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Copyright © 2009 by Edgard Leite ] CIP-BRASIL. CATALOGAC AO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ F4420 Ferreira Neto, Edgard Leite ‘As origens da Biblia © os Manusctitos do Mar Morto / Edgard Leite. - Rio de Janeiro : Imprinta, 2009. 158p. + il Anexos Inclui bibliografia ISBN 978-85-86782-25-1 1. Biblia - Historia. 2. Literatura rabinica 3. Manuscritos do Mar Motto. L Titulo, 09-2983. CDD: 220,61 CDU: 27-236.5 22.06.09 25.06.09 013362 Todos os direitos reservados. E proibida a reprodugao deste livro com fins comerciais sem a prévia autorizacao do autos. Imprinta Express Grafica e Editora Ltda Rua Joao Romariz, 285 - parte - Ramos - Rio de Janeiro - RJ Tel.: 21 - 3977-2666 Centro de Historia e Cultura Judaica O Centro de Histdria e Cultura Judaica (CHCJ), organizacdo sem fins lucrativos, que tem po! estudo da historia e da cultura jud fundado em 2000, é uma 1 objetivo incentivar e difundir o aica dentro de um contexto amplo, buscando relaciona-las com a cultura ea histéria universal. Cursos e palestras tém sido ministrados por professores detentores dos mais altos titulos académicos, inclusive convidados de u' A culminancla dos cursos realizados no cl livros que contém os textos das aulas ministradas. niversidades do exterior. HCI é alcancada com 2 publicacao de A variedade de temas, de palestrantes € professores cujos trabalhos se encontram nesses livros € importante contri buigdo para 0 enriquecimento da cultura geral de judeus & nao judeus, no Brasil ou onde quer que sejam lidos, Compée o CHC: os seguintes orgdo: Conselho Diretor: Presidente: Daniel Miguel Klabin 12, Vice-Presidente: Sami Leopold Goldstein 22, Vice-Presidente: Samuel Elias Claudio Bergstein Harry Adler Jacob Steinberg Evelyn F. Milsztajn Tomas Zinner Conselho Académico: Coordenador Geral: aulo Geiger Vice-Coordenador: Saul Fuks Alberto Venancio Filno Aurea Zimelson Schechtman Edgar Leite Ester Kosovsky Helena Lewin Azulay Benoliel 5 e respectivos membros: 80! RA DAB TY b BLOcO 4 mamas alg FOLHAS “ATA eee oa nn Sumario Agradecimentos..... 6.026 00s serene Nota Introdutéria Abreviaturas utilizadas. .. . . « sd lg oh ag Pie Te Introducao. tet) fied oie us key lin ER SR UE Capitulo 1 | O discurso religioso. . Capitulo 2 | A Biblia e sua densidade historica. Capitulo 3 | O livro de Josias. Capitulo 4 | Um livro para 0 Estado e para os homens. Capitulo 5 | Ezequiel e o cla dos filhos de Zadok. Capitulo 6 | O projeto zadokita. Capitulo 7 | A ruptura samaritana.......- Capitulo 8 | O Livro de Enoc. + Capitulo g | A literatura sapiencial. \ Capitulo 10 | A literatura profética: do onirico ao concreto. ‘Capitulo 11 | A literatura apocaliptica e Daniel. Capitulo 12 | A Septuaginta. Capitulo 13 | Os macabeus e a deposi¢ao dos “filhos de Zadok". Capitulo 14 | A biblioteca de Jerusalém e os hasmoneus. Capitulo 15 | A politica hasmonéia e 0 colapso do segundo templo.. - Capitulo 16 | Qumran ea natureza histérica da Biblia... . Capitulo 17 | Textos apocalipticos em Qumran. . Capitulo 18 | © Livro dos Jubileus e 0 Rolo do Templo........ Capitulo 19 | Textos biblicos em Qumran... ... . - Capitulo 20 | O rabi Akhiva e 0 “sagrado dos sagrados”.. . . 99 105 m uz 123 127 333; GConclisGes? «fc cag 4H u alah tee DEBE SRG Oo che TE TAYE igi Anexo 1 | Titulos e ordem dos livros incluidos na versdo smasevética da Biblia hebialea cx fe ec ee ee ee Anexo 2 | Titulos e ordem dos livros incluidos na Septuaginta. . . 145 Anexo 3 | Lista de Sumo-sacerdotes do segundo templo de Jerusalém. . . 147 Fontes e Bibliogvafias. ©. 66. ca ee he Ree es 149 S—_—_—_—_— Agradecimentos Esse texto surgiu de dois cu’sos proferidos no Centro de Historia e Cultura Judaica em 20C7 e 2008 sobre os manuscritos do mar morto. Agradego acima de tudo a grandeza e a confianga do presidente do CHC! Daniel Klabin bem como seu apoio € interesse pelo desenvolvimento da pesquisa e sua publicagdo. Aidéia original foi de Sami Goldstein, a quem agradeco, como sempre, a atengdo e a amizade. zle também me deu muitas sugestées decisivas sobre os assuntos que aqui trato e que se ercontram no livro. O Conselho Académico do CHC) aprovou Os Cursos e seu teor. Agradego ao rabino Daniel Goldman, pelo seu permanente reconhecimento e sua aucacia espiritual. Sou também grato a David Gorodovitz pela sua corresdo, presenca e incentivo. E a Marcos Cornet por seu interesse e apoio. Também devo um agredecimento a Samuel Benoliel. Agrade;zo igualmente ao fgrupo dos profetas”) que sustentou dois ciclos de palestras sobre o objeto deste Tivro. Seu estimulo foi fundamental para a realizagao deste texto, Um agradecimento