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Anais do VII Fórum de Pesquisa Científica em Arte. Curitiba, Embap, 2011 .

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A HIBRIDAÇÃO ENTRE PERFORMANCE E FOTOGRAFIA:


UM ESTUDO SOBRE A PERFORMANCE, A FOTOGRAFIA E O ARTISTA
LUIZ RETTAMOZZO

Flávia Adami1
flaviaadami@hotmail.com

Resumo
A linguagem da performance sempre foi e continuará sendo um assunto controverso no
campo das arte visuais. Questionamentos sobre o entendimento dessa linguagem
continuam em pauta: de que maneira a performance interfere nas relações interpessoais,
culturais e sociais?; como caracterizar os resultados obtidos pelos trabalhos performáticos?
Essas são perguntas que exigem muita reflexão. Este artigo tem por objetivo discutir a
relação entre performance e fotografia. Tentaremos identificar um tipo de performance que
encontra na fotografia não apenas o registro, ou seja, uma performance que contraria o
entendimento da ação ao vivo como única possibilidade. Para este estudo, foi analisado o
trabalho intitulado Ar Retta, publicado em 1981, pelo artista Luis Rettamozzo. Estes
trabalhos fotográficos afirmam uma poética entre a performance e a fotografia, no qual a
fotografia não é o registro de uma ação ao vivo, mas o lugar de seu acontecimento.
Palavras chaves: Performance; Fotografia; Interseção.

Abstract
The performance language always has been and still is a controversial subject in visual arts.
Questions about the understanding of this language are still in place: how does performance
interfere in interpersonal, cultural and social relations?; how to classify results obtained
through performative works? These questions require much thought. The specific objective
of this article is to discuss the relation between performance and photography. We will try to
indentify a kind of performance that finds in photography not only a record, in other words, a
performance that contradicts the understanding of live action as the only option. For this
study, we analyzed the work titled Ar Retta, published in 1981 by the artist Luis Rettamozzo.
This photographic works claim a poetic between the performance and photography, in which
the photography is not the record (register) of a live action, but the place of its occurrence.
Keywords: Performance; Photography; Intersection.

O corpo tem sido objeto de curiosidade do homem, desde que ele tomou consciência
de sua materialidade. E vem sendo até hoje motivo de investigações de várias áreas de
conhecimento, como a sociologia, as ciências, a antropologia, as artes visuais, entre outras.
Na contemporaneidade, entendemos que o corpo carrega informações culturais, artísticas,
sociais ou políticas. Como afirma Stephanie Batista:

O corpo não contém apenas leis da fisiologia, não é somente carne e osso que escapam da história,
mas sim algo formado por uma série de regimes que o constróem e nele estão escritas todas as regras,

1
Aluna do curso de Especialização em História da Arte Contemporânea, da Escola de Belas Artes do Paraná.
(turma 2010).
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todas as normas e todos os valores de uma sociedade específica. Junto a seus adornos, o corpo forma
2
identidade.

É justamente por ser considerado um instrumento de comunicação, que ele foi e


ainda é usado nas artes visuais como elemento de constituição do trabalho do artista. Se
olharmos para a linguagem da pintura ou da escultura podemos perceber que a
representação do corpo é um dos temas mais frequentes dos artistas, desde o
Renascimento. Essa representação se torna, com o passar dos séculos, não a única forma
possível de se pensar a corporalidade, porque já não é suficiente para expressar os anseios
modernos. Desta forma, a partir do século XX, o corpo se transforma também em material,
instrumento e veículo para a arte.
Em meados dos anos 1960 e início dos anos 1970, houve uma mudança na maneira
de se pensar e de se fazer arte. Com o surgimento da arte conceitual, que tem como base a
crítica a um modelo institucional, o corpo passou a ser suporte para muitos trabalhos,
quebrando assim uma ideia histórica do que seja o objeto artístico. Assim, a linguagem da
performance começa, neste periodo, a ser desenvolvida no meio das artes plásticas.

