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Flávia Adami1
flaviaadami@hotmail.com
Resumo
A linguagem da performance sempre foi e continuará sendo um assunto controverso no
campo das arte visuais. Questionamentos sobre o entendimento dessa linguagem
continuam em pauta: de que maneira a performance interfere nas relações interpessoais,
culturais e sociais?; como caracterizar os resultados obtidos pelos trabalhos performáticos?
Essas são perguntas que exigem muita reflexão. Este artigo tem por objetivo discutir a
relação entre performance e fotografia. Tentaremos identificar um tipo de performance que
encontra na fotografia não apenas o registro, ou seja, uma performance que contraria o
entendimento da ação ao vivo como única possibilidade. Para este estudo, foi analisado o
trabalho intitulado Ar Retta, publicado em 1981, pelo artista Luis Rettamozzo. Estes
trabalhos fotográficos afirmam uma poética entre a performance e a fotografia, no qual a
fotografia não é o registro de uma ação ao vivo, mas o lugar de seu acontecimento.
Palavras chaves: Performance; Fotografia; Interseção.
Abstract
The performance language always has been and still is a controversial subject in visual arts.
Questions about the understanding of this language are still in place: how does performance
interfere in interpersonal, cultural and social relations?; how to classify results obtained
through performative works? These questions require much thought. The specific objective
of this article is to discuss the relation between performance and photography. We will try to
indentify a kind of performance that finds in photography not only a record, in other words, a
performance that contradicts the understanding of live action as the only option. For this
study, we analyzed the work titled Ar Retta, published in 1981 by the artist Luis Rettamozzo.
This photographic works claim a poetic between the performance and photography, in which
the photography is not the record (register) of a live action, but the place of its occurrence.
Keywords: Performance; Photography; Intersection.
O corpo tem sido objeto de curiosidade do homem, desde que ele tomou consciência
de sua materialidade. E vem sendo até hoje motivo de investigações de várias áreas de
conhecimento, como a sociologia, as ciências, a antropologia, as artes visuais, entre outras.
Na contemporaneidade, entendemos que o corpo carrega informações culturais, artísticas,
sociais ou políticas. Como afirma Stephanie Batista:
O corpo não contém apenas leis da fisiologia, não é somente carne e osso que escapam da história,
mas sim algo formado por uma série de regimes que o constróem e nele estão escritas todas as regras,
1
Aluna do curso de Especialização em História da Arte Contemporânea, da Escola de Belas Artes do Paraná.
(turma 2010).
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todas as normas e todos os valores de uma sociedade específica. Junto a seus adornos, o corpo forma
2
identidade.
Os artistas optavam pela performance para libertarem dos meios de expressão dominantes – a pintura e
a escultura – e das limitações de se trabalhar dentro dos sistemas de museus e galerias, e de que modo
eles a usaram como uma forma provocativa de responder às mudanças que então se operavam – quer
3
políticas, no sentido mais amplo, quer culturais.
2
BATISTA, Stephanie. Focus in corpus – focus in corpore: uma reflexão sobre o corpo e suas representações
enquanto tempo e enquanto conhecimento. p. 3.
3
GOLDBERG, Roselee. A arte da Performance. São Paulo: Martins Fontes, 2006. Prefácio.
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São sinais que algo se passou, e em sua quase efemeridade permanecem como testemunhos de
processos em fotografias, livros, filmes e vídeos. Nas fotografias e filmes de ações e performances, a
obra de arte mistura-se com sua documentação desafiando assim o fetichismo do objeto, afeito às
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expectativas do mercado e a ideia aceita e naturalizada do que seja obra de arte.
A autora toca exatamente na questão que estamos abordando, ou seja, o que difere
uma obra de arte fotográfica, por exemplo, de um registro fotográfico? Podemos entender
então, que o registro de uma performance, seja ele fotográfico ou em qualquer outro meio,
faz parte de um processo artístico, tendo a função de documentar da melhor maneira
possível o processo performático e torná-lo, por intermédio de imagens, um discurso inteligível.
4
MELIM, Regina. Performance nas artes visuais. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 56.
5
FREIRA, Cristina in SANTOS, Alexandre. A fotografia nos processos artísticos contemporâneos. Porto Alegre:
UFRGS, 2004. p. 32.
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Regina Melim intitula de “ações orientadas para fotografia e vídeo” alguns trabalhos
nos quais existem características performativas dos artistas:
Uma das características presentes tanto nos vídeos quanto nas fotografias é o aspecto performativo que
eles engendram, através das ações empreendidas pelo artista diante da câmera, instaurando seu
próprio corpo como matéria artística, eleito, muitas vezes, como lugar de desdobramento das categorias
6
escultura e pintura.
Podemos perceber que quando Melim nomeia alguns trabalhos de “ações orientadas
para fotografia e vídeo”, está, de certa forma, diferenciando a obra do registro. Podemos
entender que a obra diferencia-se do registro porque é compreendida como sendo parte
integrante de uma linguagem, que não é somente da performance, pensada de maneira
tradicional, mas está acrescida das preocupações específicas da fotografia ou do vídeo, por
exemplo. Desta forma, na prática, o trabalho concentra-se naquela linguagem específica,
seja vídeo ou fotografia, embora contenha uma discussão conceitual da performance, já que
o corpo do artista está presente em sua proposição de uma ação.
Entre muitos exemplos de artistas que usaram estas linguagens artísticas como meio
para desenvolver trabalhos performáticos, podemos citar o trabalho da brasileira Brígida
Baltar, no qual o uso da linguagem fotográfica foi aliada às ações corporais. Assim, os
resultados do trabalho são fotografias e não o registro de uma performance.