especial é necessdrio a cada um de seus integrantes: Além de Sami Goldstein e Dulce Goldstein, agradeco a Ezequiel Rosman e Kitzy Rosman, DSbora Rosman, José Kogut e Dorothy Kogut, Alfredo Lemle e Miriem Lemle, Roberto Kresch, Vera Bulak, Susane Worcman, George Fodor, Anita Goldenberg e Oren e Silvina Boljover. Meus colegas do Grupo de 2esquisa do CNPq, Historia, Memoria e Literatura Biblica, Maria de Lourdes Lima, Isidoro Mazarollo e André Chevitarese sdo também responsdveis por este livro, pois, como exemplos a serem seguidos, me torraram nais disposto a acreditar na vida académica e nos estudos biblicos. ecacemees Q Como sempre a querida Bia Bach e 0 amigo Charles Steiman receberam meus artigos na Quinzena da ARI, onde pude desenvolver idéias que estado aqui de uma forma ou de outra. Meus ovientandos Carlos Alberto de Aratijo e Maxwell Alves foram importantes ao me chamarem a aten¢do para varias questdes sobre critica textual e os manuscritos co mar morto, pelo que lhes agradego. Edgarg Leite O “grupo das quintas” acompanhou a redacdo deste livro, pelo qual também agradego a todas Marcia Naidin, Sandra Balassiano, Gloria Nigri, Angela Fleury e Clélia Bamberg. Meus alunos da UERJ como um todo, evidentemente, foram uma presenga constante e desafiadora e durante nossos cursos também tive a oportunidade de pensar em muitos dos assuntos aqui expostos. Angela Sadcovitz e Beatriz Leite, por fim, maiores presentes que recebi em minha vida, foram muito compreensivas. Agradeco a dindmica misteriosa dos encontros por té-las junto a mim. 10 Nota introdutéria No presente texto utilizamos as denominacées a.e.c, antes da era comum, & @.C., era comum, no Tugar das usuais 4.C. e d.c.. Isso se deve ao fato dessas denominagdes estarem se fornande Usuais nas publicacdés clentificas, devido” 20 seu carter Jaico. A citagoes Was Mranseritos de Qumran seguen a3 hormas estabelecidas. O algarismo inicial designa o nimero da caverna, e a letra Q de- signa Qumran, seguido do numero ou nome do manuscrito. Assim, 3Q15 deve ser lido como o décimo-quinto documento encontrado na caverna 3 de Qumran, no caso, o Rolo de Cobre. As tradugées biblicas aqui citadas sdo da Biblia de Jerusalém (S&o Paulo, Paulinas, 2004), eventualmente cotejadas com o texto masorético do cédice Leningrado, conforme a edig&o da Biblia Hebraica Stuttgartensia (Suttgart, Deutsche Bibelgeselischaft, 1997). As tradug6es dos manuscritos de Qumran sdo aquelas de Florentino Garcia Martinez, The Dead Sea Scrolls Translated (Brill, Leiden, 1994). 11 Abreviaturas utilizadas Ag - Ageu iMc — 1: Macabeus, Am - Amos. 2Mc ~ 2 Macabeus. Ant. — Antiguidades Judaicas, Ne - Nehemias, At - Atos dos Apéstolos, Nm - Numeros. 2Cr - 2 Crénicas, 1Rs- 1 Reis. Ct - Cantico dos Cénticos. 2Rs- 2 Reis, Dt - Deuteronémio, 1Sm- 1 Samuel, Eclo — Eclesidstico (Sirdcida). 2Sm- 2 Samuel. Esd - Esdras. 2c - Zacarias, Ez - Ezeauiel, Gn ~ Génesis, Hier - Vulgate, Jd — Judas. JO - Jo, dt -Jeremias, Js — Josué, Jz - Juizes, Le - Lucas lv - Levitico, MI- Malaquias. 13 i \ ris dssardaneias tka ee oF Tt a(edens) oe b-fhe ( cin) Introdugdo Fh lobe reel tramp ite bn . ON gue ‘9 ho nage oot a berm ay teats bh ? As descobertas realizadas nas encostas do mar morto, entre 1946 e 1956, tiveram imensa repercurssdo no nosso conhecimento das origens da Biblia. En- tre outras razdes porque langaram luz sobre 0 periodo mais i da ela- boragdo do texto ico fh época do segundo templo de Jerusalém (516 a.e.c° 70 Elas revelaram a existéncia de uma era de intensas especulacées teolo- gicas e de grande produgdo literarja,Cuja significado vai além dos limites conti- dos pelos textos hebraicos e aramaicos da Biblia. Muitos dos conceitos ali de- senvolvidos ecoam na literatura neo testamentdria. Os achados também foram importantes porque nos mostraram a existén- cia de um quadro de pluralidade de opinides, tendéncias é instituigdes no juda- ismo do periodo que nao era até entdo perfeitamente conhecido. Jacob Neusner, por exemplo, defendeu que nao deveriamos falar de um judafsmo do periodo do segundo templo, mas sim deljudaismo: no plural, Ficou patente que a expe-( riéncia religiosa judaica da época era o ct nario dé divergénicias entré diversos “sistemas judaicos”, expressos em diferentes organizacées institucionais conflitantes (Neusner, 1987). \ Isso nos permitiu, por outro lado, observar com mais atencao os textos que hoje estéo na Biblia. Em que pese a sua convergéncia teoldgica de fundo, maior ou menor de acordo com o texto e com o momento histérico em que foram produzidos, eles deixam transparecer diferencas politico-teoldgicas e institucionals Diferengas que, hoje sabemos, eram expressivas e algumas vezes tendiam a exclusdo reciproca. Quando se diz que os textos biblicos tém_uma.