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A polis circense e um grito de dor: crescimento e violência no “PAÍS DE

MOSSORÓ”

Francisco Vanderlei de Lima

Introdução

O presente trabalho consiste numa pesquisa sobre a percepção da população de


Mossoró acerca do enfrentamento e busca de soluções para o problema da violência
urbana diante do crescimento das cidades médias, em que se intensificam os problemas
típicos das grandes cidades brasileiras. No crescimento dos municípios médios também
ocorreu um investimento nos mercados imobiliários com a construção dos chamados
condomínios fechados. A classe média destas cidades tem assumido a vida nos
condomínios privados como alternativa para o problema de segurança pública, já que nas
casas, como residências, há uma maior vulnerabilidade à violência decorrente dos assaltos
e furtos. No entanto, as estratégias adotadas por estratos sociais mais abastados, no
sentido da busca de proteção por meio das residências condominiais privadas, levam a
crescente desresponsabilização do Estado, pois o comportamento da classe média, se
caracterizando fortemente como individualista, prescinde, em suas estratégias de proteção
social, de soluções coletivas. Com isso tem-se o abandono dos espaços públicos,
tornando-se perigosos, já que o mundo protegido é o mundo dos condomínios. A base
teórica que presidiu este trabalho de investigação foi a teoria da escolha racional, onde
apreendemos as ações sociais a partir das estratégias racionais, usadas pelos indivíduos,
para a obtenção de vantagens na ação, e a noção de hierarquia, largamente discutida na
antropologia com as teorias que procuram discutir os modos de vida nas zonas urbanas.
O problema da violência urbana constitui um dos grandes desafios contemporâneos
de análise no campo das ciências sociais no Brasil atual. A temática tem uma relação entre
ocupação populacional em condomínios privados, como estratégia individual da classe
média para se proteger da violência urbana, e o abandono e desproteção dos espaços
públicos destas cidades como praças, bosques, etc. Isso criaria uma lógica urbana baseada
em verdadeiras “cidades” dentro de outra, já que os condomínios substituiriam,
gradativamente, os convencionais espaços públicos de sociabilidade, acima mencionados.
Os estudos recentes sobre a violência urbana têm mostrado um crescente aumento desse
fenômeno nas cidades médias. (Waiselfsz, J. J, 2010), coincidindo com um forte processo
de urbanização que as caracteriza nesse contexto.

