Isto será guns anos, os ritos de iniciação, verdadeiro apo-
mostrado por sua vez por Mareei Mauss, em geu da formação pedagógica, são particularmen-
1936, em um estudo sobre as "técnicas do cor- te rigorosos.Tudo se passa, neste caso, como se
po": não se senta, não se deita ou se anda da os pais, no momento da maturidade fisiológica
mesma maneira em todas as culturas. No ser hu- de seus filhos, decidissem separá-los da influên-
mano pode-se observar a natureza transformada cia da mãe e afirmar sua autoridade sobre eles
pela cultura. para prevenir qualquer revolta, integrando-os no
mundo masculino (Whiting, Kluckhohn e como um conjunto organizado de elementos in-
Anthony,1958]. terdependentes. Sua organização é tão impor-
Vários pesquisadores posteriores, mesmo tante quanto o seu conteúdo.
sem reivindicar ligações com o culturalismo e
não podendo ser confundidos com ele, inspira-
ram-se nos trabalhos dos antropólogos america-
nos sobre a educação. Jacqueline Rabain mos- Cultura, ]íngua t linguagem
trou que a educação da criança wolof (Senegal)
O vínculo estreito entre língua e cultura sem-
tenta evitar a singularização da criança para fa-
pre gerou inúmeros comentários. Herder, um
vorecer sua integração social. Por isso, não se fa-
dos primeiros a fazer um uso sistemático da pa-
zem cumprimentos às crianças ou a seus pais a
lavra "cultura", baseava sua interpretação da
não ser sob uma forma dissimulada e invertida,
para os Wolof, o cumprimento poderia trazer pluralidade das culturas em uma análise da di-
versidade das línguas [Herder, 1774].
azar pois ele particulariza e, logo, marginaliza.
Sapir tentará elaborar uma teoria das relações
As únicas observações admitidas a respeito das
entre cultura e linguagem. O pesquisador deve
crianças são as que enfatizam, nas suas condutas
não apenas considerar a língua como um obje-
o que pode ser "interpretado como sinais de
to privilegiado da antropologia, por ser um fato
uma integração social em vias de realização"
cultural em si, mas ele deve também estudar a
[Rabain, 1979, p.141]. A pedagogia wolof é es-
cultura como uma língua. Em oposição às con-
sencialmente uma pedagogia da comunicação.
cepções substancialistas da cultura, ele a defi-
A aprendizagem do uso social da palavra é mui-
nia como um conjunto de significações aplica-
to codificada e é ao mesmo tempo "a aprendiza-
das nas interações individuais. Para ele, a cultu-
gem de uma gramática das relações sociais"
ra é fundamentalmente um sistema de comuni-
[ibid.,p. 142]. Definitivamente, as aquisições so-
cação [Sapir, 1921].A hipótese chamada "Sapir-
ciais são mais importantes que a realização "pes-
Whorf" (a linguagem como elemento de classi-
soal" da criança e que as aquisições técnicas,
ficação e organização da experiência sensível),
cuja aprendizagem não é sistematizada.
que Sapir relativizou negando que houvesse
Com os diferentes culturalismos, o concei-
uma correlação direta entre um modelo cultu-
to de cultura foi consideravelmente enriqueci-
ral e uma estrutura lingüística, orientou toda
do. A cultura não aparece mais como uma sim-
uma série de pesquisas sobre a influência exer-
ples reunião de traços dispersos. Ela é vista
cida pela língua sobre o sistema de representa-
ções de um povo. Língua e cultura estão em ceber as estruturas correspondentes à cultura
uma relação estreita de interdependência: a lín- encarada sob diversos aspectos. Estruturas que
gua tem a função, entre outras, de transmitir a são mais complexas, às vezes, mas de mesmo
cultura, mas é, ela mesma, marcada pela tipo que as suas." [1958, p. 78 -79].
cultura.
Léví-Strauss, cuja antropologia deve muito ao
método de análise estrutural em lingüística,
também sublinhou a complexidade das rela- Lévi- Strauss e a analise estrutural da
ções entre linguagem e cultura: cultura
"O problema das relações entre linguagem e
cultura é um dos mais complicados que exis- Na França, a antropologia cultural a
tem. Pode-se primeiramente tratar a linguagem na não teve muitos adeptos. No entanto o tema
como um produto da cultura: uma língua em da totalidade cultural foi retomado, ainda que
uso em uma sociedade reflete a cultura geral da em uma nova perspectiva, por Claude Lévi-
população. Mas, em outro sentido, a linguagem Strauss, que definiu cultura deste modo:
é \\raa. parte da cultura; ela constitui um de seus
elementos, [...]. Mas isto não é tudo: pode-se Toda cultura pode ser considerada como um
também tratar a linguagem como condição da conjunto de sistemas simbólicos. No primeiro
cultura e por duas razões; é uma condição plano destes sistemas colocam-se a linguagem,
as regras matrimoniais, as relações econômi-
diacrônica, pois é sobretudo por meio da lin-
guagem que o indivíduo adquire a cultura de cas, a arte, a ciência, a religião.Todos estes sis-
temas buscam exprimir certos aspectos da
seu grupo; educa-se, instrui-se a criança pela pa-
lavra; ela é criticada ou elogiada com palavras. realidade física e da realidade social, e mais ain-
da, as relações que estes dois tipos de realida-
Colocando-se em um ponto de vista mais teóri-
de estabelecem entre si e que os próprios sis-
co, a linguagem aparece também como condi-
temas simbólicos estabelecem uns com os ou-
ção da cultura, na medida em que a cultura pos-
tros. [1950, p. XDÍJ.
sui uma arquitetura similar à linguagem. Tanto
uma como outra se edificam por meio de opo-
Lévi-Strauss conhecia bem os trabalhos de
sições e correlações, isto é, por relações lógi-
seus colegas americanos. Durante e depois da Se-
cas. Conseqüentemente, pode-se considerar a
gunda Guerra Mundial, de 1941 a 1947, ele pas-
linguagem como uma fundação, destinada a re-
sara longas temporadas nos Estados Unidos e co-
nhecera as obras da antropologia cultural, sobre- dutas patológicas, seria possível chegar a cons-
tudo o trabalho de Boas, Kroeber e Benedict. tituir uma espécie de tabela periódica como a
Lévi-Strauss tomaria emprestado quatro dos elementos químicos, em que todos os cos-
idéias essenciais de Ruth Benedict. Primeira- tumes reais ou simplesmente possíveis apare-
mente, as diferenças culturais são definidas por ceriam agrupados em famílias e onde nós pre-
um certo modelo (pattern). Em segundo lugar, cisaríamos apenas reconhecer os costumes que
os tipos de culturas possíveis existem em núme- as sociedades efetivamente adotaram [1955,
ro limitado. Em terceiro lugar, o estudo das so- p. 2031.
ciedades "primitivas" é o melhor método para
determinar as combinações possíveis entre os No entanto, se. o pensamento de Lévi-
elementos culturais. Finalmente, estas combina- Strauss é influenciado pelos antropólogos cultu-
ções podem ser estudadas em si mesmas, inde- rais americanos, ele se diferencia deles ao pro-
pendentemente dos indivíduos que pertencem curar ultrapassar a abordagem particularista das
ao grupo, para quem estas combinações perma- culturas.Além do estudo das variações culturais,
necem inconscientes. Lévi-Strauss pretende analisar a invariabilidade
A herança de Benedict aparece claramente da Cultura. Para ele, as culturas particulares não
nas linhas que se seguem, extraídas de Tristes podem ser compreendidas sem referência à Cul-
Trópicos: tura, "este capital comum" da humanidade do
qual elas se alimentam para elaborar seus mode-
O conjunto dos costumes de um povo é sem- los específicos. O que ele procura descobrir na
pre marcado por um estilo; eles formam siste- variedade das produções humanas são as cate-
mas. Estou convencido de que estes sistemas gorias e as estruturas inconscientes do espírito
não são ilimitados e que as sociedades huma- humano.
nas, como os indivíduos - em seus jogos, seus A ambição da antropologia estrutural de
sonhos ou seus delírios - não criam jamais de Lévi-Strauss é localizar e repertoriar aslnvarian-
maneira absoluta, mas se limitam a escolher tes",isto é, os materiais culturais sempre idênti-
certas combinações em um repertório ideal cos de uma cultura a outra, necessariamente em
que seria possível reconstituir. número limitado devido à unidade do psiquis-
Fazendo o inventário de todos os costumes ob- mo humano. No ponto preciso em que a Cultu-
servados, de todos os imaginados nos mitos, ra substitui a Natureza, isto é, no nível das con-
dos evocados nos jogos infantis e adultos, os so- dições muito gerais de funcionamento da vida
nhos dos indivíduos sãos ou doentes e as con- social, é possível encontrar regras universais
que também são princípios indispensáveis da tica. E sabe-se bem que com as mesmas cartas,
vida em sociedade. Esta na natureza do homem jogadores diferentes farão partidas diferentes,
a necessidade de viver em sociedade, mas a or- ainda que, limitados pelas regras, não possam
ganização da vida social depende da Cultura e fazer qualquer partida com determinadas car-
implica a elaboração de regras sociais. O exem- tas [1958].
plo mais característico destas regras universais
que o estruturalismo analisa é a proibição do in- A antropologia terá terminado sua missão
cesto que tem como fundamento a necessidade quando tiver conseguido descrever todas as par-
das trocas sociais. tidas possíveis, depois de ter identificado as car-
A antropologia estrutural assume como ta- tas e enunciado as regras do jogo. Deste modo,
refa encontrar o que é necessário para toda a a antropologia estrutural pretende retornar aos
vida social, isto é, os elementos universais cultu- fundamentos universais da Cultura, ao lugar em
rais, ou, em outras palavras, os a prtort de toda que se realiza a ruptura com a Natureza.
a sociedade humana. A partir daí, ela estabelece
as estruturações possíveis dos materiais cultu- Culíuralismo e sociologia: as noções de
rais, ou seja, o que cria a diversidade cultural "subcuitonre de "socialização"
aparente, que vai além da invariabilidade dos
princípios culturais fundamentais. Para apresen- A antropologia cultural vai exercer uma
tar a relação entre a universalidade da Cultura e grande influência sobre a sociologia americana. A
a particularidade das culturas, Lévi-Strauss utili- noção de cultura será muito utilizada por grande
za a metáfora do jogo de cartas: número de sociólogos americanos que se apoiarão
nas definições dadas pelos antropólogos.
O homem é como um jogador que tem nas Antes mesmo da aparição do culturalismo
mãos, ao se instalar à mesa, cartas que ele não propriamente dito, os sociólogos fundadores do
inventou, pois o jogo de cartas é um dado da que se denomina a "escola de Chicago" eram
história e da civilização [...J. Cada repartição muito sensíveis à dimensão cultural das relações
das cartas resulta de uma distinção contingente sociais, o que é facilmente compreensível quan-
entre os jogadores e se faz à sua revelia. Quan- do se sabe que suas pesquisas tratavam princi-
do se dão as cartas, cada sociedade assim como palmente das relações interétnicas. Eles já se in-
cada jogador as interpreta nos termos de diver- teressavam pela influência da cultura de origem
sos sistemas, que podem ser comuns ou parti- dos imigrantes na inserção destes imigrantes na
culares; regras de um jogo ou regras de uma tá- sociedade que os acolhia, como no famoso estu-
do deWilliam I.Thomas sobre O Camponês Po- Mas os sucessores de Lynd se dedicaram princi-
lonês na Europa e na América, publicado en- palmente a reconhecer e a estudar a diversidade
tre 1918 e 1920. Ou como Robert E. Park, ti- cultural americana ao invés de procurar as pro-
nham interesse na questão da confrontação si- vas da unidade da cultura dos Estados Unidos.
multânea do indivíduo estrangeiro com dois sis- Estes trabalhos resultaram na criação de
temas culturais às vezes rivais, o da sua comuni- um conceito que vai obter um grande sucesso:
dade de origem e o da sociedade que o acolhe; o conceito de "subculturaXsem que o termo im-
desta confrontação nasce o "homem marginal" plique uma interpretação que poderia levar a
que, segundo a definição de Park, faz parte mais uma confusão entre subcultura e uma cultura
ou menos dos dois sistemas. inferior). Como a sociedade americana é social-
O notável desenvolvimento da antropolo- mente muito diversificada, cada grupo social faz
gia cultural americana na década de trinta terá parte de uma subcultura particular, retoma-se
grande impacto sobre uma parte da sociologia. aqui uma idéia já esboçada por Linton através
A aproximação entre sociologia e antropologia da noção de "personalidade estatutária". Os so-
levou a sociologia a tomar emprestado os méto- ciólogos distinguem então subculturas segundo
dos da antropologia e esta usar os terrenos da as classes sociais, mas também segundo os gru-
primeira. Deste modo, vão se multiplicar nos Es- pos étnicos. Certos autores falam até de subcul-
tados Unidos os estudos de "comunidades urba- tura dos delinqüentes, dos homossexuais, dos
nas". Estas comunidades, em geral cidades pe- pobres, dos jovens, etc. Nas sociedades comple-
quenas ou médias, ou ainda bairros, vão ser xas, os diferentes grupos podem ter modos de
abordadas pelos pesquisadores da mesma ma- pensar e de agir característicos, partilhando a
neira que um antropólogo aborda uma comuni- cultura global da sociedade que, de qualquer
dade de uma aldeia indígena. A hipótese consi- maneira, por causa de sua heterogeneidade, im-
derada é que a comunidade forma um microcos- põe aos indivíduos modelos mais flexíveis e me-
mo representativo da sociedade inteira à qual nos limitadores que os modelos das sociedades
ela pertence, permitindo apreender a totalidade "primitivas".
da cultura desta sociedade [Herpin, 1973]. Em um outro plano, os fenômenos chama-
Os estudos de comunidades, sobretudo dos de "contracultura" nas sociedades moder-
com Robert Lynd, pretendiam, no início, definir nas, como por exemplo o movimento "hippie"
a cultura americana em sua globalidade, como nas décadas de sessenta e setenta, são apenas
Ruth Benedict podia definir a cultura dos índios uma forma de manipulação da cultura global de
Pueblo ou Margaret Mead a cultura dosArapesh. referência à qual eles pretendem se opor: eles
se utilizam de seu caráter problemático e hete- cação com esta sociedade? Esta questão é cen-
rogêneo. Longe de enfraquecer o sistema cultu- tral na obra de Durkheim ainda que ele não uti-
ral, eles contribuem para renová-lo e para de- lize esta palavra. Para ele, pela educação, cada
senvolver sua dinâmica própria. Um movimen- sociedade transmite aos indivíduos que a com-
to de "contracultura" não produz uma cultura põem o conjunto das normas sociais e culturais
alternativa à cultura que ele denuncia. Uma que garantem a solidariedade entre todos os
contra-cultura não passa, definitivamente de membros desta mesma sociedade e que estes
uma subcultura. membros são mais ou menos obrigados a
Os sociólogos analisaram também a ques- adotar.
tão da continuidade através das gerações, das O sociólogo americano Talcott Parsons
culturas ou das subculturas específicas dos dife- tentou, por sua vez, conciliar as análises de
rentes grupos sociais. Para responder a esta Durkheim e de Freud. Segundo ele, no processo
questão, alguns deles recorreram à noção de "so- de socialização, a família, primeiro agente so-
cialização", entendida como sendo o processo cializador, tem um papel preponderante, mas o
de integração de um indivíduo a uma dada so- papel da escola e do grupo dos pares (colegas
ciedade ou a um grupo particular pela interiori- de classe e de jogos) não é negligenciável. Ele
zação dos modos de pensar, de sentir e agir, ou pensa que a socialização se termina com a ado-
seja, dos modelos culturais próprios a esta socie- lescência. Ou esta socialização foi bem sucedida
dade ou a este grupo. As pesquisas sobre a so- e o indivíduo será bem adaptado à sociedade;
cialização que são feitas geralmente com uma ou ela foi um fracasso, e o indivíduo deslizará
perspectiva comparativa (entre nações, entre certamente para a delinqüência. Quanto mais
classes sociais, entre sexos, etc.) tratam dos dife- cedo a conformidade às normas e aos valores da
rentes tipos de aprendizagem aos quais o indiví- sociedade intervierem na existência, mais facil-
duo está submetido e pelos quais se opera esta mente ela conduzirá a uma adaptação adequada
interiorizaçao, assim como os efeitos que eles ao "sistema social" [Parsons, 1954).
provocam no comportamento. Estas concepções da socialização colocam
Ainda que a palavra "socialização" seja de a primazia da sociedade sobre o indivíduo. Elas
uso relativamente recente - ela é correntemente supõem que a socialização resulta de um cons-
usada a partir do final dos anos trinta - esta pa- trangimento que a sociedade exerce sobre o in-
lavra remete a uma questão fundamental na so- divíduo. Para Parsons, a socialização pode ser
ciologia: como o indivíduo se torna membro de compreendida como um verdadeiro condi-
sua sociedade e como é produzida sua identifi- cionamento. O indivíduo aparece como um ser
dependente cujo comportamento é apenas a re- na vida de um indivíduo que pode conhecer fa-
produção dos modelos adquiridos ao longo da ses de "dessocialização" (ruptura com o modelo
infância. Em última instância, como observaram de integração normativa) e de "ressocialização"
certos críticos, a socialização é concebida por (baseada em um outro modelo interiorizado).
Parsons como uma espécie de adestramento. Por uma outra abordagem, mas que leva a
Em ruptura com estas análises, outros so- conclusões bastante semelhantes, a partir da dis-
ciólogos enfatizam a relativa autonomia do indi- tinção que ele fazia entre "grupo de vinculação"
víduo que não é determinado de uma vez por e "grupo de referência", Robert K. Merton con-
todas pela socialização vivida ao longo da infân- cebeu a noção de "socialização antecipadora"
cia. Ele tem a capacidade de tirar partido de si- para designar o processo pelo qual um indiví-
tuações novas para eventualmente modificar duo se apropria e interioriza, antecipadamente,
suas atitudes. E, de qualquer maneira, nas socie- as normas e os valores de um grupo de referên-
dades contemporâneas, os modelos culturais cia ao qual ele não pertence ainda mas deseja
evoluem constantemente e levam os indivíduos integrar [Merton, 1950]. Dominique Schnapper
a revisar o' modelo interiorizado na infância. dará uma outra ilustração da socialização, mos-
Peter L. Berger e Thomas Luckmann trando que as transformações profundas das
[(1966) 1986] distinguem "socialização primá- práticas culturais dos imigrantes italianos na
ria" (ao longo da infância) e "socialização secun- França só podem ser explicadas completamen-
dária", à qual o indivíduo está exposto durante te ao considerarmos uma socialização antecipa-
toda a sua vida adulta e que não é a simples re- dora na Itália, associada a outros fatores de mu-
produção dos mecanismos da primeira. Para es- dança [Schnapper, 1974].
tes dois autores a socialização nunca é perfeita-
mente bem sucedida ou acabada. A socialização A abordagem intcracionista da cuitimi
secundária pode ser, em certos casos, o prolon-
gamento da primeira socialização. Em outros ca- Sapir foi talvez um dos primeiros a ter con-
sos, ao contrário, após por exemplo diversos siderado a cultura como um sistema de comuni-
"choques biográficos", a socialização secundária cação interindividual, quando afirmava: "O ver-
opera uma ruptura com a socialização primária. dadeiro lugar da cultura são as interações indivi-
A socialização profissional, evocada diretamente duais.11 Para ele, uma cultura é um conjunto de
pelos dois pesquisadores, é um dois principais significações que são comunicadas pelos indiví-
aspectos desta socialização secundária.A sociali- duos de um dado grupo através destas intera-
zação aparece então como um processo sem fim ções. Por isso mesmo ele se opunha às concep-
ções substancialistas da cultura. Mais do que de- tativas particulares entre os indivíduos. A plura-
finir a cultura por sua suposta essência, ele de- lidade dos contextos de interação explica o ca-
sejava se fixar na análise dos processos de ela- ráter plural e instável de todas as culturas e tam-
boração da cultura [Sapir, 1949]. bém os comportamentos aparentemente con-
Mais tarde, outros autores às vezes chama- traditórios de um mesmo indivíduo que não
dos de "interacionistas", retomando a intuição está necessariamente em contradição (psicoló-
de Sapir mas sistematizando-a, insistirão na pro- gica) consigo mesmo. Por esta abordagem, tor-
dução de sentidos que as interações entre os in- na-se possível pensar a heterogeneidade de uma
divíduos produzem. cultura ao invés de nos esforçarmos para encon-
Na década de cinqüenta se desenvolve nos trar uma homogeneidade ilusória.
Estados Unidos uma corrente chamada de "an- A abordagem interacionista leva a questio-
tropologia da comunicação", que leva em conta nar o valor heurístico do conceito de "subcultu-
tanto a comunicação não verbal quanto a comu- ra'', ou mais exatamente a distinção entre "cultu-
nicação verbal entre os indivíduos. Esta corren- ra" e "subcultura". Se a cultura nasce das intera-
te se estabelece junto a Gregory Bateson e junto ções entre os indivíduos e entre grupos de indi-
à escola de Paio Alto. Para eles, a comunicação víduos, é errôneo encarar a subcultura como
não é concebida como uma relação de emissor uma variante derivada da cultura global que
e receptor, mas segundo um modelo orquestral, existiria antes dela. Os conceitos de cultura e de
ou seja, como resultante de um conjunto de in- subcultura foram elaborados segundo uma lógi-
divíduos reunidos para tocar juntos e que se en- ca da subdivisão hierarquizada do universo cul-
contram em situação de interação durável. To- tural da mesma maneira como os biólogos pen-
dos participam solidariamente, mas cada um à sam a evolução do mundo em espécies e subes-
sua maneira, da execução de uma partitura invi- pécies. Ora, na construção cultural, o que vem
sível. A partitura, isto é, a cultura, existe apenas primeiro é a cultura do grupo, a cultura local, a
através da ação interativa dos indivíduos. Todos cultura que liga os indivíduos em interação ime-
os esforços dos antropólogos da comunicação diata uns com os outros, e não a cultura global
consistem em analisar os processos de intera- da coletividade mais ampla. O que se chama
ção que produzem sistemas culturais de troca. "cultura global" é o resultado das relações dos
Não basta, no entanto, descrever estas inte- grupos sociais que estão em contato uns com os
rações e seus efeitos. É preciso considerar o outros e, logo, do relacionamento de suas pró-
"contexto" das interações. Cada contexto impõe prias culturas. Nesta perspectiva, a cultura glo-
as suas regras e suas convenções, supõe expec- bal se situa de certa maneira, na intersecção das
pretensas "subculturas" de um mesmo conjunto
social. Estas "subculturas" funcionariam como O Estudo das Relações entre
culturas inteiras, isto é, como sistemas de valo- as Culturas e a Renovação do
res, de representações e de comportamentos Conceito de Cultura
que permitem a cada grupo identificar-se, loca-
lizar-se e agir em um espaço social que o cerca.
Para os interacionistas, o termo "subcultura" é
então inapropríado. É inegável que a reflexão sobre a noção de
cultura se aprofundou ao se concentrar no estu-
do das culturas singulares e no estudo dos prin-
cípios universais da cultura. Mas seria preciso a
abertura de um novo campo de pesquisa sobre
os processos da chamada "aculturação" para que
um novo avanço teórico se produzisse. Ainda
que os fatos de contatos culturais não tenham
sido completamente ignorados, curiosamente,
até uma data bastante tardia, poucos trabalhos
foram dedicados ao processo de mudança cultu-
ral ligado a esses contatos culturais. Os antropó-
logos difusionistas se interessaram bastante pe-
los fenômenos dos empréstimos e da repartição
dos "traços" culturais a partir de um suposto
"lar" cultural. Mas seus trabalhos tratavam do re-
sultado da difusão cultural e descreviam somen-
te o estado terminal de uma troca concebida em
um sentido único. Além disso, a difusão, com-
preendida deste modo, não implicava necessa-
riamente o contato entre a cultura que recebia
e a cultura que dava.
Como foi observado por Melville J.
Herskovits, antropólogo americano, pioneiro na
matéria, foi preciso esperar os estudos sobre os
fenômenos da "aculturação" para compreender Por outro lado, as culturas primitivas eram
melhor os mecanismos da cultura: percebidas como culturas pouco ou não modifi-
cadas pelo contato, supostamente muito limita-
Quando as tradições estão em conflito, os re- do, com as outras culturas. A etnologia não so-
ajustes no interior de uma cultura mostram a mente cultivou a obsessão da busca do aspecto
maneira como os elementos da cultura se ligam original de cada cultura, mas também a da pro-
uns aos outros e como funciona o todo [1937, cura do caráter absolutamente original de cada
p. 263]. cultura. Nesta perspectiva, toda mestiçagem das
culturas era vista como um fenômeno que alte-
Um aspecto que provoca interrogações é o rava sua "pufeza" original e que atrapalhava_o
atraso entre as pesquisas sobre o entrecruzamen- trabalho ~do pesquisadorjembaraíhando_as^pis-
to das culturas em relação aos trabalhos realiza- tas. O pesquisador não deveria, então, privilegiar
dos sobre as culturas tomadas isoladamente. o estudo deste fenômeno, ao menos em um pri-
meiro momento.
"A superstição do primitivo" Nestas condições, não é surpreendente
que um dos principais "inventores"-do conceito
É provável, como observa Roger Bastide de aculturação seja Herskovits que se desviou
[1968], que a orientação original da etnologia, desde 1928 dos estudos sobre os índios, então
voltada para as culturas chamadas "primitivas", objeto quase exclusivo da antropologia nos Es-
seja a causa principal deste atraso. Os etnólogos tados Unidos, para se dedicar à análise da cultu-
cederam por muito tempo ao que se denomina ra das Negros descendentes dos escravos africa-
a "superstição do primitivo" ou ainda o "mito do nos. Certamente, como bom discípulo de Boas,
primitivo". O importante para eles era estudar Herskovits continuaria muito preocupado em
prioritariamente as culturas mais"arcaicas",pois buscar as "origens" africanas das culturas negras
eles partiam do postulado que estas culturas for- do continente americano. Mas seu objeto de es-
neciam para a analise as formas elementares da tudo o levaria a colocar no centro de suas pre-
vida social e cultural que se tornariam necessa- ocupações os fenômenos de sincretismo cultu-
riamente mais complexas à medida que a socie- ral. Criando um novo campo de pesquisa, a afro-
dade se desenvolvesse. Se, por definição, o que americanologia, ele contribuiu para o reconhe-
é simples é mais fácil de aprender do aquilo que cimento dos fatos da aculturação como fatos
é complexo, era preciso começar por aí o estu- "autênticos"e tão dignos de interesse científico
do das culturas. quanto os fatos culturais supostamente "puros".
Por razões idênticas, Roger Bastide, que de- sa e, além disso, sua influência só pode se fazer
dicou importantes trabalhos sobre a cultura sentir através do meio social interno [(1895)
afro-brasileira, seria o pesquisador que, nos anos 1983, p-111 e p. 115-116].
cinqüenta, introduziria na França as pesquisas
sobre o processo de aculturação e, ao mesmo Além disso, Durkheim considerava que se
tempo, quem abriria a etnologia francesa para dois sistemas sociais e culturais são diferentes
as Américas negras, formidável "laboratório" um do outro, não pode haver interpenetração
para o estudo dos fenômenos de interpenetra- entre eles. A probabilidade de se produzir um
ção das culturas. Ele se oporá à abordagem de sistema sincrético é fraca:
-Durkheim jsobre a formação e a evolução das
culturas, que teria sido responsável, segundo É verdade que em geral, a distância entre as so-
ele, pelo atraso da pesquisa francesa no campo ciedades componentes não poderia ser muito
da aculturação (Bastide, 1956]. grande; de outra forma, não poderia haver entre
Apesar de sua preocupação em ultrapassar elas nenhuma comunidade moral [(1895)
o organicismo que comparava a sociedade a um 1983, p. 85]-
organismo vivo, Emile Durkheim continuou a
pensar que o desenvolvimento de uma socieda- As posições teóricas de Durkheim distan-
de humana se faz a partir de si mesma. Segundo ciaram talvez por longo tempo a pesquisa fran-
ele, a mudança social e cultural é essencialmen- cesa da questão da confrontação das culturas.
te produzida pela evolução interna da socieda- Seria necessário o encontro de um Roger
de. O elemento determinante de explicação Bastide com o mundo negro brasileiro ou de um
continua a ser o meio interno. São as dinâmicas Georges Balandier com a sociedade colonial na
culturais internas que importam então e devem África, para que esta questão fosse enfim tratada
toda a atenção do pesquisador: com a atenção que ela merecia, mas isto se deu
apenas depois da Segunda Guerra Mundial.