Os artistas optavam pela performance para libertarem dos meios de expressão dominantes – a pintura e
a escultura – e das limitações de se trabalhar dentro dos sistemas de museus e galerias, e de que modo
eles a usaram como uma forma provocativa de responder às mudanças que então se operavam – quer
3
políticas, no sentido mais amplo, quer culturais.

A performance é muitas vezes entendida como um processo artístico que só ocorre


ao vivo e que a ação do artista precisa de um público para que seja consumada. Essa
maneira de pensar a performance correlacionada ao público é muitas vezes parecida com a
concepção da linguagem do teatro, principalmente do século XIX, na qual a relação entre
espetáculo e público é intrinseca. A partir da década de 1960, surgiram alguns trabalhos
performáticos, nos quais a obra final era uma fotografia ou um vídeo e o público não tinha
mais uma efetiva participação ao vivo. Desta forma, ocorre uma mudança na maneira de
compreender a performance, já que o público passou a ser, em muitos casos, importante
apenas na observação da obra final, no caso, uma fotografia ou um vídeo. Surgem então
duas questões: a do entendimento de o que seria um registro fotográfico, usado para
documentar uma performance que ocorreu ao vivo; e o entendimento da obra fotográfica,
que registra a ação corporal de um artista. A busca por esclarecer as questão da possível
diferença entre registro e obra e entre obra fotográfica e performance ao vivo foi o caminho
traçado neste artigo.

2
BATISTA, Stephanie. Focus in corpus – focus in corpore: uma reflexão sobre o corpo e suas representações
enquanto tempo e enquanto conhecimento. p. 3.
3
GOLDBERG, Roselee. A arte da Performance. São Paulo: Martins Fontes, 2006. Prefácio.
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REGISTRO FOTOGRÁFICO OU OBRA, A PERFORMANCE COMO VEÍCULO

A partir do anos 1980, o termo e a prática da performance tendem a ser ampliados


por alguns autores, entre eles Regina Melim, Philip Auslander e Kristine Stiles. Esta
ampliação do termo é resultante de pesquisas artísticas que incorporam outras linguagens,
como a fotografia e o vídeo, aliadas às ações corporais dos artistas. Isto resultou em obras
nas quais existe uma ação performática que prescinde da presença real do corpo do artista.
O público, nestes casos, não é mais considerado como uma “testemunha” da performance,
mas sim, aquele que construirá a sua narrativa ou sua ação de forma em seu pensamento.
São, portanto, de caráter diferente das performances ao vivo, nas quais o espectador
observa a obra sendo produzida naquele instante, participando ativamente do processo
artístico. Regina Melim afirma que esta ampliação do termo que ultrapassa a presença física
do artista está “libertando” a performance de “seus estereótipos mais comuns,
estabelecidos, via de regra, pela presença do corpo do artista como núcleo central de
expressão e investigação, próximo ou similar à body art.”4
Devemos destacar que existem diferenças entre o registro da performance, que é
feito por meio da fotografia e do vídeo, e os trabalhos que usam as linguagens da fotografia
e do vídeo como meios para produzirem ações performáticas. Cristina Freire, no artigo
intitulado Gestos perenes: o registro fotográfico na arte contemporânea, descreve que a
fotografia e o vídeo documental passam a ter nos anos 1970, mais especificadamente, uma
função de presença-ausente, porque são eles que tornam visíveis no presente, uma ação
que ocorreu num determinado tempo passado, ou melhor, num tempo ausente. Desta forma,
os registros das performances mediante fotografias e vídeos são considerados como partes
de um processo e não como obra final. Como explica Freire:

São sinais que algo se passou, e em sua quase efemeridade permanecem como testemunhos de
processos em fotografias, livros, filmes e vídeos. Nas fotografias e filmes de ações e performances, a
obra de arte mistura-se com sua documentação desafiando assim o fetichismo do objeto, afeito às
5
expectativas do mercado e a ideia aceita e naturalizada do que seja obra de arte.

