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TOLERÂNCIA ZERO!

Quando ir à escola vira um pesadelo...

São 6 horas da manhã quando seu despertador toca, tirando-lhe do sono e dos
sonhos nos quais estava mergulhado. O mau humor logo toma conta do seu dia e você
mal encosta na comida durante o café da manhã. “É sono!”, diz sua mãe. “Foi dormir
tarde por causa do computador...”. E a bronca que você leva por causa da Internet não
lhe deixa dormir durante aqueles 10 ou 15 minutos que leva no caminho de casa até o
metrô, quando o seu pai se despede, desejando uma boa aula...
Mal sabem eles que o que tira seu humor logo de manhã não é a campainha
estridente do relógio, nem a perspectiva de encarar um metrô lotado com uma mochila
pesada nas costas, muito menos o sono perdido pelas horas passadas na Internet de
madrugada, mas a sensação de que a melhor parte do seu dia ficou pra trás assim que
você se levantou da cama.
A visão dos portões da sua escola não lhe inspira nenhuma ânsia por
conhecimento, longe disso.... Você não tem a menor vontade de entrar ali, e não são as
aulas de Física e Matemática que lhe assustam. Afinal, não são os números que
teimam em criar apelidos maldosos ou que cochicham em grupo num volume alto o
bastante para que você saiba que é o assunto da conversa. As incógnitas que lhe
atormentam não estão nas fórmulas, mas em não saber qual das suas atitudes é o foco
das piadas do dia.
Você olha para os lados e não sabe o que fazer. Não é o seu lugar,
absolutamente, e nada que existe ali faz com que você se sinta bem. Nem todas as
equações do mundo podem explicar o que você sente.
O fato é que você sai da escola sem a menor vontade de voltar. E essa
sensação ruim aumenta em progressão geométrica à medida que os dias se passam,
até que ela se transforma em medo. Medo de voltar à escola, medo de sair daquele
lugar, medo de revidar as agressões, medo de exigir respeito, medo de pedir ajuda. E é
aí que mora o perigo.
NORMAL???

Os mais céticos podem dizer que essa situação é normal, que isso acontece em
todas as escolas “desde que o mundo é mundo”. Ao que eles chamam de “normal”, os
psicólogos e pedagogos dão o nome de BULLYING.
Esse termo, utilizado mundialmente em inglês, tanto pela síntese completa que
faz, quanto pela grande e assustadora incidência de casos como esse nos EUA,
compreende todas as formas de agressão intencionais e repetitivas, adotadas por um
ou mais estudantes contra outro, sem motivo evidente, causando dor e angústia à
vítima.
Podemos classificar como Bullying qualquer uma das seguintes ações, quando
desferidas insistentemente contra estudantes por seus iguais: criar apelidos, ofender,
sacanear, humilhar, causar qualquer forma de sofrimento, discriminar, excluir, isolar,
perseguir, aterrorizar, amedrontar, assediar, dominar, agredir, ferir, roubar, quebrar
pertences etc.
O Bullying é uma preocupação mundial, pois afeta estudantes de toda e
qualquer escola, independente de questões geográficas, sociais ou de idade. Estamos
todos sujeitos a um crime ainda aceito pela sociedade, que há muito tempo dissemina
violência, intolerância e impunidade, sendo um dos mais relevantes fatores para a
depressão na adolescência.
Não é brincadeira de criança; muito pelo contrário. É uma situação
extremamente perigosa e que deve ser levada a sério. Afinal, que brincadeira é essa
em que sempre os mesmos se divertem, em que sempre as mesmas pessoas saem
perdendo, em que só alguns dão risada, em que alguém sempre chora no final? O
Bullying é um retrato bastante sólido da intolerância que permeia a nossa sociedade e
da incapacidade que muitos têm em lidar com as diferenças.
As conseqüências são drásticas e sempre parecem irrelevantes para quem vê
de fora. “Isso vai passar”, “é só brincadeira”, “não leve a sério”... Comentários como
esses, além de não serem verdadeiros, pioram a situação para a vítima.
Se era pra passar, e ainda não passou, então o problema está em mim,
realmente. Se é brincadeira, por que me machuca tanto? Se não é sério, por que eles
continuam fazendo isso apenas comigo? Pensamentos assim começam a latejar na
cabeça de quem sofre as agressões, e a falsa idéia de que é merecedora das ofensas
faz com que a pessoa, em qualquer lugar que vá, escute, aos berros, o que escuta na
escola.
Ela não consegue se relacionar como antes, as brigas na família aumentam. Seu
rendimento na escola cai, e seus pais jogam a culpa no “descaso” com os estudos, nas
companhias “erradas”, nas músicas que escuta..., mas não percebem que a culpa não
é do filho. Não percebem que tem algo de muito errado acontecendo com ele, não
percebem que está sofrendo.
Não percebem porque não sabem o que acontece com ele. Não é descaso, não
é falta de amor, não é desinteresse. É o filho que não consegue pedir ajuda.
Essa é uma das características mais fortes da vítima de Bullying: ela não pede
ajuda. Afinal, ela já se sente bastante humilhada pelas ofensas que ouve, sem precisar
pronunciá-las em voz alta para que outras pessoas saibam o que pensam dela. E para
quem ela recorreria? A quem pediria socorro, se a escola diz que é brincadeira, os pais
dizem que vai passar, e só o que ela vê à sua volta são pessoas que, quando não
participam das humilhações, passam omissas e sequer lhe dirigem um olhar
acolhedor?

