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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação

XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

Modos de Adaptação ao Som: como o Brasil recebeu o cinema estrangeiro falado 1

Debora Regina TAÑO2


Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP

Resumo

Com o objetivo de entender quais foram os métodos utilizados no Brasil para a


recepção de filmes estrangeiros falados, o presente artigo busca na bibliografia disponível
sobre o início do cinema sonoro no país as formas utilizadas pelo circuito exibidor para
adaptar-se ao cinema sonoro e quais os modos possíveis, e os adotados pelo mercado, para
compreender o que era falado nos filmes estrangeiros.

Palavras-chave

cinema sonoro; recepção; tradução; exibição.

Introdução

O final da década de 1920 e início de 1930 foram anos de mudanças radicais na


forma de produzir e exibir os filmes. Com o advento das formas de sincronização do som
com a imagem e a possibilidade de amplificá-lo, os mercados distribuidor e exibidor
tiveram que se adaptar às novas formas de produção de filmes e à resposta do público à
novidade. Acostumados aos mais diversos tipos de espetáculos associados ao cinema, o
público já conhecia a exibição de filmes acompanhada de música. Seja com comentários ou
músicos tocando acompanhamentos ao vivo, o cinema até a década de 20 possuía já a sua
própria lógica e linguagem, transformando-o em objeto de fruição e entretenimento de um
grande número de pessoas em todo o mundo.
A sincronização, no entanto, trouxe uma nova forma de ver os filmes. Mais do que
um “cinema sonoro” iniciou-se a época do “cinema sincronizado” ou “falado”. A
consolidação dos sistemas Vitaphone (sincronização por discos) e Movietone (som gravado
de forma ótica diretamente na película) fizeram com que as salas de cinema de todo o
mundo, e também do Brasil, passassem, a partir de 1929 - ou ainda antes como no caso dos

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Trabalho apresentado no GP Cinema, XVI Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do
XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
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Mestranda do PPG em Imagem e Som da UFSCar, e-mail: debora.tano@gmail.com

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Estados Unidos - por uma série de adaptações para se adequar às novas tecnologias
disponíveis.
Além das adaptações tecnológicas, com o passar dos anos ficou notória a
impossibilidade do grande público do mundo todo acompanhar o que era dito nos filmes
norte-americanos, uma vez que neles o idioma falado era o inglês. Cada país ou região teve
a sua própria forma de se adaptar aos filmes falados em idiomas diferentes do seu. O
presente artigo busca, a partir de uma revisão bibliográfica, traçar a chegada dos
“sincronizados” ao Brasil e quais foram as dificuldades técnicas desta adaptação e
posteriores atitudes tomadas para a compreensão das falas por parte do público. Juntamente
com este caminho, pretende-se encontrar os motivos pelos quais a legendagem foi o padrão
de tradução a tornar-se predominante no país e quais os fatores envolvidos nesta opção.

A Chegada

No Brasil, a primeira exibição de um filme sonoro ocorreu em 13 de abril de 1929,


no Cine Paramount, em São Paulo. A sessão exibiu um pronunciamento do cônsul brasileiro
em Nova Iorque, Sebastião Sampaio, intitulado “Saudação à cidade de São Paulo”,
sonorizado de forma ótica, seguido pelo filme “Alta Traição” (“The Patriot”, Ernst
Lubitsch, 1928) com músicas, ruídos e vozes reproduzidas em discos. O primeiro filme
falado exibido no Brasil possuía poucos diálogos, sendo o centro de seu espetáculo os gritos
do personagem principal, além de risadas e demais sons humanos, e ruídos (COSTA, 2008;
FREIRE, 2012a).
Apesar da boa recepção por parte do público, o filme sincronizado era rechaçado
pela crítica local, em que revistas como O Fan e Cinearte dedicaram meses de artigos e
editoriais para criticar a novidade. Acreditando que a “febre dos sincronizados” fosse uma
moda passageira, os críticos afirmavam que as falas eram uma forma de macular a
linguagem cinematográfica que havia sido desenvolvida até então, aproximando o cinema
do teatro, ou seja, um retrocesso. Para alguns, o problema seguia sendo os diálogos, já que
música e ruídos não interferiam tanto; para outros, o problema do som era o distanciamento
que seria estabelecido entre público e filme, dificultando a imersão na história.
Possivelmente, no entanto, um dos maiores problemas vistos pela crítica e parte do público
é que o cinema sonoro, sobretudo com o filme musicado, tornou o cinema ainda mais
popular, uma vez que levou à tela ídolos da época cantando músicas para entreter o público.