A autora toca exatamente na questão que estamos abordando, ou seja, o que difere
uma obra de arte fotográfica, por exemplo, de um registro fotográfico? Podemos entender
então, que o registro de uma performance, seja ele fotográfico ou em qualquer outro meio,
faz parte de um processo artístico, tendo a função de documentar da melhor maneira
possível o processo performático e torná-lo, por intermédio de imagens, um discurso inteligível.

4
MELIM, Regina. Performance nas artes visuais. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 56.
5
FREIRA, Cristina in SANTOS, Alexandre. A fotografia nos processos artísticos contemporâneos. Porto Alegre:
UFRGS, 2004. p. 32.
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Regina Melim intitula de “ações orientadas para fotografia e vídeo” alguns trabalhos
nos quais existem características performativas dos artistas:

Uma das características presentes tanto nos vídeos quanto nas fotografias é o aspecto performativo que
eles engendram, através das ações empreendidas pelo artista diante da câmera, instaurando seu
próprio corpo como matéria artística, eleito, muitas vezes, como lugar de desdobramento das categorias
6
escultura e pintura.

Podemos perceber que quando Melim nomeia alguns trabalhos de “ações orientadas
para fotografia e vídeo”, está, de certa forma, diferenciando a obra do registro. Podemos
entender que a obra diferencia-se do registro porque é compreendida como sendo parte
integrante de uma linguagem, que não é somente da performance, pensada de maneira
tradicional, mas está acrescida das preocupações específicas da fotografia ou do vídeo, por
exemplo. Desta forma, na prática, o trabalho concentra-se naquela linguagem específica,
seja vídeo ou fotografia, embora contenha uma discussão conceitual da performance, já que
o corpo do artista está presente em sua proposição de uma ação.
Entre muitos exemplos de artistas que usaram estas linguagens artísticas como meio
para desenvolver trabalhos performáticos, podemos citar o trabalho da brasileira Brígida
Baltar, no qual o uso da linguagem fotográfica foi aliada às ações corporais. Assim, os
resultados do trabalho são fotografias e não o registro de uma performance.
O trabalho intitulado Abrigo foi elaborado em 1996 e tem um caráter autobiográfico. A
artista desenvolveu uma relação entre corpo e espaço, concebida como sua própria
residência. Desta forma, começou a escavar as paredes de sua casa, para que estas
tivessem a forma de seu corpo. Ao final da escavação, Brígida preencheu este espaço na
parede com seu corpo. Este trabalho foi apresentado por uma sequência de fotografias,
possuindo um caráter narrativo. Podemos perceber que é um trabalho que discute a
linguagem da performance, afinal, a ação efetuada pela artista com seu corpo é
performática, mas a linguagem escolhida pela artista para apresentar seu trabalho foi a
fotografia.
O autor Philip Auslander, no artigo intitulado A performatividade da documentação da
performance, discute sobre essa mesma questão, ou seja, o que seria considerado uma
documentação fotográfica e o que seria uma fotografia que discute a performatividade,
chamada por ele de fotografia teatral. Para Auslander, a fotografia documental de uma
performance é um registro através do qual o próprio evento (no caso a performance) pode
ser reconstruído. Desta forma, existe uma relação ontológica entre a performance e o
documento fotográfico. Esta relação é considerada, pelo autor, como sendo uma relação
ideológica, já que a fotografia cria a ilusão de ser uma correspondente exata da realidade.