A primeira origem de todo processo social de
alguma importância deve ser procurada na  invenção do conceito de aculturação
constituição do meto social interno, [...j Pois
se o meio social externo, isto é, o que é forma- A observação dos fatos de contato entre
do pelas sociedades ambientes, é sucetível de as culturas evidentemente não data do momen-
ter alguma ação, esta ação ocorre apenas nas to da invenção do conceito de aculturação. Mas
funções que têm por objeto o ataque e a defe- esta observação era feita freqüentemente sem
teoria explicativa e impregnada de julgamentos ração de que se está tratando, como ela é produ-
de valor quanto aos efeitos destes contatos cul- zida, que fatores intervieram ,etc.Y"
turais. Um certo número de observadores con-
siderava a mestiçagem cultural, a exemplo da O memorando paris o estudo da
mestiçagem, biológica, como um fenômeno ne- aculturação
gativo e até mais ou menos patológico. Ainda
hoje,xisa-se a expressão "indivíduo (ou socieda- Diante do volume dos dados empíricos já
de) aculturado(a)" para exprimir um pesar e de- recolhidos sobre o tema, o Conselho de pesqui-
signar uma perda irreparável. A antropologia sa em ciências sociais dos Estados Unidos criou
pretende se distanciar destas acepções, negati- em 1936 um comitê encarregado de organizar a
va ou positiva, de aculturação. Ela dá ao termo pesquisa sobre os fatos de aculturação. O comi-
um conteúdo puramente descritivo que não tê, composto por Robert Redfield, Ralph Linton
implica uma posição de principio sobre o e Melville Herskovits, em seu célebre Memoran-
fenômeno. do para o Estudo da Aculturação de 1936, co-
"O substantivo "aculturação" parece ter meça por fazer um esclarecimento semântico. A
sido criado desde 1880 por J. W. Powell, antropó- definição que ele enuncia será a partir de então
logo americano, que denominava assim a trans- a regra:
formação dos modos de vida e de pensamento
dos imigrantes ao contato com a sociedade ame- A aculturação é o conjunto de fenômenos que
ricana. A palavra não designa uma pura e sim- resultam de um contato contínuo e direto en-
ples "deculturação". Em "aculturação", o prefixo tre grupos de indivíduos de culturas diferentes
"a"não significa privação; ele vem do etimologi- e que provocam mudanças nos modelos
camente do latim ad e indica um movimento de (patterns) culturais iniciais de um ou dos dois
aproximação. Será, no entanto, necessário espe- grupos.
rar pelos anos trinta para que uma reflexão sis-
temática sobre os fenômenos de encontro das Segundo o Memorando, a aculturação deve
culturas leve os antropólogos americanos a pro- ser distinguida da "mudança cultural", expressão
por uma definição conceituai do termo. A par- utilizada sobretudo pelos antropólogos britâni-
tir de então não será mais possível utilizá-lo de cos, pois esta expressão é apenas um dos aspec-
uma maneira menos rigorosa. Para a antropolo- tos da aculturação: de fato, a mudança cultural
gia cultural, evocar um processo de aculturação pode também resultar de causas internas. Utilizar
leva necessariamente a definir o tipo de acultu- o mesmo termo para designar dois fenômenos, a
mudança endógena e a mudança exógena, seria ® se eles se produzem entre grupos de cul-
pretender que estas duas mudanças obedeçam às turas de mesmo nível de complexidade ou não;
mesmas leis, o que parece pouco provável. » se os contatos resultam da colonização
Por outro lado, não se pode confundir ou da imigração.
aculturação e "assimilação". A assimilação deve Em seguida são examinadas sucessiva-
ser compreendida como a última fase da acultu- mente as situações de dominação e de subordi-
ração,fase aliás raramente atingida. Ela implica o nação nas quais a aculturação pode se produ-
desaparecimento total da cultura de origem de zir; os processos de aculturação, isto é, os mo-
um grupo e na interiorização completa da cul- dos de "seleção" dos elementos emprestados ou
tura do grupo dominante. de "resistência" ao empréstimo; os mecanismos
Enfim, a aculturação não pode ser confun- psicológicos que favorecem ou não a acultura-
dida com a "difusão", pois, por um lado, mesmo ção; enfim, os principais efeitos possíveis da
que haja sempre difusão quando há acultura- aculturação, inclusive as reações negativas que
ção, pode haver difusão sem contato "contínuo podem gerar às vezes movimentos de "contra-
e direto"; por outro lado, a difusão é apenas um aculturação".
dos aspectos do processo de aculturação, que é Herskovits, Linton e Redfield souberam
um processo bem mais complexo. mostrar a complexidade dos fenômenos de
O Memorando constitui uma contribui- aculturação. Por seu prefixo e seu sufixo, o ter-
ção decisiva e preciosa. Ele cria um campo de mo "aculturação" designa claramente um fenô-
pesquisa específico e se esforça para organizá- meno dinâmico, um processo em vias de realiza-
lo, dotando-o de instrumentos teóricos adequa- ção. O que deve ser analisado é precisamente
dos. Ele propõe uma classificação dos materiais este processo em andamento e não somente os
disponíveis devido às pesquisas já efetuadas. Ele resultados do contato cultural.
elabora uma tipologia dos contatos culturais:
® se os contatos se produzem entre grupos amento teórico
inteiros ou entre uma população inteira e gru-
pos particulares de uma outra população (por Contra a idéia simplista e etnocentrista de
exemplo, missionários, colonos, imigrantes...); uma aculturação pesando necessariamente "a fa-
© se os contatos são amigáveis ou hostis; vor" da cultura ocidental, supostamente mais
e se eles se produzem entre grupos de ta- avançada, os antropólogos americanos introduzi-
manhos aproximativamente iguais ou entre gru- rão em suas análises a noção de "tendência", to-
pos de tamanhos notavelmente diferentes; mada da lingüística por Sapir para explicar que a
aculturação não é uma pura e simples conversão vés de usar o futebol para afirmar um espírito
a uma outra cultura. A transformação da cultura de competição, eles transformam este jogo em
inicial se efetua por "seleção" de elementos cul- um ritual destinado a reforçar a solidariedade
turais emprestados e esta seleção se faz por si entre eles (K. E. Reach, citado por Lévi-Strauss
mesma segundo a "tendência" profunda da cultu- [1963, p. 10]).
ra que recebe. A aculturação não provoca neces- O esforço de teorização da antropologia
sariamente o desaparecimento da cultura que re- americana permitiu determinar que as mudan-
cebe, nem a modificação de sua lógica interna ças culturais ligadas à aculturação não se fazem
que pode permanecer dominante. ao acaso. Uma lei geral pode até ser enunciada:
Indo mais longe nesta análise, Herskovits os elementos não simbólicos (técnicos e mate-
proporá um novo conceito para dar conta de di- riais) de uma cultura são mais facilmente trans-
ferentes níveis de aculturação, o conceito de feríveis que os elementos simbólicos (religi-
"reinterpretação", definido como sendo osos, ideológicos, etc.).
Para dar conta da complexidade do proces-
o processo pelo qual antigas significações são so de aculturação, H. G. Barnett, que cita Bastide
atribuídas a elementos novos ou pelo qual no- [1971, p.51], distinguia a "forma" (a expressão
vos valores mudam a significação cultural de manifesta), a "função" e a "significação" dos tra-
formas antigas [1948]. ços culturais.A partir desta distinção, três regula-
ridades complementares podem ser enunciadas:
O conceito será amplamente adotado pela s quanto mais "estranha" for a forma (isto
antropologia cultural. No entanto, a maioria dos é, mais distante da cultura que recebe), mais di-
pesquisadores, como o próprio Herskovits, ilus- fícil será sua aceitação;
trarão sobretudo a primeira parte da definição * as formas são mais facilmente transferí-
pois, como herdeiros do culturalismo, dedica- veis que as funções. Contrariamente ao pensa-
vam-se a demonstrar a continuidade semântica mento de Malinovski, Barnett afirma que os su-
das culturas, inclusive na mudança. Pode-se ver postos equivalentes funcionais introduzidos em
uma ilustração do conceito na maneira particu- uma cultura raramente podem substituir com
lar dos Gahaku-Kama da Nova Guiné jogarem eficácia as antigas instituições;
futebol. Iniciados neste esporte pelos missioná- 0 um traço cultural, qualquer que seja a
rios, eles só aceitam acabar o jogo quando os sua forma, será mais bem aceito e integrado se
dois times estão empatados no número de par- puder adotar uma significação de acordo com a
tidas ganhas, o que pode levar vários dias. Ao in- cultura que recebe. Encontramos aqui a idéia
de reinterpretação, idéia que Herskovits tanto levar a uma certa "naturalização" da cultura, por
prezava. tentarem provar a qualquer preço a continuida-
de da cultura apesar das mudanças aparentes.
Teoria da aculturação c cultiiralismo De fato, a cultura parece então ser entendi-
da como uma "segunda natureza" do indivíduo
A teoria da aculturação nasceu de certas da qual ele tinha tão poucas chances de escapar
questões do cultimilismo americano. Por esta ra- quanto da sua natureza biológica. O maior inte-
zão não é surpreendente que em sua elaboração resse dos estudos posteriores sobre o processo
reencontremos as mesmas limitações e até os de aculturação será precisamente a relativização
mesmos impasses que no culturalismo. Por isso, desta analogia entre cultura e natureza, fazendo
às vezes, a análise se concentra demais sobre aparecer a importância dos fenômenos de des-
certos "traços"culturais tomados isoladamente e continuidade no processo de aculturação.
parece esquecer o que os antropólogos da esco- Além do mais, certos estudos antropológi-
la "cultura e personalidade" estabeleceram, ou cos sobre estes processos apresentam o proble-
seja, que uma cultura é um todo, um sistema. ma que Bastide chama de "psicologismo". Os an-
Como toda cultura é uma unidade organizada e tropólogos tiveram razão de insistir no fato que
estruturada, na qual todos os elementos são in- são os indivíduos que entram em contato uns
terdependentes, é ilusório pretender selecionar com os outros e não as culturas. Na realidade,
os aspectos supostamente "positivos"de uma não se pode reificar a cultura que é apenas uma
cultura para combiná-los com os aspectos "posi- abstração. Mas os indivíduos pertencem a gru-
tivos" de uma outra com o objetivo de chegar as- pos sociais, grupos de sexo, de idade, de status,
sim a um sistema cultural "melhor", como pre- etc. Eles não existem nunca e em lugar nenhum
tendia um certo humanismo. Independente- de maneira totalmente autônoma. Não se pode,
mente dos julgamentos de valor que contém, então, compreender sua implicação no proces-
julgamentos que por si só colocam toda uma sé- so de aculturação referindo-nos unicamente à
rie de problemas, esta proposta mostra-se sim- sua psicologia individual. É preciso levar em
plesmente irreaüzável. conta também as obrigações sociais que pesam
Por outro lado, uma grande insistência de sobre eles. E se desejamos a qualquer preço,
certos autores, entre eles Herskovits, no que ater-nos a uma análise em termos de personali-
eles chamam de "sobrevivências" culturais, ou dade, não podemos esquecer o contexto social
seja, nos elementos da antiga cultura conserva- e histórico que influi sobre as personalidades
dos idênticos na nova cultura sincrética, pode individuais [Bastide, 1960, p. 318].
são semântica entre etnocídio e genocídio
Etnocídio eram freqüentes.
"Etnocídio" remete à realidade de operações
O termo "etnocídio" apareceu recentemente. sistemáticas de erradicação cultural e religiosa
Foi criado nos anos sessenta por etnologos nas populações indígenas para fins de assimila-
americanistas, entre os quais Robert Jaulin que ção na cultura e na religião dos conquistadores,
contribuiu mais do que qualquer outro para a realidade atestada pelos historiadores e pelos
sua divulgação [Jaulin, 1970]. Os pesquisadores etnologos. E extensão do uso do termo em ou-
assistiam impotentes à transformação forçada, tras situações mais complexas de contatos cul-
extremamente rápida, de sociedades amerín- turais assimétricos enfraqueceu o valor heurís-
dias da Amazônia confrontadas brutalmente tico do conceito.
com uma exploração industrial da floresta que Confundir, por exemplo "etnocídio" com "acul-
ameaçava os próprios fundamentos de seu sis- turação" ou "assimilação" leva a um contra-sen-
tema social e econômico. Estas sociedades não so.A aculturação, mesmo forçada ou planejada,
estavam mais em condições de manter suas cul- não se reduz jamais a uma simples deculturação
turas e pareciam condenadas à assimilação. e não leva necessariamente à assimilação que,
Construído sobre o modelo da palavra "genocí- de todo modo, quando se produz, não é neces-
dio", que designa a exterminação física de um sariamente a conseqüência de um etnocídio e
povo, o conceito de etnocídio significa a des- pode resultar de uma escolha voluntária dos "as-
truição sistemática da cultura de um grupo, isto similados". Se o etnocídio é um fenômeno limi-
é, a eliminação por todos os meios não somen- tado, não se pode dizer o mesmo da acultura-
te de seus modos de vida, mas também de seus ção, fenômeno normal da vida das sociedades.
modos de pensamento. O etnocídio é então Um determinado uso da conceito de etnocídio
uma deculturação deliberada e programada. limita seu alcance. A denúncia do etnocídio é
O contexto das décadas de sessenta e setenta, impregnado às vezes de um relativismo cultu-
marcado pela denúncia do imperialismo oci- ral radical que não concebe que as relações en-
dental, e, nas sociedades avançadas, sobretudo tre as culturas sejam freqüentemente relações
na França, pela exaltação do pluralismo cultu- de força. Este radicalismo mantém a ilusão de
ral, criou um clima favorável à vulgarização des- que as diferentes culturas poderiam existir in-
te conceito. No entanto, esta vulgarização se dependentemente umas das outras em uma es-
realizou com muita ambigüidade, pois a confu- pécie de "pureza" original.
Para conferir um valor operatório ao conceito A relação do social com
de etnocídío, é preciso então se ater a uma de- o cultural
finição rigorosa e localizar as situações socio-
históricas concretas nas quais foram produzi- Formado em sociologia e em antropolo-
dos etnocídios no seu sentido estrito. Somente gia, Bastide parte da idéia que o cultural não
desta maneira se poderá progredir no conheci- pode ser estudado independentemente do so-
mento do fenômeno. Este foi o procedimento cial. Para ele, o grande limite do culturalismo
adotado por Pierre Clastres tentando elucidar americano nos trabalhos sobre a aculturação é a
por que o espírito e a prática "etnocidas" se de- ausência de relação do cultural com o social
senvolveram particularmente no interior da ci- [1960, p.317]. No culturalismo há um risco de
vilização ocidental. Segundo ele, a emergência redução dos fatos sociais a fatos culturais (inver-
do Estado e mais especificamente do Estado- samente, pode-se dizer que existe o que se po-
Nação, no Ocidente estaria na origem do fenô- deria chamar de "sociologismo", um risco de re-
meno do etnocídio [Clastres, 1973]. dução dos fatos culturais a fatos sociais).
As relações culturais devem então ser estu-
dadas no interior dos diferentes quadros de re-
lações sociais que podem favorecer relações de
Roger Bastide c os quudros sociais integração, de competição, de conflito, etc. Os
da aculturação fatos de sincretismo, de mestiçagem cultural e
até de assimilação, devem ser recolocados em
Na França, não é possível se interessar pelos seu contexto de estruturação ou de desestrutu-
fenômenos da aculturação sem se referir, de um ração sociais.
modo ou de outro, a Roger Bastide (1898 -1974), Bastide critica, no culturalismo, uma certa
pesquisador afro-americanista e professor da Sor- confusão entre os diferentes níveis da realidade
bonne. Foi ele, em grande parte, que revelou para e um desconhecimento da dialética que vai das
a França a antropologia americana da acultura- superestruturas para as infra-estruturas e reci-
ção e contribuiu, mais do que ninguém para que procamente. Ora, é precisamente esta dialética
este campo de pesquisas fosse reconhecido que permite explicar o fenômeno de reações
como um domínio capital da disciplina. Apesar em cadeia, muito conhecido no processo de
de enfatizar o grande mérito dos iniciadores ame- aculturação.Toda mudança cultural produz efei-
ricanos, Bastide tentará nos seus diferentes traba- tos secundários não previstos que, mesmo que
lhos renovar a abordagem da aculturação. não sejam simultâneos não podem ser evitados.
Para tomar apenas um exemplo, com a co- das funções da compensação matrimonial tradi-
lonização, a introdução da moeda nas socieda- cional era precisamente assegurar a estabilidade
des tradicionais africanas não teve como único da união). Diante do que eles consideram um
efeito a transformação dos sistemas econômicos duplo atentado aos princípios da moralidade (a
baseados na reciprocidade e na redistribuição. "compra da noiva" e a instabilidade conjugai),
Ela provocou mudanças em outros planos, em missionários tentaram suprimir o costume da
particular no sistema das trocas matrimoniais. compensação matrimonial. O resultado não cor-
Segundo a regra costumeira, para obter uma es- respondeu à sua expectativa: por um lado, os
posa, era necessário pagar à família da noiva cônjuges se consideraram casados superficial-
uma compensação matrimonial (um certo nú- mente; por outro lado, as mulheres, liberadas da
mero de cabeças de gado, por exemplo, em cer- obrigação de restituir a compensação, tiveram
tas sociedades), segundo a lógica que para cada ainda mais facilidade para se divorciar e mudar
dádiva deve corresponder uma retribuição. O freqüentemente de parceiros.
dinheiro, ao substituir a retribuição em natura, Os fatos de aculturação formam um "fenô-
vai modificar profundamente a estrutura da tro- meno social total", segundo a expressão de
ca: a reunião da soma necessária para o "preço Mareei Mauss, que Bastide retoma por sua vez.
da noiva" não exige mais a colaboração do con- Eles atingem todos os níveis da realidade social e
junto do grupo de parentesco (ao contrário do cultural, por isso, a mudança cultural não pode
que se passava para a constituição de um reba- ser limitada a priori, nem horizontalmente no
nho). O casamento tende então a se tornar uma interior do mesmo nível, nem verticalmente en-
questão individual e toma cada vez mais a forma tre diferentes níveis. Isto explica certas ilusões
de um arranjo exclusivamente econômico e não dos missionários, no passado, que desejavam
mais essencialmente social (tradicionalmente a apenas uma culturação parcial dos indígenas ou
troca matrimonial tinha como finalidade princi- ainda dos agentes de desenvolvimento econômi-
pal a aliança entre dois grupos de parentesco). co de hoje: encorajar, por exemplo, a transferên-
Em certos casos, como as próprias esposas ga- cia das chamadas tecnologias "doces", para "res-
nham dinheiro, como comerciantes ou assala- peitar" a cultura de um país subdesenvolvido
riadas, elas podem deixar mais facilmente seus pode ter a longo prazo, efeitos tão desestrutura-
maridos, pois estão em condições de reembol- dores quanto a transferência de tecnologias "pe-
sar a compensação matrimonial. As separações sadas", supostamente mais devastadoras, pois é
tendem, então, a se multiplicar (enquanto uma toda a cadeia operatória tradicional que corre o
risco de ser modificada e, conseqüentemente, as Na análise de toda situação de acultura-
relações sociais que a ela estão ligadas. ção, é preciso levar em conta tanto o grupo que
dá quanto o grupo que recebe. Se respeitarmos
Uma tipologia das situações ele este princípio, descobriremos rapidamente que
contatos culturais não há cultura unicamente "doadora"nem cultu-
ra unicamente "receptora", propriamente dita.A
Retomando a idéia norte-americana de aculturação não se produz jamais em mão úni-
uma classificação necessária dos diferentes ti- ca. Por esta razão, Bastide propõe os termos "in-
pos de aculturação para evitar a descrição pura terpenetraçao"ou 11entrecruzamento"das cultu-
ou escapar da generalização abusiva, diante de ras, em lugar do termo aculturação que não in-
um processo extraordinariamente complexo, dica claramente esta reciprocidade de influên-
Bastide, por sua vez, vai criar uma tipologia. Fiel cia que, no entanto, raramente será simétrica.
ao princípio fixado por ele mesmo, ele integra Bastide constrói então sua tipologia a par-
em sua tipologia os quadros sociais nos quais se tir de três critérios fundamentais, um geral, o se-
efetua a aculturação. gundo cultural e o terceiro social [19660, p.
Ele define então diversas "situações" de 325]. O primeiro critério é a presença ou ausên-
contato, entre as quais, a "situação colonial", de- cia de manipulações das realidades culturais e
finida por Georges Balandier [1955]. Para se sociais. Três situações-tipos podem existir.
opor a Balandier, que afirmava, um pouco preci- s A situação de uma aculturação "espon-
pitadamente que a antropologia cultural não tânea", "natural", "livre" (na realidade, jamais
dava conta das situações sociais, Bastide lembra completamente). Trata-se de uma aculturação
que no Memorando, a questão foi abordada en- nem dirigida nem controlada. Neste caso, a mu-
quanto tal [1968,p. 106]. Mas esta parte do pro- dança decorre do simples jogo do contato e se
grama de pesquisa que o Memorando previa, faz, para cada uma das duas culturas presentes,
continuaria efetivamente sem grande desenvol- segundo sua lógica interna própria.
vimento nos Estados Unidos. Levar em conta as e A situação de uma aculturação organi-
diversas situações possíveis é importante em zada, mas forçada, em benefício de um só gru-
um plano metodológico, pois a concepção que po, como no caso da escravidão ou da coloniza-
se faz da aculturação (como fenômeno geral) ção. Há, então, vontade de modificar em curto
depende freqüentemente da "situação" particu- prazo a cultura do grupo dominado para subme-
lar na qual ela é estudada. tê-lo aos interesses do grupo dominante. A acul-
turação é, neste caso, parcial, fragmentária. Fre- Uma tentativa de explicação dos
qüentemente, ela é um fracasso (do ponto de fenômenos de aculturação
vista dos dominantes), pois há desconhecimen-
to dos determinismos culturais. Há freqüente- Bastide não se restringe à classificação dos
mente deculturação sem aculturação. fenômenos de aculturação. Ele procura também
& A situação da aculturação planejada, explicá-los analisando os diferentes fatores que
controlada, que se pretende sistemática e visa o podem desempenhar um papel no processo de
longo prazo. O planejamento se faz a partir do aculturação, sem esquecer os fatores não cultu-
suposto conhecimento dos determinismos so- rais [1960, p.326]. Os diferentes fatores podem
ciais e culturais. No regime capitalista, ela pode se reforçar mutuamente ou se neutralizar. Aten-
levar ao "neo-colonialismo". No regime comu- do-nos às variáveis mais determinantes, teremos
nista, ela pretende construir uma "sociedade o seguinte:
proletária" que ultrapasse e englobe as "culturas a O fator demográfico: qual dos grupos
nacionais". A aculturação planejada pode resul- em contato é majoritário numericamente e qual
tar de uma demanda de um grupo que deseja dos dois é minoritário? Mas a maioria estatística
ver evoluir seu modo de vida, por exemplo para não pode ser confundida com a maioria políti-
favorecer seu desenvolvemento econômico. ca. Na situação colonial, por exemplo, a maioria
O segundo critério, de ordem cultural, é a estatística é minoritária no plano político.
relativa homogeneidade ou heterogeneidade Um outro aspecto do fator demográfico é
das culturas presentes. a estrutura das populações em contato: sex
Enfim, o terceiro critério, de ordem social, ratio, pirâmide de idades, população composta
é a relativa abertura ou o fechamento das socie- sobretudo de solteiros (como na conquista das
dades em contato. As sociedades que têm um Américas ou em certos tipos de imigração) ou
caráter mais comunitário, e são pouco diferen- de famílias já constituídas, etc,
ciadas socialmente são mais permeáveis às in- ® O fator ecológico: onde se dá o contato?
fluências culturais externas, ao contrário das so- Nas colônias ou na metrópole? No meio rural
ciedades mais individualizadas e diferenciadas. ou no meio urbano?
Combinando os três critérios, obtém-se * O fator étnico ou "racial", enfim: qual é
doze tipos de situações de contatos culturais, a estrutura das relações interétnicas? Existem
cada um apresentando um aspecto geral, quase relações de dominação/subordinação? De que
político, um aspecto cultural e um aspecto so- tipo:"paternalista" ou "concorrencial" (os efeitos
cial próprios. são opostos)?
O que importa, no exame dos diversos fa- pel do meio externo e sobretudo sua relação
tores, é considerar o maior número de diferen- dialética com o meio interno. Esta dialética das
tes estruturas possíveis de relações sociais pois dinâmicas internas e externas leva a uma nova
é através delas que estes fatores agem. estruturação cultural na qual a causalidade in-
Situando-se em outro nível de explicação terna pode predominar quando a mudança é su-
mais abstrato, Bastide introduzira anteriormente perficial, ou na qual a causalidade externa pode
[1956] a idéia de duas causalidades que entram vencer se houver imitação cultural.
em relação dialética em todo processo de acul-
turação: a causalidade interna e a causalidade
externa. Ele não foi o primeiro a evocar estas
duas causalidades, mas sua contribuição pessoal
consistiu na insistência em provar a interação Apesar de ser muito atento aos detertninismos
constante entre elas. A causalidade interna de sociais, Koger Bastide não negligenciou o pon-
uma cultura é seu modo de funcionamento par- to de vista do sujeito. Retomando por sua con-
ticular, sua lógica própria. Ela pode favorecer ou ta a idéia de que são os indivíduos que se en-
ao contrário, freiar e até impedir as mudanças contram c não as culturas, ele tentava com-
culturais exógenas. Reciprocamente, a causali- preender o que se passava com os indivíduos
dade externa, ligada à mudança exógena, age so- em um processo de aculturação. Uma parte de
mente através da causalidade interna. sua obra é dedicada à explicação, a partir da an-
Esta dupla causalidade explica o fenôme- tropologia, da patologia de certos indivíduos vi-
no das reações em cadeia, citado anteriormente. vendo em contradições culturais insuperáveis.