O trabalho intitulado Abrigo foi elaborado em 1996 e tem um caráter autobiográfico. A
artista desenvolveu uma relação entre corpo e espaço, concebida como sua própria
residência. Desta forma, começou a escavar as paredes de sua casa, para que estas
tivessem a forma de seu corpo. Ao final da escavação, Brígida preencheu este espaço na
parede com seu corpo. Este trabalho foi apresentado por uma sequência de fotografias,
possuindo um caráter narrativo. Podemos perceber que é um trabalho que discute a
linguagem da performance, afinal, a ação efetuada pela artista com seu corpo é
performática, mas a linguagem escolhida pela artista para apresentar seu trabalho foi a
fotografia.
O autor Philip Auslander, no artigo intitulado A performatividade da documentação da
performance, discute sobre essa mesma questão, ou seja, o que seria considerado uma
documentação fotográfica e o que seria uma fotografia que discute a performatividade,
chamada por ele de fotografia teatral. Para Auslander, a fotografia documental de uma
performance é um registro através do qual o próprio evento (no caso a performance) pode
ser reconstruído. Desta forma, existe uma relação ontológica entre a performance e o
documento fotográfico. Esta relação é considerada, pelo autor, como sendo uma relação
ideológica, já que a fotografia cria a ilusão de ser uma correspondente exata da realidade.
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MELIM, Regina. Performance nas artes visuais. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 49.
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Portanto, a fotografia documental neste caso atua como substituta da realidade, tornando-se
a performance.
Na categoria teatral, Auslander insere o termo performed photography – fotografias
interpretadas – que são entendidas como o único espaço onde a performance ocorreu. Ou
seja, a performance foi elaborada unicamente para a fotografia, sem a intenção de uma
audiência, tornando-se obra final. Como exemplo destas fotografias interpretadas, podemos
citar os trabalhos de autorretratos de Cindy Sherman e até mesmo a emblemática fotografia
de Marcel Duchamp interpretando Rrose Sélavy. Esses dois trabalhos são considerados,
pelo nome a eles dado – performed photography, segundo o autor, como um tipo de
fotografia e não uma performance, embora tenha uma ação performática. E é justamente
esta questão que Auslander quer discutir em seu artigo, argumentado que esses dois tipos
de fotografias (documental e teatral) podem ser entendidos, em muitos trabalhos, como
possuidoras do mesmo significado e também como performances.
É importante citar que Auslander acredita que a experiência de assistir a uma
performance ao vivo pode ser, muitas vezes, mais enriquecedora, do que se vista através de
fotografias. Desta forma, não nega a importância do público numa performance ao vivo, mas
complementa afirmando que não é a audiência que irá defini-la como tal. Para isso, cita um
depoimento de Gina Pane, comentando a importância da fotografia em seu trabalho. Para a
artista, muitas vezes o registro fotográfico da sua obra é mais importante do que o público; e
acrescenta que as fotografias não são tiradas aleatoriamente, mas sim estudadas antes da
performance. Podemos concluir que o autor acredita que tanto o documento de uma
performance quanto a fotografia teatral podem ser entendidas como tendo uma relação
ontológica com a performance, ou seja, podem ser entendidas como uma performance, só
que produzida num suporte fotográfico.
Não existia faculdade de Propaganda etc... os redatores eram jornalistas ou poetas e os diretores de
arte eram advindos das artes. Na realidade sou autodidata. Quando encontrei essa palavra encontei
meu método de conhecimento. O fato de ser autodidata nos dava abertura para estudar sem amarras...
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daí fazer arte. Arte era o caminho para a liberdade... a liberdade da pintura... gravura, das ideias!
7
Gazeta do Povo, 13 de maio de 1992.
8
Depoimento do artista feito pela web, 18 nov. 2009.
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margem da fotografia. Desta forma, foi fotografado desenvolvendo ações, nas quais joga
com a questão do enquadramento fotográfico.
Neste trabalho, podemos perceber que a ação do artista está discutindo a linguagem
da fotografia e ainda está sendo apresentada através de uma fotografia. Se fizermos mais
uma vez o exercíco visual de imaginar essa ação sendo feita ao vivo, como numa
performance “tradicional”, a discussão do enquadramento fotográfico seria diferente, pois o
que dá uma significação mais satisfatória a este trabalho é o fato de ele apresentar-se como
uma metafotografia.
REFERÊNCIAS
AUSLANDER, Philip. The performativity of performance documentation. PAJ 84 A journal of
performance an Art, The MIT Press, 2006, p. 1-10.
BATISTA, Stephanie. Focus in corpus – focus in corpore: uma reflexão sobre o corpo e suas
representações enquanto tempo e enquanto conhecimento.
CLARK, Lygia. In: FERREIRA, Glória; COTRIM, Cecilia. Escritos de Artistas: anos 60/70.
Rio de Janeiro: Zahar, 2006.
Gazeta do povo. Rettamozo. Curitiba, 13 de maio de 1992.
GOLDBERG, RoseLee. A arte da performance. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
MELIM, Regina. Performance nas Artes Visuais. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
SANTOS, Alexandre; SANTOS, Maria Ivone. A fotografia nos processos artísticos
contemporâneos. Porto Alegre: UFRGS, 2004.
STILES, Kristine. Performance. In: NELSON, Robert; SHIFF, Richard. Critical terms for art
history. Chicago: The University of Chicago Press, 2003.