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MOSSORÓ”
Introdução
Mossoró tem uma população estimada de 291 mil habitantes e uma economia
baseada na produção salineira, fruticultura, extração petrolífera e um ampliado setor
terciário. Na última década, houve um crescimento exponencial do setor imobiliário nas
cidades médias, em razão da demanda por habitação, haja vista a pujança econômica das
mesmas. Ressalta-se que as cidades médias foram as que mais cresceram no Brasil nesta
última década, conforme pesquisa do IPEA (2008). O que caracteriza as cidades como
médias é, sobretudo, o número de habitantes. O IPEA considera como de porte médio
aqueles municípios com uma população situada na faixa de 100 mil a 500 mil habitantes.
No Brasil, houve, nos últimos anos, uma tendência de migração para as cidades médias,
em razão das mesmas apresentarem novas oportunidades econômicas e de trabalho, como
também uma boa estrutura de serviços e lazer, oferecendo qualidade de vida aos seus
habitantes. Na base do crescimento dos municípios médios está a realização, por parte do
Governo Federal, de enormes investimentos, especialmente, no Nordeste brasileiro.
Mossoró, neste cenário descrito, foi alavancada a um patamar de desenvolvimento
econômico com forte impacto positivo no setor imobiliário. Os investimentos na cidade
se deram, sobretudo, no seu bairro mais nobre, que é a Nova Betânia, onde foi construído
o primeiro shopping center do município, o Mossoró West Shopping. No mesmo bairro,
próximo ao shopping, foi instalada a Universidade Potiguar e inúmeros condomínios de
luxo, como o Alphaville e o Sun Ville. Outros empreendimentos na área, de grandes redes
varejistas como o Atacadão-Carrefour e o Hiper Bompreço (Wal-Mart), também foram
construídos. Concomitante a estes empreendimentos, foi se dando uma verticalização no
plano imobiliário. A construção de condomínios no município é em sua maioria, voltada
para a classe média.
Contudo, foi nesse cenário de crescimento econômico, que alguns problemas típicos
das grandes cidades começaram a surgir. Destes, destacamos os crescentes índices de
violência. Na verdade, as cidades cresceram com o desenvolvimento econômico, mas
mantiveram-se ainda sob uma forte desigualdade social. Essa desigualdade tem refletido
nos índices de violência da seguinte forma: em Mossoró, no ano de 2009 a taxa
homicídios foi de 42 para cada grupo de cem mil habitantes; em 2010, as taxas chegaram
48 por grupo de cem mil habitantes (Essa tem sido a referência utilizada
internacionalmente para parametrizar os homicídios). Em 2011, a cidade ostentava uma
taxa de 56 de homicídios por grupo de cem mil habitantes, chegando à taxa de 80 casos
por grupos de cem mil habitantes até o final de 2011.
Assim, diante da permanência das contradições sociais e de um Estado com
dificuldades de resolução dos conflitos, vê-se que os cidadãos procuram estabelecer
soluções, na maioria dos casos, de forma individual. No que tange ao problema da
violência e da segurança pública, as estratégias de proteção são encontradas, na classe
média, por meio da habitação dos condomínios privados. Com isso, busca-se a proteção
individual, criando verdadeiros “bairros” nestes condomínios, e reconfigurando o
conceito de cidade a partir de domínios particulares. A concepção dos condomínios é a
de não só estabelecer residências, mas também o de criar espaços de sociabilidade e lazer,
“substituindo”, gradativamente, os espaços públicos na cidade, como as praças, bosques
ou outros que, tradicionalmente, eram ocupados pela população e se construíam,
frequentemente, relações de sociabilidade através de encontros e atividades lúdicas e
práticas esportivas. Estes espaços mais tradicionais da cidade, pouco a pouco, são
abandonados e ficam desprotegidos, pois já não sendo mais áreas seguras as
sociabilidades, ali estabelecidas, são transferidas para áreas residenciais privadas.
Estas estratégias das classes médias podem ser apreendidas pela teoria da escolha
racional, desenvolvida por teóricos norte-americanos e, dentro das noções antropológicas
de hierarquia social, pois haveria um duplo sentido nessa ação: uma, do campo da escolha
racional, é aquela em que as escolhas individuais são racionais, mesmo que haja uma
perversa consequência social (Boudon, 1979), neste caso, da perda dos espaços
tradicionais de sociabilidade e lazer e de desresponsabilização do Estado. No segundo
sentido, numa perspectiva de hierarquia da vida social brasileira (Damatta, 1987;
Dumont, 1993) demonstra uma concepção de abandono da população mais desassistida
que não haveria como se proteger da violência. É possível apreender aí uma representação
por parte da classe média de que o problema da violência não é de todos, pois haveria,
dentro da perspectiva mais individualista, uma solução ao problema da violência que é o
de se refugiar nos espaços privados. Deste modo, a dimensão pública do Estado é afastada
e negada, na medida em que se buscam resoluções particulares, criando comunidades
diferenciadas do conjunto maior da população, que não teria condições econômicas de se
proteger da violência urbana.