6
MELIM, Regina. Performance nas artes visuais. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 49.
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Portanto, a fotografia documental neste caso atua como substituta da realidade, tornando-se
a performance.
Na categoria teatral, Auslander insere o termo performed photography – fotografias
interpretadas – que são entendidas como o único espaço onde a performance ocorreu. Ou
seja, a performance foi elaborada unicamente para a fotografia, sem a intenção de uma
audiência, tornando-se obra final. Como exemplo destas fotografias interpretadas, podemos
citar os trabalhos de autorretratos de Cindy Sherman e até mesmo a emblemática fotografia
de Marcel Duchamp interpretando Rrose Sélavy. Esses dois trabalhos são considerados,
pelo nome a eles dado – performed photography, segundo o autor, como um tipo de
fotografia e não uma performance, embora tenha uma ação performática. E é justamente
esta questão que Auslander quer discutir em seu artigo, argumentado que esses dois tipos
de fotografias (documental e teatral) podem ser entendidos, em muitos trabalhos, como
possuidoras do mesmo significado e também como performances.
É importante citar que Auslander acredita que a experiência de assistir a uma
performance ao vivo pode ser, muitas vezes, mais enriquecedora, do que se vista através de
fotografias. Desta forma, não nega a importância do público numa performance ao vivo, mas
complementa afirmando que não é a audiência que irá defini-la como tal. Para isso, cita um
depoimento de Gina Pane, comentando a importância da fotografia em seu trabalho. Para a
artista, muitas vezes o registro fotográfico da sua obra é mais importante do que o público; e
acrescenta que as fotografias não são tiradas aleatoriamente, mas sim estudadas antes da
performance. Podemos concluir que o autor acredita que tanto o documento de uma
performance quanto a fotografia teatral podem ser entendidas como tendo uma relação
ontológica com a performance, ou seja, podem ser entendidas como uma performance, só
que produzida num suporte fotográfico.

RETTAMOZO, A PERFORMANCE ESPONTÂNEA

Depois de abordar as discussões sobre o que é o registro fotográfico e o que seria


uma obra fotográfica, na qual existe uma ação corporal que pode ser entendida como
performance, podemos identificar essa questão na obra do artista Luiz Rettamozo. O
trabalho artístico que analisaremos neste artigo é intitulado Ar Retta (1981) e foi exposto na
Sala Miguel Bakun, em Curitiba. Ele consiste em um envelope, que possui três folhas de
tamanho A3, nas quais estão impressos trabalhos fotográficos e poemas. Nestas fotografias
o artista opera nas fronteiras entre as linguagens performática e fotográfica.
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Envelope Ar Retta, 1981. Conteúdo do trabalho Ar Retta, 1981.

Antes de abordarmos as questões específicas, apresentaremos o artista,


considerando-o “precursor da anti-arte em Curitiba”7. Luiz Carlos Ayalla Rettamozo nasceu
em São Borja, Rio Grande do Sul, no dia 3 de janeiro de 1948. Frequentou a Faculdade de
Belas Artes da UFSM em 1967, como aluno ouvinte das cadeiras de estética, história da
arte, desenho e escultura, além de ter feito cursos de litogravura e litografia. Passou a residir
em Porto Alegre quando tinha vinte anos, para trabalhar numa agência de propaganda e dar
aulas de serigrafia no Ateliê Livre da Prefeitura. Mudou-se para Curitiba na época da
ditadura, pois estava sendo procurado pela polícia por causa do movimento estudantil.

Não existia faculdade de Propaganda etc... os redatores eram jornalistas ou poetas e os diretores de
arte eram advindos das artes. Na realidade sou autodidata. Quando encontrei essa palavra encontei
meu método de conhecimento. O fato de ser autodidata nos dava abertura para estudar sem amarras...
8
daí fazer arte. Arte era o caminho para a liberdade... a liberdade da pintura... gravura, das ideias!