1. A violência vai de encontro à cidade

Mossoró tem uma população estimada de 291 mil habitantes e uma economia
baseada na produção salineira, fruticultura, extração petrolífera e um ampliado setor
terciário. Na última década, houve um crescimento exponencial do setor imobiliário nas
cidades médias, em razão da demanda por habitação, haja vista a pujança econômica das
mesmas. Ressalta-se que as cidades médias foram as que mais cresceram no Brasil nesta
última década, conforme pesquisa do IPEA (2008). O que caracteriza as cidades como
médias é, sobretudo, o número de habitantes. O IPEA considera como de porte médio
aqueles municípios com uma população situada na faixa de 100 mil a 500 mil habitantes.
No Brasil, houve, nos últimos anos, uma tendência de migração para as cidades médias,
em razão das mesmas apresentarem novas oportunidades econômicas e de trabalho, como
também uma boa estrutura de serviços e lazer, oferecendo qualidade de vida aos seus
habitantes. Na base do crescimento dos municípios médios está a realização, por parte do
Governo Federal, de enormes investimentos, especialmente, no Nordeste brasileiro.
Mossoró, neste cenário descrito, foi alavancada a um patamar de desenvolvimento
econômico com forte impacto positivo no setor imobiliário. Os investimentos na cidade
se deram, sobretudo, no seu bairro mais nobre, que é a Nova Betânia, onde foi construído
o primeiro shopping center do município, o Mossoró West Shopping. No mesmo bairro,
próximo ao shopping, foi instalada a Universidade Potiguar e inúmeros condomínios de
luxo, como o Alphaville e o Sun Ville. Outros empreendimentos na área, de grandes redes
varejistas como o Atacadão-Carrefour e o Hiper Bompreço (Wal-Mart), também foram
construídos. Concomitante a estes empreendimentos, foi se dando uma verticalização no
plano imobiliário. A construção de condomínios no município é em sua maioria, voltada
para a classe média.
Contudo, foi nesse cenário de crescimento econômico, que alguns problemas típicos
das grandes cidades começaram a surgir. Destes, destacamos os crescentes índices de
violência. Na verdade, as cidades cresceram com o desenvolvimento econômico, mas
mantiveram-se ainda sob uma forte desigualdade social. Essa desigualdade tem refletido
nos índices de violência da seguinte forma: em Mossoró, no ano de 2009 a taxa
homicídios foi de 42 para cada grupo de cem mil habitantes; em 2010, as taxas chegaram
48 por grupo de cem mil habitantes (Essa tem sido a referência utilizada
internacionalmente para parametrizar os homicídios). Em 2011, a cidade ostentava uma
taxa de 56 de homicídios por grupo de cem mil habitantes, chegando à taxa de 80 casos
por grupos de cem mil habitantes até o final de 2011.
Assim, diante da permanência das contradições sociais e de um Estado com
dificuldades de resolução dos conflitos, vê-se que os cidadãos procuram estabelecer
soluções, na maioria dos casos, de forma individual. No que tange ao problema da
violência e da segurança pública, as estratégias de proteção são encontradas, na classe
média, por meio da habitação dos condomínios privados. Com isso, busca-se a proteção
individual, criando verdadeiros “bairros” nestes condomínios, e reconfigurando o
conceito de cidade a partir de domínios particulares. A concepção dos condomínios é a
de não só estabelecer residências, mas também o de criar espaços de sociabilidade e lazer,
“substituindo”, gradativamente, os espaços públicos na cidade, como as praças, bosques
ou outros que, tradicionalmente, eram ocupados pela população e se construíam,
frequentemente, relações de sociabilidade através de encontros e atividades lúdicas e
práticas esportivas. Estes espaços mais tradicionais da cidade, pouco a pouco, são
abandonados e ficam desprotegidos, pois já não sendo mais áreas seguras as
sociabilidades, ali estabelecidas, são transferidas para áreas residenciais privadas.
Estas estratégias das classes médias podem ser apreendidas pela teoria da escolha
racional, desenvolvida por teóricos norte-americanos e, dentro das noções antropológicas
de hierarquia social, pois haveria um duplo sentido nessa ação: uma, do campo da escolha
racional, é aquela em que as escolhas individuais são racionais, mesmo que haja uma
perversa consequência social (Boudon, 1979), neste caso, da perda dos espaços
tradicionais de sociabilidade e lazer e de desresponsabilização do Estado. No segundo
sentido, numa perspectiva de hierarquia da vida social brasileira (Damatta, 1987;
Dumont, 1993) demonstra uma concepção de abandono da população mais desassistida
que não haveria como se proteger da violência. É possível apreender aí uma representação
por parte da classe média de que o problema da violência não é de todos, pois haveria,
dentro da perspectiva mais individualista, uma solução ao problema da violência que é o
de se refugiar nos espaços privados. Deste modo, a dimensão pública do Estado é afastada
e negada, na medida em que se buscam resoluções particulares, criando comunidades
diferenciadas do conjunto maior da população, que não teria condições econômicas de se
proteger da violência urbana.
2. Mossoró: da cidade espetáculo à reestruturação produtiva