- historia estamos dizendo também que eles tem uma historia politica, pois a ex- ci 1 E iiitas vezes redundava em periéncia réligiosa 6 uma experiéncia politica do periodo do segundo.templo, no qual os textos biblicos alean- a fe A caram suas formas literarias definitivas é fundamental para ent da mensagem ica, As tragédias e grandezas da experiénci judaica naqueles “Séculos espelhavam, na leitura dos autores biblicos, as tragédias e grandezas da condigdo humana. E é esse um dos fatores que determina, talvez, a universali- dade da Biblia hebraica e sua permanéncia. A trajetdria do povo judeu, da res, ee SS PH Key ay Peer ¥ eles Pen (eee Menor st ve ce Pxtnyper er, 7° (anus ane bender Edgarg Leite 5 ae N. Tete ache tauirocdo do seinple, S08. dominio persa, passando pelo dominio helenistico, pela tp Minot Beet eed A nossa inten¢ao é estabelecer os elos entre o desenvolvimento histérico desses judalsmos, no periodo do segundo templo, e a génese das versées finais dos diferentes textos biblicos. Mostrar que a inspiracao religiosa dos seus reda- tores era fundada na necessidade de situar o ser humano diante de duas dimen- s6es: a realidade social e politica na qual estava inserido e o desconhecido e invisivel que o cercava. A grandeza dos autores biblicos esta na profundidade pe aera a ae are la Po com que construiram uma teoria sobre o visivel e o invisivel capaz de transcen- def 6 momenta e:0 seu'mundo. ee Nos capitulos 1 e 2 tracamos, com mais detalhamento, algumas conside- rag6es tedricas sobre o fendmeno religioso e a perspectiva com que encaramos © processo de elaboracdo do texto biblico, isto é, enquanto fendmeno humano histérico. Nos capitulos 3 e 4 discutimos @ génese do nticleo textual basico do Pentateuco e algumas das influéncias teoldgicas e politicas que o configuraram. No capitulo 5 tratamos da reforma teoldgica intoduzida no perfodo do exilio babilénico, discutindo, principalmente, as origens e significado dos conceitos de arrependimento e perdao e seu significado religioso e institucional. Nos capitulos 6 e 7 nosso objetivo é refletir sobre a natureza da redacao sacerdotal do Pentateuco nos primdrdios do segundo templo e discutir a ruptu- ra samaritana. Analisando o significado desse momento no processo de consoli- daco textual de certos livros biblicos e na afirmacao da lideranga dos sacerdo- tes zadokitas do monte Zion, em Jerusalém. No capitulo 8 analisamos o Livro de Enoc e 0 universo conceitual apocaliptico — critico do poder e da teologia sacer- dotal de Zion. No capitulo 9 tratamos dos elementos gerais da literatura sapiencial e suas fortes influéncias externas. E como simultaneamente conciliou e se opés ao projeto sacerdotal. No capitulo 10 levantamos quest6es sobre as mutages teoldgicas que se verificam na literatura profética no decorrer da relacao do profetismo com o sacer- décio, especialmente nos periodos iniciais do segundo templo - tendendo a aceita- ¢4o da lideranga sacerdotal. No capitulo 11 consideramos o processo de desenvolvi- mento de uma tendéncia moderada do pensamento anocalipticg, ex expressa no livro 16 As origens da Biblia e os manuscritos do Mar Morte de Daniela forma como capturou influéncias diversas, inclusive externas, e coma também convergiu para a aceitacao dos sacerdotes de Jerusalém. No capitulo 12 tratamos das origens das tradugdes gregas dos textos hebraicos e aramaicos kiblicos e a complexa relacdo que a populacdo judaica egipcia, por elas respons 4vel, mantinha com o templo de Jerusalém. Nos capitus los 13 e 14 discutimos cs problemas suscitados pela ascensao dos hasmoneus ao poder. A crise ligada & deposi¢gdo dos zadokitas da autoridade que exerclam em Zion 2 os impasses no que diz respeito a natureza dos textos sagrados no perfodo. No capitulo 15 fazemos uma discuss&o geral sobre o colapso dos hasmoneus e os problemas institucionais e teoldgicos decorrentes do crescente predominio dos romancs sobre os judeus. Nos capitulos 16, 17, 18 e 19 nos propomos a uma analise geral, a parte § dos achados de Qumran, dos problemas da literatura biblica/e extra-biblic Sno ae periodo do segundo terr plo. Realcamos o carater plural desses textos @ a lin pos sibilidade da existéncia de um canone textual aceito por todas as correntes ju- daicas no periodo No capitulo 20, por fim, levantamos alguns tdpicos sobre a crise textual do “perfodo das guerras judaicas e do papel que os rabinos e, parti- cularmente, o rabi Akive, desempenharam na fixagao do texto masorético @ ha estabelecimento do canone biblico. Pretendemos, nesse