O artista participou de inúmeras exposições, entre elas, quatro Salões Paranaenses,


referentes aos anos de 1975 a 1978, tendo sido premiado em todas as edições. Teve
também participações na XVI Bienal de São Paulo, no Museu de Arte Contemporânea do
Paraná, no Museu Metropolitano de Arte e no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro,
além de ter exposto seus trabalhos em algumas galerias de Curitiba e de outras cidades.
Participou de alguns festivais de cinema super 8, na década de 1970, e publicou livros de
poemas que foram editados em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Curitiba. Teve importante
participação no meio publicitário, tendo ganho vários prêmios referentes a campanhas
publicitárias.
Falaremos sobre dois trabalhos fotográficos que compõem o envelope Ar Retta, essas
fotografias estão dispostas em papéis de tamanho A3. O primeiro é intitulado Ocupação

7
Gazeta do Povo, 13 de maio de 1992.
8
Depoimento do artista feito pela web, 18 nov. 2009.
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para um espaço sensível à anarquigrafia – projeto para a reconstrução do gesto suspeito; e


o segundo, Poema/escultura gestual.
O primeiro trabalho é formado por uma sequência de oito fotografias e consiste na
ação do artista em pichar um muro. A questão é que essa pichação, na última fotografia da
sequência, extrapola o espaço e se insere no papel suporte das fotos. Para produzir esse
efeito, Rettamozo, que foi fotografado por Nélia Kurtz, fingiu estar pichando o muro, ou seja,
desenvolveu movimentos corporais que representassem a ação da pichação, sem a ter
realmente executado. Depois da fotografia ampliada, usou um aerógrafo para pintar uma
linha preta, que seria a suposta pichação. Desta forma, usando o aerógrafo, ele estrapolou o
espaço da última fotografia, passando a incorporar o espaço do papel. O processo acaba
quando o artista refotografa o trabalho.
O que mais nos interessa, neste trabalho, é que a fotografia possui uma ação
corporal, como atesta a teoria de Philip Auslander, na qual a fotografia teatral, ou usando o
termo do autor, performed photography – fotografia interpretada –, pode ser considerada um
seguimento da performance, pois possui uma relação ontológica com a mesma. Desta
forma, podemos entender que esse trabalho fotográfico de Rettamozo é uma performance
que ocorre exclusivamente na fotografia sem a presença do público, que neste caso, não é
imprescindível ao seu desenvolvimento. Não estamos afirmando que o público não é
importante, já que sabemos que sem ele não é possível que qualquer trabalho artístico seja
considerado como tal. Estamos argumentando que a presença do público ao vivo, ou seja,
quando essa performance ocorreu, não é um elemento importante para esse trabalho
específico. Se considerarmos que a obra final é uma fotografia e que o público irá tomar
conhecimento da ação do artista através dela, entendemos que a relação obra/público se dá
no momento da observação da mesma. Assim, neste caso as linguagens da fotografia e da
performance têm uma relação intrínseca. A questão é que não podemos afirmar que esse
seja somente um trabalho fotográfico. Ele possui um corpo, que está produzindo uma ação e
que acaba sendo o elemento essencial desta fotografia, que está inserida no processo da
performance.
Para entendermos melhor a questão, podemos fazer um exercício visual: imagine
essas fotografias sem o corpo do artista ou imagine-as com o corpo de outra pessoa, que não
o do Rettamozo. Percebemos que o trabalho seria completamente diferente. Mas se
pensarmos numa fotografia de moda, por exemplo, aquelas em que o corpo da modelo serve
de suporte para a roupa. Se mudarmos a modelo, ou sua posição/ação na fotografia, ainda
sim a ideia inicial continuará, ou seja, a roupa será destacada de qualquer forma.
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RETTAMOZO, Luiz. Ar Retta / Ocupação para um espaço sensível à anarquigrafia –


projeto para a reconstrução do gesto suspeito, 1981.