As cidades fascinam e amedrontam. Elas espreitam nossos pesadelos, não raro


lançamos sobre elas as nossas melhores esperanças. No que diz respeito à análise social
não é diferente. A fascinação exercida pela vida metropolitana foi um dos determinantes
para o surgimento das ciências sociais; são muitas as dificuldades em seguirmos o
conselho de Georg Simmel de que, diante das "correntes de vida", destravadas pela cidade
moderna, "não nos cabe acusar ou perdoar, senão compreender" (Simmel, 1979).
Compreender esse sítio que é, segundo Simmel, a "sede da economia monetária" tem sido
um desafio assumido por gerações de cientistas sociais.
As cidades, diante de um ambiente globalizado, acirram a concorrência, buscando
estratégias de desenvolvimento econômico. Uma nova estratégia de gestão - city
marketing - produz uma apresentação da cidade a partir de marketing e convencimento,
com o fim de atrair investimentos e turistas. Sanchez (2004), ao estudar Curitiba, afirma
que a city marketing é o mecanismo institucional de promoção e venda da cidade. Sua
análise considera a relação de competição entre os municípios, onde os seus gestores
procuram colocá-los no mapa do mundo, tornando-os competitivos em escala mundial.
Assim, expressões de gerenciamento, antes restritas ao setor privado, como “orientação
para demanda”, “atrativos da oferta urbana”, “posicionamento competitivo”, “produção
de imagem” e “planejamento estratégico” aparecem na agenda pública. Souza (2004)
observa um outro lado destas políticas, assentadas num marketing da cidade: o
escamoteamento das mazelas do lugar.
É nesse contexto que situamos Mossoró, como segundo município do Rio Grande
do Norte, e com uma população estimada de 291 mil habitantes e uma economia baseada
na industrialização e exportação do sal, na extração petrolífera e na fruticultura tropical
de exportação pode ser, portanto, considerada de porte médio. Está localizado,
respectivamente, a 270 e 260 quilômetros de Natal e de Fortaleza. Nossa análise sobre as
mudanças políticas e urbanas, nesta cidade, na última década, são relevantes para o
entendimento de um cenário de crescimento e desenvolvimento local, mas também de um
aumento da violência.
Cidade marcada por um forte simbolismo, um passeio em Mossoró nos oferece
bons exemplos de uma característica iconográfica daquela que é o principal município do
Oeste do Rio Grande do Norte. O que nos chama a atenção, no entanto, é a vinculação
dessa simbologia ao político. Até mesmo os símbolos e mitos que enaltecem o lugar são,
de alguma maneira, legitimadores de grupos políticos locais.
A cultura traduz as produções simbólicas e materiais de uma dada sociedade; nela
também se formam os elementos de dominação e de poder. Em Mossoró, as construções
arquitetônicas, os monumentos, os nomes de ruas, de bairros, as celebrações e as festas
cívicas demonstram estratégias simbólicas usadas pelos grupos dominantes para a sua
permanência no poder.
A história de Mossoró é definida por ciclos econômicos comerciais, com as fases
de empório, da segunda metade do século XIX às primeiras décadas do XX, e algodoeira.
Na primeira fase do empório comercial, os comerciantes estrangeiros constituíam o
principal segmento local. Já na segunda fase do empório, somam-se aos estrangeiros um
conjunto de profissionais liberais – destacando o médico Almeida Castro e o farmacêutico
Jerônimo Rosado - que compunham o segmento da elite política local. Os Fernandes, na
década 20 e 30, com sua força econômica vinculada ao plantio do algodão foram
dominantes em Mossoró.
A ascensão do mais longo grupo dominante mossoroense, os Rosados, na política
institucional, deu-se, sobretudo, quando Jerônimo Dix-sept Rosado Maia, décimo sétimo
filho do farmacêutico Jerônimo Rosado, foi eleito prefeito de Mossoró e governador do
Rio Grande do Norte, na década de 50. No seu mandato como governador, morre num
acidente aéreo e, a partir daí, toda uma mitificação em torno do seu nome e da família
passou a ser incorporada ao imaginário local.
As festas cívicas e celebrações são ricas em apontar a bravura e o pioneirismo dos
grupos dominantes locais. Mossoró foi transformada em pátria: “país de Mossoró”,
expressão de um intelectual, Vingt-Un Rosado, vigésimo primeiro filho de Jerônimo
Rosado. Quando lhe perguntamos, por que “país de Mossoró”? Ele nos afirmou:

(...) numa cidade em que as mulheres se insurgem contra a ordem


de alistamento de seus maridos para a Guerra do Paraguai, num
protesto conhecido como Motim das Mulheres; em que o povo
resistiu bravamente contra o bando de Lampião; libertam seus
escravos, pioneiramente, então, esta não é uma cidade, mas um
país. Por isso, “país de Mossoró”. (Entrevista concedida por
Vingt-un Rosado em novembro de 2004)
Os mitos, emblemas e monumentos fazem parte de um arcabouço cultural sempre
recorrente nas festas promovidas pelo poder público local. Na segunda metade da década
de 90, quando Rosalba Ciarlini – membro da família Rosado - exercia o seu segundo
mandato, os investimentos em festas-espetáculos assumiram uma dimensão muito maior
do que simplesmente celebrações alusivas ao pioneirismo dos mossoroenses: tornaram-
se mega-espetáculos, estratégias de gestão e de marketing político. Foram criados eventos
de grande envergadura como Mossoró Cidade Junina, realizada em todo o mês de junho,
numa tentativa de aproximar Mossoró do circuito de turismo de eventos, no Nordeste, já
tendo Campina Grande e Caruaru como referências; o Auto da Liberdade, em que se
comemora, no dia 30 de setembro, a libertação dos escravos em Mossoró. Esta festa
deixou de ser apenas uma celebração cívica e tornou-se o grande espetáculo da cidade.
Nela, alude-se aos grandes feitos de um povo bravo, corajoso e “civilizador”. A sua
dimensão requer enormes investimentos. São contratados diretores de renome nacional
com um elenco trazido de outros estados e com artistas locais transformados em
figurantes, interpretando, num gigantesco palco, as bravuras dos pioneiros mossoroenses,
tão decantadas pelos Rosados.
Os laços informais, como relações clientelistas e o empreguismo, foram basilares à
manutenção dos Rosados. Contudo, foi, principalmente no campo simbólico, que esta
família encontrou sua vocação para o poder, seja na atuação de um intelectual da família,
como o professor e agrônomo Vingt-un Rosado, com a publicação de obras locais através
da Coleção Mossoroense, seja numa insistente recorrência a personagens e fatos do
passado, apresentados nos grandes eventos promovidos na cidade.
Todavia, como no romance de Lampedusa, “O Leopardo”, em que o Príncipe de
Salinas, personagem principal do romance, pressentia a sua decadência, as oligarquias re-
encenam o ato e entram no palco com novos arranjos políticos num contexto institucional
marcado por inúmeras mudanças sociais.
A análise das estruturas de poder político em mudanças institucionais num contexto
de modernização, resultado do processo de transformações econômicas e seus reflexos no
aumento dos índices de violência, é o cerne deste trabalho. Procuramos realizar esta
análise a partir de cenário de reestruturação urbana com gestões que privilegiam as
chamadas políticas de marketing do lugar. Nessa direção, o texto busca também estudar
o comportamento de governo oligárquicos diante da confiança ativa, aquela conquistada
e cotidianamente alimentada, que seria, cada vez mais, a base dos relacionamentos entre
indivíduos e instituições nas sociedades pós-tradicionais (Giddens, 2001). Isto pode ser
demonstrado no que denominamos de “reinvenção”, mais como adequação do que
transformação, do poder político dos Rosados em Mossoró, bem como a sua reinserção
num contexto neoliberal e globalizado.
A relação entre os grupos de poder e a reconfiguração do lugar se dá a partir das
gestões baseadas em “festas” como atividades econômicas e estratégias (institucionais ou
simbólicas) de permanência no poder, tendo como aporte a espetacularização permanente
do político. Os elementos de uma cultura política tradicional são articulados à ordem
moderna, reiterando o poder de grupos políticos locais que constroem uma teia de
relações incorporadoras de discursos modernizantes. Souza (2004) afirma que a
administração pública baseada num planejamento forte era um modelo típico do
fordismo. O enfraquecimento do planejamento vem acompanhado pela popularização do
termo gestão (denominado, nos países de língua inglesa, de management). Para Souza:

(...) o hiperprivilegiamento da idéia de gestão em detrimento de


um planejamento consistente representa o triunfo do imediatismo
e da miopia dos ideólogos ultraconservadores do ‘mercado livre’.
Em outras palavras, ele representa a substituição de um
‘planejamento forte’, típico da era fordista, por um ‘planejamento
fraco’ (muita gestão e pouco planejamento), o que combina bem
com a era do pós-fordismo, da desregulamentação e do ‘Estado
mínimo’ ‘Post-Fordist City Politics’ é, aliás, o sugestivo título de
um trabalho sobre as novas condições do planejamento (Souza,
p. 31, 2004).

Todavia, as mudanças de gestão pública não significaram rupturas com velhas


estruturas políticas, mas adequação a um contexto globalizado que exige uma nova
racionalidade na gestão de políticas governamentais.

A proposta inicial de investigação era sobre a cooperação entre atores públicos e


privados na gestão local de serviços públicos no Brasil. Nesse objetivo, estava implícita
a busca por uma apreensão - alicerçada em uma pesquisa localmente ancorada (o poder
local em Mossoró) – de um instrumental para a análise e a intervenção social e política
no mundo urbano brasileiro a partir de conceitos como os de governance, capital social,
liderança institucional e mobilização de recursos. Nesse esteio que podemos ver uma
nova orientação administrativa que redesenha o urbano, mantendo velhas relações de
poder e aprofundando as contradições sociais numa sociedade marcada pela
destradicionalização ou por uma reflexividade que impõe aos atores novos dilemas e
desafios. Assim, compreendendo os limites republicanos de um poder público marcado
pelo mando oligárquico, iniciamos uma leitura da inserção de Mossoró num cenário de
modernização do Estado. Daí, depreendemos uma especificidade dos últimos governos
mossoroenses: a reinvenção da cidade através de estratégias de marketing (SÁNCHEZ,
2003) e a transformação de festas cívicas em mega-espetáculos, inserindo Mossoró no
circuito nacional de turismo através do turismo de eventos.

As festas assumiram um novo significado e o elemento simbólico presente no


mando dos Rosados foram incorporados, agora, a uma roupagem moderna destes eventos.
A análise do trabalho revelou um mando político e seu aggiornamento, através da
inserção de Mossoró num amplo quadro de reestruturação urbana, com uma incapacidade
de enfrentamento da violência urbana.

3. Crescimento, medo e violência em Mossoró

O crescente e acelerado desenvolvimento urbano nas chamadas Cidades Médias


acarreta uma série de questões nos quesitos da violência urbana e do medo, estando mais
fortemente ligado à moradia em residenciais fechados. A discussão em torno da formação de
enclaves fortificados e segregação social tomava, na evolução urbanística brasileira, os
grandes centros urbanos, que cresceram vertiginosamente e concentrava a maior parte da
população do país. Esse debate vem se deslocando para o estudo das chamadas cidades
médias, na medida em que estas, nas duas últimas décadas, foram que mais cresceram, na
esteira da estabilização da economia.
O tamanho demográfico tem sido o critério mais aplicado para identificar as cidades
médias, que podem ser consideradas aquelas cidades com tamanho populacional entre 100
mil até 500 mil habitantes (IPEA, 2009). Essas cidades médias ganham importância como
centros econômicos.
A importância das cidades médias reside no fato de que elas possuem uma dinâmica
econômica e demográfica própria, permitindo atender às expectativas de empreendedores e
cidadãos, manifestadas na qualidade de equipamentos urbanos e na prestação de serviços
públicos, evitando as deseconomias das grandes cidades e metrópoles. Dessa forma, as cidades
médias se revelam como locais privilegiados pela oferta de serviços qualificados e bem-estar que
oferecem.
Decorrente a esse processo de urbanização e expansão das cidades emerge, com grande
pressão, a violência urbana. Entende-se, aqui, que a violência urbana, no Brasil, está atrelada
a uma noção hierárquica e de poder, individualismo e um processo de segregação social,
associados a vários tipos de conflitos sociais e individuais.
A ideia de hierarquia e de dominação aparecem no cotidiano da sociedade como fator
promocional da desigualdade social, e consequentemente, da violência urbana, que acarretam
uma relação entre valores hierarquizantes e individualistas. Além desse fator da desigualdade
social, a violência é gerada também por um esvaziamento dos conteúdos culturais no sistema
de relações sociais e valor éticos. “[...] a pobreza tomada isoladamente não explica a perda de
referenciais éticos que sustentam as interações entre grupos e indivíduos. Isto fica mais evidente
nas grandes cidades, devido à exacerbação da iniquidade social gerada pelo contraste agudo dos
modos de vida. ” (Velho, 1994, p.16).
Nas entrevistas realizadas a esta pesquisa, com pessoas que residem em condomínios
fechados, os entrevistados apontam que ‘’[...] a questão da violência está toda embasada nesta
questão de exclusão social e na questão da desigualdade. E nos apelos midiáticos para o consumo
que sofremos diariamente. ’’ (Morador de condomínio fechado em Mossoró - Entrevistado).