COMO O BULLYING COMEÇA?

Para que haja o Bullying, é necessário um desequilíbrio de poder, ou seja, um


lado extremamente forte impondo uma pseudo-autoridade sobre alguém que não tem
recursos, habilidade ou condições de reagir ou fazer com que cessem os atos danosos
contra si. Além do alvo e do autor das agressões, existem as testemunhas, que,
embora não pratiquem, contribuem para a existência desse círculo vicioso de
humilhações. Essa apatia, somada à omissão da Escola, faz com que a vítima sinta-se
ainda mais acuada, impossibilitando que busque qualquer forma de auxílio.
Frequentemente, os autores do Bullying vêm de famílias desestruturadas,
apresentam pouca empatia e uma grande necessidade de afirmar-se. O exemplo que
esse alunos têm dentro de casa apontam para soluções explosivas e agressivas a
todos os problemas. Esse “hábito” de tomar a dianteira na hora de explorar os
pequenos defeitos alheios – talvez para esconder os próprios – de forma pejorativa e
humilhante pode acarretar, como sugerem estudos de diversos países, em um
comportamento anti-social na vida adulta, agindo agressivamente com familiares ou no
ambiente de trabalho. As pesquisas apontam, também, possibilidades de que esses
estudantes venham a se envolver em casos de delinqüência ou, até mesmo,
criminosos, posteriormente.
Ou seja, essa “brincadeira de criança”, quando alimentada pela impunidade,
pode trazer problemas que ultrapassam os limites da escola. A começar pela própria
vítima do Bullying.
Ao sofrer calado, o estudante assimila as ofensas, tornando-se introspectivo.
Sua auto-estima torna-se cada vez mais baixa e, algumas vezes, as feridas abertas na
escola não cicatrizam com o tempo. Não são raros os casos de estudantes que entram
em depressão devido à sua situação na escola, podendo assumir uma postura
agressiva para com os outros ou tendo graves problemas de relacionamento. Em casos
extremos, a vítima pode tentar cometer suicídio.
E não são apenas os alvos que sofrem com o Bulying; ele afeta negativamente
toda a comunidade. As testemunhas, que convivem com a violência no ambiente
escolar, calam-se por temer retaliações. Algumas se sentem incomodadas frente à
violação de seu direito de estudar em um ambiente saudável, acarretando em quedas
no seu desempenho acadêmico. Outras, quando vêem que nada acontece a quem
causa as humilhações, adquirem um comportamento tão agressivo quanto.

E O QUE FAZER?