Uma causa externa provoca uma mudança em No entanto, ele tinha sobretudo a preocupação
um ponto de uma cultura. Esta mudança vai ser de demonstrar que a aculturação não produz
"absorvida" por esta cultura em função de sua necessariamente seres híbridos, inadaptados e
lógica própria e vai provocar uma série de infelizes.
reajustes sucessivos. Em outras palavras, a causa- Para dar conta de um aspecto essencial da per-
lidade externa estimula a causalidade interna: sonalidade do homem em situação de acultura-
todo sistema cultural atingido em um ponto vai ção, Bastide criou o conceito de "princípio de
reagir para reencontrar uma certa coerência. corte" [1955],essencial na sua obra. Na origem
Bastide reconhece que Durkheim estava do conceito, há a descoberta do universo reli-
correto ao insistir na importância do meio inter- gioso afro-brasileiro.Ao longo de suas pesquisas
no. Mas ele se distancia dele ao evidenciar o pa-
na Bahia, ele constatou que os Negros podiam "cortado cm dois", contra a sua vontade, mas é
ser ao mesmo tempo e com toda a serenidade, ele que introduz os cortes entre seus diferentes
fervorosos adeptos do culto do Camdomblc e engajamentos.
agentes econômicos perfeitamente adaptados à O princípio do corte pode deste modo, agir no
racionalidade moderna, diferentemente de ou- nível das "formas" inconscientes do psiquismo,
tros analistas, ele não via nisso a marca de uma isto é, das estruturas perceptivas, mncmônicas,
contradição fundamental ou de uma conduta lógicas e afetivas, podem também aparecer
incoerente. Segundo ele, os Negros que vivem "cortes que tornam a inteligência ocidentaliza-
em uma sociedade pluricultural cortam o uni- da enquanto a afetividade continua indígena ou
verso social em um certo número dc"compar- vice-versa" [1970a, p.144].
timentos isolados" nos quais eles têm "partici- Dependendo das situações e particularmente
pações" de ordem diferente que, por isso mes- do tipo de relações entre os grupos de culturas
mo, não lhes parecem contraditórias. diferentes, o corte pode ou não se impor. O
Por esta analise, estendida em seguida a outras princípio do corte é sobretudo característico
situações, Roger Bastide renovou a abordagem de grupos minoritários, para os quais ele cons-
da questão da marginalidade, tal como havia titui um mecanismo de defesa da identidade
sido colocada pelos sociólogos da Escola de cultural. Pode-se observar atualmente todos os
Chicago. Para ele, o "homem marginal" não é al- tipos de exemplos no contexto da imigração,
guém que vive entre dois universos sociais e na França. Desde os anos setenta, por exemplo,
culturais, mas no interior dos dois universos, os imigrantes africanos, Soninké e Toucouleur.
sem que eles se comuniquem. Não é necessa- na maioria, vindos de sociedades muçulmanas
riamente um ser ambivalente ou infeliz, diferen- rigoristas, trabalham como operários em um
temente do homem psicologicamente margi- dos maiores abatedouros de carne de porco da
nal:"[...] oAfro-brasileiro escapa, pelo princípio Europa, em Collinée, na Bretanha, Apreciados
do corte, à desgraça da marginalidade (psíqui- por suas qualidades profissionais, eles se esta-
ca). O que se denuncia as vezes como a dupli- beleceram no local e trouxeram suas famílias e
cidade do Negro é o sinal de sua maior sinceri- amigos, constuindo progressivamente uma co-
dade; se ele joga em dois campos, é porque ele munidade no vilarejo. O contato cotidiano com
está realmente em dois campos" [1955, p. 498]. a carne de porco, para eles, pertence às neces-
Se a marginalidade cultural não se transforma sidades do trabalho industrial, considerado
em marginalidade psicológica, é devido ao como estritamente instrumental, como um sim-
princípio do corte. Não é o indivíduo que é ples ganha-pão e não altera em nada sua identi-
dade muçulmana, preservada aliás [Renault, a mínima influência externa. O processo de acul-
1992]. turação é um fenômeno universal, mesmo que
Continuando sua reflexão, Bastide chega a opor ele tenha formas e graus muito diversos.
uma concepção otimista da marginalidade cul- O processo que cada cultura sofre em si-
tural à concepção pessimista dominante. Se- tuação de contato cultural, processo de deses-
gundo ele, os homens em situação de margina- truturação e depois de reestruturação, é em
lidade cultural são particularmente criativos, realidade o próprio princípio da evolução de
adaptáveis e podem se tornar os líderes da mu- qualquer sistema cultural. Toda cultura é um
dança social e cultural. Pelo jogo dos cortes, processo permanente de construção, descons-
eles tiram partido da complexidade do sistema trução e reconstrução. O que varia é a importân-
social e cultural [1971, cap. 6]. cia de cada fase, segundo as situações .Talvez fos-
Definitivamente, o conceito tio princípio do se melhor substituir a palavra "cultura" por "cul-
corte apresenta a vantagem de permitir que se turação" (já contido em "aculturação") para su-
pense a mutação cultural, a descontinuidade e blinhar esta dimensão dinâmica da cultura.
não somente a mudança na continuidade como Por esta razão, como mostrou Bastide, o es-
tentaram fazer os culturalistas. tudo da fase de desconstrução é tão importante
do ponto de vista científico quanto a fase de re-
construção, pois é igualmente rica em ensina-
mentos. Ela revela que a deculturacão não é ne-
cessariamente um fenômeno negativo que re-
sulta na decomposição da cultura. Se por um
As pesquisas sobre o processo de acultura- lado, a deculturacão pode ser o efeito do encon-
ção renovaram profundamente a concepção tro das culturas, ela pode também agir, por ou-
que os pesquisadores tinham da cultura. Consi- tro lado, como causa de reconstrução cultural.
derar a relação íntercultural e as situações nas Bastide se apoia no caso exemplar (porque ex-
quais ela se efetua levou a uma definição dinâ- tremo) das culturas afro-americanas: apesar ou
mica da cultura. talvez por causa dos séculos de escravidão, ou
A perspectiva se inverteu: não se parte seja, de desestruturação social e cultural quase
mais da cultura para compreender a acultura- absoluta, os Negros das Américas criaram cultu-
ção, mas da aculturação para compreender a cul- ras originais e dinâmicas.
tura. Nenhuma cultura existe em "estado puro", Assim Bastide se opõe a Lévi-Strauss e sua
sempre igual a si mesma, sem ter jamais sofrido concepção da noção de estrutura que ele consi-

_L
dera estática demais. Ao invés de "estrutura", se- dutas delinqüentes. No entanto, na maior parte
ria preciso falar de "estruturação", "desestrutu- do tempo, a desestruturação é somente a pri-
ração"e "reestruturação". A cultura é uma cons- meira fase de uma recomposição cultural que
trução "sincrônica"que se elabora a todo instan- será mais ou menos importante. Às vezes, pode-
te através deste triplo movimento. Lévi-Strauss, se assistir a uma verdadeira "mutação" cultural,
de acordo com sua teoria estruturalista, tem ou seja, a descontinuidade vence a continuida-
uma visão muito pessimista dos fenômenos de de. Neste caso, Bastide fala de "aculturação for-
deculturação nas sociedades submetidas à colo- mal" porque ela atinge as próprias "formas" (as
nização. Para ele, esta deculturação só pode le- Gestalt) do psiquismo, isto é, as estruturas do in-
var à "decadência" cultural, "sintoma" de uma consciente "informadas" pela cultura. No outro
"doença que é comum a todas elas" [às socieda- caso, a aculturação é chamada de "material", ou
des deculturadas]: seja, atinge apenas os conteúdos da consciência
psíquica, o que faz a sua "matéria" (por exem-
No momento em que se desfazem, todas as so- plo, os valores, as representações) e que se ins-
ciedades convergem, por mais diferentes que creve nos fatos perceptíveis: difusão de um tra-
elas possam ter sido em seu estado original. Ha ço cultural, mudança de um ritual, propagação
culturas melasianas, africanas, americanas; mas de um mito,etc. [Bastide].
a decadência tem apenas um rosto (citado in Esta distinção permite que se apreenda
Bastide 11956, p. 85]). melhor um certo número de fenômenos, espe-
cialmente os chamados da"contra-aculturação",
Em certos casos, os fatores de decultura- por exemplo os movimentos messiânicos, os
ção podem dominar, a ponto de impedir qual- movimentos fundamentalistas e, de uma manei-
quer reestruturação cultural. Restos fragmentá- ra geral, todas as tentativas de "retorno às ori-
rios da cultura de origem podem coexistir com gens".A análise mostra que a contra-aculturação
contribuições fragmentárias da cultura vence- se produz somente quando a deculturação é su-
dora, mas não há ligação entre eles e as signifi- ficientemente profunda para impedir qualquer
cações profundas destes elementos estão perdi- recriação pura e simples da cultura original. E
das. Este conjunto heteróclito não constitui um ainda, muito freqüentemente, os movimentos
sistema. Esta desestruturação sem reestrutura- de contra-aculturação tomam emprestado, sem
ção possível provoca uma desorientação dos in- se dar conta, os modelos de organização e até os
divíduos, no sentido próprio de perda de rumo, sistemas inconscientes de representações da
que se traduz em patologias mentais ou em con- cultura dominante que eles pretendem comba-
ter. A contra-aculturação é quase sempre uma prolongado do que entre os diferentes estados
reação desesperada à aculturação formal. Pode- de um mesmo sistema cultural tomado em mo-
se tentar"africanizar","arabizar>>, voltar à"auten- mentos distintos de sua evolução histórica. Em
ticidade" original, mas o que se consegue é so- outras palavras, como foi mostrado por Bastide,
mente a limitação dos efeitos da aculturação a descontinuidade cultural é talvez mais presen-
material,*A contra-aculturação formal é, por sua te na ordem temporal do que na ordem espa-
vez, impossível. Ela não pode ser decretada, ela cial.A continuidade afirmada de uma dada cultu-
não vem de uma vontade consciente. A contra- ra depende geralmente bem mais da ideologia
aculturação, longe de ser uma volta às origens - do que da realidade. E esta pretensa continuida-
o que ela gostaria de ser - é apenas um tipo, en- de será tão mais afirmada quanto mais a descon-
tre outros, de uma nova estruturação cultura). tinuidade aparecer nos fatos: nos momentos de
Ela não produz o antigo, mas o novo. ruptura, o discurso da continuidade é uma
O desenvolvimento dos estudos sobre os "ideologia da compensação" [Bastide, 1970c].
fatos da aculturação levaram a um reexame do Esforçar-se para diferenciar as culturas,
conceito de cultura. A cultura é compreendida considerando-as como entidades separadas
a partir de então como um conjunto dinâmico, pode ser útil metodologicamente e teve um
mais ou menos homogêneo. Os elementos que grande valor heurístico na história da etnologia
compõem uma cultura não são jamais integra- para pensar a diversidade cultural. Onde come-
dos uns aos outros pois provêm de fontes diver- ça e onde acaba tal cultura particular? Interro-
sas no espaço e no tempo. Em outras palavras, gar-se sobre esta questão é interrogar-se sobre a
ha um "jogo" no sistema, especialmente porque "escala" apropriada no estudo e na descrição
se trata de um sistema extremamente comple- das culturas, responde Lévi-Strauss:
xo. Este jogo esta no interstício no qual a liber-
dade dos indivíduos e dos grupos se instala para Nós chamamos cultura todo conjunto etnográ-
"manipular" a cultura. fico que apresenta, em relação a outros, diferen-
Não existem, conseqüentemente, de um ças significativas, do ponto de vista da pesqui-
lado as culturas "puras" e de outro, as culturas sa. Se procurarmos determinar diferenças signi-
"mestiças". Todas, devido ao fato universal dos ficativas entre a América do Norte e a Europa,
contatos culturais, são, em diferentes graus, cul- nós as trataremos como culturas diferentes;
turas "mistas", feitas de continuidades e de des- mas, supondo que o interesse se volte para as
continuidades. Há geralmente mais continuida- diferenças significativas entre - digamos - Paris
de entre duas culturas que estão em contato e Marselha, estes dois conjuntos urbanos pode-
rão ser provisoriamente vistos como duas uni-
dades culturais. [...]Uma mesma coleção de in- Hierarquias Sociais e
divíduos, desde que ela seja objetivamente Hierarquias Culturais
dada no tempo e no espaço, depende simulta-
neamente de vários sistemas de cultura: univer-
sal, continental, nacional, provincial, local, etc. e
familiar, profissional, confessional, político, etc. Se a cultura não é um dado, uma herança
[1958, p. 325]. que se transmite imutável de geração em gera-
çãoré" porque ela é uma produção histórica, isto
Não há verdadeira descontinuidade entre é, uma construção que se inscreve na história e
as culturas que, pouco a pouco, estão em comu- mais precisamente na história das relações dos
nicação umas com as outras, ao menos no inte- grupos sociais entre si. Para analisar um sistema
rior de um dado espaço social. As culturas par- cultural, é então necessário analisar a situação so-
ticulares não são totalmente estranhas umas às ciohistórica que o produz como ele é (Balandier,
outras, mesmo quando elas acentuam suas dife- 1955].
renças para melhor se afirmar e se distinguir. O contato vem em primeiro lugar, histori-
Esta constatação deve levar o pesquisador a camente. Em seguida, há o jogo de distinção que
adotar um procedimento "continuísta" que pri- produz as diferenças culturais. Cada coletivida-
vilegie a dimensão racional interna e externa, de, no interior de uma situação dada, pode ter a
dos sistemas culturais em contato [Amselle, tentação de defender sua especificidade, fazen-
1990]. do um esforço através de diversos artifícios para
convencer (e se convencer) que seu modelo
cultural é original e lhe pertence. O caráter da
situação determinará se o jogo de distinção le-
vará a valorizar e a acentuar tal conjunto de di-
ferenças culturais mais do que outro.
As culturas nascem de relações sociais que
são sempre relações desiguais. Desde o início,
existe então uma hierarquia de fato entre as cul-
turas que resulta da hierarquia social. Pensar
que não há hierarquia entre as culturas seria su-
por que as culturas existem independentemen-
te umas das outras, sem relação umas com as ou- nifica, no entanto, voltar à afirmação que todos
tras, o que não corresponde à realidade. Se todas os grupos são iguais e que suas culturas são
as culturas merecem a mesma atenção e o mes- equivalentes.
mo interesse por parte do pesquisador, isto não Em um dado espaço social, existe sempre
leva à conclusão de que todas elas são social- uma hierarquia cultural. Karl Marx como Max
mente reconhecidas como de mesmo valor. Não Weber não se enganaram ao afirmar que a cultu-
se pode passar assim de um princípio metodo- ra da classe dominante é sempre a cultura domi-
lógico a um julgamento de valor. nante. Ao dizer isto, eles não pretendem eviden-
É preciso então fazer uma análise "polemo- temente afirmar que a cultura da classe domi-
lógica" das culturas, pois elas revelam conflitos; nante seria dotada de uma espécie de superiori-
elas se desenvolvem na tensão, às vezes na dade intrínseca ou mesmo de uma força de difu-
violência. No entanto, neste tipo de análise, é ne- são que viria de sua própria "essência" e que per-
cessário evitar as interpretações redutoras de- mitiria que ela dominasse "naturalmente" as ou-
mais, como a que supõe que o mais forte está tras culturas. Para Marx assim como para Weber,
sempre em condições de impor pura e simples- a força relativa de diferentes culturas em compe-
mente sua ordem (cultural) ao mais fraco. Na tição depende diretamente da força social relati-
medida em que a cultura real só existe se produ- va dos grupos que as sustentam. Falar de cultura
zida por indivíduos ou grupos que ocupam po- "dominante"ou de cultura "dominada" é então
sições desiguais no campo social, econômico e recorrer a metáforas; na realidade o que existe
político, as culturas dos diferentes grupos se en- são grupos sociais que estão em relação de do-
contram em maior ou menor posição de força minação ou de subordinação uns com os outros.
(ou de fraqueza) em relação às outras. Mas mes- jt Nesta perspectiva, uma cultura dominada
mo o mais fraco não se encontra jamais total- não é necessariamente uma cultura alienada, to-
mente desarmado no jogo cultural. talmente dependente. É uma cultura que, em
sua evolução, não pode desconsiderar a cultura
dominante (a recíproca também é verdadeira,
ainda que em um grau menor), mas que pode re-
Dizer que mesmo os grupos socialmente sistir em maior ou menor escala à imposição
dominados não são desprovidos de recursos cultural dominante. Como Claude Grignon e
culturais próprios, c sobretudo da capacidade Jean-Claude Passeron explicam [1989], as rela-
de reinterpretar as produções culturais que lhes ções de dominação cultural não se deixam
são impostas em maior ou menor grau, não sig- apreender pela análise da mesma maneira que
as relações de dominação social. Isto se dá por- em torno da noção de "cultura popular". Na
que as relações entre símbolos não funcionam França, as ciências sociais intervieram relativa-
segundo a mesma lógica que as relações entre mente tarde neste debate. Ele foi feito, sobretu-
grupos e indivíduos. Pode-se observar freqüen- do no início, isto é no século XIX, pelos analis-
temente defasagens entre os efeitos (ou contra- tas literários, pois estava restrito ao exame da li-
efeitos) da dominação cultural e os efeitos da teratura chamada de "popular", especialmente a
dominação social. Uma cultura dominante não literatura dos mascates. Em seguida, os folcloris-
pode se impor totalmente a uma cultura domi- tas alargaram esta perspectiva ao se interessa-
nada como um grupo pode fazê-lo em relação a rem pelas tradições camponesas. Apenas recen-
um outro grupo mais fraco. A dominação cultu- temente os antropólogos e sociólogos aborda-
ral nunca é total e definitivamente garantida e ram este campo de estudo.
por esta razão, ela deve sempre ser acompanha- A noção de cultura popular tem, desde sua
da de um trabalho para inculcar esta dominação origem, uma ambigüidade semântica, devido à
cujos efeitos não são jamais unívocos; eles são polissemia de cada um dos dois termos que a
às vezes "efeitos perversos", contrários às ex- compõe. Nem todos os autores que recorrem a
pectativas dos dominantes, pois sofrer a domi- esta expressão dão a mesma definição ao termo
nação não significa necessariamente aceitá-la. "cultura" e/ou "popular". O que torna o debate
Como é recomendado pelos dois sociólo- entre eles bastante difícil.
gos, o rigor metodológico impõe o estudo do Do ponto de vista das ciências sociais,
que as culturas dominadas devem ao fato de se- duas teses unilaterais diametralmente opostas
rem culturas de grupos dominados, e, conse- devem ser evitadas. A primeira, que poderíamos
qüentemente, ao fato de se construírem e se re- qualificar de minimalista, não reconhece nas
construírem em uma situação de dominação; culturas populares nenhuma dinâmica, nenhu-
mas isto não impede de estudá-las em si mes- ma criatividade próprias.As culturas seriam ape-
mas, isto é, como sistemas que funcionam se- nas derivadas da cultura dominante que seria a
gundo uma certa coerência própria, sem o que única reconhecida como legítima e que corres-
não faria mais sentido falar em cultura. ponderia então à cultura central, a cultura de re-
ferência. As culturas populares seriam apenas
As culturas populares culturas marginais. Seriam então cópias de má
qualidade da cultura legítima da qual elas se dis-
Evocar a questão das culturas dos grupos tinguiriam somente por um processo de empo-
dominantes é inevitavelmente evocar o debate brecimento. Elas seriam a expressão da aliena-
cão social das classes populares, desprovidas de ação. Por isso, elas apenas confirmam que toda
qualquer autonomia. Nesta perspectiva, as dife- cultura particular é uma reunião de elementos
renças que opõem as culturas populares à cultu- originais e de elementos importados, de inven-
ra de referência são analisadas como faltas, de- ções próprias e de empréstimos. Como qual-
formações, incompreensões. Em outras pala- quer cultura, elas não são homogêneas sem ser,
vras, a única "verdadeira cultura" seria a cultura por esta razão, incoerentes. As culturas popula-
das elites sociais, e as culturas populares seriam res são, por definição, culturas de grupos sociais
apenas seus subprodutos inacabados. subalternos. Elas são construídas então em uma
Em oposição a esta concepção miserabi- situação de dominação. Certos sociólogos, con-
lista está a tese maximalista que pretende ver siderando esta situação, evidenciam tudo o que
nas culturas populares, culturas que deveriam as culturas populares devem ao esforço de resis-
ser consideradas como iguais e mesmo supe- tência das classes populares à dominação cultu-
riores à cultura das elites. Para os adeptos desta ral. Os dominados reagem à imposição cultural
tese, as culturas populares seriam culturas au- pela ironia, pela provocação, pelo "mau gosto"
tênticas, culturas completamente autônomas mostrado voluntariamente. O folclore, especial-
que não deveriam nada à cultura das classes do- mente o folclore operário ou ainda, para tomar
minantes. A maioria deles afirmam que nenhu- um exemplo mais preciso, o folclore "de solda-
ma hierarquia entre as culturas, popular e "letra- do raso" no exército, fornece um grande núme-
da" poderia ser estabelecida. Alguns não se res- ro de ilustrações destes procedimentos de revi-
tringem a isto e, em uma derivação ideológica ravolta ou de manipulação irônicas das imposi-
populista, chegam até a defender que a cultura ções culturais. Neste sentido, as culturas popula-
popular seria superior à cultura das elites, pois res são culturas de contestação.
sua vitalidade viria da criatividade do "povo", Este aspecto existe nas culturas populares,
superior à criatividade das elites. É claro que não sendo, no entanto, suficiente para defini-las.
neste caso, estamos mais próximos de uma ima- E se insistirmos demais nesta dimensão "reati-
gem mítica da cultura popular do que de um es- va", correremos maior ou menor risco de cair na
tudo rigoroso da realidade. tese minimalista que nega qualquer criatividade
A realidade é bem mais complexa do que autônoma das culturas populares. Como é res-
é apresentado por estas duas teses extremas. As saltado por Grignon e Passeron, as culturas po-
culturas populares revelam-se, na análise, nem pulares não estão mobilizadas permanentemen-
inteiramente dependentes, nem inteiramente te em uma atitude de defesa militante. Elas fun-
autônomas, nem pura imitação, nem pura cri- cionam também "em repouso". Nem toda a alte-
ridade popular se encontra na contestação. Por racterizar por produtos próprios, ela se distin-
outro lado, os valores e as práticas de uma atitu- gue pelas "maneiras de viver com"estes produ-
de de resistência cultural não bastam para criar tos, isto é, pelas maneiras de utilizar os produtos
uma autonomia cultural suficiente para que sur- impostos pela ordem econômica dominante.
ja uma cultura original. Ao contrário, elas assu- Reabilitando a atividade de consumo to-
mem, sem querer, funções integradoras, pois são mada em seu sentido mais amplo, Certeau defi-
facilmente "cooptáveis" pelo grupo dominante ne então a cultura popular como sendo uma
(aqui também o exemplo do folclore "de solda- "cultura de consumo". É difícil de identificar
do raso" é pertinente). esta cultura de consumo, pois ela é caracteriza-
Sem esquecer a situação de dominação, é da pela astúcia e pela clandestirüdade.Além dis-
talvez mais correto considerar a cultura popular so, este "consumo - produção cultural" é muito
como um conjunto de "maneiras de viver com" disperso, insinuando-se em toda a parte, mas de
esta dominação, ou, mais ainda como um modo maneira discreta. Em outras palavras, o consumi-
de resistência sistemática à dominação. Desen- dor não poderia ser identificado ou qualificado
volvendo esta idéia, Michel de Certeau [1980] a partir dos produtos que ele assimila. É preciso
define a cultura popular como a cultura "co- encontrar o "autor" sob o consumidor: entre ele
mum" das pessoas comuns, isto é, uma cultura (que usa os produtos) e os produtos (índices da
que se fabrica na cotidiano, nas atividades ao ordem cultural que se impõem a ele), há a defa-
mesmo tempo banais e renovadas a cada dia. sagem do uso que ele dá aos produtos. A pes-
Para ele, a criatividade popular não desapare- quisa sobre as culturas populares se situa preci-
ceu, mas não está necessariamente onde a bus- samente nesta defasagem.
camos, nas produções perceptíveis e claramen- Os usos devem ser analisados em si mes-
te identificáveis, Ela é multiforme e dissemina- mos. Eles são autênticas "artes do fazer" que, se-
da: "Ela foge por mil caminhos". gundo Certeau, dependendo do caso, têm pa-
Para captá-la, é preciso captar a inteligência rentesco com o "faça você mesmo", com a bri-
prática da pessoas comuns, principalmente no colagem, com a improvisação, com o ilícito, isto
uso que elas fazem da produção de massa. Para é, com práticas multiformes e combinatórias,
uma produção racionalizada, padronizada, ex- sempre anônimas. Por estas maneiras de fazer,
pansionista e ao mesmo tempo centralizada, cor- os consumidores dão uma outra função aos pro-
responde uma outra produção chamada por dutos padronizados, diferente daquela que havia
Certeau de"consumo".Para ele, trata-se realmen- sido projetada para eles.
te de uma "produção", pois apesar de não se ca-
Michel de Certeau chega até a evocar uma de da arte da bricolagem, que ele opõe à inven-
analogia entre esta atividade de consumo dis- ção técnica, baseada no conhecimento científi-
pliscente e a atividade de colheita nas socieda- co: o universo instrumental de quem faz a bri-
des tradicionais. Consumidores e colhedores colagem é fechado, ao contrário do universo do
produ/em pouco materialmente, mas são mui- engenheiro: "o pensamento mítico se exprime
to engenhosos para tirar proveito do meio que com a ajuda de um repertório limitado, cuja
os cerca. Esta engenhosidade é tão criativa cul- composição é heteróclita; no entanto, ele é
turalmente quanto a que resulta em produtos obrigado a usar este repertório em qualquer
específicos. Estes produtos-mercadorias são, de que seja a circunstância, pois não possui mais
certa maneira, o repertório com o qual os con- nada à sua disposição. O pensamento mítico
sumidores fazem operações culturais que lhes aparece assim como uma espécie de bricola-
são próprias. gem intelectual, o que explica as relações que
Tal análise tem o mérito de mostrar que se se pode observar entre os dois" [1962, p. 26].
uma cultura popular é obrigada a funcionar, ao Lévi-Strauss se interessa então pela maneira
menos em parte, como cultura dominada, no como a criatividade mítica examina os arranjos
sentido em que os indivíduos dominados de- possíveis a partir de um estoque limitados de
vem sempre "viver com" o que os dominantes matérias desiguais, das mais diversas origens
lhe impõem ou lhe recusam, isto não impede (heranças, empréstimos...). A criação consiste
que ela seja uma cultura inteira, baseada em va- em uma nova disposição de elementos preesta-
lores e práticas originais que dão sentido à sua belecidos cuja natureza não pode ser modifica-
existência. da. Estes elementos são resíduos, fragmentos,
restos que, pela bricolagem vão constituir um
conjunto estruturado original. A inserção des-
tes materiais neste novo conjunto, ainda que
não transforme a sua natureza, fará que eles di-
gam algo diferente do que eles diziam antes:
Devemos a Lévi-Strauss [1962] a aplicação da
uma nova significação nasce desta disposição
noção de bricolagem (colagem, construção,
compósita final.
conserto, arranjo feito com materiais diversos)
A metáfora da bricolagem obteve rapidamente
aos fatos culturais. Ele usa a metáfora da brico-
um grande sucesso e foi estendida a outras for-
lagem no contexto de sua teoria do pensamen-
mas de criação cultural. Ela foi usada para ca-
to mítico. Segundo ele, a criação mítica depen-
racterizar o modo de criatividade próprio das um novo conjunto leva necessariamente a dar
culturas populares [Certeau, 1980] e das cultu- uma nova significação a estes materiais de acor-
ras imigradas [Schnapper, 1986], assim como do com a significação do conjunto.
dos novos cultos sincréticos do terceiro mundo Atualmente, uma certa inflação do uso da no-
ou das sociedades ocidentais. Roger Bastide ção de bricolagem leva ao risco de enfraquecer
também contribuiu de maneira decisiva para a seu valor heurístico, como observa André Mary.
extensão desta noção. Em um artigo intitulado Querer considerar todas as formas de sincretis-
"Memória coletiva e sociologia da bricolagem" mo, mesmo as mais superficiais e efêmeras,
[1970], ele mostrou que esta noção dá conta como participantes de uma bricolagem criati-
não somente de processos culturais acabados, va, no sentido dado por Lévi-Strauss, é um con-
mas também de transformações em curso. Lévi- tra senso. Um grande número de manifestações
Strauss, através dos mitos ameríndios, estudou da cultura chamada de "pós-moderna" corres-
"uma matéria composta há muito tempo"; pondem mais a uma"colagem"(briscollage), do
Bastide, ao examinar os casos das culturas afro- que a uma verdadeira bricolagem, segundo
americanas, observa a "bricolagem se fazendo" Mary. [Mary, 1994].
