Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo
Palavras-chave
Introdução
1
Trabalho apresentado no GP Cinema, XVI Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do
XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
2
Mestranda do PPG em Imagem e Som da UFSCar, e-mail: debora.tano@gmail.com
1
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016
Estados Unidos - por uma série de adaptações para se adequar às novas tecnologias
disponíveis.
Além das adaptações tecnológicas, com o passar dos anos ficou notória a
impossibilidade do grande público do mundo todo acompanhar o que era dito nos filmes
norte-americanos, uma vez que neles o idioma falado era o inglês. Cada país ou região teve
a sua própria forma de se adaptar aos filmes falados em idiomas diferentes do seu. O
presente artigo busca, a partir de uma revisão bibliográfica, traçar a chegada dos
“sincronizados” ao Brasil e quais foram as dificuldades técnicas desta adaptação e
posteriores atitudes tomadas para a compreensão das falas por parte do público. Juntamente
com este caminho, pretende-se encontrar os motivos pelos quais a legendagem foi o padrão
de tradução a tornar-se predominante no país e quais os fatores envolvidos nesta opção.
A Chegada
2
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016
Justamente por ter como objetivo entreter, o filme musical não era visto como uma
expressão de arte e, portanto, considerado algo menor (COSTA, 2008).
Entretanto, com o passar do tempo, as opiniões se dividiram. A partir do momento
em que os filmes compostos principalmente por diálogos começaram a chegar às salas, a
crítica acreditava que em pouco tempo o público desistiria de um espetáculo no qual não
entendia o que era dito. Em paralelo com este pensamento, os críticos de Cinearte, como
Adhemar Gonzaga e Pedro Lima, se colocaram-se otimistas, uma vez que a partir do
momento em que o Brasil começasse a produzir seus próprios filmes falados, eles
ganhariam espaço no mercado, já que a questão da língua e do entendimento não seria um
problema. Este otimismo com relação à possibilidade do crescimento do cinema nacional
não foi exclusividade do Brasil. Diversos países enxergaram neste momento uma brecha
para o crescimento de suas cinematografias a partir de repertórios tipicamente nacionais.
Apesar da crítica intensa, o mercado mostrava um cenário oposto. Cada vez mais o
público se interessava pela novidade de poder ver e ouvir seus atores favoritos nas telas e
ter uma nova forma de experiência cinematográfica. Os distribuidores e exibidores, por sua
vez, investiram o possível para levar ao público o que havia de novidade. Os donos das
grandes salas, ao comprarem os equipamentos de reprodução sonora e amplificação,
deixavam as caixas em exposição em seus saguões para aumentar a curiosidade do público,
assim como publicavam fotos nos jornais anunciando a instalação em breve, como foi o
caso do Palácio Theatro, no Rio de Janeiro (FREIRE, 2012a).
A chegada do sonoro no país trouxe consigo diversas questões que entre 1929 e
meados da década de 1930 foram sendo desenvolvidas. Uma vez que o mercado
cinematográfico brasileiro era dominado pelo cinema de Hollywood, o filme falado chegou
como algo a ser incorporado. Cada setor envolvido na circulação cinematográfica, seja
distribuidores, exibidores, público ou crítica, passaram por mudanças de acordo com as suas
necessidades. O período foi de intensa adaptação, tanto em relação aos filmes quanto às
salas, que foram aos poucos recebendo as novidades.
3
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016
4
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016
Após o período de adaptação das salas que criou, em meados da década de 30, um
mercado capaz de exibir os filmes sincronizados em som ótico não apenas nas grandes
cidades do país, a questão do idioma tomou espaço. A partir do momento em que os filmes
eram totalmente falados e as salas já tinham condições de exibí-los, como o público
brasileiro entenderia o texto de filmes estrangeiros?