O segundo trabalho que compõe o envelope Ar Retta é intitulado Poema/escultura


gestual e também é composto por uma sequência de fotografias, ao todo, cinco. Nesta
sequência, fica mais evidente a relação entre a linguagem da fotografia e a linguagem da
performance. Esta obra, segundo o artista, foi desenvolvida espontaneamente. Rettamozo
estava recortando a margem de uma fotografia que iria usar para algum trabalho publicitário.
Ao se deparar com o pedaço de papel isolado dela, resolveu usá-lo como a margem da
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margem da fotografia. Desta forma, foi fotografado desenvolvendo ações, nas quais joga
com a questão do enquadramento fotográfico.
Neste trabalho, podemos perceber que a ação do artista está discutindo a linguagem
da fotografia e ainda está sendo apresentada através de uma fotografia. Se fizermos mais
uma vez o exercíco visual de imaginar essa ação sendo feita ao vivo, como numa
performance “tradicional”, a discussão do enquadramento fotográfico seria diferente, pois o
que dá uma significação mais satisfatória a este trabalho é o fato de ele apresentar-se como
uma metafotografia.

RETTAMOZO, Luiz. Ar Retta /


Poema/escultura gestual, 1981.

Quando a ação corporal do artista passa a compor uma fotografia, os


questionamentos sobre seu processo e sobre a linguagem da performance são ainda mais
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confusos. Como mencionado, é comum que o entendimento desta linguagem tenha


referência somente à performance ao vivo, embora existam trabalhos, desde a década de
1960, que usam a performance na fotografia ou no vídeo. Não existe uma única resposta
absoluta, para explicar esse procedimento. Mas, neste artigo, identificamos algumas
discussões que argumentam e defendem a relação de interseção entre as linguagens da
performance e da fotografia. Ou seja, em alguns casos, quando a obra final é uma fotografia
e possui uma ação corporal do artista, ela pode ser identificada como parte de um processo
performático, diferente do registro fotográfico, que também é parte de um processo, mas
visa à documentação. Concluímos que a obra fotográfica possui uma relação ontológica
com a linguagem da performance, quando é composta por ações corporais.
Concluimos também que não se pode definir uma estrutura fixa para a performance.
Como por exemplo: que ela é uma linguagem que é executada exclusivamente ao vivo e
que só é considerada como tal se tiver a presença do público, no momento da execução das
ações. A performance é uma linguagem híbrida e, se nos empenharmos para defini-la,
estaremos negando sua natureza, a qual é construída pela permeação de linguagens e
conceitos.
Com essa pesquisa tivemos a grata satisfação de conhecer o trabalho do artista Luiz
Rettamozo, que foi importante para exemplificar as discussões estabelecidas. Através de
seus conceitos e a sua maneira de produzir, foi possível compreender a maneira de pensar
do artista e o porquê da performance ser uma linguagem voltada à vida. Temos consciência
de que sua obra performática vai além de Ar Retta e de que é merecedora de uma pesquisa
mais profunda. Por isso, demostramos nossas espectativas de produzir essa pesquisa, no
futuro.

REFERÊNCIAS
AUSLANDER, Philip. The performativity of performance documentation. PAJ 84 A journal of
performance an Art, The MIT Press, 2006, p. 1-10.
BATISTA, Stephanie. Focus in corpus – focus in corpore: uma reflexão sobre o corpo e suas
representações enquanto tempo e enquanto conhecimento.
CLARK, Lygia. In: FERREIRA, Glória; COTRIM, Cecilia. Escritos de Artistas: anos 60/70.
Rio de Janeiro: Zahar, 2006.
Gazeta do povo. Rettamozo. Curitiba, 13 de maio de 1992.
GOLDBERG, RoseLee. A arte da performance. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
MELIM, Regina. Performance nas Artes Visuais. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
SANTOS, Alexandre; SANTOS, Maria Ivone. A fotografia nos processos artísticos
contemporâneos. Porto Alegre: UFRGS, 2004.
STILES, Kristine. Performance. In: NELSON, Robert; SHIFF, Richard. Critical terms for art
history. Chicago: The University of Chicago Press, 2003.

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