[ibid.,<p. 100].
Por outro lado, pela analogia que ele estabelece
entre os mecanismos do pensamento mítico e
os da memória coletiva, Bastide estende consi- No entanto, esta análise não evidencia su-
deravelmente o alcance da metáfora, cuja apli- ficientemente a ambivalência das culturas po-
cação não vai ser reservada unicamente aos mi- pulares que Grignon e Passeron consideram
tos. No caso de culturas negras das Américas, a como uma característica essencial. Para eles,
bricolagem permite preencher as lacunas da
uma cultura popular é ao mesmo tempo uma
memória coletiva, profundamente perturbada cultura de aceitação e uma cultura de negação.
pela escravidão e pela transferência de local.
O que leva uma mesma prática a ser interpreta-
Neste caso, a bricolagem é restauração: ela faz
da como participando de suas lógicas opostas.
uma espécie de "colagem", de "remendo", a par-
Para dar um exemplo, a atividade de bricolagem
tir de materiais recuperados que podem ser
nas classes populares foi analisada por certos
sociólogos como dependente da necessidade,
emprestados de diferentes culturas, desde que
como um prolongamento da alienação do traba-
se insiram funcionalmente no conjunto que
lho, pois o próprio operário seria obrigado a
constitui a memória coletiva. Esta inserção em
realizar o que ele não tivesse condições de ad-
quirir ou mesmo, em outras análises, ele realiza- culturais autônomas para as classes populares.
ria por não saber fazer de seu tempo livre outra Os lugares e os momentos subtraídos da con-
coisa diferente de um tempo de trabalho, Mas, frontação desigual são múltiplos e variados: é a
outros pesquisadores afirmam que a bricolagem folga do domingo, a arrumação da casa de acor-
é também uma criação livre, em que o indivíduo do com o gosto do seu proprietário, são os luga-
é o dono da gestão de seu tempo, da organiza- res e os momentos de socialização com seus pa-
ção de sua atividade, da utilização do produto fi- res (cafés, jogos ...), etc. Grignon e Passeron con-
nal. Este segundo aspecto explica o sucesso da cluem daí que a aptidão para a alteridade cultu-
bricolagem como lazer: a bricolagem reintroduz ral dos mais fracos é talvez mais produtiva sim-
um espaço de autonomia em universo de obri- bolicamente quando eles estão "à distância" dos
gações. Na realidade, a bricolagem (como a jar- mais fortes, escapando assim ao confronto. O
dínagem ou a costura e o tricô, para as mulheres isolamento, mesmo quando ele representa mar-
assalariadas) pode ser feita de tédio, de trabalho ginalização, pode ser fonte de autonomia (relati-
forçado e do prazer da iniciativa, da obrigação e va) e de criatividade cultural.
da liberdade.
Ao darmos demasiada atenção ao que as A noção de "cultura de massa"
culturas populares devem ao fato de serem cul-
turas de grupos dominados, corremos o risco de A noção de "cultura de massa" obteve um
minimizarmos de maneira excessiva sua relativa grande sucesso na década de sessenta. Este su-
autonomia. Heterogêneas, estas culturas são em cesso deveu-se, em parte, à sua imprecisão se-
certos aspectos mais marcadas pela dependên- mântica e à associação paradoxal, do ponto de
cia em relação à cultura dominante e, ao contrá- vista da tradição humana, dos termos "cultura" e
rio, em outros aspectos, mais independentes. E "massa". Não é surpreendente que esta noção
isto se dá porque os grupos populares não estão tenha sido utilizada para embasar análises de
sempre e em toda a parte confrontados ao gru- orientação sensivelmente diferentes.
po dominante. Nos lugares e nos momentos em Certos sociólogos, como Edgar Morin
que eles se encontram "a sós", o esquecimento [1962] por exemplo, enfatizam o modo de pro-
da dominação social e simbólica permite uma dução desta cultura, que obedece aos esquemas
atividade de simbolização original. De fato, é o da produção industrial de massa. O desenvolvi-
esquecimento da dominação e não a resistência mento dos meios de comunicação de massa
à dominação que torna possíveis as atividades acompanha a introdução cada vez mais determi-
nante dos critérios de rendimento e de rentabili- mais vulneráveis à mensagem da mídia. Estudos
dade em tudo o que se refere à produção cultu- sociológicos mostraram que a penetração da co-
ral. A "produção" tende a suplantar a "criação". municação da mídia é mais profunda nas classes
No entanto, a maioria dos autores dedicam médias do que nas classes populares.
suas análises essencialmente à questão do con- É essencial que se considerem as condi-
sumo da cultura produzida pelas mass media. ções de recepção. Richard Hoggart mostrou que
Boa parte destas análises parecem concluir que a receptividade das classes populares à mensa-
há uma certa forma de nivelamento cultural en- gem midiática é muito seletiva. Ela depende do
tre os grupos sociais sob o efeito da uniformiza- que chamamos de "atenção oblíqua", que vem
ção cultural que seria ela própria a conseqüên- de uma atitude geral de prudência e até de ceti-
cia da generalização dos meios de comunicação cismo em relação a tudo o que não emana do
de massa. Nesta perspectiva, supõe-se que as mí- meio popular ao qual se pertence:"É preciso sa-
dias provoquem uma alienação cultural, uma ber pegar e largar", e sobretudo não confundir a
aniquilação de qualquer capacidade criativa do vida "séria" e o divertimento sem conseqüência
indivíduo, que, por sua vez, não teria meios de [Hoggart, 1957].
escapar à influência da mensagem transmitida. Um estudo da comunicação de massa não
Ora, a noção de massa é imprecisa, pois se- pode se contentar em analisar os discursos e as
gundo as análises, a palavra "massa"remete tan- imagens difundidos. Um estudo completo deve
to ao conjunto da população como ao seu com- prestar tanta ou até mais atenção ao que os con-
ponente popular. Evocando sobretudo este se- sumidores fazem com o que eles consomem.
gundo caso, certos pesquisadores chegaram até Eles não assimilam passivamente os programas
a denunciar o que eles consideram um "embru- divulgados. Eles se apropriam deles, reinterpre-
tecimento"das massas. Estas conclusões vêm de tam-nos segundo suas próprias lógicas culturais.
um duplo erro. Por um lado, confunde-se "cultu- Uma série de televisão americana como Dallas,
ra para as massas"e "cultura das massas". Não é que obteve um sucesso quase mundial, até nas
porque certa massa de indivíduos recebe a mes- favelas de Lima, no Peru, ou nas aldeias saarianas
ma mensagem que esta massa constitui um con- da Argélia, não foi compreendida da mesma ma-
junto homogêneo. É evidente que há uma certa neira nem assistida pelas mesmas razões em to-
uniformização da mensagem midiática mas, isto dos os lugares, em todos os meios sociais. Por
não nos permite deduzir que haja uniformiza- mais "padronizado" que seja o produto de uma
ção da recepção da mensagem. Por outro lado, emissão, sua recepção não pode ser uniforme e
é falso pensar que os meios populares seriam depende muito das particularidades culturais de
cada grupo, bem como da situação que cada co, pois eles remetem a imagens inconscientes, a
grupo vive no momento da recepção. aprendizados e a lembranças de infância. As cli-
vagens sociais vão se inscrever até na escolha
As culturas de classe dos legumes e das carnes, das frutas e das sobre-
mesas. Há carnes "burguesas", como o carneiro e
O fraco valor heurístico da noção de cultu- a vitela e carnes "populares"como o porco, a
ra de massa e a imprecisão das noções de cultu- coelho e as salsichas frescas (na França). Há tam-
ra dominante e de cultura popular, às quais se bém uma hierarquia dos legumes frescos, indo
acrescenta a evidência da relativa autonomia dos mais sofisticados (as endívias) aos mais cam-
das culturas das classes subalternas, levaram os poneses (os aipos) e aos mais operários (as bata-
pesquisadores a reconsiderar positivamente o tas). O modo de preparo culinário é também re-
conceito de cultura (ou subcultura) de classe, velador dos gostos de classe. Comer é então um
baseando-se, não mais nas deduções filosóficas, modo de marcar sua vinculação a uma classe so-
como em uma certa tradição marxista, mas em cial particular [Grignon, Cl. e Ch., 1980].
pesquisas empíricas.
Numerosos estudos mostraram que os sis- Max Weber c o aparecimento da
temas de valores, os modelos de comportamen- classe dos empresários capitalistas
to e os princípios de educação variam sensivel-
mente de uma classe a outra. Estas diferenças Deve-se talvez a Max Weber (1864 -1920)
culturais podem ser observadas até nas práticas um dos primeiros ensaios que relacionam os fa-
cotidianas mais comuns. Deste modo, Claude e tos culturais e as classes sociais, Em seu estudo
Christiane Grignon mostraram que às diversas mais conhecido,^ ética protestante e o espíri-
classes sociais correspondem estilos de alimen- to do capitalismo, publicado em 1905, ele ten-
tação diferentes. O abastecimento num mesmo ta demonstrar que os comportamentos econô-
supermercado, que pode dar a impressão de micos da classe dos empresários capitalistas
uma homogeneização dos modos de consumo, são compreensíveis somente se levarmos em
dissimula escolhas diferenciadas. No campo da consideração a sua concepção de mundo e seu
alimentação, os hábitos ligados às tradições dos sistema de valores. Não é por acaso que esta
diferentes meios sociais são bastante estáveis. A classe surgiu inicialmente no Ocidente. Para
principal razão disto não são as diferenças de po- Weber, seu surgimento é devido a uma série de
der de compra.As práticas alimentares estão pro- mudanças culturais ligadas ao nascimento do
fundamente ligadas aos gostos que variam pou- protestantismo.
O que Max Weber pretende estudar nesta [...] no começo dos tempos modernos, os em-
obra não é a origem do capitalismo, no sentido presários não foram os únicos portadores ou os
mais amplo do termo, mas a formação da cultu- principais apóstolos do que chamamos aqui de
ra - que ele chama de "espírito" - de uma nova espírito do capitalismo, mas este papel coube
classe de empresários que criou, de certa manei- principalmente às camadas da classe média in-
ra, o capitalismo moderno: dustrial que procuravam uma ascensão [(1905)
1964, p. 67j.
Conseqüentemente, em uma história universal
da civilização, o problema central - mesmo do O que caracteriza esta classe média, segun-
ponto de vista puramente econômico - não do os próprios termos de Max Weber, é um "es-
será. para nós, em última análise, o desenvolvi- tilo de vida", um "modo de vida", ou seja, uma
mento da atividade capitalista enquanto talf ati- cultura particular, baseada em um novo ethos
vidade que tem uma forma diferente de acordo (novos costumes), que constitui uma ruptura
com as civilizações [...]; mas, o desenvolvimen- com os princípios tradicionais. Este ethos é de-
to do capitalismo de empresa burguês com finido por Weber como um "ascetismo secular".
sua organização racional do trabalho livre, ou, O ethos capitalista implica uma ética da
para nos exprimirmos cm termos de história consciência profissional e uma valorização do
das civilizações, nosso problema será o do nas- trabalho como atividade que tem um fim em si
cimento da ciasse burguesa ocidental com seus mesma. O trabalho não é somente um meio
pelo qual se obtêm os recursos necessários para
traços distintivos [(1905) 1964, p. 17 -18).
viver. O trabalho dá sentido à vida. Pelo traba-
Mais do que a grande burguesia tradicio- lho, a partir de agora "livre" devido à introdução
nal, a classe que vai desempenhar um papel de- do salário, o homem moderno se realiza en-
cisivo no progresso do capitalismo moderno, é quanto pessoa livre e responsável.
O trabalho torna-se um valor central do
a média burguesia./'classe em plena ascensão
novo modo de vida, o que supõe que se dedique
na qual se recrutavam principalmente os em-
a ele o essencial da energia e do tempo, isto não
presários" \ibid. nota l,p.67] no começo da era
implica, no entanto, que o enriquecimento pes-
industrial. É ela que se encontra em maior ade-
soal seja o objetivo procurado. O enriquecimen-
quação com o sistema de valores do capitalismo to como fim em si mesmo não é característico
moderno e que vai contribuir mais eficazmente
do capitalismo moderno.Ao contrário, busca-se
para sua difusão: o lucro (medido pela rentabilidade do capital in-
vestido) e a acumulação do capital. Isto supõe, to ascético e de seu ardor no trabalho. Nesta
da parte dos indivíduos, uma certa forma de "as- perspectiva, o sucesso profissional é interpreta-
cese",de comedimento e de discreção,muito di- do como um sinal de eleição divina. Só diante
ferentes da lógica da prodigalidade e da ostenta- de Deus, liberado da tutela da Igreja, o indivíduo
ção do sentido tradicional da honra. Os indiví- torna-se uma pessoa totalmente responsãvel.
duos não devem se acomodar com seus ganhos Weber constata então uma congruência
nem se deixar levar por um usufruto estéril de entre a ética da Reforma protestante e o espíri-
seus bens. Eles devem usar seus lucros de uma to do capitalismo moderno. Tudo se passou
maneira socialmente útil, isto é, convertendo-os como se o purítanismo calvinista tivesse criado
em investimentos. As novas virtudes seculares um ambiente cultural favorável ao desenvolvi-
reconhecidas são o sentido de poupança, de mento do capitalismo pela difusão dos valores
abstinência, de esforço, que são o fundamento ascéticos secularizados. Isto explica porque são
da disciplina das sociedades industriais. os indivíduos culturalmente marcados pelo pro-
Quem são estes novos empresários que in- testantismo que formam inicialmente a classe
troduzem uma nova forma de comportamento dos novos empresários. O ethos protestante per-
social e econômico? Max Weber responde que mite compreender a lógica comum de compor-
são os protestantes puritanos que apenas trans- tamentos que poderiam parecer contraditórios:
formam o ascetismo religioso em um ascetismo o desejo do capitalista de acumular riquezas e
secular. O espírito do capitalismo só pode ser sua recusa em usufruí-las.
compreendido ao se revelar sua fonte de inspi- Através de "um longo, um perseverante
ração: o ascetismo protestante que de uma cer- processo de educação" [íbtd. p. 63], o ethos ca-
ta forma lhe garante sua legitimidade. A Refor- pitalista ganha progressivamente outros grupos
ma, e sobretudo o calvinismo, lançaram a idéia sociais, inclusive os operários, até se estender
que a "vocação" do cristão se realiza no melhor sobre o conjunto da sociedade. Esta extensão é
exercício cotidiano de sua profissão do que na acompanhada de uma "racionalização" da vida
vida monástica. Através de seu trabalho, o ho- social e da vida econômica, submetidas a uma
mem contribui para manifestar a glória de Deus. organização cada vez mais metódica e até cien-
Ele não tem nenhum meio de obter, por si só, a tífica, que tenta ultrapassar a ordem do afetivo e
graça de Deus, e ainda menos por meio de prá- do emocional.
ticas mágicas ou supersticiosas em menor ou Contrariamente ao que escreveram alguns
maior grau. Ele só pode se submeter a seu desti- de seus detratores, o projeto de Weber não era
no e servir a Deus através de seu comportamen- explicar o capitalismo pelo protestantismo. Ele
pretendia somente observar e compreender de produção. Analisando a estrutura de uma série
uma certa "afinidade eletiva" entre a ética puri- de orçamentos de famílias operárias, ele estabele-
tana e o espírito do capitalismo. Ele queria tam- ceu um vínculo entre a natureza do trabalho ope-
bém demonstrar que os problemas simbólicos e rário e as formas do consumo operário.
ideológicos são dotados de uma relativa autono- Richard Hoggart, um pesquisador inglês
mia e podem exercer uma real influência sobre de origem operária, produziu uma das mais mi-
a evolução dos fenômenos sociais e econômi- nuciosas descrições da cultura operária e uma
cos. Fazendo isto, ele se opunha à tese do "mate- das mais finas análises de sua relação com a cul-
rialismo histórico" que ele considerava "simplis- tura "letrada" burguesa. Em seu livro publicado
ta". Segundo esta tese, as idéias, os valores e as em 1957 e que se tornou um clássico,^! Cultu-
representações seriam apenas o reflexo ou a su- ra do Pobre; Estudo sobre o estilo de vida das
perestrutura, de situações econômicas dadas classes populares na Inglaterra, Hoggart se de-
[ibid.,p. 52]. dica a uma etnografia da vida cotidiana até seus
detalhes mais íntimos, fazendo aparecer a espe-
A cultura operária cificidade sempre atual da cultura operária,
apesar das mudanças importantes ocorridas
Na França, as pesquisas sobre as culturas desde o começo do século nas condições mate-
de classe trataram principalmente da cultura riais de vida dos operários e no desenvolvimen-
operária. Para Michel Bozon, to da comunicação de massa. O sentimento fre-
qüente de vinculação a uma comunidade de
é talvez a fraca visibilidade social da classe vida e de destino provoca uma bipartição fun-
[operária], junto à sua grande acessibilidade, damental do mundo social entre "eles" e "nós".
quê atraem os pesquisadores de ciências so- Esta bipartição se traduz por um grande confor-
ciais para o que eles pensam ser uma terra in- mismo cultural e, de maneira muito concreta,
cógnita [l 985, p. 46}. pelas escolhas orçamentárias que dão priorida-
de aos bens que se prestam a uma utilização co-
A análise da cultura operária deve muito aos letiva e, por isso mesmo, ao reforço da solida-
trabalhos precursores de Maurice Halbwachs, em riedade familiar.
particular à sua tese intitulada A Classe Operária Praticamente não existem mais, nos dias
e os Níveis de Vida, publicada em 1913. Para ele, de hoje, comunidades operárias no sentido es-
as necessidades que orientam as práticas culturais trito, agrupadas em um mesmo bairro, desenvol-
dos indivíduos são determinadas pelas relações vendo uma sociabilidade intensa de vizinhança
e reunindo toda a população em intervalos re- meras representações de si mesma, representa-
gulares nas festas coletivas. O particularismo ções literárias, cinematográficas, jornalísticas.
cultural operário, seja na linguagem, nas roupas, No entanto, pretendendo conservar o domínio
nas casas, etc. tornou-se menos visível sem, no de sua própria representação, ela se defende
entanto, ter desaparecido. A "privatização" dos cuidadosamente contra a curiosidade dos pes-
modos de vida operária se acentuou, com um quisadores e de sms análises. Por outro lado,
forte recuo para o espaço familiar. No entanto, uma das características dos burgueses enquanto
esta evolução, estudada particularmente por indivíduos, é o fato de não se reconhecerem
OHvier Schwartz, não representa o declínio como tais, de recusarem que os qualifiquem por
puro e simples dos espaços sociais em benefí- este termo.A cultura burguesa é raramente uma
cio dos espaços privados, mas significa que os cultura que as pessoas reivindicam e da qual se
espaços privados fazem atualmente uma con- orgulham. Daí a dificuldade de estudá-la de ma-
corrência muito mais fortes aos espaços sociais. neira empírica.
Por outro lado, o próprio espaço privado operá- Devemos a Beatrix Lê Wita uma das pri-
rio é organizado segundo normas específicas: a meiras abordagens etnográficas da cultura bur-
vida familiar cotidiana é especialmente marcada guesa, ao fazer uma pesquisa principalmente so-
por uma estrita divisão sexual dos papéis bre os colégios particulares católicos Sainte-
[Schwartz, 1990]. De uma maneira geral, como Marie de Paris e de Neuilly, e sobre as mulheres
observa Jean-Pierre Terrail, as evoluções cultu- saídas destas instituições. Para analisar a cultura
rais que acompanham a entrada dos operários burguesa, ela toma três elementos fundamen-
no que ele chama de "a era da abundância" são tais: a atenção dada aos detalhes e, em particular
mais uma adaptação das antigas normas do que ao detalhe vestimentar, estas "pequenas coisas"
a adoção de novas normas tomadas do exterior que mudam tudo e fazem a "distinção"; o con-
[Terrail, 1990]. trole de si mesmo, que vem do ascetismo e que
Max Weber considerava como uma propriedade
essencial da burguesia capitalista; enfim, a ri-
tnalização das práticas da vida cotidiana, entre
As pesquisas sobre a cultura burguesa, no as quais as boas maneiras à mesa tomaram uma
sentido etnológico do termo, são bem mais re- grande importância:
centes. Este atraso deve-se a vários fatores, prin-
cipalmente os fatores metodológicos.Ao contrá- A refeição é, de fato, vivida conscientemente
rio do mundo operário, a burguesia produz inú- como um momento privilegiado de socializa-
çao em torno do qual se concentra e se trans- da cultura (que adota a acepção restrita do ter-
mite o conjunto dos signos distintivos do gru- mo), porque se dedica à elucidação dos meca-
po familiar burguês [LeWita, 1988, p. 84]. nismos sociais que dão origem à criação artísti-
ca e dos que explicam os diferentes modos de
A estes três elementos ela acrescenta um consumo da cultura (no sentido restrito), segun-
outro, igualmente característico: a manutenção do os grupos sociais. Para suas análises, as práti-
e o uso constante de uma memória familiar, pro- cas culturais estão estreitamente ligadas à estra-
funda e precisa. tificação social.
Outras pesquisas realizadas nos anos Bourdieu trata da cultura no sentido antro-
oitenta, completam e especificam este quadro pológico, recorrendo a um outro conceito, o
da cultura burguesa e evidenciam a função pri- "habitus". Ele não foi propriamente seu criador
mordial da socialização das instituições priva- (ver Héran [1987]), mas o pesquisador que o
das, freqüentemente as escolas católicas, cujo usou de maneira mais sistemática. Em sua obra
modelo histórico é o colégio jesuíta, comple- O Sentido Pratico ele explica mais detalhada-
mento muito eficaz da educação familiar [Saint- mente sua concepção do "habitus":
Martin, 1990;Faguer, 1991].
[os habitus] são sistemas de disposições durá-
.Bourdieu e u noção de "habiíus" veis e transponíveis, estruturas estruturadas
predispostas a funcionar como estruturas es-
Nas suas análises sobre as diferenças cultu- truturantes, isto é, a funcionar como princípios
rais que opõem os grupos sociais, sejam as só geradores e organizadores de práticas e de re-
ciedades industrializadas ou as chamadas socie- presentações que podem ser objetivamente
dades tradicionais, como a sociedade kabyla, adaptadas a seu objetivo sem supor que se te-
por exemplo, à qual Pierre Bourdieu dedica vá- nham em mira conscientemente estes fins e o
rios trabalhos, ele usa raramente o conceito an- controle das operações necessárias para obtê-
tropológico de cultura. Em seus textos, a palavra los[...] [1980a, p. 88].
"cultura" é tomada geralmente em um sentido
mais restrito e mais clássico, que remete às As disposições tratadas aqui são adquiridas
"obras culturais", isto é, aos produtos simbólicos por uma série de condicionamentos próprios a
socialmente valorizados ligados ao domínio das certos modos de vida particulares. O habitus é o
artes e das letras. Bourdieu é considerado como que caracteriza uma classe ou um grupo social
um dos principais representantes da sociologia em relação aos outros que não partilham das
mesmas condições sociais. Às diferentes posi- O habitus é também incorporação da me-
ções em um espaço social dado correspondem mória coletiva, em seu sentido próprio. As dis-
estilos de vida que são a expressão simbólica posições duráveis que caracterizam o habitus
das diferenças inscritas objetivamente nas con- são também disposições corporais que consti-
dições de existência. tuem a"hexis corporal" (a palavra latina habitus
Bourdieu afirma que o "habitus funciona é a tradução do grego bexis), Estas disposições
como a material! zação da memória coletiva que formam uma relação com o corpo que dá a cada
reproduz para os sucessores as aquisições dos grupo um estilo particular. Mas Bourdieu obser-
precursores" [1980a, nota 4, p. 91]- Ele permite va que a hexis corporal é muito mais que um es-
ao grupo "perseverar em seu ser" \lbid. ]. O habi- tilo próprio. Ela é uma concepção de mundo so-
tus é profundamente interiorizado e não impli- cial "incorporada", uma moral incorporada.
ca consciência dos indivíduos para ser eficaz. Cada pessoa, por seus gestos e suas posturas, re-
Ele é "capaz de inventar meios novos de desem- vela o habitus profundo que o habita, sem se dar
penhar as antigas funções diante de situa-ções conta e sem que os outros tenham necessa-
novas" \ibid.~\. Ele explica porque os membros riamente consciência disso. Pela hexis corporal,
de uma mesma classe agem freqüentemente de as características sociais são de certa forma "na-
maneira semelhante sem ter necessidade de en- turalizadas" : o que parece e o que é vivido como
trar em acordo para isso. "natural" depende, na realidade de um habitus.
O habitus é então o que permite aos indi- Esta "naturalização" do social é um dos mecanis-
víduos se orientarem em seu espaço social e mos que garantem mais eficazmente a perenida-
adotarem praticas que estão de acordo com sua de do habitus.
vinculação social. Ele torna possível para o indi- A homogeneidade dos habitus de grupo
víduo a elaboração de estratégias antecipadoras ou de classe, que garante a homogeneização dos
que são guiadas por esquemas inconscientes, gostos, é o que torna imediatamente inteligíveis
"esquemas de percepção, de pensamento e de e previsíveis as preferências e as práticas, "con-
ação" \ibld. p. 91] que resultam do trabalho de sideradas como evidentes" [1980a, p. 97]. Reco-
educação e de socialização ao qual o indivíduo nhecer a homogeneidade dos habitus de classe
está submetido e de "experiências primitivas" não implica negação da diversidade dos "estilos
que a ele estão ligadas e que têm um "peso des- pessoais". No entanto, estas variantes indi-
mesurado" [ibid.,p. 90] em relação às experiên- viduais devem ser compreendidas, segundo
cias posteriores. Bourdieu, como "variantes estruturais" pelas
quais se revela"a singularidade da posição no in-
terior da classe e da trajetória" [íbid.,p. 101]. Cultura e Identidade
A noção de "trajetória social" permite que
Bourdieu escape de uma concepção fixista do
habitus. Para ele, o habitus não é um sistema rí-
gido de disposições que determinariam de ma- O conceito de cultura obteve, há algum
neira mecânica as representações e as ações dos tempo, um, grande sucesso fora do círculo es-
indivíduos e que garantiria a reprodução social treito das ciências sociais, há, no entanto, um ou-
pura e simpIes.As condições sociais do momen- tro termo que é freqüentemente associado a ele
to não explicam totalmente o habitus, que é su- - a "identidade" - cujo uso é cada vez mais fre-
cetível de modificações. A trajetória social do qüente, levando certos analistas a verem neste
grupo ou do indivíduo, ou seja, a experiência de uso o efeito de uma verdadeira moda [Galissot,
mobilidade social (ascensão ou queda de nível 1987]. Resta saber o que se entende por "identi-
social, ou ainda a estagnação) acumulada por vá- dade" e que significa esta "moda" das identida-
rias gerações e interiorizada, deve ser levada em des, alias, em grande parte alheia ao desenvolvi-
conta para analisar as variações do habitus. mento da pesquisa científica.
Atualmente, as grandes interrogações so-
bre a identidade remetem freqüentemente à
questão da cultura. Há o desejo de se ver cultu-
ra em tudo, de encontrar identidade para todos.