estudo, contribuir para uma reflexdo mais profunda e elevada da importancia é significado da experiéncia religiosa na histdria e es- pecialmente para uma ponderacao avancada da grandeza da produgao literdria do perfodo do segundo templo. Vivemos sob sua sombra e sua imensa impor tancia continua estabelecendo muito da forma que temos de entender o mun- do visivel e aquele misterioso espaco do invisivel sobre o qual avancgamos atra vés do conhecimento, Mas que continua sempre a ser enigma e simultanea- ment: base sobre nal prosseguimos no caminho da historia e da vida a7 Capitulo 1 | O discurso religioso O que é a experiéncia religiosa? Trata-se, entre outras coisas, de um mo- vimento pelo qual o ser apreende o misterioso que estd além da realidade obje- tiva e constrdi, com ele, uma relacdo de harmonia. E um deslocamento de natu- reza subjetiva, compardvel a arte, no seu objetivo de sintetizar fendmeno e es- séncia. Isto é, experimentar o que é real e, ao mesmo tempo, aquilo que trans- cende o limite do real. Para um mundo dominado pela ciéncia, como 0 nosso, os limites do co- nhecido se tornaram muito distantes. Jé que somos cientes dos fundamentos de inimeras coisas. Mas continuam existindo limites. Aqueles que pensam ne- les de uma forma sensivel, quer no macro, nas distancias maiores do universo, quer no micro, no infinitesimal horizonte da fisica e da quimica, ou no imediato e singelo mistério do amor ou da morte, ponderam de forma necessaria sobre o seu significado. E as vezes postulam a necessidade de alcancar subjetivamente o que esta além deles. Isso porque ésobre o além que os limites avangam intermi- navelmente ao longo do desenrolar do conhecimento humano. E possfvel, por- tanto, postular o desconhecido e vivencia-lo, hipoteticamente ou de forma fantasiosa ao menos, como experiéncia-subjetiva. E certo que os limites nem sempre foram t&o distantes quanto 0 sdo hoje, e certamente o serdo ainda mais. E que nao t&€m as mesmas distancias para todos os que vivem num mesmo momento historico. Por conta dos diferentes niveis de conhecimento, das dinamicas culturais ou das decisées pessoais. Mas nao se pode negar que o fendémeno religioso possui sua grandeza e contém em si um didlogo imaginativo, qualitativo e espiritual entre o homem e o que esta além do limite, esteja este onde estiver. A elaboracdo do discurso sobre essa experiéncia, do discurso religioso, da mesma forma que a arte, pos- sui dimensées historicas, que podem ser consideradas em diferentes niveis de grandeza (Leite, 2006) (Leite, 2007). Alguns discursos sdo imediatos e traduzem percepcdes nado necessaria- mente menos profundas, mas circunstanciais, ligadas a eventos € experiéncias as vezes instantaneas ou excessivamente individuais. Podem nos interessar pelo inusitado ou curioso, e suscitar as vezes notaveis impressdes metafisicas, mas nem sempre dizem muito a muitos seres humanos e por muito tempo. 19 Edgarg Leite Mas ha discursos religiosos profundos, que alcangam elos sutis da relagdo do conhecido com o desconhecido. Essas formulagdes fazem os seres humanos pensarem seriamente sobre sua condig&o individual, social e historica diante do enigma da existéncia e a estabelecerem relacées criadoras, harmonizadoras ou integradoras entre isto que é visivel @ aquilo que nao é. Articulam sistemas que duram ao longo de geracées e que podern até ser compreensiveis por povos culturalmente diferentes. Sobrevivendo mesmo quando os limites se dilatam a perder de vista. Esses sdo os grandes discursos religiosos, e os seus padrées constroem quadros de entendimento do ser e de sua relac3o com a base invisivel da exis- téncia que perduram por séculos e milénios. Sdo capazes de incorporar as trans- formaces histdricas e as flutuag6es nos limites através daqueles que os inter- pretam e traduzem suas verdades metafisicas profundas no interior da historia. Alguns desses discursos adquirem a feicéo de discursos teoldgicos, isto é, de falas sobre Deus, quando se entende que esse desconhecido possui uma identi- dade que pode ser denominada dessa maneira. Esse parece ser o caso do conjunto de textos que a tradic3o0 ocidental denominou de Biblia hebraica, em sua traducao grega de Septuaginta, em sua verso rabinica Tanach, na concepsao cristé de Velho ou Primeiro Testamento e que os muculmanos designam de forma distante e um pouco abstrata, sem conhecé-lo precisamente, de Al Kitab, "O Livro". A percepgiio metafisica da integragao entre o imanente 2 0 transcendente decorre normalmente de uma experiéncia de humildade diante da grandeza que est4 além dos limites. Nao é por acaso que as formulagdes religiosas procuram