2. Mossoró: da cidade espetáculo à reestruturação produtiva
A acentuada violência nas cidades causa medo na sociedade, que busca ‘’soluções’’
para esse enfrentamento numa ação de isolamento, o que provoca e desenvolve uma
segregação social na qual, inúmeras vezes, contribui ainda mais com a acentuação da
violência urbana. A aceleração do fenômeno da urbanização se desenvolve junto à questão
da violência. Esse fenômeno traz consigo o ‘’boom imobiliário’’, muito presente nas cidades
médias, caracterizado na construção de condomínios fechados a fim de conter o sentimento
de medo e insegurança da classe média, em relação aos riscos vinculados à criminalidade.
Um medo generalizado, ainda que matizado também toma conta de corações e mentes,
recondicionando hábitos de deslocamento e lazer, influenciando formas de moradia e habitat e
modelando alguns discursos padrão sobre a violência urbana. (Souza, 2008, p. 54).
Os condomínios desenvolvem um grande sistema de propaganda, pois é passada
através de meios de comunicação, que a cidade é violenta, perigosa, o que ocasiona um
sentimento de medo, tomando os condomínios como uma saída para a aflição social da
violência, já que com guaritas, vigilantes, cercas elétricas e câmeras, se passa uma sensação
de segurança, gerando fortes lucros aos empreendedores imobiliários.
Essa ação de deslocamento da população mais abastada para os espaços fechados
(condomínios) ocasiona um processo de segregação social, contribuindo para a fragmentação
espacial, que vai além do processo de segregação. Esta, por sua vez, se coloca como uma
solução artificial, se tornando mais uma fuga que um enfrentamento à violência, deixando
intactas as causas que a condicionam.
A opção que a classe média faz por aderir a lógica habitacional dos condomínios
fechados condiciona uma espécie de abandono dos espaços públicos (praças, parques), como
também ameaça o fortalecimento de valores de civilidade e solidariedade cidadã, na medida
em que restringe a vivência da cidade e o contato com o outro, reforçando preconceitos, na
linha da ignorância e do medo.
Esse notável abandono dos espaços públicos e a busca incessante por lugares mais
seguros e exclusivos, como os condomínios fechados, contribuem para além do problema da
violência urbana, pois provocam um processo de fragmentação espacial entre os grupos
sociais. Tal processo associa-se a uma questão individualista, no que concerne a busca por
uma saída, um enfrentamento aos problemas da violência, sem contribuir de fato com uma
solução verdadeira.
O medo urbano e social gera a sensação que os condomínios residenciais são, não só
lugares seguros, como espaços alternativos de sociabilidade. A ideia de segurança, contudo,
se fragiliza, quando se percebe a insegurança no entorno dos condomínios fechados. Da
segurança do condomínio, se tem uma falsa sensação, como é percebido na análise das falas
de um dos nossos entrevistados:
Essa percepção traduz uma forte desconfiança da população com o papel do Estado em
cumprir, constitucionalmente, a proteção da vida, do direito de ir e vir. Por outro lado, afeta,
consideravelmente, o modo de vida das pessoas e fortalece a separação entre aquelas classes
que passam a residir em enclaves fortificados e os menos abastados.
Conclusão
A pesquisa apontou, inicialmente, para uma tendência das cidades médias: crescimento
eivado de profundas contradições sociais e problemas urbanos crônicos, especialmente, da
violência, aproximando-se das grandes cidades brasileiras. Demonstra, nesse sentido, uma
fragilidade no planejamento. Crescimento desordenado que agudiza pobreza e gera
segregação. Caudatárias da estabilização da economia vêm os investimentos imobiliários que
servem como refúgio das classes médias ao problema da violência. No entanto, as estratégias
e soluções, buscadas pelos segmentos mais aquinhoados da sociedade, demonstram
insuficiência e são segregadoras, como vimos, nas falas apresentadas. A solução é
fragmentada e individualizada, desresponsabilizando o Estado na dimensão da segurança,
distanciando-se de respostas estruturais.
Bibliografia
DAVIS, Mike. (1993), Cidade de Quartzo: escavando o futuro em Los Angeles. Scritta
Editorial: São Paulo.
DAMATTA, Roberto. (1987), A casa & a Rua, Rio de Janeiro: Editora Guanabara.
GIRARD, René. (2008), A violência e o Sagrado. 3ª. Ed. São Paulo: Paz e Terra.