A Adaptação ao Idioma
Durante os primeiros anos de sua existência o cinema sonoro conviveu com diversos
tipos de exibições pelo Brasil. Em muitas salas, até que a adaptação dos equipamentos fosse
completa, os espetáculos de palco ou música acompanhavam as sessões de filmes
silenciosos, assim como era feito durante a década de 1920. Além das práticas já
5
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016
conhecidas até então, era comum a reexibição de filmes silenciosos de sucesso agora em
versão sonorizada - no geral, por acompanhamento musical gravado - e nas salas que ainda
não possuíam equipamentos de sincronização, ocorria a exibição de filmes originalmente
sonoros, sem o som. Já as demais salas, que haviam instalado pelo menos um dos sistemas
sonoros, inicialmente realizam sessões compostas por filmes silenciosos antecedidos por
complementos sincronizados que serviam de chamativo para o público conhecer a novidade
e aos poucos começaram a passar os filmes completamente sincronizados, os chamados all
talkies (VALENCISE, 2012).
Esta adaptação gradual ao som ocorreu nos próprios filmes. As primeiras produções
de filmes sonoros continham apenas trechos com o som sincronizado. Ao longo do tempo
estes trechos foram aumentando, passando para números musicais específicos, ruídos,
vozerio e por último as falas propriamente. Mesmo o primeiro filme exibido no Brasil,
“Alta Traição”, como dito anteriormente, possuía poucas falas, sendo o som de maior
destaque o grito do personagem em um momento específico.
Foi, portanto, aos poucos que o público brasileiro começou a se familiarizar com o
som e a voz dos personagens nos filmes. De início, a novidade da atração, os ruídos e as
músicas eram os objetos centrais da atenção de quem ia conhecer este novo cinema,
sobretudo nos países de produção periférica. Nos Estados Unidos as falas eram também
objeto de grande curiosidade por parte do público. Apenas depois de um certo tempo,
quando as salas já haviam passado pelo seu processo de adaptação à tecnologia e o tom de
novidade diminuíra é que a questão do entendimento do que era falado veio à tona.
Em realidade, os críticos das já citadas O Fan e Cinearte atentaram para a questão
desde a vinda dos filmes sonorizados norteamericanos para cá. Em 1928 já apontavam que
por o mercado brasileiro ser fundamentalmente exibidor e não produtor, era importante
questionar como os filmes estrangeiros seriam recebidos. Entretanto, as demais questões
como as alterações da linguagem cinematográfica e os problemas de exibição tomaram
maior espaço nos primeiros anos.
O problema dos falados chegou a ser colocado como um projeto de lei para a
taxação dos filmes estrangeiros. Medeiros e Albuquerque, membro da Academia Brasileira
de Letras, em novembro de 1929, criticou a invasão dos filmes falados estrangeiros,
alegando ser prejudicial à cultura nacional de forma a deseducar a população. Sugeriu, a
partir disto, que os filmes estrangeiros tivessem uma taxação específica. A repercussão da
crítica chegou ao Conselho Municipal do Rio de Janeiro, que, encaminhado pelo intendente
6
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016
Floriano de Góes, discutiu um projeto de lei para tal taxação, sendo um valor para os filmes
falados e um valor menor para os apenas musicados. Em resposta ao projeto, com apoio dos
exibidores e dos jornais que recebiam os anúncios dos filmes, a Associação Brasileira
Cinematográfica (ABC) se posicionou contra o projeto, levantando fundamentalmente três
pontos, expostos por Rafael de Luna Freire (2013b):
- Ameaça à língua nacional e à educação da população - Os membros da ABC
questionaram o porquê da taxação em relação aos filmes falados em língua estrangeira se
no Brasil havia óperas, peças de teatro e livros apresentados em diversos idiomas e que
eram considerados produtos relevantes e educadores. Argumentaram ainda, de forma a
minimizar os acontecimentos, que os filmes totalmente falados não cairiam no gosto do
público, já que este não entendia o seu conteúdo, e que apenas os musicados fariam
sucesso.
- Demissão dos músicos dos cinemas - Para os membros da ABC este dado era
inerente ao desenvolvimento tecnológico cinematográfico e não uma ação escolhida pelo
circuito exibidor e a taxação aos filmes não resolveria o problema.
- A ABC reforçou ainda que a taxação dos filmes falados resultaria no aumento do
valor dos ingressos do cinema, o que acabaria por cair no bolso do público, dificultando
ainda mais seu acesso ao entretenimento. Argumentaram também que tal lei poderia ser tão
pesada para alguns cinemas que estes seriam obrigados a fechar suas portas, uma vez que as
cópias dos filmes ficariam ainda mais caras do que já eram.