normalmente situar o ser humano como submetido, de uma forma ou outra, a essa dreade sombra maior que é invisivel do ponto de vista da objetividade: Ha usualmente nas religides a idéia de que é necessaria cautela e cuida- dos no processo de lidar com os limites do conhecido. Algumas de fato acabam condenando, por temor demasiado, qualquer travessia dos limites e por isso terminam também desaparecenda, pois transcender os limites é, acima de tudo, uma necessidade econédmica humana. Mas a maior parte prescreve normas que buscam uma vivéncia harmoni- osa do equilibrio das duas dimensdes, no processo de ampliac&o das fronteiras, que é 0 processo da vida. Isso porque estando os homens permanentemente diante de limites nunca sabem, precisamente, com o que estardo lidando. Os discursos religiosos, no entanto, ndo existem no abstrato. 20 As origens da Biblia e os manuscritos do Mar Morto As formulagées religiosas sé se tornam reais para os seres humanos quando s&o experimentadas socialmente, quando saem do singular para o geral, do in- dividual para 0 coletivo. Quando se transformam em experiéncia politica. Mui tas pessoas podem ter suas préprias percepgdes, mas somente quando sao re- conhecidas como reais por outros homens e que sao entendidas como Uteis para a vivéncia permanente e econémica de transcendéncia dos limites se tor- nam afina: saberes religiosos e, se for o caso, teoldgicos. Areligiao, embora lide com o enigma da existéncia, ou Deus, lida, portan- to, principalmente, com os homens em suas relacées politicas e sociais. Em tor- no dos saderes religiosos e teoldgicos ha combates e ambicGes diversas, pois controlar um determinado discurso harmonizador entre o ser e sua esséncia confere a quem o faz poder sobre outros homens. E 0 poder da religido, que lida exatamente com tdo ambiciosas sinteses, sempre foi grande. Dessa maneira os discursos religiosos e teoldgicos guardam todos essa dupla e tragica natureza. Por um lado contém em parte essencial uma revelacdo subjetiva e metafisica sobre os mistérios da existéncia, que pode ser expressa por diversas formas. Mas por outro sao basicamente discursos humanos sobre homens diante de limites. Nesse sentido servem na construcdo de relagdes de poder necessdrias 4 administracdo socia! do processo de transcendéncia desses limites. Nao é diferente com a historia da Biblia. 21 nnn Neel Capitulo 2 | A Biblia e sua densidade historica Desde o Renascimento se tornou patente que a Biblia era um discurso humano. Sobre Deus e suas reiagées com os homens, evidentemente. Inspirado ou fruto de multiplas visdes ou de didlogos fantasticos, se assim se aceitar, mas previamente pensado e depois escrito por homens. E como tal possuia, como outras literaturas, uma histéria. As pesquisas da critica histérica demonstraram a historicidade de sua producao. E em muitos casos se precisaram seus autores coletivos, os momentos de sua elaboracdo e as influéncias diversas que sobre ela atuaram. Mas principalmente se derrubaram os diversos mitos que cerca- vam suas origens e o processo de seu desenvolvimento. O primeiro deles a ser Vitoriosamente contestado foi o da lendaria autoria do Pentateuco, até entéo atribuida ao patriarca Moisés (Hobbes, 1979:226) (Espinosa, 2004:244). A Biblia, como outros textos religiosos sagrados, é fruto da tensdo entre a transitoriedade dos poderes que a transformou em realidade politica e a sim- ples percepcdo da eternidade na alma de seus escritores. O seu espirito, eviden temente, esta no segundo elemento. £ no interior silencioso ou tormentoso dos seus autores que se construiram os saberes teoldgicos biblicos. 6 all, no interi or da alma humana, pode residir a explicagéo de porque ainda nos curvamos reverentes diante de paginas escritas ha séculos por m&os desconhecidas. As percepcées biblicas sao experiéncias universals. Traduzem sob a forma de metafora, analogia, parabola, delirio ou mera alucinag3o, nogdes que podem ser reproduzidas internamente no ser pelo seu sentimento ou pela razdo. E ex- pressam a existéncia de didlogos entre o homem e 0 infinito que também pode- mos, quando atentamos para sua natureza mais profunda, reproduzir no interi- or da consciéncia. : Esta histéria da Biblia é um estudo sobre corno o ser humano buscou se aproximar, no decorrer de suas acées histdricas, Aquilo que entendeu ser, de diversas maneiras, a base de quase impossivel apreensdo a partir da qual a sua existéncia emerge. A literatura biblica é aqui entendida como o resultado de uma busca. A procura de uma esséncia que esta além do visto ou do sensorial- mente percebido e que se constitui naquilo que se cré eventualmente ser a