Vêem-se as crises culturais como crises de iden-
tidade. Chega-se a situar o desenvolvimento des-
ta problemática no contexto do enfraquecimen-
to do modelo de Estado-nação, da extensão da
integração política supranacional e de certa for-
ma da globalização da economia. De maneira
mais precisa, a recente moda da identidade é o
prolongamento do fenômeno da exaltação da
diferença que surgiu nos anos setenta e que le-
vou tendências ideológicas muito diversas e até
opostas a fazer a apologia da sociedade multi-
cultural, por um lado, ou, por outro lado, a exal-
tação da idéia de "cada um por si para manter dos componentes. Para a psicologia social, a
sua identidade". identidade é um instrumento que permite pen-
Não se pode, pura e simplesmente confun- sar a articulação do psicológico e do social em
dir as noções de cultura e de identidade cultural um indivíduo. Ela exprime a resultante das diver-
ainda que as duas tenham uma grande ligação. sas interações entre o indivíduo e seu ambiente
Em última instância, a cultura pode existir sem social, próximo ou distante. A identidade social
consciência de identidade, ao passo que as es- de um indivíduo se caracteriza pelo conjunto de
tratégias de identidade podem manipular e até suas vinculações em um sistema social: vincula-
modificar uma cultura que não terá então quase ção a uma classe sexual, a uma classe de idade, a
nada em comum com o que ela era anterior- uma classe social, a uma nação, etc. A identidade
mente. A cultura depende em grande parte de permite que o indivíduo se localize em um siste-
processos inconscientes. A identidade remete a ma social e seja localizado socialmente.
uma norma de vinculação, necessariamente Mas a identidade social não diz respeito
consciente, baseada em oposições simbólicas. unicamente aos indivíduos. Todo grupo é dota-
No âmbito das ciências sociais, o conceito do de uma identidade que corresponde à sua
de identidade cultural se caracteriza por sua po- definição social, definição que permite situá-lo
lissemia e sua fluidez. Apesar de seu surgimento no conjunto sociaLA identidade social é ao mes-
recente, este conceito teve diversas definições e mo tempo inclusão e exclusão: ela identifica o
reinterpretações. Nos Estados Unidos, na década grupo (são membros do grupo os que são idên-
de cinqüenta, conceituou-se a idéia de identida- ticos sob um certo ponto de vista) e o distingue
de cultural. Equipes de pesquisa em psicologia dos outros grupos (cujos membros são diferen-
social buscavam então um instrumento adequa- tes dos primeiros sob o mesmo ponto de vista).
do para analisar os problemas de integração dos Nesta perspectiva, a identidade cultural aparece
imigrantes. Esta abordagem que concebia a iden- como uma modalidade de categorização da dis-
tidade cultural como praticamente imutável e tinção nós/eles, baseada na diferença cultural.
determinando a conduta dos indivíduos, seria
em seguida ultrapassada por concepções mais As concepções objetivistus e
dinâmicas que não vêem a identidade como um subjetivistas da identidade cultural
dado independente do contexto relacionai.
A questão da identidade cultural remete, Há uma estreita relação entre a concepção
em um primeiro momento, à questão mais que se faz de cultura e a concepção que se tem
abrangente da identidade social, da qual ela é um de identidade cultural. Aqueles que integram a
cultura a uma "segunda natureza", que recebe- próprio do povo ao qual ele pertence. A identi-
mos como herança e da qual não podemos esca- dade repousa então em um sentimento de "fazer
par, concebem a identidade como um dado que parte" de certa forma inato. A identidade é vista
definiria de uma vez por todas o indivíduo e como uma condição imanente do indivíduo, de-
que o marcaria de maneira quase indelével. Nes- finindo-o de maneira estável e definitiva.
ta perspectiva, a identidade cultural remeteria Em uma abordagem culturalista, a ênfase
necessariamente ao grupo original de vincula- não é colocada sobre a herança biológica, não
ção do indivíduo. Á origem, as "raízes" segundo mais considerada como determinante, mas, na
a imagem comum, seriam o fundamento de toda herança cultural, ligada à socialização do indiví-
identidade cultural, isto é, aquilo que definiria o duo no interior de seu grupo cultural. Entretan-
indivíduo de maneira autêntica. Esta representa- to, o resultado é quase o mesmo, pois segundo
ção quase genética da identidade que serve de esta abordagem, o indivíduo é levado a interiori-
apoio para ideologias do enraizamento, leva à zar os modelos culturais que lhe são impostos,
"naturalização77 da vinculação cultural. Em ou- até o ponto de se identificar com seu grupo de
tras palavras, a identidade seria preexistente ao origem. Ainda assim a identidade é definida
indivíduo que não teria alternativa senão aderir como preexistente ao indivíduo. Toda identida-
a ela, sob o risco de se tornar um marginal, um de cultural é vista como consubstanciai com
Mesenraizado". Vista desta maneira, a identida- uma cultura particular. Os pesquisadores tenta-
de é uma essência impossibilitada de evoluir e rão então fazer a lista dos atributos culturais que
sobre a qual o indivíduo ou o grupo não tem ne- deveriam servir de base à identidade coletiva,
nhuma influência. Procurarão determinar as invariantes culturais
Em última instância, a problemática da ori- que permitem definir a essência do grupo, ou
gem aplicada à identidade cultural pode levar a seja, sua identidade "essencial", praticamente
uma racialização dos indivíduos e dos grupos, invariável.
pois para algumas teses radicais, a identidade Outras teorias de identidade cultural, cha-
está praticamente inscrita no patrimônio genéti- madas de "primordialistas", consideram que a
co (ver, sobretudo, Van den Berghe [1981J). O identidade etno-cultural é primordial porque
indivíduo, devido a sua hereditariedade biológi- a vinculação ao grupo étnico é a primeira e a
ca, nasce com os elementos constitutivos da mais fundamental de dotas as vinculaçÕes so-
identidade étnica e cultural, entre os quais os ca- ciais. É onde se estabelecem os vínculos mais
racteres fenotípicos e as qualidades psicológi- determinantes porque se trata de vínculos ba-
cas que dependem da "mentalidade", do "gênio" seados em uma genealogia comum (ver, sobre-

179
tudo Geetz [1963]). É no grupo étnico que se Ora, para os "subjetivístas", a identidade etno-
partilham as emoções e as solidariedades mais cultural não é nada além de um sentimento de
profundas e mais estruturantes. Definida deste vinculaçao ou uma identificação a uma coletivi-
modo, a identidade cultural é vista como uma dade imaginária em maior ou menor grau. Para
propriedade essencial inerente ao grupo por- estes analistas, o importante são então as repre-
que é transmitida por ele e no seu interior, sem sentações que os indivíduos fazem da realidade
referências aos outros grupos. A identificação é social e de suas divisões.
automática, pois tudo está definido desde seu Mas o ponto de vista subjetivista levado ao
começo. extremo leva à redução da identidade a uma
O que une estas duas teorias é uma mesma questão de escolha individual arbitrária, em que
concepção objetivista da identidade cultural. cada um seria livre para escolher suas identifica-
Trata-se em todos os casos da definição e da des- ções. Em última instância, segundo este ponto
crição da identidade a partir de um certo núme- de vista, tal identidade particular poderia ser
ro de critérios determinantes, considerados analisada como uma elaboração puramente fan-
como "objetivos", como a origem comum (a he- tasiosa, nascida da imaginação de alguns ideólo-
reditariedade, a genealogia), a língua, a cultura, a gos que manipulam as massas crédulas, buscan-
religião, a psicologia coletiva (a "personalidade do objetivos nem sempre confessãveis. A abor-
básica"), o vínculo com um território, etc. Para dagem subjetivista tem o mérito de considerar o
os objetivistas, um grupo sem língua própria, caráter variável da identidade, apesar de ter a
sem cultura própria, sem território próprio, e tendência a enfatizar excessivamente o aspecto
mesmo, sem fenótipo próprio, não pode preten- efêmero da identidade. Não é raro, no entanto,
der constituir um grupo etno-cultural. Não pode que as identidades sejam relativamente estáveis.
reivindicar uma identidade cultural autêntica.
Estas definições são muito criticadas pelos A concepção relacionai e situacional
que defendem uma concepção subjetivista do
fenômeno de identidade. A identidade cultural, Adotar uma abordagem puramente objetiva
segundo eles, não pode ser reduzida à sua di- ou puramente subjetiva para abordar a questão
mensão atributíva: não é uma identidade recebi- da identidade seria se colocar em um impasse. Se-
da definitivamente. Encarar o fenômeno desta ria raciocinar fazendo a abstração do contexto re-
forma é considerá-lo como um fenômeno estáti- lacionai. Somente este contexto poderia explicar
co, que remete a uma coletividade definida de porque, por exemplo, em dado momento tal
maneira invariável, ela também quase imutável. identidade é afirmada ou, ao contrário, reprimida.
Se a identidade é uma construção social e Em conseqüência disto, para Barth, os
não um dado, se ela é do âmbito da representa- membros de um grupo não são vistos como de-
ção, isto não significa que ela seja uma ilusão finitivamente determinados por sua vinculação
que dependeria da subjetividade dos agentes so- etno-cultural, pois eles são os próprios atores
ciais. A construção da identidade se faz no inte- que atribuem uma significação a esta vincula-
rior de contextos sociais que determinam a po- ção, em função da situação relacionai em que
sição dos agentes e por isso mesmo orientam eles se encontram. Deve-se considerar que a
suas representações e suas escolhas. Além dis- identidade se constrói e se reconstrói constan-
so, a construção da identidade não é uma ilusão, temente no interior das trocas sociais. Esta con-
pois é dotada de eficácia social, produzindo efei- cepção dinâmica se opõe àquela que vê a iden-
tos sociais reais. tidade como um atributo original e permanente
A identidade é uma construção que se ela- que não poderia evoluir. Trata-se então de uma
bora em uma relação que opõe um grupo aos mudança radical de problemática que coloca o
outros grupos com os quais está em contato. estudo da relação no centro da análise e não
Deve-se esta concepção de identidade como ma- mais a pesquisa de uma suposta essência que
nifestação relacionai à obra pioneira de Frederik definiria a identidade.
Barth [19691- Esta concepção permite ultrapas- Não há identidade em si, nem mesmo uni-
sar a alternativa objetivismo/subjetivismo. Para camente para si.A identidade existe sempre em
Barth, deve-se tentar entender o fenômeno da relação a uma outra. Ou seja, identidade e alteri-
identidade através da ordem das relações entre dade são ligadas e estão em uma relação dialéti-
os grupos sociais. Para ele, a identidade é um ca. A identificação acompanha a diferenciação.
modo de categorização utilizado pelos grupos Na medida em que a identidade é sempre a re-
para organizar suas trocas.Também, para definir sultante de um processo de identificação no in-
a identidade de um grupo, o importante não é in- terior de uma situação relacionai, na medida
ventariar seus traços culturais distintivos, mas lo- também em que ela é relativa, pois pode evoluir
calizar aqueles que são utilizados pelos mem- se a situação relacionai mudar, seria talvez prefe-
bros do grupo para afirmar e manter uma distin- rível adotar como conceito operatório para a
ção cultural. Uma cultura particular não produz análise o conceito de "identificação" do que a
por si só uma identidade diferenciada: esta iden- "identidade" [Galissot, 1987].
tidade resulta unicamente das interações entre A identificação pode funcionar como afir-
os grupos e os procedimentos de diferenciação mação ou como imposição de identidade. A
que eles utilizam em suas relações. identidade é sempre uma concessão, uma nego-
ciação entre uma "auto-identidade" definida por aparece então como uma identidade vergonhosa
si mesmo e uma "hetero-identidade" ou uma e rejeitada em maior ou menor grau, o que se tra-
"exo-ídentidade" definida pelos outros [Simon, duzirá muitas vezes como uma tentativa para eli-
1979, p. 24]. A "hetero-identidade" pode levar a minar, na medida do possível, os sinais exteri-
identificações paradoxais: por exemplo, na Amé- ores da diferença negativa.
rica Latina, no fim do século XIX e no começo No entanto, uma mudança da situação de
do século XX, os imigrantes sírio-libaneses, em relações interétnicas pode modificar profunda-
geral cristãos, que fugiam do Império Otomano, mente a imagem negativa de um grupo. Isto
foram chamados (e continuam a sê-lo) de Tur- aconteceu com os Hmong, refugiados do Laos
cos, porque chegavam com um passaporte tur- na França nos anos setenta. No Laos, onde eles
co, ao passo que eles não desejavam justamente constituíam uma minoria étnica muito margina-
se reconhecer como turcos. O mesmo aconte- lizada, eram conhecidos pela denominação de
ceu com os Judeus orientais que emigraram "Méo", que lhes fora atribuída pelos Lao, grupo
para a América Latina na mesma época. majoritário. Para eles, o termo era sinônimo de
A auto-identídade terá maior ou menor le- "selvagem", de "retardado". Na França, eles pu-
gitimidade que a hetero-identidade, dependendo deram impor seu próprio etnônimo, "Hmong",
da situação relacionai, isto é, em particular da re- que significa simplesmente "homem" em sua lín-
lação de força entre os grupos de contato - que gua. Impuseram sobretudo uma representação
pode ser uma relação de forças simbólicas . Em muito mais positiva de si mesmos, participando,
uma situação de dominação caracterizada, a he- como a maioria dos refugiados do Sudeste
tero-identidade se traduz pela estigmatização Asiático, da imagem do "bom estrangeiro", adap-
dos grupos minoritários. Ela leva freqüentemen- tável e trabalhador. Outro benefício simbólico
te neste caso ao que chamamos uma "identidade deste exílio que é uma realidade, no entanto,
negativa". Definidos como diferentes em relação fundamentalmente dolorosa: os Hmong gozam
à referência que os majoritários constituem, os de um nivelamento interétnico no interior do
minoritários reconhecem para si apenas uma di- conjunto dos refugiados do Laos e se encon-
ferença negativa. Também pode-se ver o desen- tram, na França, classificados socialmente no
volvimento entre eles dos fenômenos de despre- mesmo nível que os Lao e os Sino-Laosenses
zo por si mesmos. Estes fenômenos são freqüen- que os desprezavam no Laos [Hassoun, 1988].
tes entre os dominados e são ligados à aceitação A identidade é então o que está em jogo
e à interiorização de uma imagem de si mesmos nas lutas sociais. Nem todos os grupos têm o
construída pelos outros. A identidade negativa mesmo "poder de identificação", pois esse
poder depende da posição que se ocupa no sis- O poder de classificar leva à "etnicização"
tema de relações que liga os grupos. Nem todos dos grupos subalternos. Eles são identificados a
os grupos têm o poder de nomear e de se no- partir de características culturais exteriores que
mear. Bourdieu explica no clássico artigo "A são consideradas como sendo consubstanciais a
identidade e a representação" [1980] que so- eles e logo, quase imutáveis. O argumento de
mente os que dispõem de autoridade legítima, sua marginalização e até de sua transformação
ou seja, de autoridade conferida pelo poder, po- em minoria vem do fato de que eles são muito
dem impor suas próprias definições de si mes- diferentes para serem plenamente associados à
mos e dos outros. O conjunto das definições de direção da sociedade. Pode-se ver que a imposi-
identidade funciona como um sistema de classi- ção de diferenças significa mais a afirmação da
ficação que fixa as respectivas posições de cada única identidade legítima, a do grupo dominan-
grupo. A autoridade legítima tem o poder sim- te, do que o reconhecimento das especificida-
bólico de fazer reconhecer como fundamenta- des culturais. Ela pode se prolongar em uma po-
das as suas categorias de representação da reali- lítica de segregação dos grupos minoritários,
dade social e seus próprios princípios de divi- obrigados de certa maneira a ficar em seu lugar,
são do mundo social. Por isso mesmo, esta auto- no lugar que lhes foi destinado em função de
ridade pode fazer e desfazer os grupos. sua classificação.
Deste modo, nos Estados Unidos, o grupo do- Compreendida deste modo, como um mo-
minante WASP (White Anglo-Saxon Protestanf) tivo de lutas, a identidade parece problemática.
classifica os outros americanos na categoria de Não se pode então esperar das ciências sociais
"grupos étnicos" ou na categoria de "grupos ra- uma definição justa e irrefutável de tal ou tal
ciais". Ao primeiro grupo pertencem os descen- identidade cultural. Não é a sociologia ou a an-
dentes de imigrantes europeus não WASP; ao se- tropologia, nem a história ou outra disciplina
gundo grupo, os americanos chamados "de cor" que deverá dizer qual seria a definição exata da
(Negros, Chineses Japoneses, Portoriquenhos, Me- identidade bretã ou da identidade kabyla, por
xicanos. ..). Segundo esta definição, os "étnicos" são exemplo. Não é a sociologia que deve se pro-
os outros, os que se afastam de uma maneira ou de nunciar sobre o caráter autêntico ou abusivo de
outra da referência de identidade americana. Os tal identidade particular (em nome de que prin-
WASP escapam por um passe de mágica social a cípio ela faria isto?). Não é o cientista que deve
esta identificação étnica e racial. Eles estão fora de fazer"controles de identidade". O papel do cien-
qualquer classificação, por estarem evidentemente tista é outro: ele tem o dever de explicar os pro-
muito "acima" dos classificados. cessos de identificação sem julgá-los. Ele deve
elucidar as lógicas sociais que levam os indiví- etno-cultural ou confessional em sua carteira de
duos e os grupos a identificar, a rotular, a catego- identidade, mesmo que alguns deles não sç re-
rizar, a classificar e a fazê-lo de uma certa manei- conheçam nesta identificação. Em caso de con-
ra ao invés de outra. flito entre diferentes componentes da nação,
esta rotulação pode ter conseqüências dramáti-
A identidade, um assunto de Estado cas, como se viram no conflito libanês ou no
conflito em Ruanda.
Com a edificação dos Estados-Nações mo- A tendência à mono-identificação, à identi-
dernos, a identidade tornou-se um assunto de dade exclusiva, ganha terreno em muitas socie-
Estado. O Estado torna-se o gerente da identida- dades contemporâneas. A identidade coletiva é
de para a qual ele instaura regulamentos e con- apresentada no singular, seja para si ou para os
troles. A lógica do modelo do Estado-Nação o outros. Quando se trata dos outros, isto permite
leva a ser cada vez mais rígido em matéria de todas as generalizações abusivas. O artigo defini-
identidade. O Estado moderno tende à mono- do identificador permite reduzir um conjunto
identificação, seja por reconhecer apenas uma coletivo a uma pesonalidade cultural única,
identidade cultural para definir a identidade na- apresentada geralmente de forma depreciativa:
cional (é o caso da França), seja por definir uma "O Árabe é assim...""Os Africanos são assiru...".
identidade de referência, a única verdadei- O Estado-Nação moderno se mostra infi-
ramente legítima (como no caso dos Estados nitamente mais rígido em sua concepção e em
Unidos), apesar de admitir um certo pluralismo seu controle da identidade que as sociedades
cultural no interior de sua nação.A ideologia na- tradicionais. Ao contrário da idéia preconcebi-
cionalista é uma ideologia de exclusão das dife- da, as identidades elno-culturais nestas socie-
renças culturais. Sua lógica radical é a da "purifi- dades não eram definidas de uma vez por to-
cação étnica". das. Deste modo, pode-se chamá-las de "socie-
Nas sociedades modernas, o Estado regis- dades com identidade flexível" [Amselle,
tra de maneira cada vez mais minuciosa a iden- 1990], Estas sociedades deixam um grande es-
tidade dos cidadãos, chegando em certos casos paço para a novidade e para a inovação social.
a fabricar carteiras de identidade "infalsifícá- Nelas, os fenômenos de fusão ou cisão étnicas
veis". Os indivíduos e os grupos são cada vez são comuns e não implicam necessariarnente
menos livres para definir suas próprias identida- conflitos agudos.
des. Alguns Estados pluriétnicos impõem aos Não se pode, no entanto acreditar que a
seus cidadãos a menção de uma identidade ação do Estado não provoque nenhuma
por parte dos grupos minoritários cuja identida- em impor uma definição tão autônoma quanto
de é negada ou desvalorizada. O aumento das possível de identidade (para retomar o exemplo
reivindicações de identidade que se pode obser- dos negros americanos, pode-se observar o sur-
var em muitos Estados contemporâneos é a con- gimento da reivindicação de uma identidade
seqüência da centralização e da burocratização "afro-americana" ou de Black Muslims ou ainda
do poder. A exaltação da identidade nacional de Black Hebrews).
pode levar somente a uma tentativa de subver- O sentimento de uma injustiça coletiva-
são simbólica contra a afimaçao da identidade. mente sofrida provoca nos membros do grupo
Segundo o enunciado de Pierre Bourdieu: vítima de uma discriminação um forte senti-
mento de vinculação à coletividade. Quanto
[...] os indivíduos e os grupos investem nas lu- maior for a necessidade da solidariedade de to-
tas de classificação todo o seu ser social, tudo dos na luta pelo reconhecimento, maior será a
o que define a idéia que eles fazem de si mes- identificação com a coletividade. O risco é no
mos, tudo o que os constitui como "nós" em entanto, de sair de uma identidade negada ou
oposição a "eles"e aos "outros"e tudo ao que desacreditada para cair, por sua vez, em uma
eles têm um apreço e uma adesão quase cor- identidade que seria exclusiva, análoga à identi-
poral. O que explica a força mobilizadora ex- dade dos que pertencem ao grupo dominante, e
cepcional de tudo o que toca a identidade na qual todo indivíduo considerado como mem-
[1980b,p.69,nota20] bro do grupo minoritário deveria se reconhe-
cer, sob pena de ser tratado como traidor. Este
Todo o esforço das minorias consiste em fechamento em uma identidade etno-cultural,
se reapropriar dos meios de definir sua identida- que em certos casos apaga todas as outras iden-
de, segundo seus próprios critérios, e não ape- tidades sociais de um indivíduo, será mutilante
nas em se reapropriar de uma identidade, em para ele, na medida em que ela leva à negação
muitos casos, concedida pelo grupo dominante. de sua individualidade, como foi explicado por
Trata-se então da transformação da hetero-iden- Georges Devereux:
tidade que é freqüentemente uma identidade
negativa em uma identidade positiva. Em um [...] quando uma identidade étnica biperinves-
primeiro momento, a revolta contra a estigmati- tida oblitera todas as outras identidades de
zação se traduzirá pela reviravolta do estigma, classe, ela deixa de ser uma ferramenta ou uma
como no caso exemplar do black is beautilful. caixa de ferramentas; ela se torna [...] uma ca-
Em um segundo momento, o esforço consistirá misa de força. Na realidade, a realização de uma
diferenciahüidade coletiva por meio de uma sociedade. A pretensa "dupla identidade" dos jo-
identidade hiperinvestida e hiperatualizada vens de origem imigrante está ligada, na realida-
pode [...] levar a uma obliteração da diferen- de, a uma identidade mista [Giraud, 1987). Ao
ciabilidaáe individual. [...] contrário do que afirmam certas análises, estes
Atualizando sua identidade étnica hiperinvesti- jovens não têm duas identidades opostas entre
da, tende-se cada vez mais a minimizar e até a as quais eles se sentiriam divididos, o que expli-
negar sua própria identidade individual. E no caria sua perturbação de identidade e sua insta-
entanto, é a dissimilaridade, funcionalmente bilidade psicológica e/ou social. Esta representa-
pertinente, de um homem em relação a todos ção nitidamente desqualificante vem da incapa-
os outros que o torna humano: semelhante aos cidade de pensar o misto cultural. Ela é explica-
outros precisamente pelo seu alto grau de dife- da também pelo medo obsessivo de uma dupla
renciação. É isto que lhe permite atribuir a si lealdade que é veiculada pela ideologia nacio-
mesmo"uma identidade humana"e,conseqüen- nal. Na realidade, como cada um faz a partir de
temente, também uma identidade pessoal suas diversas vinculações sociais (de sexo, de
[1972, p.162-1631. idade.de classe social,de grupo cultural.,.),o in-
divíduo que faz parte de várias culturas fabrica
A identidade multidimensional sua própria identidade fazendo uma síntese ori-
ginal a partir destes diferentes materiais. O re-
Na medida em que a identidade resulta de sultado é, então, uma identidade sincrética e
uma construção social, ela faz parte da comple- não dupla, se entendermos por isso uma adição
xidade do social. Querer reduzir cada identida- de duas identidades para uma só pessoa. Como
de cultural a uma definição simples^pura", seria já foi dito, esta "fabricação" se faz somente em
não levar em conta a heterogeneidade de todo função de um contexto de relação específico a
grupo social. Nenhum grupo, nenhum indivíduo uma situação particular.
está fechado a priori em uma identidade unidi- O recurso à noção de "dupla identidade"
mensiònal. O caráter flutuante que se presta a está ligado às lutas de classificação evocadas an-
diversas interpretações ou manipulações é ca- teriormente. A concepção negativa da "dupla
racterístico da identidade. É isto que dificulta a identidade" permite que se desqualifiquem so-
definição desta identidade. cialmente certos grupos, principalmente as po-
Querer considerar a identidade como mo- pulações vindas da imigração. Num sentido in-
nolítica impede a compreensão dos fenômenos verso, será elaborado um discurso para reabili-
de identidade mista que são freqüentes em toda tar estes grupos, fazendo a apologia da "dupla
identidade" como algo que representa um enri- catórias que estão ligadas à sua história. A iden-
quecimento . Mas qualquer que seja a represen- tidade cultural remete a grupos culturais de re-
tação da suposta "dupla identidade", positiva ou ferência cujos limites não são coincidentes.
negativa, ambas estão ligadas ao mesmo erro Cada indivíduo tem consciência de ter uma
analítico. identidade de forma variável, de acordo com as
Os encontros dos povos, as migrações in- dimensões do grupo ao qual ele faz referência
ternacionais multiplicaram estes fenômenos de em tal ou tal situação relacionai. Um mesmo in-
identidade sincrética cujo resultado desafia as divíduo, por exemplo, pode se definir, segundo
expectativas, sobretudo quando elas são base- o caso, como natural de Rennes, como bretão,
adas em uma concepção exclusiva da identida- como francês, como europeu e talvez até como
de. Para tomar um exemplo, no Maghreb (norte ocidental. A identidade funciona, por assim di-
da África) tradicional não é raro que os mem- zer, como as bonecas russas, encaixadas umas
bros das velhas famílias judias presentes há sé- nas outras [Simon, 1979, p. 31]. Mas, apesar de
culos sejam chamados de "Judeus árabes", dois ser multidimensional, a identidade não perde
termos que parecem hoje pouco conciliáveis sua unidade.
desde o crescimento dos nacionalismos. Esta identidade com múltiplas dimensões
Em um contexto completamente diferen- em geral não causa problema e é bem aceita. O
te, o cio Peru contemporâneo, existem peruanos que causa problema para alguns é a "dupla iden-
chamados de Chinos que se reconhecem como tidade"cujos pólos de referência estariam si-
tais. São os descendentes dos imigrantes chine- tuados no mesmo nível. No entanto, não se sabe
ses, chegados ao Peru no século XIX, após a abo- por que a capacidade de integrar várias referên-
lição da escravatura. Eles se sentem hoje total- cias identificatórias em uma só identidade não
mente peruanos mas continuam muito ligados a funcionaria, a menos que uma autoridade domi-
sua identidade chinesa. Isto não choca no Peru, nadora a proibisse em nome da identidade
país que elegeu e reelegeu recentemente um fi- exclusiva.
lho de imigrantes japoneses para a presidência É verdade que, mesmo no caso de uma in-
da República, sem que a maioria dos peruanos tegração de duas referências de mesmo nível
(mesmo dos que não votaram nele) considere em uma só identidade, os dois níveis raramente
esta eleição uma ameaça para a identidade são equivalentes, pois remetem a grupos que
nacional. não estão quase nunca em uma posição de equi-
De fato, cada indivíduo integra, de maneira valência no contexto de uma dada situação.
sintética, a pluralidade das referências identifi-
Asuestratégiíis de identidade mo que a identidade se preste à instrumentaliza-
ção por sua plasticidade - segundo Devereux ela
A identidade é tão difícil de se delimitar e seria uma "ferramenta" e até uma "caixa de ferra-
de se definir, precisamente em razão de seu ca- mentas" - não é possível aos grupos e aos indiví-
ráter multidimensional e dinâmico. É isto que duos fazer o que quer que desejem em matéria
lhe confere sua complexidade mas também o de identidade: a identidade é sempre a resultante
que lhe dá sua flexibilidade .A identidade conhe- da identificação imposta pelos outros e da que o
ce variações, presta-se a reformulações e até a grupo ou o indivíduo afirma por si mesmo.
manipulações. Um tipo extremo de estratégia de identifi-
Para sublinhar esta dimensão mutável da cação consiste em ocultar a identidade preten-
identidade que não chega jamais a uma solução dida para escapar à discriminação, ao exílio ou
definitiva, certos autores utilizam o conceito de até ao massacre. Um caso histórico exemplar
"estratégia de identidade". Nesta perspectiva, a desta estratégia é o dos Marranos. Os Marranos
identidade é vista como um meio para atingir são os judeus da Península Ibérica que se con-
um objetivo. Logo, a identidade não é absoluta, verteram exteriormente ao catolicismo no sécu-
mas relativa. O conceito de estratégia indica lo XV para escapar à perseguição e à expulsão,
também que o indivíduo, enquanto ator social, continuando fiéis à sua fé ancestral e mantendo
não é desprovido de uma certa margem de ma- secretamente um certo número de ritos tradi-
nobra. Em função de sua avaliação da situação, cionais. A identidade judaica pôde assim ser
ele utiliza seus recursos de identidade de manei- transmitida clandestinamente no seio de cada
ra estratégica. Na medida em que ela é um mo- família durante séculos, de geração em geração,
tivo de lutas sociais de classificação que buscam até poder se afirmar novamente em público.
a reprodução ou a reviravolta das relações de Emblema ou estigma, a identidade pode
dominação, a identidade se constrói através das então ser instrumentalizada nas relações entre
estratégias dos atores sociais. os grupos sociais.A identidade não existe em si
No entanto, recorrer ao conceito de estraté- mesma, independentemente das estratégias de
gia não deve levar a pensar que os atores sociais afirmação dos atores sociais que são ao mesmo
são totalmente livres para definir sua identidade tempo o produto e o suporte das lutas sociais e
segundo interesses materiais e simbólicos do mo- políticas '[Bell, 19751-Ao se enfatizar o caráter
mento. As estratégias devem necessariamente le- estratégico da identidade, pode-se ultrapassar o
var em conta a situação social, a relação de força falso problema da veracidade científica das afir-
entre os grupos, as manobras dos outros, etc. Mes- mações de identidade.