Após as argumentações o projeto de lei foi deixado de lado e apenas em 1932 foi
retomada a questão, a partir de um decreto para o favorecimento do cinema nacional pela
exibição de complementos nacionais a serem exibidos nas sessões de filmes estrangeiros.
7
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016
No Brasil a prática não deu certo, uma vez que os atores escolhidos em sua maioria
eram portugueses, que, por mais que fosse o mesmo idioma, muitas vezes o texto
continuava incompreensivo, assim como as entonações não faziam sentido para o público
brasileiro. Muitas vezes, ainda, chegavam ao Brasil cópia das versões enviadas para a
América Latina, em espanhol, o que mais uma vez não resolvia a questão.
Já a dublagem era considerada uma possibilidade viável de tradução aos filmes
estrangeiros. Países europeus como Itália, Alemanha, Espanha e França - alguns deles com
governos nacionalistas à época - adotaram a dublagem por lei para filmes estrangeiros, a
fim de preservar seus idiomas; já outros como Portugal, Grécia e Bélgica optaram pela
legendagem. No Brasil iniciou-se um projeto de lei para a dublagem compulsória apenas
em 1960. Em 1969 o decreto-lei nº 603, de 2 de junho, propunha reformular normas para o
uso obrigatório do idioma nacional em filmes estrangeiros, mas as normas nunca foram
criadas, diferentemente do que ocorreu em relação à televisão (COSTA, 2008).
A dublagem teve ainda algumas tentativas de realização, no entanto a baixa
qualidade não ajudou na sua consolidação como forma principal de tradução dos filmes
estrangeiros. Os problemas de sincronia com a boca dos atores na tela desagradavam o
público. As dublagens que chegavam ao Brasil eram feitas nos Estados Unidos com atores
3
“La mayoría de estas figuras se utilizó por debajo de sus genuinas posibilidades, era remunerada insuficientemente y
pasaba de un estudio a otro sin que se le empleara en labores dignas del prestigio o la experiencia acumulados en sus
países.” Tradução nossa.
8
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016
portugueses ou com brasileiros que moravam no país, mas não tinham a menor experiência
em dublagem, o que acabava por gerar resultados que soavam estranhos para o público
brasileiro. Para os estúdios norte-americanos não compensava investir em dubladores
brasileiros ou que a dublagem fosse feita no país.
Um caso de sucesso de dublagem realizada no Brasil foi o da primeira animação em
longa-metragem, “Branca de Neve e os Sete Anões”. Para a dublagem do filme foi criado
um departamento próprio na produtora brasileira Sonofilms sob o comando de Wallace
Downey. A dublagem, realizada com artistas brasileiros conhecidos, teve grande aceitação
do público por ser o primeiro filme com vozes brasileiras feito com qualidade impecável.
As falas-guia e uma versão do filme foram enviadas ao Brasil, onde as vozes foram
gravadas e depois enviadas para os Estados Unidos para a realização da mixagem com os
demais sons que compunham o filme. Assim como “Branca de Neve…” outras animações
da Disney tiveram suas versões de áudio feitas no Brasil. Entretanto, os altos custos deste
processo não compensavam para os demais filmes e a dublagem tornou-se pouco viável no
momento. Além disso, a crítica com relação à perda das vozes originais sempre
acompanhou as discussões em torno desta forma de tradução (FREIRE, 2011).
As tentativas de dublagem seguiram acontecendo, mesmo após 1930, quando a
legendagem tornou-se a opção de tradução mais usada no Brasil, juntamente com o
processo de estabelecimento do sistema ótico de som. É possível perceber a partir do
material bibliográfico consultado que a opção pela legendagem não apresentava nenhum
outro benefício claro, além da praticidade e economia para as agências distribuidoras. Pelo
contrário, críticos e até mesmo público levantaram inúmeras desvantagens com relação à
legenda, sendo as principais entre elas o desvio da atenção do espectador da imagem do
filme para a linha da legenda, não tendo tempo muitas vezes de acompanhar a ação; e o
afastamento do público analfabeto das salas de cinema, que no período correspondia uma
parcela considerável da população brasileira. Além destas, é importante destacar que o texto
colocado nas legendas não corresponde ao que é falado, havendo, assim como na dublagem,
uma adaptação do texto expresso no filme.
