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ORDEM DOS ADVOGADOS DE CABO-VERDE

JURI DE AVALIAÇÃO
EXAME DE AFERIÇÃO PARA ADVOGADOS ESTAGIÁRIOS
ÉPOCA 2017
PROVA ESCRITA
Duração: 2 horas e 30 minutos

I
Resolva o seguinte caso prático, mediante recurso ao Estatuto da Ordem dos
Advogados de Cabo Verde e demais legislações que considere relevantes. (12
valores)

José é advogado há mais de vinte anos. Exerce em simultâneo e, desde há três anos, a
Presidência da Câmara do Tarrafal de S. Nicolau, uma pacata cidade onde todos o
conhecem e o respeitam por entenderem que ele é um homem conhecedor das leis e da
vida. Exercem advocacia na mesma comarca, três outros advogados, que conhecendo a
situação profissional de José, não têm por este particular apreço, tanto mais que os
habitantes da cidade acorrem, maioritariamente a ele, para defesa dos seus interesses.
Sabe-se por lá, que José cobra honorários acima daqueles que são praticados na
comarca e, não raras vezes, fixa o valor dos honorários em percentagens sobre o valor
que o cliente vier a receber efetivamente e em outras ocasiões, faz depender o recebimento
dos honorários do efetivo ganho da causa, situação esta muito apreciada pelos moradores
da cidade, uma vez que sabem, a priori que, se nada receberem, também nada têm a pagar.
De outras vezes, quando percebe que as pessoas são pouco endinheiradas, acorda
previamente em comprar/arrendar ou de algum modo obter para si algum benefício
económico, sempre com o propósito de, segundo afirma a quem o quer ouvir, ajudar os
mais indefesos no acesso à justiça e ao direito.
Na cidade ficou aliás conhecida a história de um pobre lavrador que aceitou,
previamente a propositura da ação, que se José tivesse ganho de causa, constituiria a favor
deste usufruto vitalício sobre o imóvel objeto da causa. O pobre lavrador desconhecia,
com efeito, quais os contornos e consequências desta figura jurídica; O José também
entendeu que não tinha qualquer razão para explicar ao lavrador o conceito do usufruto,
tanto mais que o problema que lhe era colocado pelo cliente, para resolução, tinha outros
contornos, tendo estes sido devidamente explicados ao lavrador. Após obter ganho de
causa, e já no notário, compreendeu o lavrador os contornos e consequências daquele
usufruto e, sabendo que José tinha 45 anos e ele 75 anos, não previu nada de bom…
Deste modo, decidiu recorrer a um dos advogados da comarca, o António, a quem já
tinha ouvido, por diversas vezes, em cafés e inclusivamente à porta da igreja, comentar
com outras pessoas, o carácter desonesto de José.
António analisou a situação e manifestou veementemente a impossibilidade de fazer o
que quer que fosse relativamente ao caso em apreço. Mais aproveitou para dizer ao
lavrador, que não valia a pena sequer ouvir a opinião de outro advogado, porque se havia
advogado competente naquela comarca, ele era seguramente um deles. Aproveitou para
dizer que era o único que ganhava todas as causas, mesmo aquelas em que a parte
contrária era representada por José.
A verdade é que o lavrador saiu muito baralhado daquele escritório do advogado
António, uma vez que sabia que José patrocinara a ação em que ele, lavrador, ganhara e
por isso, era necessariamente mentira que o advogado António ganhasse todas as ações
em que intervinha.
Conta-se também que José comparece sempre nos julgamentos sem toga e ameaça as
testemunhas, chegando mesmo a chamar-lhes mentirosas se elas não confirmam, ipsis
verbis, tudo quanto lhes disse para deporem, na preparação que sempre faz, ao mínimo
detalhe das suas testemunhas.
As testemunhas da parte contrária não são poupadas. Grita-lhes e, não raras vezes,
ofende-as.
Interrompe sucessivamente as inquirições de testemunhas, a pretexto da junção de
documentos. Há poucos dias, porém, no decurso da audiência de discussão e julgamento,
o juiz, cansado da sua impertinência, mandou-o calar-se, dizendo que não lhe dava a
palavra para lavrar o requerimento. Contra todas as expectativas, uma vez que é
conhecido o carácter colérico de José, este calou-se. Mais tarde, quando fazia as alegações
de recurso de apelação da sentença que veio a ser proferida naqueles invocou o artigo
171.º do EOACV, para arguir a nulidade da falta de autorização para junção de um
documento, que era imprescindível para a prova dos factos alegados pelo seu cliente.

II

Formule uma participação disciplinar contra o José, com base nos deveres que
identificou. (3 valores)

III
Comente os seguintes textos, fundamentando com as normais e princípios deontológicos
pertinentes e demais legislações que considere relevantes:

“Antónia, advogada, convida a sua amiga Berta, licenciada em Direito, para


constituírem uma sociedade por quotas, cujo objecto social será Consultoria
Jurídica e prática da advocacia, e com a denominação ‘Antónia & Berta – Sociedade
de Advogados, Lda.” (2 valores)

“Ser como se deve ser, e parecer como se é, é a chave da questão ética e deontológica.”
(2 valor)

“José, advogado, nos julgamentos, alega sempre sentado e fala durante, pelo menos,
duas horas consecutivas.” (0,5 valor)

“Bernardo é conhecido como o advogado que aceita todas as causas, ainda que não
tenham, segundo os outros mandatários, qualquer fundamento legal.” (0,5 valor)

Boa sorte!

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