Uni- ca fonte de sentido que possui dimensdo absoluta. Que na Biblia hebraica se 23 Edgarg Leite denomina por varios nomes ou por um nome que nao pode ser pronunciado, dada sua profunda e enigmatica natureza. E que foi normalmente traduzido no latim como Deus, palavra antiga que significa apenas “Luminoso" (Ernout, 1994:170), Na pluralidade de aproximagées teoldgicas feitas pelo povo judeu ao lon- go da histéria percebe-se uma coeréncia interna que acabou por reunir todos esses textos num conjunto. Tal reuniao expressou interesses de poder especifi- cos, certamente. Mas foi fruto da sensibilidade de pensadores que geracdo apés geragao conseguiram manter-se gravitando em torno de temas essenciais: os limites, o aleance ou a necessidade da liberdade humana, a natureza transcen- dente da justica, da temperanga e do equilfbrio, a dinamica dos erros e dos acer- tos humanos, 0 papel superior do arrependimento e do perdao e a permanente busca da reden¢ao, ou da integridade. E que julgou que assim estabelecia um didlogo coerente com os principios do universo infinito que estava além dos limites & sua frente. Como bem se exemplifica, alias, na curiosa, respeitosa e atenta aproxima¢do de Moisés a sarca ardente: "darei uma volta e verei este fenémeno estranho; verei porque a sarga nao se consome" (Ex 3:3). A literatura biblica também circula em torno dessa fonte, "desse fendme- no estranho, que nao se consome", com respeito e atengao. Entre as paixdes e as violéncias que cercaram sua construcdo ela aponta firmemente para a sarca ardente. E sé por indicar esse mistério ali presente e por tentar entende-lo ao longo de todo seu desenvolvimento, continua a ser entendida por sagrada. O profeta maldito da teologia liberal, Baruch Espinosa, nao hesitou em es- crever: "Vida é a forca pela qual as coisas perseveram em seu ser e dizemos pro- priamente que as coisas tem vida... mas como a forga pela qual Deus persevera em seu ser nada mais é do que sua esséncia, falam bem aqueles que dizem que Deus é a vida" (Espinosa, 1983:24). E é em torno desse pdlo central, a fonte da vida, depreendida como Unica, que gravitam séculos de producio teoldgica. Que foram, de forma muito lenta, formando aquilo que entendemos como a Biblia. O texto hebraico da Biblia, aceito atualmente por judeus e cristos, é co- nhecido como o texto masorético. Ele teve sua forma final definida por Aaron Ben Asher, pertencente a tradi¢#o do grupo dos masoretas de Tiberiades, ou masoretas ocidentais. O trabalho desse grupo, com sua vocalizacao, isto é, com os sinais relativos aos sons das vogais, ja que o hebraico é escrito sem elas, estd exposta no cédice Alepo, que data de 925 e.c., exemplar preparado pelo préprio 24 As origens da Biblia e os manuscritos do Mar Morto Ben Asher (“ov, 1992:46). O texto, no entanto, em seu contetido basico, foi con- | solidado em torno dos séculos I-Il e.c., no perfodo dos levantes judaicos contra { Roma, o de 63-73 e.c. e o de 132-135 e.c. Embora existam diferencas internas { entre diferentes textos masoréticos, o mesmo foi diligentemente trabalhado nos ( séculos seguintes no sentido de sua uniformizacao. Muites traducGes foram baseadas nessa versdo: os diversos targumim - as § tradugdes aramaicas-, a Peshita - a Biblia siria-, as diversas revises da Septuaginta ( - a Biblia grega, a traducdo grega de Aquila, a sexta coluna da edic30 comparati- va de Origenes - a Hexapla-, e a tradico latina de Jerénimo - a Vulgata. Alcan- ( cando dessz forma um reconhecimento como texto base em varios circulos an- ‘ tigos. As origens do texto masorético estio em um momento anterior ao século ile.c,,no periodo de funcionamento do segundo templo de Jerusalém (516 a.e.c- ‘ 70 e.c.). All se configurou o texto que Ihe serviu de base, denominado de proto- ( masorético. Pois embora contivesse os seus elementos gerais ndo era aindao texto masorético que conhecemos. f A existéncia de outras versGes antigas do texto hebraico é, no entanto, ‘ conhecida. ‘té a descoberta dos manuscritos de Qumran a versdo samaritana jd tinha sido Lem estudada. Tinha-se também noticia do Rolo Severo, também ' chamada de Tord do rabi Meir. Tratava-se de um rolo supostamente levado por 4 Tito junto com os objetos saqueados do Templo de Jerusalém em 70e que mals & tarde seria sresenteado pelo imperador romano Septimo Severo (146-211 @.