Segundo Bourdieu, o caráter estratégico da dos haitianos imigrados para Nova York. A pri-
identidade não implica necessariamente uma meira geração da primeira grande onda migrató-
perfeita consciência dos objetivos buscados pe- ria (década de sessenta), vinda da elite mulata
los indivíduos e tem a vantagem de dar conta do Haiti, optará pela assimilação à nação ameri-
dos fenômenos de eclipse ou de despertar de cana, mas acentuando tudo o que pudesse evo-
identidade. Esses fenômenos suscitam muitos car uma certa "brancura"e a "distinção" para se
comentários contestáveis, pois são marcados na diferenciar dos Negros americanos e escapar da
maior parte das vezes por um certo essencialis- relegação social.A segunda onda migratória (dé-
mo. Por exemplo, o que foi chamado nos anos cada de setenta), composta essencialmente de
setenta, na América do Norte e na América do famílias da classe média (de cor negra), diante
Sul, de "despertar índio" não pode ser considera- das dificuldades de integração, escolherá uma
do como a ressurreição pura e simples de uma outra estratégia, a da afirmação da identidade
identidade que teria conhecido um eclipse e haitiana, para evitar qualquer risco de confusão
que teria se mantido invariável (certos autores com os negros dos Estados Unidos; a utilização
evocam de maneira inapropriada um "estado de sistemática da língua francesa, inclusive em pú-
hibernação" para descrever tal fenômeno).Trata- blico, e o esforço para se fazer reconhecer
se na realidade da retnvencão estratégica de uma como grupo étnico específico serão os instru-
identidade coletiva em um contexto completa- mentos privilegiados desta estratégia. Quanto
mente novo: o contexto do aumento dos movi- aos jovens haitianos, sobretudo os da "segunda
mentos de reivindicação das minorias étnicas geração", sensíveis à desvalorização social cada
nos Estados-nações contemporâneas. vez maior da identidade haitiana nos anos oiten-
De uma maneira mais geral, o conceito de ta nos Estados Unidos, devido ao drama dos
estratégia pode explicar as variações de identi- boat people naufragados na costa da Flórida e
dade, que poderiam ser chamadas de desloca- da classificação de sua comunidade como "gru-
mentos de identidade: Ele faz aparecer a relativi- po de risco" no desenvolvimento da Aids, eles
dade dos fenômenos de identificação. A identi- rejeitam esta identidade e reivindicam uma
dade se constrói, se desconstrói e se reconstrói identidade transnacional caribenha, aproveitan-
segundo as situações. Ela está sem cessar em do o fato de Nova York ter se transformado, de-
movimento; cada mudança social leva-a a se re- vido à imigração, na primeira cidade caribenha
formular de modo diferente. do mundo.
Em um estudo sugestivo, Françoise Morin
[1990] analisa as recomposições da identidade
As "fronteiras" tia identidade particular.A identidade etno-cultural usa a cultu-
ra, mas raramente toda a cultura. Uma mesma
O exemplo anterior mostra claramente cultura pode ser instrumentalizada de modo di-
que toda identificação é ao mesmo tempo dife- ferente e até oposto nas diversas estratégias de
renciação. Para Barth [1969J, no processo de identificação.
identificação o principal é a vontade de marcar Segundo Barth, a etnicidade que é o pro-
os limites entre "eles" e "nós" e logo, de estabele- duto do processo de identificação, pode ser de-
cer e manter o que chamamos de "fronteira". finida como a organização social da diferença
Mais precisamente, a fronteira estabelecida re- cultural. Para explicar a etnicidade o importante
sulta de um compromisso entre a que o grupo não é estudar o conteúdo cultural da identidade
pretende marcar e a que os outros querem lhe mas os mecanismos de interação que, utilizando
designar. Trata-se, evidentemente de uma fron- a cultura de maneira estratégica e seletiva man-
teira social, simbólica. Ela pode, em certos ca- têm ou questionam as "fronteiras" coletivas.
sos, ter compensações territoriais, mas isto não Contrariamente a uma convicção larga-
é o essencial. mente difundida, as relações contínuas de longa
O que separa dois grupos etno-culturais duração entre grupos étnicos não levam neces-
não é em princípio a diferença cultural, como sariamente ao desaparecimento progressivo das
imaginam erroneamente os culturalistas. Uma diferenças culturais. Freqüentemente, ao contrá-
coletividade pode perfeitamente funcionar ad- rio, estas relações são organizadas para manter a
mitindo em seu seio uma certa pluralidade cul- diferença cultural. Às vezes, elas provocam até
tural. O que cria a separação, a "fronteira", é a uma acentuação desta diferença através do jogo
vontade de se diferenciar e o uso de certos tra- da defesa (simbólica) das fronteiras de identida-
ços culturais como marcadores de sua identida- de. Entretanto, as "fronteiras" não são imutáveis.
de específica. Grupos muito próximos cultural- [pUra Barth, todas as fronteiras são concebidas
mente podem se considerar completamente es- como uma demarcação social suscetível de ser
tranhos uns em relação aos outros e até total- constantemente renovada pelas trocas. Qual-
mente hostis, opondo-se sobre um elemento quer mudança na situação social, econômica ou
isolado do conjuto cultural. política pode provocar deslocamentos de fron-
A análise de Barth permite escapar à con- teiras. O estudo destes deslocamentos é neces-
fusão tão freqüente entre "cultura" e "identida- sário se quisermos explicar as variações de
de". Participar de certa cultura particular não identidade. A análise da identidade não pode
implica automaticamente ter certa identidade então se contentar com uma abordagem sincró-
nica e deve ser feita também em um plano
diacrônico. Conteúdos e Usos Sociais da
Logo, não existe identidade cultural em si Noção da Cultura
mesma, definível de uma vez por todas. A análi-
se científica não deve pretender achar a verda-
deira definição das identidades particulares que
ela estuda. A questão não é saber, por exemplo, Há algumas décadas, a noção de cultura
quem são "verdadeiramente" os Corsos, mas o obtém um sucesso crescente. A palavra tende a
que significa recorrer à identificação "corsa1'. Se suplantar outros termos que haviam sido mais
admitirmos que a identidade é uma construção usados anteriormente, como "mentalidade", "es-
social, a única questão pertinente é: "Como, por pírito", "tradiçao"e até "ideologia". Este sucesso
que e por quem, em que momento e em que é devido em parte a uma certa vulgarização da
contexto é produzida, mantida ou questionada antropologia cultural, vulgarização que não
certa identidade particular?" acontece sem certas interpretações errôneas ou
sem simplificação excessiva; desta disciplina re-
tomam-se, freqüentemente as teses mais discutí-
veis de seu início, já abandonadas pela maior
parte dos antropólogos.
"Cultura" foi introduzida recentemente em
campos semânticos que ela não freqüentava an-
teriormente. A palavra é correntemente utiliza-
da nos dias de hoje pelo vocabulário político:
evoca-se assim a "cultura de governo" à qual se
compara a "cultura de oposição". Um dirigente
do partido socialista se referia, em outubro de
1995, no jornal Lê Monde, à "cultura de decen-
tralizacão" (que se opõe implicitamente à "cultu-
ra de centralização"). Outro exemplo: durante o
jornal radiofônico das 13 horas da emissora
France Inter do dia 11 de setembro de 1995, foi
citada a seguinte declaração cie um alto funcio-
nário da ONU a respeito do conflito militar na
Bósnia: "Não esta na cultura da ONU colocar sa- da vida. Por esta razão, aliás, cada cultura preten-
cos de areia diante dos postos dos Capacetes de ser uma resposta à questão da morte. Cada
Azuis."Assiste-se, há algum tempo, a uma prolife- uma delas define uma certa relação dos vivos
ração do uso de "cultura" nos círculos do poder. com a morte e com os mortos e procura dar um
O próprio vocabulário religioso não esca- sentido às diferentes formas que a morte pode
pa ao que parece ser um fenômeno lingüístico tomar, porque ao dar um sentido à morte, dá-se
característico da época atual. Após o Concilio um sentido à vida.A expressão criada pelo Papa
do Vaticano II, nos anos sessenta, os teólogos ca- é então uma contradição nos termos. E se devês-
tólicos criaram a noção de "inculturação" (a par- semos dar-lhe razão, todas as culturas humanas
tir do modelo de "aculturação") que designa a deveriam ser chamadas de "culturas da morte",
integração da mensagem evangélica a cada uma pois raras sociedades humanas não admitiram
das culturas dos povos que formam a humanida- ou praticaram uma forma ou outra de aborto
de e não, como se poderia pensar, o desenvolvi- e/ou infanticídio.
mento da incultura (no sentido de ignorância). Os exemplos que acabam de ser citados
A partir de então, adeptos do relativismo cultu- são suficientes para mostrar que o uso sem con-
ral, eles pretendiam que esta noção significasse trole da noção de cultura provoca uma confu-
o dever da Igreja de respeitar as culturas são conceituai. Evidentemente, não se trata aqui
autóctones. de passar em revista todos os usos atuais desta
Em abril de 1995, o Papa João Paulo II pu- palavra. No entanto, o exame de alguns casos re-
blicou a encíclica Evagelium Vitae sobre "o va- centes e significativos da aplicação do conceito
lor e a inviolabilidade da vida humana". Ele de- de cultura a um campo particular pode mostrar
nuncia aí, em um vocabulário que se pretende a defasagem que se produz cada vez mais entre
moderno, o que chama de "cultura da morte", o uso social, isto é, ideológico e o uso científico
ou seja,"a cultura que leva ao aborto". Indepen- do conceito.
dentemente do fato, surpreendente por si mes-
mo, que o Papa use a expressão "cultura da mor- À noção cie "cultura política'*
te" somente para se referir ao aborto e não a ou-
tros casos (como por exemplo a pena de mor- Como foi dito anteriormente, a palavra
te), pode-se observar que se trata de um abuso "cultura" invadiu recentemente a cena política.
de linguagem que leva a um absurdo. De fato, Ela se tornou um termo corrente do vocabulá-
toda cultura, no sentido antropológico do ter- rio político contemporâneo, sendo usada a tal
mo, é globalmente orientada para a reprodução ponto pelos atores políticos que passou a pare-
cer uma mania. Talvez, usando um termo "no- Almond e Sidney Verba, submeteram cinco
bre", eles pretendam dar uma cerca legitimidade países à comparação (Estados Unidos, Grã-
a suas declarações, pois "cultura" não é desacre- Bretanha, Alemanha, Itália e México) a partir da
ditada como a palavra "ideologia". análise de diversas formas de comportamentos
Este uso abusivo do termo não deve levar políticos. Eles chegaram a uma tipologia das cul-
à renúncia de seu uso na sociologia política ou turas e das estruturas políticas funcionalmente
a ocultar o interesse das relações entre fenôme- adaptadas a estas culturas: à cultura "paroquial",
nos culturais e fenômenos políticos. Questões baseada nos interesses locais, corresponde uma
essenciais para as sociedades contemporâneas estrutura política tradicional e decentralizada; à
levam a questionar estas relações, como por cultura "de sujeição", que cultiva a passividade
exemplo a questão da universalidade dos "direi- dos indivíduos, corresponde uma estrutura au-
tos humanos" [Abou, 1992]. Para apreender a di- toritária; enfim, a cultura "da participação" é
mensão cultural em política, os pesquisadores acompanhada da estrutura democrática. Toda
recorrem à noção de "cultura política". Esta no- cultura política concreta é mista e os três mode-
ção foi elaborada no contexto da independên- los de cultura podem coexistir. Mas a maior ou
cia dos países colonizados.A formação de novos menor adequação do modelo dominante e da
Estados no Terceiro Mundo revelou que a im- estrutura explica o funcionamento satisfatório,
portação de instituições democráticas não era em maior ou menor grau, do sistema político e
suficiente para garantir o funcionamento da de- em particular, das instituições democráticas
mocracia. A sociologia foi levada então a se in- [Almond e Verba, 1963].
terrogar sobre os fundamentos culturais da de- A análise foi sendo progressivamente afi-
mocracia. Todo sistema político surge ligado a nada. Ao invés de procurar caracterizar, de ma-
um sistema de valores e representações ou seja, neira necessariamente esquemãtica, as culturas
a uma cultura, característica de uma dada socie- políticas nacionais, os sociólogos passaram a se
dade. Neste primeiro nível de reflexão, a noção interessar cada vê/ mais pelas diversas subcultu-
de cultura política está muito ligada ao que se ras políticas que existem no interior de uma
chamava "caráter nacional". mesma sociedade, pois todas as nações contem-
O que fez o sucesso da noção de cultura porâneas possuem uma pluralidade de modelos
foi a sua orientação comparatista. Ela deveria de valores que orientam as atitudes e os com-
permitir que se compreendesse o que favorecia portamentos políticos. No caso da França, os
a eficiente implantação das instituições moder- pesquisadores procuram elucidar os modelos
nas. Dois pesquisadores americanos, Gabriel culturais que estão na base das oposições direi-
ta-esquerda ou de uma maneira ainda mais pre- Percheron evidenciou a complexidade da so-
cisa, das distinções entre as diferentes direitas e cialização política das crianças, que não consis-
esquerdas. te em uma série de aprendizados formalizados,
O desenvolvimento da antropologia políti- mas que está bem mais ligada a"transações7'per-
ca levou, aliás, a reconsiderar a própria idéia do manentes e informais entre as crianças e os
que é político, idéia que não tem o mesmo sen- agentes socializadores entre os quais se situam
tido nas diferentes sociedades. As concepções a família e os professores.A socialização política
do poder, do direito, da ordem podem mostrar- toma a forma de um acordo, de uma concessão
se profundamente divergentes, pois são deter- entre as aspirações do indivíduo e os valores
minadas pelas relações com os outros elemen- dos diferentes grupos com os quais ele está re-
tos dos sistemas culturais considerados. A políti- lacionado. Ela não é adquirida de forma definiti-
ca, como categoria autônoma de pensamento e va, mas produzida progressivamente e, na maior
de ação não existe de maneira universal, o que parte dos casos, de maneira não intencional.
complica a análise comparativa. Não há necessa- Como todo processo de socialização, ela partici-
riamente em todas as sociedades uma cultura pa diretamente da construção da identidade do
política reconhecida e transmitida como tal. indivíduo [Percheron, 1974].
Procurar compreender as significações das
ações políticas em uma dada sociedade é então A noção de "cultura de empresa"
inevitavelmente referir-se ao conjunto do siste-
ma de significações que forma a cultura da so- , "Cultura de empresa" c
ciedade estudada. •v gerenciamento
Paralelamente a estes questionamentos, os
pesquisadores procuraram elucidar os mecanis- A noção de "cultura de empresa" não é
mos de transmissão das opiniões e das atitudes uma criação das ciências sociais. Ela é originária
políticas de geração em geração. O tema da so- do mundo da empresa e obteve rapidamente
cialização política foi objeto de várias pesquisas um grande sucesso.
tanto sobre a infância quanto sobre a idade adul- Nos Estados Unidos a expressão apareceu
ta. Estes trabalhos mostraram a forte similitude pela primeira vez na década de setenta. As em-
de comportamentos políticos entre as crianças presas americanas buscavam naquele momento
e seus pais. No entanto, a socialização política enfrentar uma concorrência japonesa cada vez
não pode ser confundida com os efeitos de uma mais agressiva e encontrar um meio de mobili-
pura e simples educação familiar. Annick zar seus empregados. Pensou-se então que o
tema da cultura de empresa deveria permitir As equipes de direção, nos anos oitenta
que se enfatizasse a importância do fator huma- procuraram reabilitar a empresa através de um
no na produção [Sainsaulieu, 1987, p.206]. discurso humanista, para obter dos assalariados
Na França, a noção fez sua aparição no co- comportamentos leais e eficazes. No discurso
meço dos anos oitenta nos discursos dos res- gerencial, tira-se partido da polissemia do termo
ponsáveis pelo gerenciamento. É significativo "cultura", ainda que o sentido antropológico
que o tema da cultura de empresa tenha sido predomine. Mas o uso antropológico adotado
desenvolvido durante uma crise econômica. É com maior freqüência é o mais contestado. Este
provável que o sucesso obtido por este tema se uso remete a uma concepção de cultura como
deva ao fato de ele ter surgido como uma res- dependente de um universo fechado, imutável,
posta à crítica que as empresas suscitavam em em maior ou menor grau, caracterizando uma
pleno período de crise do emprego e de rees- coletividade pretensamente homogênea com
truturação industrial. Diante da dúvida e das sus- contornos bem definidos. Nesta concepção re-
peitas, o uso da noção de cultura representava dutora da cultura, supõe-se que ela determine as
então para os dirigentes de empresa, um meio atitudes e os comportamentos das indivíduos. A
estratégico para tentar obter dos trabalhadores cultura de empresa, nesta perspectiva, deveria
sua identificação e sua adesão aos objetivos que impor seu sistema de representações e de valo-
eles haviam definido. res aos membros da organização.
A idéia de cultura de empresa teve reco- Pode-se ver claramente o benefício simbó-
nhecimento, além disso, pelas conseqüências lico que as direções de empresas obtiveram de
das fusões ou das concentrações que acontece- tal noção. Para elas, a cultura da empresa não de-
ram em grande número na fase de crescimento pende diretamente dos assalariados, ela é, de
econômico, anterior à crise. O choque das "men- certa forma, preexistente e se impõe a eles. Não
talidades" e as dificuldades relacionais dele re- aderir à cultura da empresa é, de certo modo ex-
sultantes levaram a refletir em novos termos so- cluir-se da organização.
bre o funcionamento da empresa.A imagem que Com o pretexto da cultura e usando a ga-
os assalariados tinham de sua empresa como rantia "científica" das ciências sociais, não se
instituição forte, destinada a perdurar indefini- esta longe de voltar à idéia ultrapassada do "es-
damente, se degradou pouco a pouco e desmo- pírito da casa". A exaltação do "espírito da casa"
ronou com a irrupção da crise econômica e as caracterizou por longo tempo o patronato fran-
reestruturações industriais. cês, profundamente marcado pelo paternalismo
e por uma concepção familiar da autoridade. A
ideologia subjacente é a da harmonia familiar, do conceito de cultura apenas o que lhes pare-
do consenso, da supressão das contradições. A ce aplicável diretamente na gestão das empre-
"casa" apaga as diferenças (de classes) entre in- sas, ignorando o desenvolvimento das pesquisas
divíduos e entre grupos. que mostram a complexidade de todo sistema
A concepção gerencial da cultura adotou cultural.
do conceito antropológico de cultura apenas o
que podia servir a seus objetivos, isto é, uma in- Á abordagem .sociológica cia
terpretação culturalista muito empobrecida se- cultura de empresa
gundo a qual a cultura domina (em todos os
sentidos do termo) o indivíduo. Interpretação Sem recorrer à noção de "cultura de em-
elaborada para dar conta de realidades muito di- presa", os sociólogos já haviam abordado direta
ferentes e de qualquer maneira abandonada há ou indiretamente a questão da cultura na em-
muito tempo pelos pesquisadores. Em nenhuma presa. Suas análises evidenciam um universo
situação as empresas podem ser encaradas cultural heterogêneo, relacionado com a hetero-
como tribos (no entanto esta palavra também geneidade social das diferentes categorias de
está em voga no vocabulário gerencial) ou com trabalhadores. Estes trabalhadores não chegam
famílias. desprovidos de cultura na empresa. Eles impor-
Vista por este ângulo, a cultura de empre- tam para ela, em certos casos, culturas de profis-
sa não é definitivamente uma noção analítica, são, e às vezes uma cultura de classe (a "cultura
mas sim uma manipulação ideológica do con- operária"). Alguns estudos mostraram a impor-
ceito etnológico de cultura, destinada a legiti- tância destas culturas na organização dos com-
mar a organização do trabalho no interior de portamentos dos assalariados na empresa. Estas
cada empresa. A empresa pretende definir sua culturas não são fundamentalmente dependen-
cultura do mesmo modo que ela define seus tes de uma empresa específica.
empregos: em outras palavras, aceitar o empre- Para os sociólogos, a noção de cultura de
go é aceitar a cultura da empresa (entendida empresa é usada para designar o resultado das
neste sentido). confrontações culturais entre os diferentes gru-
Atualmente a expressão "cultura de empre- pos sociais que compõem a empresa. A cultura
sa" faz parte do vocabulário das escolas superi- de empresa não existe fora dos indivíduos que
ores de administração de empresas. Na falta de pertehcem à empresa; ela não pode ser preexis-
uma formação em ciências sociais, os profis- tente a eles; ela é construída nas suas interações.
sionais saídos destas escolas geralmente adotam
Mesmo nos dias de hoje, em que as cultu- é encontrada principalmente entre os operários
ras de profissão tendem a se enfraquecer e até a não qualificados desprovidos de memória ope-
desaparecer, os assalariados não são, em ne- rária: trabalhadores imigrantes, operários agríco-
nhum caso, dependentes culturalmente da orga- las, mulheres, jovens. Para eles, a empresa é vivi-
nização. Sua criatividade cultural se manifesta da sobretudo como um meio de um projeto
de todas as maneiras. Evidentemente ela não é exterior.
infinita e depende em parte da posição destes Evidentemente, estas culturas são modelos
assalariados no sistema social da empresa. ideais, no sentido weberiano do termo, que não
Renaud Sainsaulieu [1977] mostrou assim correspondem nunca de maneira perfeita a uma
que, segundo as categorias socio-profissionais, categoria de trabalhadores e que são sujeitas à
podiam-se definir diferentes esquemas de com- evolução. O interesse da análise de Sainsaulieu
portamento em uma empresa. Ele reduziu estes vem do fato de ter demonstrado que no interior
comportamentos a quatro modelos culturais de uma mesma empresa diferentes culturas co-
principais. Uma primeira cultura, que caracteri- existiam e se cruzavam.
za principalmente os operários e trabalhadores Outro mérito dos trabalhos de Sainsaulieu
não qualificados, é marcada pelo caráter fu- é ter evidenciado que a desqualificaçao não sig-
sional da relações na qual o coletivo é valoriza- nificava ausência de cultura própria e incapaci-
do enquanto refúgio e proteção contra as divi- dade de qualquer iniciativa de ordem cultural
sões. Uma segunda cultura remete, ao contrário, na empresa. Outras pesquisas mostraram igual-
à aceitação das diferenças e à negociação. Ela mente que o operário não era totalmente de-
existe principalmente entre os operários profis- pendente da organização, mesmo nas situações
sionais, mas podemos encontrá-la também entre mais alienantes. Os sociólogos do trabalho subli-
certos técnicos que exercem funções na admi- nharam, em um primeiro momento, nos anos
nistração. A terceira cultura corresponde às si- cinqüenta e sessenta, o caráter alienante do tra-
tuações de mobilidade profissional prolongada balho taylorizado. Mas a alienação não é total e
que é vivida geralmente pelos executivos auto- a alienação social não se confunde necessaria-
didatas ou pelos técnicos. O modo de funciona- mente com a alienação cultural.
mento relacionai é nestes casos o das afinidades Phüippe Bernoux [1981] desenvolveu,
seletivas e da desconfiança em relação aos gru- por sua vez, uma analise dos comportamentos
pos constituídos na empresa. Enfim, a quarta de apropriação do universo do trabalho pelos
cultura presente nos meios de trabalho se carac- trabalhadores menos qualificados e com menos
teriza pela dependência e pelo retraimento. Ela acesso ao poder. Estes comportamentos são
práticas freqüentemente ilegítimas, às vezes di- sua "obra" uma habilidade própria. É afirmar sua
ficilmente localizáveis, mas significativas de aptidão para criar, para inventar. É opor uma ló-
uma resistência cultural ao despojamento abso- gica do desinteresse, da gratuidade e até da do-
luto feito pela organização. A "apropriação" se ação (guarda-se raramente para si as realizações
manifesta por diversas estratégias que visam deste tempo) à lógica mercante do lucro. Mas
salvaguardar um mínimo de autonomia. Ela não esta prática somente é possível devido à cumpli-
é um ato puramente individual nem uma re- cidade dos outros membros do grupo. Somente
ação (abstrata) de classe, mas uma conduta que quando uma cultura comum une os membros
remete a um grupo de vinculação, isto é, um de um mesmo grupo de trabalho, a prática de
grupo de trabalho concreto que compartilha subtrair o tempo do empregador torna-se reali-
de uma cultura comum, feita de uma linguagem zável. Por isso mesmo, ela é uma expressão da
comum, de um modo de comportamento co- cultura do grupo [de Certeau, 1980, p.70 -74].
mum, de sinais de reconhecimento de uma Talvez fosse mais correto falar de uma "mi-
identidade comum, etc. crocultura" de grupo. É difícil definir a cultura de
Ás práticas de apropriação são numerosas lima empresa e seria talvez mais plausível para o
e diversas. Elas dizem respeito ao trabalho em si pesquisador identificar microculturas no inte-
e à sua organização, ao espaço e ao tempo de rior da empresa. As microculturas que são "in-
trabalho que os trabalhadores vão tentar recom- ventadas" pelos empregados mostram que a cul-
por à sua maneira, na medida do possível e tam- tura da empresa não é um dado prévio que os
bém ao produto do trabalho.Trata-se de opor à trabalhadores deveriam necessariamente adotar.
lógica taylorista uma outra lógica cultural, ba- Se a própria empresa pode ser produtora de sis-
seada na independência e no prazer. temas culturais, isto não significa que a cultura
Uma" ilustração particularmente significati- seja uma pura e simples emanação da adminis-
va desta vontade de apropriação é dada pela tração. Quem "fabrica" a cultura da empresa? Evi-
prática de usar o tempo do empregador para dentemente, todos os atores sociais que perten-
produzir para si. Michel de Certeau observou cem à empresa. Como se "fabrica" a cultura da
que esta prática não questiona o trabalho em sif empresa? Certamente não por decisão autoritá-
mas uma certa organização do trabalho. Não se ria, mas por todo um complexo jogo de intera-
trata de subtrair bens (usa-se em geral apenas os ções entre os grupos que compõem a empresa.
restos), mas de subtrair tempo à empresa para Para chegar a definir a cultura de uma em-
não se deixar aprisionar no tempo "organiza- presa, é preciso então partir das microculturas
do", cronometrado. Significa mostrar através de dos grupos que dela fazem parte.Tanto estas mi-
croculturas como a própria organização, garan- teriam sido excluídos todas as contradições e
tem o funcionamento cotidiano dos ateliês, dos todos os conflitos.
escritórios, delimitam territórios, definem rit- Além disso, não se pode estudar a cultura
mos de trabalho, organizam as relações entre de empresa independentemente do ambiente
trabalhadores, imaginam soluções para os pro- que a cerca.A empresa não constitui um univer-
blemas técnicos da produção. Evidentemente, so fechado que poderia produzir uma cultura
estas microculturas são criadas considerando o perfeitamente autônoma.Ao contrário, a empre-
contexto próprio da empresa, especialmente sa moderna é muito dependente de seu ambien-
das limitações da organização formal do traba- te, tanto no plano econômico quanto no plano
lho e da tecnologia utilizada. Mas elas não são social e cultural. Atualmente, uma análise so-
determinadas por estes dois elementos; elas de- ciológica da empresa não pode mais abstrair o
pendem também dos indivíduos que consti- contexto. Em outras palavras, a cultura de em-
tuem o grupo de trabalho. Uma mesma organi- presa não pode ser reduzida a uma simples cul-
zação formal, acompanhada de uma mesma tec- tura organizacional.
nologia não leva necessariamente a uma micro- Uma série de pesquisas evidenciaram o
cultura idêntica: as características do grupo de impacto das culturas nacionais sobre as culturas
trabalho desempenham um papel fundamental de empresa [Iribarne, 19891-A partir de pesqui-
na produção cultural. Estas microculturas infor- sas comparativas, pôde-se demonstrar que em-
mais, produzidas pelos próprios assalariados, presas idênticas instaladas em países diferentes
são ao mesmo tempo criadoras e reguladoras funcionavam segundo sistemas culturais dife-
das microcomunidades de trabalho [Liu, 1981]. rentes. Michel Crozier [1963] foi um dos primei-
Definitivamente, a "cultura de empresa" se ros a colocar em evidência a existência de um
situa na interseção das diferentes microculturas modelo cultural francês de organização de em-
presentes no interior da empresa. Estas micro- presa, marcado pelo formalismo burocrático e
culturas não estão necessariamente em harmo- pela extrema centralização das estruturas e cor-
nia umas com as outras. Seu contato não se faz respondendo a uma tendência profunda da so-
obrigatoriamente sem choque. Relações de for- ciedade francesa.