José Gatti (2000) levanta ainda um outro ponto em relação a esta adaptação. Em sua
análise com relação às diferentes formas de língua presentes num filme e suas questões
ideológicas, o autor cita o caso norte-americano em que todo filme estrangeiro que chega ao
país é dublado para o melhor entendimento do público - muitas vezes até mesmo filmes
falados em inglês, mas com outros sotaques. É com relação a estes sotaques que Gatti
9
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016
Como afirma o autor, a forma pela qual os filmes são traduzidos a seu público
influenciam diretamente em sua forma de espectatorialidade. No Brasil, a consolidação da
legendagem na década de 1930 determinou o modo de assistir a filmes no país até hoje. E
não apenas a forma de assistir, mas também o entendimento do público, sua relação com os
elementos fílmicos apresentados e a constituição das salas do circuito exibidor.
Considerações Finais
O motivo pela adoção da legendagem no Brasil não é totalmente claro. Ele suscita,
no entanto, uma série de questões que são levantadas pelos autores como possibilidades de
caminhos de estudos a respeito do início do cinema sonoro no Brasil, assim como dos
próprios estudos de som no país.
A necessidade de compreensão do que é dito no filme é a algo passível de ser
investigado, uma vez que, como afirma Fernando Morais da Costa (2008), até o momento
da chegada do sonoro, não se entrava em questão o não entendimento do que era dito nas
óperas e nem mesmo nas músicas estrangeiras, já que ritmo e melodia se faziam suficientes
para agradar e entreter o público.
Como exposto por Gatti e reforçado por Costa a tradução dos filmes estrangeiros a
partir da legenda reforçou no espectador a necessidade de concentração em seu sentido
visual. A partir do momento em que não é mais suficiente ver o quadro da ação, mas
também é preciso ler o que é dito, o público passa a concentrar-se ainda mais na imagem,
em sua visão, deixando a percepção auditiva em segundo plano.
Percepção auditiva esta que entra em xeque quando o filme brasileiro sonoro
começa a ser produzido. É de uso corrente a afirmação de que os filmes brasileiros possuem
má qualidade técnica no som, pois não se entende o que é dito. Teóricos e historiadores, no
10
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016
11
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016
Referências bibliográficas
CASTILLO, Luciano; TORCHIA, Édgar Soberón. Cine hispano en Hollywood. In: TORCHIA,
Édgar Soberón (org.). Los cines de América Latina y el Caribe - 1890-1969. Vol. I. San
Antonio de los Baños: Escuela Internacional de Cine y TV, 2012. p. 58-62.
COSTA, Fernando Morais da. O som no cinema brasileiro. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008. p. 81-
104.
FREIRE, Rafael de Luna. A conversão para o cinema sonoro no Brasil e o mercado exibidor na
década de 1930. Significação, nº 40, 2013a, p. 29-51.
_______. A febre dos sincronizados: os primeiros meses da exibição de filmes sonoros no Rio e em
São Paulo em 1929. In: SOUZA, G. et al (Orgs.). XIII Estudos de Cinema e Audiovisual da
SOCINE. São Paulo: Socine, 2012a, v. 2. p. 247-264.
_______. O projeto de lei de taxação de filmes falados em língua estrangeira. In: XVII Encontro
da SOCINE - Anais de textos completos. São Paulo: Socine, 2013b. v. 1. p.563-573.
GATTI, José. Lusofonia no cinema brasileiro - notas sobre a presença de línguas no cinema. In: II
e III Estudos de Cinema e Audiovisual da SOCINE. São Paulo: Anablume, 2000. p. 86-97.
VALENCISE, João Miguel. A chegada do som nos cinemas de São Paulo segundo a ‘Folha da
Manhã’. São Carlos: UFSCar, 2012. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em
Imagem e Som, Departamento de Artes e Comunicação, Universidade Federal de São Carlos,
2012.
12