¢,) 4 a uma sinagoga. Continha, segundo as fontes medievais, notavels discrepancias ‘ com relacac a verséo masorética. As descobertas de Qumran, a partir de 1946, confirmaram de fato que a § tradigéo dos masoretas nado era tinica, mas uma entre diversas tradic¢hes textu § ais. E, segundo Emanuel Tov, ndo necessariamente a melhor (Tov, 1992:24) § Guardava, entretanto, sua singularidade diante de outras tradigées do periode s do segundo templo. De certo que o desaparecimento de grande parte das linha - gens textuzis em conseqtiéncia dos levantes judaicos, isto é, apas 140, feafir mou a significagdo desse texto € daqueles que batalharam pela sua sahfeviven- ‘ cia. Mas isso nao significa que cevamos desconsiderar a expressive plupalidade . de versdes existentes nos sécu os que antecedem a era comum @ @ Ge feet = significa: a iexisténcia prévia de um c&none ou de um corpo fechade de textes biblicos corn redagSes consolidedas em hebraico, pelo menos na Judeia. ® a 25 Edgang Leite A versio masorética possui, portanto, uma histéria, e as outras versdes também as suas. O texto samaritano, por exemplo, nao é uma adulterac¢ao da versio masorética, mas sim desenvolvimento de um texto prévio, chamado de proto-samaritano, da qual a versdo proto-masorética, alids, parece dependente. Assim como as versdes tém uma historia os seus conteddos também a tam. Os diferentes textos biblicos foram elaborados em diferentes épocas, em distintos locais, por circulos de escribas e sacerdotes espectficos. Traduzem, em suas particularidades, influéncias externas, percepgdes singulares, propostas teoldgicas e politicas proprias, & as vezes contraditdrias, ou variagdes em torno dos grandes temas da tradig&o do povo judeu. O processo de sua organizagao e encadeamento nao foi espontaneo. Mas fruto de intervengdes humanas, politicas. Os grupos que realizaram esse traba- lho tinham normalmente objetivos institucionais, isto é, procuravam definir re- alidades teoldgicas que pudessem ser controladas politicamente. £ que servis- sem, dessa forma, na organizacao de comunidades e de suas propostas de vida. Esses textos, no entanto, com seu brilho proprio, sobreviveram as insti- tuicdes. Fato que nao é comum, em se tratando de literatura de natureza religi- osa na antiguidade. A historia est repleta de textos que fundamentaram insti- tuig6es e perderam sua sacralidade quando essas instituigdes se desmancharam ao vento dos processos histéricos. Os textos biblicos, ao contrario, tendo sua organizacdo devida a esforcos institucionais, se entranharam nao apenas na iden- tidade étnica de um povo, mas na dindmica de pensamentos mais amplos, tor- nando-se base para discursos teoldgicos universais. Esses textos foram concebidos e organizados de diversas maneiras. Mas podemos propor que dois esforgos basicos podem ser documentalmente reco- nhecidos no sentido de reuni-los sistemicamente. O primeiro foi, provavelmen- te, o dos judeus egipcios helenizados, nos séculos Ill a.e.c. - | e.c., que reuniram muitos desses textos, de forma paulatina, em grego. Buscaram sempre nessa reunido sua natureza universal, supostamente depreendida e expressa em cada uma de suas partes e no seu todo. Os fildsofos e pensadores dessa comunidade judaica memoravel refletiram sobre seu contetido a luz do pensamento filoséfi- co da época e dele tiraram intimeras ilagdes que contribuiram decisivamente para o reconhecimento da literatura biblica pelos povos. O segundo foi, certamente, 9 dos sdbios judeus, os rabinos, herdeiros dos fariseus. No século Il, depois de mais de cem anos de guerras e sofrimentos 26 acces aman AS ONRSIS Ca MONA SE inconcebiveis, recolheram com inteligéncia € sensibilidade esse conjunto literé- rio plural eo reuniu, em hebraico e aramaico, dentro de um projeto organizador - que continha um entendimento especifico do significado maior e organico dos textos. Transformaram a pluralidade textual em uma unidade, imbuida de asso- ciag6es religiosas misteriosas e transcendentes, de onde pode ser distinguida a existéncia de uma intencSo convergente em toda producdo literaria do povo judeu feita nos séculos precedentes. Os masoretas consolidaram e fixaram literariamente o texto geral, mas 0 projeto associativo foi fruto de uma concepcao especial que entendeu a litera- tura inspirada como obra que emergia do didlogo do povo judeu coma transcendéncia e que alcancava o mistério do mundo. E que era dotada da fan- tastica disponibilidade de ser reinterpretada e repensada na consciéncia de seus leitores ao longo das geracées. Este livro é uma tentativa de apontar alguns ele- mentos da histéria desse processo. 