A acentuada violência nas cidades causa medo na sociedade, que busca ‘’soluções’’
para esse enfrentamento numa ação de isolamento, o que provoca e desenvolve uma
segregação social na qual, inúmeras vezes, contribui ainda mais com a acentuação da
violência urbana. A aceleração do fenômeno da urbanização se desenvolve junto à questão
da violência. Esse fenômeno traz consigo o ‘’boom imobiliário’’, muito presente nas cidades
médias, caracterizado na construção de condomínios fechados a fim de conter o sentimento
de medo e insegurança da classe média, em relação aos riscos vinculados à criminalidade.
Um medo generalizado, ainda que matizado também toma conta de corações e mentes,
recondicionando hábitos de deslocamento e lazer, influenciando formas de moradia e habitat e
modelando alguns discursos padrão sobre a violência urbana. (Souza, 2008, p. 54).
Os condomínios desenvolvem um grande sistema de propaganda, pois é passada
através de meios de comunicação, que a cidade é violenta, perigosa, o que ocasiona um
sentimento de medo, tomando os condomínios como uma saída para a aflição social da
violência, já que com guaritas, vigilantes, cercas elétricas e câmeras, se passa uma sensação
de segurança, gerando fortes lucros aos empreendedores imobiliários.
Essa ação de deslocamento da população mais abastada para os espaços fechados
(condomínios) ocasiona um processo de segregação social, contribuindo para a fragmentação
espacial, que vai além do processo de segregação. Esta, por sua vez, se coloca como uma
solução artificial, se tornando mais uma fuga que um enfrentamento à violência, deixando
intactas as causas que a condicionam.
A opção que a classe média faz por aderir a lógica habitacional dos condomínios
fechados condiciona uma espécie de abandono dos espaços públicos (praças, parques), como
também ameaça o fortalecimento de valores de civilidade e solidariedade cidadã, na medida
em que restringe a vivência da cidade e o contato com o outro, reforçando preconceitos, na
linha da ignorância e do medo.

[...] os ‘’condomínios exclusivos’’ [...] colaboram para deteriorar a


qualidade de vida, a civilidade e as condições de exercício da própria
cidadania na cidade, sob determinados aspectos. Sob o efeito do
marketing imobiliário, da debilidade do debate político de uma
burguesia cada vez mais americanizada. (Souza, 2008, p. 73).

Esse notável abandono dos espaços públicos e a busca incessante por lugares mais
seguros e exclusivos, como os condomínios fechados, contribuem para além do problema da
violência urbana, pois provocam um processo de fragmentação espacial entre os grupos
sociais. Tal processo associa-se a uma questão individualista, no que concerne a busca por
uma saída, um enfrentamento aos problemas da violência, sem contribuir de fato com uma
solução verdadeira.
O medo urbano e social gera a sensação que os condomínios residenciais são, não só
lugares seguros, como espaços alternativos de sociabilidade. A ideia de segurança, contudo,
se fragiliza, quando se percebe a insegurança no entorno dos condomínios fechados. Da
segurança do condomínio, se tem uma falsa sensação, como é percebido na análise das falas
de um dos nossos entrevistados:

‘’[...] O condomínio, em si [...] claro que você leva em consideração a


localização, a questão de segurança também... falsa segurança,
sensação de falsa segurança; ninguém está seguro não. ’’ (Morador de
condomínio – Bairro Nova Betânia).