Um dos fatores que mais contribuem para que o Bullying aconteça é a


impunidade. A postura da escola (que diz que tudo não passa de brincadeira), a falta de
conhecimento dos pais (que não enxergam a prática como criminosa), e a omissão dos
outros estudantes, que, muitas vezes, acabam por eleger os autores das agressões
como líderes da turma, fazem com que as punições não sejam aplicadas aos culpados.
Para que esse quadro comece a mudar, é necessário que as vítimas vençam o
medo e exijam um fim às agressões. Embora pareça algo fácil de ser feito, essa é uma
das atitudes mais difíceis que um estudante pode tomar. Assumir as humilhações em
público, sem saber se seu apelo será levado a sério ou servirá de motivo para novas
piadas, é desconfortável, mas extremamente necessário.
Não podemos continuar encarando o Bullying como uma situação normal do
convívio escolar, como uma brincadeira. Brincadeiras não machucam, brincadeiras não
matam. E, para que ele seja levado a sério, a primeira coisa a ser feita é denunciar os
agressores.
Se você foi ou é vítima de Bullying, conte o que sente para alguém em quem
você confie. Podem ser os seus pais, seus amigos, um professor, enfim, procure
alguém que possa te salvaguardar e que te ajude a contornar a situação. Mas não pare
por aí: depois de contar para alguém o que está acontecendo, procure ajuda em uma
instância maior. Entre em contato com a direção ou a coordenação da escola. Outra
alternativa é procurar a polícia e registrar um Boletim de Ocorrência. Essa medida, que
de forma alguma é exagerada, pode garantir a sua segurança caso você passe a sofrer
ameaças e, em caso de agressão física, facilitará na punição do responsável.
Caso você veja ou fique sabendo de algum caso de Bullying com terceiros, não
seja omisso: posicione-se contra a prática. Se você vir alguém sofrendo, mostre que
está ao seu lado, ofereça apoio, disponha-se a ajudá-lo a denunciar os agressores.
Não tema represálias nem pense que, fazendo isso, a sua “popularidade” na escola
pode cair. Você pode salvar uma vida, e isso é o que mais importa. Estudar em um
ambiente saudável é direito de todos e, como estudante, é seu dever lutar por uma
escola onde haja respeito e paz.
Posicionar-se contra o Bullying não é se expor, comprometendo a própria
segurança; ajudar exige muito pouco de você, mas pode ser a única esperança para a
vítima. Chamar a pessoa para fazer um trabalho escolar junto com o seu grupo, não rir
quando alguém fizer alguma piada sobre ela, sentar-se perto dela ou, simplesmente,
lhe desejar “bom dia” ao chegar na escola, são atitudes que salvam o dia dessa pessoa
e dão uma grande força para que ela peça ajuda. E, caso ela veja em você uma
pessoa confiável e o procure, esteja disposto a ouvir o que ela tem a dizer.
À escola, devemos exigir uma postura ativa e contrária à prática do Bullying. Os
educadores não podem assistir a cenas de humilhação e permitir que elas continuem. A
escola tem meios legais para punir, dentro da instituição, os agressores, e deve fazê-lo,
para garantir um espaço onde haja um aprendizado real e saudável. Além de cuidar do
assunto dentro da escola, os professores, coordenadores e demais funcionários devem
estar preparados para orientar o estudante que tenha sido vítima de Bullying a procurar
resguardo na Justiça, ou, até mesmo, encaminhá-lo para um acompanhamento
psicológico.
Somente com o fim da impunidade podemos diminuir os casos de Bullying na
escola, fazendo com que ela cumpra de fato o seu papel, que é o de ser um lugar de
troca de conhecimentos e desenvolvimento da cidadania. Colocando um ponto final a
essa situação, estaremos um passo à frente na busca por uma sociedade mais
igualitária e respeitosa, onde a única coisa que não é tolerada é o preconceito, em
todas as suas formas.

Flávia Roberta Capraro de Toledo


16 anos – aluna do 2º ano do Ensino Médio-SP

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