27 ee Capitulo 3 | O livro de Josias : A construgdo das concepgdes monotelstas no antigo Israel foi, como o préprio texto biblico aponta, fruto de grande esforco institucional e teoldgico. Nos séculos anteriores ao desastre de 587 a.e.c., isto 6, antes da destruiggo do primeiro templo de Jerusalém pelos babilénios, estd atestada uma intensa interago religiosa entre os judeus e os outros grupos étnicos em Canad. O que implicava na disseminac&o de cultos diversos a diferentes divindades da regido As influ&ncias culturais cananéias eram atestadas em todos os extratos so- ciais, dos inferiores a realeza. E isto desde perlodos remotos, como oO dito "dos ~ julzes", isto é, nos primeiros momentos de estabelecimento dos hebreus na re- gido, talvez em torno 1200 a.e.c.: "ent&o os israelistas fizeram o que era mal aos olhos de Deus e serviram aos baals... e seguiram a outros deuses dentre os dos povos ao seu recor... e delxaram a Deus para servir a Baal e Astartes" (Jz, 2:13). Reis de Judd e Israel nao apenas celebraram divindades diversas, mas tam- bém construfram templos para deuses dos povos que submetiam ou que os influenciavam culturalmente. Isto é atestado nos textos histéricos bibligos e na literatura profética, Lembremo-nos do chamamento de Elias a Ahab, para que "se redina junto dé mim, no monte Carmel, todo o Israel com os quatrocentos @ cinqlenta profetas de Baal e os quatrocentos profetas de Ashera, que comem & mesa de Jezabel"’ (1Rs, 18:19). Ou das decisdes do préprio rei Salomndo, "que construiu um santuario para Camos, a abominagao de Moab, na montanha a leste de Jerusalém, e para Moloc a abominacao dos amonitas" (1Rs, 11:7). ‘A descoberta dos textos ugariticos, na Siria, a partir de 1929, veio esclare- cer um pouco esse universo religioso primitivo, que aparece mencionado na literatura biblica com o olhar de redatores que viveram séculos depois. Esses textos, oriundos da antiga cidade de Ugarit, esto datados de 1400-1200 a.e.c. Neles sfo mencionados os deuses El, Asher e Baal (Pritchard, 1969: 128). Mui- tos, a partir de entao, se questionaram sobre qual serla a precisa natureza da relagdo entre israelitas e cananeus. JA nos referimos anterlormente a esse as- sunto, mas cabe recordar que muitos autores consideram que israelitas e cafaneus.compartilhavam de crengas e herangas comuns, ou que eram em ori- gern'o mesmo povo (Leite, 2006), 29 Edgarg Leite oO eee A presenca, em ambas tradicdes, da entidade El, que Mark Smith, por exemplo, afirma ser a denominac3o mais arcaica do deus de Israel, une de for- ma decisiva os hebreus ao universo cananeu (Smith, 2002:33). Evidéncias ar- queoldgicas diversas atestam que El e Javé foram outrora entidades distintas, relacionadas a populagées que habitavam dreas diferentes de Canaa, Unidos por sincretismo espontaneo ou interessado, Do ponto de vista da realeza judaica, portanto, essas associacées religio- sas, depois denunciadas nos livros histéricos biblicos, eram naturais e compre- ensiveis. Principalmente quando consideramos o cardter plural da sociedade de entdo e a convivéncia de diversas identidades étnicas e teligiosas, préximas ou sob um mesmo dominio, No Templo de Jerusalém, construfdo pelo rei Salomao, em torno de 1000 a.e.c,, havia elementos religiosos diversos, desde cavalos em honra ao Sol até pllares ou totens de filiagdo religiosa duvidosa, "Durante a monarquia", preci- sou Smith, "Javé, Baal, Astarte, e o sol, a lua e as estrelas eram consideradas divindades em Israel" (Smith, 2002:182), Elementos cultuais associados a essas entidades estavam expostos no Templo de Jerusalém em um momento tao pré- ximo como 600 a.e.c, Esses objetos, como o poste sagrado, os carros e cavalos dedicados ao sol e outros elementos, foram entio ellminados pelo rei Josias (2Rs, 23; 4-14), Isso tudo significa que a identidade judaica, se havia alguma claramente definida, era em suas origens determinada mais por tragos objetivos de identifi- cago clanica, impedimentos alimentares, talvez, ou elos familiares € insergdes em linhagens, do que por princlplos teoldgicos definidos. Isso no quer dizer que uma pregacdo monolatrica, que sustentasse a necessidade de acoragao de um Unico Deus - ou eventualmente monoteista que afirmasse a existéncia de um Unico Deus apenas ~ nao existisse em setores diversos da sociedade, princi- palmente naqueles criticos ao poder dos sacerdotes, quer os dos "lugares altos” quer os do templo de Jerusalém. Por exemplo, entre os profetas. A literatura profética é particularmente incisiva nessa critica e o faz no contexto da defesa da crenca na existéncla de um Unico Deus justo universal, Entendendo essa atitude como superior diante das demals crengas que acredi- tavam em muitos deuses ou apenas no seu prdprio-e que nao formulavam uma teoria universal sobre a natureza da divindade. Mas nado parece que algo como um "monoteismo mosaico" fosse ent&o considerado como absolutamente sa- an

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