ça culturais surgem e se traduzem tanto aqui Durante a década de setenta escreveu-se
como em outros lugares, pelos conteúdos so- muito sobre o "modelo japonês" de empresa. Os
ciais. Em outras palavras, a noção de "cultura de especialistas do gerenciamento, fascinados pelo
empresa" tem uma pertinência sociológica mas sucesso industrial e comercial do Japão, pensa-
não para designar um sistema cultural de onde ram ter descoberto nele um novo modelo uni-
versai de organização de resultados particular- na designação da resultante complexa em um
mente eficientes. Mas eles mudaram rapidamen- dado momento, de um processo de construção
te de idéia, O modelo japonês não era facilmen- cultural que nunca está acabado. Este processo
te transponível para outros países, como foi coloca em jogo grupos de atores e de fatores
constatado com a implantação de empresas ja- muito diversos sem que nenhum grupo possa
ponesas nos Estados Unidos e na Europa. O mo- ser considerado como único dono do jogo.
delo era totalmente japonês, no sentido estrito
do termo, isto é, diretamente inspirado nos as-
pectos fundamentais da cultura japonesa e de
acordo com as estruturas sociais do Japão. As grandes escolas e ;i cultura
Ao dizer isto, não é necessário cair em uma
explicação "culturalista" simplista. Por um lado, Por serem muito ligadas ao inundo empresarial,
as culturas nacionais não são imóveis, imutáveis, as grandes escolas francesas seguiram rapida-
e, por outro lado, elas não determinam de manei- mente o movimento de renovação do vocabu-
ra absoluta as culturas de empresa.A relação en- lário introduzido pelas empresas. Passou-se as-
tre as duas é também função das circunstâncias sim de um discurso sobre o "espírito" a um dis-
históricas da situação social e política. Estudos curso sobre a "cultura". Anteriormente, cada
recentes mostraram precisamente que, no perío- grande escola afirmava sua diferença não so-
do de crise econômica e, logo, social, dos anos mente apresentando a especificidade da forma-
oitenta, o modelo japonês que parecia sem fa- ção profissional que ela ministrava a seus alu-
lhas não funcionava mais tão bem quanto antes. nos, mas também, e sobretudo, enfatizando o
As pesquisas sociológicas e etnológicas "espírito" que lhe era próprio e que seria co-
mostram então a complexidade do que chama- mum a todos os alunos saídos desta mesma es-
mos de "cultura de empresa". Ela não é, em ne- cola: o "espírito X" (Politécnico), atendendo a
nhum caso, a pura e simples emanação do siste- interesses, não podia ser confundido com o
ma organizacional. Ela é, ao mesmo tempo, o re- "espírito das Minas"; o "espírito Gadg'arts" não
flexo da cultura ambiente e uma produção nova tinha nada em comum com o "espírito
elaborada no interior da empresa através de uma Central", etc.
série de interações existentes em todos os níveis No entanto, quando se tratava de definir as ca-
entre os que pertencem à mesma organização. O racterísticas do "espírito" que se defendia, as de-
interesse em se falar em cultura de empresa, no finições eram extremamente imprecisas e pou-
sentido antropológico do termo "cultura", está co diferenciãveis umas das outras. Pouco im-
portava, na realidade, que fosse impossível de-
monstrar a existência e a especificidade deste que não fazem parte dela. Isto permite que se
espírito. O que contava para cada escola era a recuse a priori qualquer analise desta cultura
crença em um espírito comum imaginário, fre- vinda do seu exterior.
qüentemente ritualizado, capaz de criar o espí- Ao apresentarmos as grandes escolas e suas cul-
rito de corpo dos seus antigos alunos. turas como unidades singulares, independentes
Considerando o caráter inalcançável e extrema- umas das outras, não pretendemos que elas
mente abstrato do espírito da escola, a noção existam em um estado isolado, perfeitamente
de cultura, compreendida no sentido dado pe- autônomas. Cada uma delas deseja afirmar sua
las empresas pareceu muito mais adaptado à diferença precisamente porque elas estão em
promoção interna c externa de uma imagem concorrência umas com as outras. Como de-
positiva da instituição, A partir de então, boa monstrou Bourdieu [1989], todas elas perten-
parte das escolas reivindicou o reconhecimen- cem a um mesmo sistema das grandes escolas,
to de sua própria cultura. A polissemia da pala- no interior do qual estão unidas por relações
vra "cultura" permite que se jogue, ao mesmo objetivas. Em outras palavras, não são tanto as
tempo, com o sentido nobre do termo e com caraterísticas intrínsecas de uma escola como
seu sentido etnológico partícularista. Em seu instituição singular que explicam o seu discur-
discurso promocional, cada uma apresenta sua so sobre sua própria cultura, mas a posição que
cultura como profundamente original. Devido ela ocupa em relação às outras no sistema ge-
a uma vulgarização superficial do conceito ral. A cultura de cada escola é, ao mesmo tem-
científico de cultura, a escola reproduz os erros po, uma forma de racionalização da posição
de certas análises, em sua definição de cultura. ocupada e um meio para se distinguir das ou-
A cultura da escola é supostamente homogê- tras escolas. Uma mudança de posição de uma
nea, e é apresentada como uma espécie de es- escola provoca conseqüentemente uma mu-
sência (o que é coerente com a idéia anterior dança da definição que esta escola dá de sua
de espírito de escola) que estaria necessa- cultura.
riamente impregnada em todos os alunos. Cada No nível de análise microssocíológico, conside-
cultura é pretensamente única, considerada rando que as grandes escolas funcionam como
como insubstituível e mesmo indispensável. "instituições totais"- isto é,"lugares de residên-
Nesta lógica, que retoma o raciocínio do relati- cia e de trabalho", "isolados do mundo exte-
vismo cultural radical, cada um conclui que sua rior", em que a organização da vida coletiva é
cultura de escola não pode ser comparada a "minuciosamente regrada" [Goffman, 1961] - o
qualquer outra e é até incompreensível para os pesquisador poderá descrever, como na etno-
grafia, as microcvüturas que ligam entre si os A. "cultura dos imifiraníes"
alunos de cada escola.
Estas microculturas são transmitidas pelos anti- A expressão "cultura dos imigrantes" surge
gos alunos aos novos por meio de uma doutri- na França nos anos setenta e encontra rapida-
nação sistemática, desde sua chegada à escola e mente muitos adeptos. Devemos nos perguntar
em particular através dos ritos de trote que são por que esta noção não foi utilizada antes e por
apenas a parte mais visível do aprendizado cul- que obteve, naquele momento, um certo suces-
tural. Certos ritos são objeto de uma codifica- so. O contexto da época permite responder a
ção extremamente minuciosa. Um dos casos esta interrogação (sobre este ponto e os seguin-
mais significativos é talvez o das "tradições" da tes, ver Sayad [1978]).
Escola d'Arts et Métiers, transcritas em um Ca- Enquanto se considerava que a imigração
derno de tradições com mais de 150 páginas era temporária, pois estava ligada a um déficit
que todo aluno novo deve copiar e aprender de mão de obra, os imigrantes eram definidos
quase de cor [Cuche, 1985]. A doutrinação co- essencialmente como trabalhadores, "trabalha-
tidiana no espaço isolado que constitui a esco- dores estrangeiros". As questões colocadas so-
la, as maneiras de fazer e de dizer adequadas às bre este tema giravam em torno do trabalho, de
tradições de cada escola produzem uma cultu- sua adaptação ao trabalho "racionalizado", de
ra do grupo de pares que sustenta sua cumpli- suas condições de trabalho, etc. Com o fim ofi-
cidade. Segundo a análise de Bourdieu:"Mais do cial da imigração, em 1974, descobre-se o as-
que as referências à cultura ensinada - vista pecto durável da imigração, pois os imigrantes
pelo grupo como ostentatórias ou medíocres - não voltam para casa apesar da crise de empre-
são os elementos imponderáveis, as expressões go que os atinge particularmente .Toma-se cons-
típicas da gíria da escola, cheia de valores cris- ciência que a imigração de trabalho se transfor-
talizados, as brincadeiras, a expressão corporal, mou em imigração de população e a "reunião
a voz, o riso, o modo de se relacionar com os das famílias" (vinda das esposas e filhos para se
outros e em particular com os seus iguais que reunirem aos maridos) acentuou este movi-
constituem a base da cumplicidade imediata mento. Desde então, não é mais possível consi-
entre colegas. Esta cumplicidade é geralmente derar os imigrantes como uma simples "forca
inconsciente das suas determinações e de to- de trabalho" suplementar. A partir do momento
dos os efeitos atribuídos à "maçonaria" ou à em que eles se fixam com suas famílias no país
"máfia"das grandes escolas" [1981b, p. 143). que os recebe, impõe-se que se considerem to-
das as dimensões de sua existência. E como em
suas práticas cotidianas (da vida familiar, do tivo, provocar o regresso dos imigrantes a seus
consumo, do lazer, das práticas religiosas), as países. Não se deve ver nenhuma contradição
populações imigrantes manifestam certas parti- nesta atitude: "fechar" os imigrantes na sua dife-
cularidades, os poderes públicos, preocupados rença, reativar a "consciência" de sua cultura de
com a inserção destas populações na vida local origem faz parte também da incitação ao regres-
e nacional, vão ser levados a se interessar por so. Contra todas as evidências, esperava-se que
estas particularidades. Durante a presidência de este regresso se desse mais cedo ou mais tarde.
Giscard d'Estaing, foi criado uma Agência na- Mas não é somente devido à política go-
cional para a promoção cultural dos imigrantes. vernamental que a noção de "cultura dos imi-
Segundo um documento do secretário de Esta- grantes" encontra uma certa ressonância na dé-
do encarregado dos trabalhadores imigrantes cada de setenta. O contexto ideológico francês
intitulados A Nova Política da imigração,/'esta daquele momento teve grande influência na
promoção deve permitir que os imigrantes to- aceitação desta noção. Na realidade, os anos se-
mem consciência de sua própria cultura ao tenta são marcados pelo ressurgimento dos mo-
mesmo tempo em que descubram a cultura vimentos regionalistas (bretão, corso, etc.) que
francesa; ela procurará também mostrar à po- reivindicam o reconhecimento de uma identida-
pulação francesa a cultura dos países de origem de cultural própria e que denunciam o centralis-
destes imigrantes". mo cultural do Estado francês. A diferença cul-
Da gestão da mão de obra estrangeira, pas- tural é exaltada em si mesma e inúmeros mili-
sa-se então à gestão da diferença cultural. A paz tantes ou intelectuais tornam-se os arautos do
social supõe a paz cultural. A política de promo- pluralismo cultural e os defensores de todas as
ção das culturas imigrantes é eminentemente minorias culturais presentes na França. O direi-
conjuntural e diretamente ligada ao estado da to à diferença (cultural) é afirmado como um
imigração na França nos anos setenta. dos direitos fundamentais do homem. O discur-
Gerir a diferença é, de cena maneira, recu- so pluralista une-se assim, de maneira inespera-
sar a assimilação total dos imigrantes na nação da, ao discurso centralista para promover as cul-
francesa. Chega-se mesmo a pretender que os turas imigrantes, ainda que a visão da diferença
imigrantes não europeus são "inassimiláveis", seja diametralmente oposta nos dois casos.
por serem muito diferentes culturalmente dos Esta noção obteve um certo sucesso por
franceses.Ao "promover" a cultura dos imigran- se prestar a usos ideológicos condizentes com
tes, os sucessivos governos deste período tenta- uma certa conjuntura política. A noção se pres-
rão, através de todo o tipo de medidas de incen- tava ainda mais a estes usos por veicular uma ré-
presentação específica destas culturas. Em pri- cada um com a cultura nacional de seu país, an-
meiro lugar, o emprego da expressão "cultura tes de sua instalação no país que o recebe.
dos imigrantes" remete quase sempre à "cultura Em seguida, a cultura nacional "de origem"
de origem" dos imigrantes, isto é, à cultura de é definida implicitamente como uma cultura
seu país de origem. Esta é uma maneira sutil de imutável ou, ao menos, fracamente evoluída
negar a particularidade cultural dos imigrantes Ora, os países de onde vêm os imigrantes são
em relação a seus compatriotas que ficaram em em geral países que passam por profundas mu-
seu país. Uma forma também de fechá-los em danças econômicas, sociais e, logo, culturais. O
uma identidade imutável. imigrante não pode ser então o representante
No uso desta noção, a cultura em questão da cultura de seu país nem mesmo de sua comu-
é concebida como uma cultura reificada, uma nidade particular original pois se encontra fora
espécie de dado preexistente a qualquer forma da evolução (sobretudo cultural) do país e de
de relação social. O indivíduo não poderia esca- sua comunidade. Apesar de seus esforços para
par à sua cultura (de origem) da mesma forma continuarem fiéis a sua cultura, os imigrantes es-
que ele não pode escapar de seus caracteres ge- tão sempre defasados da cultura que se estabe-
néticos. Nesta acepção, a noção de cultura fun- lece depois de sua partida. Esta é, aliás, um dos
ciona geralmente como um eufemismo de maiores problemas no regresso dos imigrantes a
"raça" ("Faz parte da sua cultura", subentende-se seu país: eles não o reconhecem mais, devido a
"Ele não pode nada contra isso"). O indivíduo suas mudanças, geralmente mais no aspecto cul-
seria inteiramente determinado por sua cultura tural do que material.
(de origem). Isto permite afirmar que os imi- A cultura chamada "dos imigrantes" é en-
grantes "muito" diferentes culturalmente são tão na realidade uma cultura definida pelos ou-
inassimilãveis. tros, em função dos interesses dos outros, a par-
Identificar as culturas imigrantes com suas tir de critérios etnocentristas. A "cultura dos imi-
"culturas de origem" é um erro baseado em uma grantes" é tudo o que os faz parecerem diferen-
série de confusões. Inicialmente, confunde-se tes, e apenas isto. É uma cultura constituída em
"cultura de origem" com cultura nacional. Ra- oposição ao sistema cultural francês. Na repre-
ciocina-se como se a cultura do país de origem sentação social dominante na França, ser imi-
fosse única, ao passo que as nações de hoje não grante é por si só ser diferente, ser estrangeiro
são culturalmente homogêneas. Não se analisa a (estranho). Quanto mais um indivíduo for enca-
especificidade cultural de cada grupo de emi- rado como diferente, mais ele será considerado
grantes de um mesmo país, nem a relação de como "imigrante".
Apenas o que reforça a representação do- sabores para a população francesa. Fora dos lo-
minante de suas culturas será observado nos sis- cais e dos momentos de expressão cultural con-
temas culturais próprios dos imigrantes. Isto é, cedidos, os imigrantes serão então chamados a
os aspectos mais visíveis e mais surpreendentes. "descobrir a cultura francesa" e a renunciar aos
Serão destacadas as "tradições", os "costumes", aspectos mais "chocantes" de suas próprias
os "traços culturais" mais "exóticos" (como por culturas.
exemplo, no que se refere aos norte-afrícanos, a Ao abstrairmos o discurso ideológico so-
proibição de comer carne de porco, o sacrifício bre a "cultura dos imigrantes" e nos colocarmos
do carneiro, a circuncisao, etc.). A "cultura dos no plano da análise antropológica, seremos obri-
imigrantes" é definida a partir de toda uma série gados a constatar que as culturas dos imigrantes
de sinais exteriores (práticas alimentares, reli- são culturas depreciadas, culturas dominadas no
giosas, sociais, etc.) cujo significado profundo conjunto da sociedade que os recebe. E além
ou coerência não são compreendidos, mas que disso, para boa parte dos imigrantes propria-
permitem situar o imigrante enquanto imigran- mente ditos, isto é, os da primeira geração, a cul-
te, lembrar suas origens e, segundo a expressão tura de origem que eles tentam preservar por
de Sayad, "lembrá-lo de suas origens" o que é todos os meios é apenas uma "cultura em miga-
uma maneira de "colocá-lo em seu lugar". lhas", uma cultura fragmentária, reduzida a al-
A definição dada geralmente da "cultura guns elementos de si mesma. É somente uma
dos imigrantes" é completamente parcial.A polí- cultura desintegrada, desestruturada que não
tica da "promoção das culturas imigrantes" foi forma mais um sistema coerente. Em outras pa-
apenas uma promoção dos aspectos mais folcló- lavras, uma cultura qxie não é mais plenamente
ricos destas culturas. A "cultura dos imigrantes" uma cultura.
está então instalada no "cultural", no sentido Por outro lado, estes fragmentos disso-
mais estreito do termo, ligado à esfera do lazer. ciados de seu meio de produção, importados
Encoraja-se a criação de "associações culturais" para a sociedade de imigração, estão descontex-
que são até ajudadas financeiramente por esta tualizados e por isso mesmo perdem seu caráter
política: elas serão o local de prática da língua funcional. Eles se tornam anacrônicos e são a
materna, das artes tradicionais (música, canto, expressão de um "tradicionalismo do desespe-
danças, ...), da cozinha tradicional, etc. Em ou- ro". Esta cultura"expatriada", empobrecida, é so-
tras esferas da vida social, longe de ser valoriza- mente uma cultura imobilizada, pouco suscetí-
da, a "cultura dos imigrantes" é apresentada vel à evolução e dificilmente transmissível à ge-
como um problema, fonte de dificuldades e dis- ração seguinte. Os imigrantes se apegam a estes
fragmentos de cultura, pois isto lhes permite contribuem muito para a transformação da cul-
afirmar uma identidade específica e provar sua tura de seu grupo, considerando sua dupla so-
fidelidade à comunidade de origem. Permite cialização, no interior da família, por um lado, e
também manter um mínimo de coesão no gru- na escola e no contato com os jovens franceses,
po dos imigrantes que reconhece assim uma por outro lado.
origem comum. As culturas das diferentes coletividades de
Sayad observa ainda que por estas mesmas imigrantes não são um dado acabado, como
razões os imigrantes entram no jogo da política qualquer outra cultura. Elas são a resultante de
estatal de revalorização de suas culturas. Partici- inúmeras interações no interior de cada coleti-
par das manifestações culturais subvencionadas vidade, bem como das interações entre cada co-
por esta política não é um "luxo supérfluo", mas letividade e as outras coletividades de seu am-
uma tentativa de salvaguardar o que ainda pode biente social.Tomadas globalmente, como siste-
ser salvo da cultura de origem e reforçar a soli- mas, as culturas dos imigrantes não param de
dariedade no grupo dos compatriotas pelo sen- evoluir, mesmo que certos elementos particula-
timento partilhado de existir coletivamente. res possam ser conservados em um estado qua-
Os imigrantes fazem uma resistência cultu- se inalterado.
ral na medida de suas possibilidades. No entan- São culturas sincréticas, mestiças, que al-
to, queiram ou não, seu sistema cultural evolui. guns autores vêem como culturas constituídas
Mesmo quando eles se consideram totalmente através da "bricolagem" como geralmente é o
fiéis à sua tradição, mudanças são produzidas caso das culturas surgidas dos contatos culturais
nas suas referências culturais. É impossível que profundamente assimétricos. Sua criatividade se
eles se mantenham completamente imperme- manifesta na sua capacidade para integrar em
áveis à influência cultural da sociedade que os um mesmo sistema elementos emprestados de
cerca. Quanto mais longa for sua estada nesta culturas supostamente muito distantes e fazer
sociedade, mas decisiva será a sua influência. As coexistirem de maneira coerente esquemas cul-
culturas dos imigrantes não podem então ser turais aparentemente pouco compatíveis. Por
confundidas de maneira redutora com suas cul- seu aspecto construído a partir de materiais he-
turas de origem. São culturas vivas e dinâmicas terogêneos e de origens diversas, estas culturas
que animam os grupos de imigrantes, compos- são autênticas criações, na medida em que o
tos de várias gerações. Os que são chamados de empréstimo não existe sem reinterpretação, isto
"imigrantes de segunda geração "(expressão ina- é, sem a reinvenção, para poder ser inserido em
dequada, pois eles próprios não "imigraram") um novo conjunto.
A"bricolagem"cultural não é contraditória ("individualista" ou "comunitarista", por exem-
com a vontade de fidelidade à cultura de ori- plo), concentração ou dispersão dos imigrantes
gem. Em muitos casos, segundo Dominique (sobre o território nacional, nas cidades, nos
Schnapper [1986], a bricolagem a partir de ele- bairros), quão recente ou antiga é a corrente mi-
mentos emprestados se efetua em torno do que gratória, presença ou ausência das famílias dos
ela chama de "cerne" da cultura de origem, ou migrantes, etc.
seja, dos valores, normas e práticas que pare- Não se pode traçar um quadro único das
ciam essenciais aos interessados para a preser- culturas dos imigrantes, pois elas existem so-
vação de sua representação de identidade cole- mente no plural, na diversidade das situações e
tiva e de honra.Tudo o que constitui o "cerne" é dos modos de relações interétnicas. Estas cultu-
transmitido desde a infância, como por exem- ras são sistemas complexos e evolutivos na me-
plo a concepção dos papéis sexuais ou ainda as dida em que são reinterpretados em permanên-
prescrições alimentares. Entretanto, Domimique cia pelos indivíduos cujos interesses de catego-
Schnapper adverte que: ria podem ser divergentes, segundo o sexo, a ge-
ração, o lugar na estrutura social, etc.
A distinção entre o cerne e a periferia do siste- A representação simplista da pretensa cul-
ma cultural não é dada de forma definitiva, ela tura dos imigrantes (no singular) provocou uma
depende das culturas de origem e das circuns- abundância de estudos e de discursos de orien-
tâncias históricas que levam o grupo a tomar tação muito discutíveis e pouco científicos. O
consciência de si mesmo e, conseqüentemente, fato de considerar a complexidade das diferen-
de seus limites. [1986, p. 1551 ças culturais dos imigrantes não deve levar os
pesquisadores a negligenciar a dimensão cultu-
Somente os estudos etnográficos minu- ral do fenômeno migratório. O exame da condi-
ciosos podem revelar definitivamente o que são ção social dos imigrantes não é suficiente para
concretamente as culturas imigrantes. Há na uma boa compreensão de suas práticas. A análi-
realidade diferentes tipos de cultura de imigran- se cultural é necessária para compreender a
tes porque há diferentes tipos de imigrantes. coerência simbólica do conjunto destas prati-
Para construir uma tipologia pertinente é preci- cas, o sentido que os imigrantes tentam dar a
so considerar toda uma série de variáveis: esta- sua existência. Através de sua criatividade cultu-
tuto social e estruturas familiares de origem dos ral, eles afirmam sua humanidade.
migrantes, caráter do projeto migratório, mode-
lo de integração próprio do Estado que o acolhe
Conclusão em Forma de Paradoxo:
Um Bom Uso do Relativísmo Cultural
e do Etnocentrismo

Encontramo-nos atualmente diante de um


"paradoxo: enquanto o conceito de cultura é re-
examinado de maneira crítica nas ciências so-
ciais - a ponto de levar certos pesquisadores a
pensar até que este conceito provoca mais per-
guntas do que respostas e a propor o seu aban-
dono e a volta ao sentido restrito da palavra que
se refere exclusivamente às produções intelec-
tuais e artísticas -, este mesmo conceito conhe-
ce uma difusão notável nos mais diversos meios
sociais e profissionais. Como esta difusão se dá
com certo desprezo pela definição científica da
palavra, aqueles, que já eram reservados quanto
ao seu uso, consideram que os riscos de confu-
são (em todos os sentidos do termo) ligados ao
este uso comum reforçam sua intenção de não
mais recorrer a este conceito.