A sensação de medo e insegurança que se tem nas cidades, em particular na cidade de


Mossoró, é provocada, em alguma medida, pela estigmatização da violência, que se configura
muito intensa nesses espaços.
Dessa forma, o aumento da violência urbana traduz um sentimento de “medo da
cidade”, levando as classes médias e altas a um isolamento sob os muros de seus condomínios
residenciais, e, por conseguinte, numa segregação na cidade (Caldeira, 2000).
Por outro lado, o Estado, como instituição responsável pela garantia do bem-estar e
proteção da sociedade e do cidadão, no quesito segurança pública, tem-se mostrado
negligente, na percepção da população.
A ausência de intervenção do poder público no Rio Grande do Norte, no que refere aos
problemas de segurança pública perpassa no cotidiano das pessoas que seguem amedrontadas
com a violência na cidade de Mossoró e sua falta de segurança, levando-as à preferência pelos
enclaves fortificados.
Baseado em falas de entrevistados, que se segue, observa-se muitas pessoas sentindo-
se urgente um Estado forte, não raro autoritário e violente, mas também com uma percepção
de que a carência de setores da sociedade brasileira, excluídos socialmente, trazem problemas
sociais relevantes. Desse modo, apontam os déficits nesse aspecto social e comentam sobre
o sistema capitalista e suas características de exclusão social:

[...] No Brasil, quem é o responsável pela segurança pública é o Estado.


[...] Esta violência só vai diminuir quando as demandas das populações
mais carentes forem atendidas nos itens necessários como educação,
saúde, acesso a uma vida mais digna, moradia, transporte. Enquanto a
gente tiver esse sistema que exclui parte das pessoas, tanto faz o
combate à violência ser a nível municipal, estadual ou da união, que
esses índices vão continuar aumentando. (Morador de residencial
fechado – Bairro Nova Betânia).

Em relação a segurança pública na cidade de Mossoró, boa parte dos entrevistados se


queixam do descaso que há, da falta de policiamento, dos diversos relatos de violência e
principalmente da falta de investimentos e atenção do Governo para com esse problema em
questão.
Mossoró é uma cidade que precisa de muitos cuidados, e esses cuidados
deverão partir primeiro dos poderes públicos, para que o cidadão se
sinta comprometido também. [...] Mossoró é perigosa justamente pela
falta de segurança, de comprometimento do Governo. (Morador de
residencial fechado – Bairro Nova Betânia).

Essa percepção traduz uma forte desconfiança da população com o papel do Estado em
cumprir, constitucionalmente, a proteção da vida, do direito de ir e vir. Por outro lado, afeta,
consideravelmente, o modo de vida das pessoas e fortalece a separação entre aquelas classes
que passam a residir em enclaves fortificados e os menos abastados.

Conclusão

A pesquisa apontou, inicialmente, para uma tendência das cidades médias: crescimento
eivado de profundas contradições sociais e problemas urbanos crônicos, especialmente, da
violência, aproximando-se das grandes cidades brasileiras. Demonstra, nesse sentido, uma
fragilidade no planejamento. Crescimento desordenado que agudiza pobreza e gera
segregação. Caudatárias da estabilização da economia vêm os investimentos imobiliários que
servem como refúgio das classes médias ao problema da violência. No entanto, as estratégias
e soluções, buscadas pelos segmentos mais aquinhoados da sociedade, demonstram
insuficiência e são segregadoras, como vimos, nas falas apresentadas. A solução é
fragmentada e individualizada, desresponsabilizando o Estado na dimensão da segurança,
distanciando-se de respostas estruturais.

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