Outros mostram-se igualmente reticentes
em utilizar o conceito de cultura pois, em um
certo uso comum e sobretudo ideológico, fun-
ciona cada vez mais como um eufemismo da pa-
lavra "raça". Alguns chegam até a afirmar que
esta sinonímia (contestável) dos dois termos já
estava inscrita na idéia de cultura desenvolvida
pelos pensadores românticos alemães do século
XIX e influenciou a elaboração do conceito an- em maior ou menor grau motivo de lutas sociais
tropológico. O conceito de cultura estaria então não deve levar o pesquisador a estudar unica-
manchado de maneira quase indelével pela mar- mente as lutas sociais. Mesmo que os elementos
ca do pecado original do pensamento. No en- de uma dada cultura sejam usados como signifi-
tanto, raciocinar assim é ignorar todo o trabalho cantes da distinção social ou da diferenciação
de crítica conceituai no interior da própria étnica, eles não deixam de estar ligados uns aos
antropologia que permitiu um constante enri- outros por uma mesma estrutura simbólica que
quecimento do conceito e o fim das principais requer a análise. Não há cultura que não tenha
ambigüidades que ele poderia ter tido em seu significação para aqueles que nela se reconhe-
início. cem. Os significados como os significantes
Contra estas posições um tanto extremas, devem então ser examinados com a maior
pode-se objetar também que, se o vocabulário atenção.
científico devesse abandonar todos os conceitos Admitir esta proposição leva a reconside-
que se vulgarizaram e caíram no uso comum rar a questão do relativismo cultural. Não se tra-
(com as distorções de sentido que geralmente ta de voltar atrás na sua crítica, totalmente justi-
isto provoca), ele seria obrigado a se renovar ficada, do relativismo cultural compreendido
constantemente, freiando e até aniquilando qual- como um princípio absoluto. Mas, se ele mesmo
quer forma de acumulação de conhecimento. for relativizado, o relativismo cultural continua a
O conceito de cultura conserva atualmen- ser uma ferramenta indispensável para as ciên-
te toda a sua utilidade para as ciências sociais.A cias sociais.
desconstrução da idéia de cultura subjacente Na realidade, há três concepções diferen-
aos primeiros usos do conceito, marcada por tes do relativismo cultural que podem se con-
um certo essencialismo e pelo "mito das ori- fundir eventualmente, o que cria uma certa am-
gens", supostamente puras, de toda cultura, foi bigüidade . O relativismo cultural designa, inicial-
uma etapa necessária e permitiu um avanço mente, uma teoria segunda a qual as diferentes
epistemológico.Á dimensão relacionai de todas culturas formam entidades separadas, com limi-
as culturas pôde assim ser evidenciada. tes facilmente identificáveis, logo, entidades cla-
No entanto, considerar a situação relaci- ramente distintas umas das outras, incompará-
onai na qual é elaborada uma cultura, não deve veis e incomensuráveis entre si. Já foi mostrado
levar a negligenciar o interesse pelo conteúdo anteriormente que esta concepção de relativis-
desta cultura, o interesse pelo que ela significa mo cultural não resiste a uma análise científica.
em si mesma. Reconhecer que toda cultura é
O relativismo cultural é em seguida com- dos direitos do homem. A exaltação da diferen-
preendido como um princípio ético, que pre- ça leva até, em sua forma mais perniciosa, à jus-
coniza a neutralidade em relação às diferentes tificação dos regimes segregacionistas. O direito
culturas. Em virtude deste princípio ético à diferença é então transformado em obrigação
Herskovits, que foi aliás o primeiro a utilizar, de diferença.
nos anos trinta, a expressão "relativismo cultu- Relativizar o relativismo cultural é algo
ral", submeteu à ONU em 1974, em nome da que se impõe. É preciso retornar a seu uso ori-
American Anthropological Association uma ginal, o único aceitável cientificamente, que fa-
recomendação para exigir o respeito absoluto zia do relativismo um princípio metodológico,
de cada cultura particular. Mas um deslize da princípio que continua a ser operacional. Nesta
neutralidade ética para o julgamento de valor perspectiva, recorrer ao relativismo cultural é
se faz imperceptivelmente: "Todas as culturas postular que todo o conjunto cultural tem uma
têm o mesmo valor". tendência para a coerência e uma certa autono-
O relativismo ético pode corresponder às mia simbólica que lhe confere seu caráter origi-
vezes à atitude reivindicadora dos defensores nal singular; e que não se pode analisar um tra-
das culturas minoritárias que, contestando as ço cultural independentemente do sistema cul-
hierarquias de fato, defendem a igualdade de va- tural ao qual ele pertence e que lhe dá sentido.
lor das culturas minoritárias e da cultura domi- Isto quer dizer estudar todas as culturas, quais-
nante. Mas, geralmente, ele aparece como a ati- quer que sejam a priori, sem compará-las e ou
tude elegante do forte em relação ao fraco. Ati- "medi-las" prematuramente em relação às ou-
tude daquele que, assegurado da legitimidade tras culturas. Privilegiar a abordagem compreen-
da sua própria cultura, pode se dar ao luxo siva e, definitivamente, adotar a hipótese que,
de uma certa abertura condescendente para a mesmo no caso das culturas dominadas, uma
alteridade. cultura funciona sempre como uma cultura, ja-
Uma pretensa neutralidade ética, que se mais totalmente dependente, jamais totalmente
apresenta como um reconhecimento da diferen- autônoma [Grignon e Passeron, 1989]-É preciso
ça, pode até ser, em última instância, somente saber considerar a dependência ou ainda a in-
uma máscara do desprezo como foi evidenciado terdependência. E, através de uma justa aplica-
por Geza Roheum: "Vocês são completamente ção do princípio metodológico, é preciso tam-
diferentes de mim, mas eu os perdôo." Ela pode bém saber localizar a autonomia (relativa) que
também servir de garantia a uma posição ide- caracteriza cada sistema cultural.
ológica oposta a qualquer definição universal
O aprofundamento da idéia antropológica é necessário para a sobrevivência de qualquer
de cultura leva igualmente a reexaminar a no- coletividade étnica, pois parece que ela vai ne-
ção de etnocentrismo. Um distorção de sentido cessariamente se desagregar e desaparecer sem
se produziu quando a palavra, até então utiliza- o sentimento de excelência e superioridade,
da somente nas ciências sociais, caiu no uso co- largamente partilhado pelos indivíduos que a
mum. Cada vez mais, pelo abuso de linguagem, constituem. Este sentimento de superioridade
etnocentrismo se tornou sinônimo de racismo. aparece ao menos em algum aspecto de sua lín-
O etnocentrismo então passou a ser condena- gua, de suas maneiras de viver, de sentir ou de
do com o mesmo vigor que o racismo. Ora, o ra- pensar, de seus valores e de sua religião. A per-
cismo, mais do que uma atitude é uma ideolo- da de todo o etnocentrismo leva à assimilação
gia, baseada em pressupostos pseudocientíficos por adoção da língua, da cultura e dos valores
cuja origem pode ser datada historicamente de uma coletividade considerada como supe-
[Simon, 1970] e que está longe de ser universal. rior [1993, p- 61].
O etnocentrismo, ao contrario, pode ser encon-
trado tanto nas sociedades "primitivas", que Evidentemente, admitir o caráter inevitá-
consideram geralmente os seus vizinhos como vel e mesmo necessário do etnocentrismo
inferiores em humanidade, quanto nas socieda- como fenômeno social não diminui a validade
des mais "modernas" que se julgam mais "civili- da regra metodológica que impõe que pesquisa-
zadas". Se o racismo é uma forma de perversão dor se desprenda de todo etnocentrismo. Esta
social, o etnocentrismo, compreendido no sen- regra é necessária, ao menos em uma primeira
tido original do conceito, é um fenômeno so- fase da pesquisa. No entanto, se quisermos con-
ciologicamente normal, como explica Pierre- siderar que não há diferença essencial entre os
Jean Simon: homens e as culturas, ou seja, que o outro não é
nunca absolutamente outro e que ha sempre
O etnocentrismo deve ser encarado como um >íf' algo de nós nos outros, porque a humanidade é
fenômeno plenamente normal, constitutivo, na uma só e a Cultura está no centro das culturas
realidade de qualquer coletividade étnica en- ou, segundo a expressão consagrada que "o uni-
quanto tal. Ele assegura uma função positiva de versal está no interior do particular", então po-
preservação da própria existência desta coleti- deremos aceitar, como Bourdieu, em certos mo-
vidade, constituindo uma espécie de mecanis- mentos da pesquisa, o interesse do uso metodo-
mo de defesa do in-group diante do exterior. lógico do etnocentrismo:
Neste sentido, um certo grau de etnocentrismo
Na realidade, o etnólogo deve afirmar a identi-
dade (supondo por exemplo que as pessoas
Bibliografia
não fazem nada gratuitamente, que elas têm in-
tenções, latentes ou ocultas, interesses, talvez
muito diferentes, que elas dão golpes, etc.) para ABOU, Sélim. Lidentité culturelle: Relations intereth-
encontrar as verdadeiras diferenças. Estou con- 'mques et problèmes d'acculturatíoii, Paris: Anthro-
vencido de que uma certa forma de eínocen- pos, 1981.
trismo pode ser a condição para uma verda- . Cultures et droits de 1'foomme. Hachette, col.
deira compreensão, se designarmos assim a re- Pluriel, Paris, 1992.
ferência à sua própria experiência, à sua pró- ALMOND, Gabriel,VERBA Sidney. The Civic Culture.
pria prática e desde que, evidentemente, esta Boston: Little Brown, 1963.
referência seja consciente e controlada. Nós AMSELLE, Jean-Loup. Logiques mélisses Anthropolo-
gostamos de nos identificar com um aíter ego gie de 1'identité enAfrique et ailleurs. Paris: Payot,
entusiasmado [...]. É mais difícil reconhecer 1990.
nos outros, tão diferentes na aparência, um eu AUGE, Marc. L'autre proche. In: SEGALEN, Martine
que não queremos conhecer. Deixando então (ed.). L'Autre et lê semblabte; Regardssur 1'ethno-
de ser projeções complacentes em maior ou logie dês sociétés contemporaines. Paris:Presses
menor grau, a etnologia e a sociologia levam a duCNRS 1988. p. 19-34.
uma descoberta de si mesmo através da objeti- . Lê sens dês autres. Paris: Fayard,1993.
vação de si exigida pelo conhecimento do ou- BADIE, Bertrand. Culture et potttique. Paris: Econômi-
tro [1985, p.59] ca, 1983-
BALANDIER, Georges. La notion de "situation" colonia-
Tomados como princípios metodológicos, le. In: Sociologie actueüe de 1'Afrique noire. Paris:
o relativismo cultural e o etnocentrismo não são PUE 1955. p. 3-38.
então contraditórios, mas, ao contrário, comple- BARTH, Fredrik. Lês groupes ethniques et leurs fron-
mentares. Sua utilização combinada permite ao tièrcs. In: POUTIGNAT, STRE1FF-FENART J., Tbéo-
pesquisador apreender a dialética do igual e do ries de 1'etbnicité, PUE, col. Paris: Lê sociologue,
outro, da identidade e da diferença, ou seja, da 1995. p. 203-249.
Cultura e das culturas, que é o fundamento da BASTIDE, Roger. O princípio de corte e o comporta-
dinâmica social. mento afro-brasileiro. In: CONGRESSO INTERNA-
CIONAL DE AMERICANISTAS, 1955, São Paulo.
Anais...São Paulo, 1955.p.493-503-v.l
. La causalité externe et Ia causalité interne dans BOURDIEU, Pierre. La Distinctíon: Critique sociale
1'explication sociologique. Cahiers internatio- du jugement. Paris: Minuit, 1979.
nauxde sociologie, n. 21, p. 77-99,1956. . Lê Sens Pratique. Paris: Minuit, 1980a.
.Problèmes de Tentrecroisement dês civilisa- . Uidentité et Ia représentation.Acíes de recber-
tions et de leurs oeuvres. In: GURVTTCH Georges che en sciences sociales, n. 35, p. 63-72,1980b.
(ed.) Traüé de Sociologie. Paris, PUF, 1960. p. 315-
. Epreuve scolaire et consécration sociale. Actes
330. v.2.
de rechercbe en sciences sociales, n. 39, p. 3-70. se-
.A aculturação formal. América Latina, Rio de pt. 1991.
Janeiro, v. 6, n. 3, p. 3-14,1963 .Entretien avec Alban Bensa: quand lês Cana-
. Lê Procbain et lê Lointain. Paris, Cujas: ques prennent Ia parole. Actes de rechercbe en
1970a. sciences sociales, n" 56, p. 69-83, mars 1985-
. Mémoire collective et sociologique du bricola- . La Noblesse d'État. Grandes écoles et esprit de
ge. L'Ânnée sociologique, n. 21, p. 65-108,1970b. corps. Minuit, Paris, 1989.
. Continuité et discontinuité dês sociétés et dês BOZON, Michel. Lês recherches recentes sur Ia cultu-
cultures afro-américaines,1970c. Bastiana n. 13/ re ouvrière: une bibliographie. Terratn, n. 5 p. 46-
14, p.77-88 jan./juin. 1996. 56,oct. 1985.
. Antbropologíe Appliquée. Paris: PBP, 1971. CERTEAU, Michel DE. La Culture au pluriel. Paris:
BELL, Daniel, Ethnicity and Social Change. In: GLA- UGE,"10/18",1974.
ZER N., MOYNIHAN D. R (eds). Ethnicity, Tbeory . L'lnvention du quotidien: Arts de faire. Pa-
and Experience. Cambridge: Harvard University ris:UGE,"10/18M980.
Press,1975. p. 141-174.
CIASTRES, Pierre, Etnocide. In: Encyclopxdia die Uni-
BENEDICT,Ruth.JÉcjb»Kíi7/o«s de civilisations. Paris: versalis. Paris:Universalia,1974, p. 282-287. Suple-
Gallimard,1950. mento.
BÉNÉTON, Píerre. Histotre de tnots: culture et civilí- CLIFFORDJames, MARCUS, G. E. (ed.). Wriling Cultu-
sation, Paris: FNSP, 1975. re. Berkley-Los Angels: Univ. of Califórnia Press,
BERGER, Peter, LUCKMANN, Thomas. La construo 1986.
tion sociale de Ia réalité. Paris: Méridiens/Klinck- CRO21ER,M\che\.LePhénomènebureaucratiqiie. Paris:
sieck,1986. Lê Seuil,1963.
BERNOUX, Philippe. Un travail à sói. Toulouse: Pri- CUCHE, Denis.Traditions populaires ou traditions élitis-
vai, 1981. tes?: líites d'initíation et rites de distinction dans lês
BOAS, Franz. Race, Langttage and Culture. New York: Écoles d'Arts et Métiers./lcíei de Ia recbercbe en
Macmillan, 1940. sciences sociales, n. 60,1985, p. 55-67 nov. 1985.
. La fabrication dês "Gatzarts": Esprit de corps FAGUER, Jean-Pierre. Lês effets d'une éducation tota-
et inculcation culturelle chez lês ingénieurs Arts le: Un collège jésuite, l960.Actes de Ia recbercbe
et Métiers. Ethnologie françaíse, n. l, p. 42- en sciences sociales, n. 86/87,p. 25-43, mars 1991.
54,1988. GALLISSOT, René. Sous 1'identité, te procès d'identifi-
DEVEREUX, Georges. Lidentité ethnique: sés bases lo- cation: L'Homme et Ia Soctété, n.83, p. 12-27,1987
giques et sés dysfonctions,/«: .Ethnopsycha- (número temático: "A moda das identidades").
nalyse cofnplémentariste. Paris: Flammarion,
GEERTZ, Clifford.The Integratíve Revolution. Primor-
1972. p. 131-168. dial Sentiments and Civil Politics in the New Sta-
DUFRENNE Mikel. LA Personnalité de base. tes. In . (ed.). Old Societies, New States. New
Paris:PUF,1953. York:The Free Press, 1963.
DUMONT, Louis. Essais sur Vindividualisme: Une . The ínterpretation ofCultures. New York: Basic
perspective anthropologique sur 1'idéologie mo- Books, 1963.
derne. "Esprit", Paris: Esprit, 1983. . Savoir local, savoir global. Paris:PUF, 1986.
,L'Índividu et lês cultiires. Communications n. 43, GIRAUD, Michel. Mythes et stratégies de Ia "double
p. 129-140, mars. 1986.
identité.T.^omme et Ia socíété, n.83,p. 59-67,1987.
. LIdéologie attemande: France-Allemagne et re- . Assimilation, pluralisme, "double culture: l'eth-
tour. Paris: Galfimard, 1991-
nicité en question.m: GALLISSOT, René Pluralis-
DURKHEIM, Emile. Lês Règles fie Ia méthode socio- me culturel en Europe. Paris: L'Harmattan,1993,
logtque. Paris: PUF,1983. p. 233-246.
. Lês Formes élémentaires de Ia víe religieuse. GOFFMAN, Erving. Asiles: Etudes sur Ia conditíon sócia-
Paris: PUF 1960. le dês malades mentaux. Paris: Minuit, 1968 .
,MAUSS, Mareei. De quelques formes primitives .Lês rites d'interaction. Paris: Minuit, 1974.
de classiflcation: Contribution à Tétude dês repré-
GR1GNON, Claude, Christiane, Styles d:alimentation
sentations collectives. LAnnée Sociologique, et gouts populaires. Revue Française de Saciolo-
1903. v.6. . .Journal Sociologique, Pa-
gie, n.4, p. 531-569, oct/dec. 1980.
ris: PUF, 1969. p. 395-461.
GRIGNON, Claude, PASSERON, Jean Claude. Lê Sa-
. Note sur Ia notion de civilisation:Z>l»«ée 5o- vant et lê Populaire.Paris:Gallimard, 1989-
ciologtque, Paris, v.12, p. 46-50, 1913..
.Journal Sociologique, Paris: PUF, p. 681- HALBWACHS, Maurice. La Classe ouvrière et lês ni-
veaux de vie. Gordon and Breach, Paris: Gordon
685.1969.
and Breach,1970.
ELIAS, Norbert. La Civiltsation dês moeurs,
Calmann-Lévy, Paris: Calmann-Lévy, 1973-
HALL, EdwardT. La Dimemion cachée Paris: Lê Seuil,
1971.
HALLOWEL.A. Irving, Ojibwa personality and accul- IRIBARNE, Philippe D'La Logique de 1'bonneur. Ges-
turation. In: COLLECTIF, Acculturation in tba tion dês entreprises et traditions nationales. Paris: Lê
Américas, Chicago, 29th International Congress of SeuU, 1989.
Americanists, 1952. JAULIN, Robert. La Paix blanche: Introduction à
HASSOUN, Jean-Pierre. Lês Hmong à 1'usine. Revue l'ethnocide. Paris: Lê Seuil, 1970.
Française de sociologie, 29,p.35-53,1988. KARDINER, Abram. Vlndividu dans Ia société. Paris:
HERAN, François, La seconde nature de l'habitus:TradÍ- Gallimard, 1969.
tion phüosophique et sens commum dans lê lan- KAUFMANN, Pierre. Concept de culture et sciences
gague sociologique. Revue Française de socio- de Ia culture In: ENCYCLOPMDIA Universalis.
logie, 28, p. 385-416, 1987. Paris: Organum, 1968. p. 117-133.
HERDER.Johann G. Une autre phüosopbie de l'bis- .Culture et civilisation In ENCYCLOPMD1A
toire Paris:Aubier-Montaigne, 1964. Universalis. Paris: Organum,1974. p. 950-958.
. Traité sur 1'origine dês langues Paris: Aubier- KROEBER, Alfred L.The Superorganic American Anthro-
Flammarion 1977. potogis/Jv.]9,n.2,p.l63-213,1917.
HÉRITIER-AUGÉ, Francoise: Cultures, ensembles de re- . Tbe Nature of Culture. Chicago: The Univer-
présentations, logique dês systèmes et invariants. sity of Chicago Press,1952.
In: ENSEIGNEMENT/apprentissage de Ia civilisa-
KROEBER,Alfred L.,KLUCKHOHN,Clyde K.,Culture:
tion en cours de langue. Paris:INRP, 1991, p. 19-37.
a Criticai Review of Concept and Definitions.
. Oíi et quand commence une culture? Ciné- Cambridge: Harvard University Press, 1952.
mAction, n.64, p. 11-23,1992.
LÉVI-STRAUSS, Claude.Introduction à 1'oeuvrc de
HERPIN, Nicolas. Lês Sociologues américains et lê Mareei Mauss. In: MAUSS, Mareei, Sociologie et
siède.Pzris: PUF, 1973. Anthropologie. Paris: PUF, 1950.
HERSKOVITS.MelvilleJ.Tne significance of the Study .Race et Histoire.Pzns: UNESCO,1952.
of Acculturation for Anthropology. American
. Tristes Tropiques. Paris: Plon,1955-
Antbropologist, 39,1937-
. Antbropologie structurale.P&ns: Plon, 1958.
. Acculturation: The Study of Culture Contact.
New York: J. E Augustin, 1938. .La Pensée Sauvage, Paris:Plon, 1962.
. Lês Bases de Vanlhropologie culturette. Paris: . Lês díscontinuités culturelles et lê développe-
Payot,1952. ment économique et social. Information sur lês
sciences sociales, v.2, n.2, p-7-15, juin 1963-
HOGGART, Richard. La culture du pauvre: Étudc sur
lê style de vie dês classes populaires enAngleterre. . Race et Culture. Revue Internationale dês
Paris: Minuit, 1970. sciences sociales, n.4, p. 647-666,1971.
.Culture et Nature: La condition humaine à Ia MEAD, Margareth. Moeurs et sexualité en Océanie.
lumière de l'anthropologie Commentaire, n. 15, p. Paris: Plon,1963.
365-372,1981. MERLLIÉ, Dominique. Lê cas Lévy-Baihl. Revue Pbtlo-
LÉVYBRUHL, Lucien. La Mentalité Primitive. Paris: sophique, v. 114, n. 4, p. 419-448, oct./dec. 1989-
PUF, 1960. . Regards sur Lévy-Bruhl: lê jeu dês malenten-
LEWLTA, Béatrix.jVx vue ni cowwwe/Approche ethno dus. Regards sociotogiques, n. 5, p. 1-8, 1993.
graphíque de Ia culture bourgeoise.Paris: Maison (Université de Strasbourg - 2)
dês Sciences de 1'homme, 1988. MERTON, Robert K. Éléments de tbéorie et de mé-
LINTON, Ralph.Zte 1'bomme. Paris: Minuit, 1968. thode sociologiques. Paris: Plon, 1965.
. Lê Fondement de Ia culture de Ia personna- MORIN, Edgard. Vesprit du temps: Essai sur Ia cultu-
lité. Paris: Dunod, 1959. rc de masse. Paris: Grassei, 1962.
LIU, Michel.Technologie, organisation du travail et MORTN, Françoise. Dês Haitiens à New York: De Ia vi-
comportements dês salariés. Revue française de sibilité linguistique à Ia construction d'une identi-
sociologie, 22,p.205-221,1981. té caribéenne. In: SIMON-BAROUH, L, SIMON, R J.
Lês Etrangers dans Ia ville. Paris: L' Harmattan,
MALINOWSKI, Bronislau K.Une tbéorie scientifi-
1990. p. 340-355-
que de Ia culture. Paris: Maspero, 1968.
PARSONS, Talcott. Éléments pour une sociologie de
. Lês dynamiques de Vévolution culturelle Paris:
1'action. Paris: Plon, 1955.
Payot, 1970.
PERCHERON, Annick, Z' Univers politique dês en-
MARV; André, Bricolage afro-brésilien et bris-collage
fants. Paris: FNPS/Colin,1974.
post-moderne./w; LABURTHE-TOLRA Roger Basti-
de ou lê rejouissement de 1'abíme. Paris: L' Har- POUTIGNAT, Philippe, STREIFF-FENART, Jocelyne. Tbéo-
mattan, 1994, p. 85-98. ries de 1'etbntcité. Paris: PUF, 1995- (Lê Sociologuc).
MAUSS, Mareei. Lês civilisations, éléments et formes. RABAlNJacqueline,£'£w/âní du Itgnage: Du sevrage
In: FEBVRE, Lucien et ai., Civilisation, lê mot et à Ia classe d'âge chez lês Wblof du Senegal. Paris:
1'idée. Paris: La Renaissance du livre, 1930. . Payot, 1979.
.In:OEUVRES, Paris: Minuit, 1969, p- 456- REDFIELD, R.,LINTON R., HERSKOVITS M. Memoran-
479. v. 2 dum on the Study of Acculturation American Antb-
ropologist, v. 38, n.l; p. 149-152,1936.
..Lês techniques du corps.Journal de psycholo-
gíe, v. 32, n. 3-í, mars-avr. . . RENAN, Ernest.Qu'est-ce qu'une nation?. In: .
Discours et Cow/éíi?«cej.Paris:Calmann-Lévy, 1887.
In: Sociologie et Anthropologie. Paris: PUF, 1950.
p. 363-386 RENAULT, Karine. Travaiüeurs africains en tnilieu ru-
íwiRcnnes: Université de Rennes-2. Dissertação (mes-
trado em sociologia) - Université de Rennes-2,1992.
SAINSAULIEU, Renaud. LIdentité au travail: Lês ef- TYLOR, Edward B. La Civüisation primitive. Paris:
íets culturels de 1'organisation. Paris: FNSP, 1977. Reinwald,1876-1878,2v.
. Cultures d'entreprises./w: Sociologie de l'orga- VAN DEN BERGHE, Pierre. The Etbnic Phenomenon.
nisatton e de 1'entreprise.Psris: FNSP/Dallozf New York: Elsevier, 1981.
1987, p. 205-224. VERRET, Michel. La Culture ouvrière. Saint-Sébastien:
SAINT-MARTIN, Monique. Une bonne éducaíion: Notre- ACLEd, 1988.
Dame-des-Oiseaux à Sèvres. Ethnologie Française, WEBER, Max. L'Éthíqueprotestante et 1'esprit du ca-
v.20,n.l,p. 62-70,1990. ptlalisme. Paris: Plon, 1964.
SAPIR, Edward. Lê Langage. Paris: Payot, 1967. WHITriNG J., KLUCKHOHN R, ANTHONY, A., La
.Antbropologie. ParisrMinuit, 1967.2v. fonction dês cérémonies d'initiation dês males à Ia
SAYAD,Abdelmalek. Lês Usages sociaux de Ia "cul- puberté, In: LÉVY.André (ed.)- Psychologie socia-
ture dês immtgrés". Paris: CIEMI, 1978. le. Textes fondamentaux anglais et américains. Pa-
. La culture en question. In: COLLECTIE Llmmi- ris: Dunod, 1978, p. 63-78. v.l.
gration en France. lê choc dês cultures. L'Arbresle:
CentreThomas-More, 1987. p. 9-26.
SCHNAPPER, Dominique. Centralisme et fédéralisme
culturels: lês emigres italiens en France et aux
Etats-Unis.AnnalesESC,p. 1141-1159, set. 1974.
. Modernitc et acculturation: À propôs dês tra-
vailleurs emigres. Communications n. 43, p- 141-
168, mars. 1986.
SCHWARTZ, Olivier. Lê Monde prive dês ouvriers:
Hommes et femmes du Nord. Paris: PUF, 1990.(Pra-
tiques théoriques).
SIMON, Pierre-Jean. Ethnisme et racisme ou 1'École de
1492. Cabiers internationaux de Sociologie,
v. 48, p. 119-152, jan./juin. 1970.
.Aspects de 1'ethnicité bretonne. Pluriel-débat,
n.19, p. 23-43,1979.
. Ethnocentrisme. Pluriel-rechercbes, cahier n.l,
p. 57-63,1993.
TERRAIL, Jean-Pierre. Destins ouvriers: La fin d'une
classe?, Paris:PUF, 1990.
Sobre o livro

Formato: 12 x 19 cm
Mancha: 17 x 32.5 paicas
Tipologia: Garamond Book (texto)
Papel: Ripasa - Dunas 75g/m2 (miolo)
cartão supremo 250g/mJ (capa)
Impressão: Document Gemer/
D(K'iiTech 135 (miolo)
Acabamento: Document Center/
Perfeet Bindcr
Impressão capa: Ciráfica São João
Tiragem: 1000 nasceu em 1947 e reside em
Paris. É doutor em Etnologia
Equipe de Realização pela Sorbonne, sob a
Cuche* Denny orientação de Roger Bastide
Assistente de Produção Gr.itiea {1976}. Trabalhou como
Luzia Bianchi professor nas universidades de
Strasburgo, Renn.es e Algéria.
A n c j ç ã o de c
Revisão s sociais Desde 1992 é professor e
Mariza Inês Mortari Renda pesquisador do Laboratório
José Romão 310. 722/C963TJ de Etnologia da Universidade
de Paris V.
Projeto Gráfico c Oweíio di Capa
B especialista na questão das
Cássia Letícia Garrara Domiciano relações interétnicas e
migrações internacionais.

Valéria Maria Campaneri

Diítgrarnaeiío
Aneels rins Sflntns l.niz_ _^
Cuche* Denny>
, s "; /''

A noção de cultura nas ciência


2S6 s sociais

316.722/C963n
. DEVOLVER NOME LEIT.(182159/02)

Você também pode gostar