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Justamente por ter como objetivo entreter, o filme musical não era visto como uma
expressão de arte e, portanto, considerado algo menor (COSTA, 2008).
Entretanto, com o passar do tempo, as opiniões se dividiram. A partir do momento
em que os filmes compostos principalmente por diálogos começaram a chegar às salas, a
crítica acreditava que em pouco tempo o público desistiria de um espetáculo no qual não
entendia o que era dito. Em paralelo com este pensamento, os críticos de Cinearte, como
Adhemar Gonzaga e Pedro Lima, se colocaram-se otimistas, uma vez que a partir do
momento em que o Brasil começasse a produzir seus próprios filmes falados, eles
ganhariam espaço no mercado, já que a questão da língua e do entendimento não seria um
problema. Este otimismo com relação à possibilidade do crescimento do cinema nacional
não foi exclusividade do Brasil. Diversos países enxergaram neste momento uma brecha
para o crescimento de suas cinematografias a partir de repertórios tipicamente nacionais.
Apesar da crítica intensa, o mercado mostrava um cenário oposto. Cada vez mais o
público se interessava pela novidade de poder ver e ouvir seus atores favoritos nas telas e
ter uma nova forma de experiência cinematográfica. Os distribuidores e exibidores, por sua
vez, investiram o possível para levar ao público o que havia de novidade. Os donos das
grandes salas, ao comprarem os equipamentos de reprodução sonora e amplificação,
deixavam as caixas em exposição em seus saguões para aumentar a curiosidade do público,
assim como publicavam fotos nos jornais anunciando a instalação em breve, como foi o
caso do Palácio Theatro, no Rio de Janeiro (FREIRE, 2012a).
A chegada do sonoro no país trouxe consigo diversas questões que entre 1929 e
meados da década de 1930 foram sendo desenvolvidas. Uma vez que o mercado
cinematográfico brasileiro era dominado pelo cinema de Hollywood, o filme falado chegou
como algo a ser incorporado. Cada setor envolvido na circulação cinematográfica, seja
distribuidores, exibidores, público ou crítica, passaram por mudanças de acordo com as suas
necessidades. O período foi de intensa adaptação, tanto em relação aos filmes quanto às
salas, que foram aos poucos recebendo as novidades.

A Adaptação das Salas

A exibição inaugural do cinema sonoro no Brasil aconteceu em uma grande sala de


São Paulo, financiada pela distribuidora Paramount, não por acaso. A adaptação das salas
espalhadas pelo país se deu de forma gradual, uma vez que os equipamentos necessários

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para a exibição da novidade eram extremamente caros e até mesmo um investimento


inviável para muitas das pequenas salas no interior do país.
Depois de São Paulo, em junho do mesmo ano, foi a vez do Rio de Janeiro estrear o
sincronizado, com a exibição de “Melodia da Broadway” (“Broadway Melody”, Harry
Beaumont, 1929) em uma de suas grandes salas no centro da cidade. As duas principais
capitais do país tiveram, até setembro de 29, seis cinemas cada uma (correspondendo a sete
salas em São Paulo) adaptados para receber filmes sonoros, o que garantia um mínimo de
telas para atender ao lançamento regular dos talkies de cada um dos grandes estúdios norte-
americanos (FREIRE, 2012a). Ainda em 1929 e começo de 1930 salas de grandes cidades
dos estados do Rio e de São Paulo e outras capitais também fizeram o mesmo, como
Niterói, Santos, Vitória, Curitiba, Florianópolis, Recife, Belo Horizonte, Porto Alegre,
Ribeirão Preto, Campinas, entre outras. Os sistemas utilizados, no entanto, variavam a cada
cidade. Como as empresas produtoras utilizavam sistemas diferentes de sonorização, as
salas que tinham condições instalaram ambos os sistemas, ótico e a discos, e outras optaram
apenas pela última forma de sonorização. Muitas vezes, utilizavam-se de outras marcas
existentes que faziam o mesmo processo. Em Santos, por exemplo, a principal sala da
cidade contratou os serviços do sistema Photophone RCA, similar ao Vitaphone, mas um
pouco mais barato. Isso porque a empresa detentora dos direitos do Movietone e Vitaphone,
a americana Western Eletric, não apenas cobrava valores altos para a instalação, mas
também um aluguel semanal pelo uso do equipamento, alegando que apenas os seus
dispositivos eram capazes de reproduzir fielmente o som dos novos filmes (FREIRE,
2013a).
Nos anos seguinte, de 31 a 33, foi a vez de uma nova leva de salas adaptarem suas
instalações. Com o tempo, os sistemas foram se barateando e versões brasileiras do sistema
a disco foram sendo criadas, o que auxiliou bastante a possibilidade das pequenas salas
exibidoras adquirirem os equipamentos. Muitos destes aparelhos, no entanto, eram como
vitrolas adaptadas que musicavam os filmes, muitas vezes versões silenciosas dos filmes
sonoros ou ainda filmes silenciosos antigos (FREIRE, 2013a).
A precariedade dos sistemas de sincronização se espalhou por diversas salas do país
que não tinham outra solução a não ser se apoiar nestes sistemas improvisados para não
ficar de fora das novidades. O aumento no valor dos ingressos para custear os gastos fez
com que parte do público se afastasse dos cinemas, o que era contornado com a aquisição
de equipamentos mais baratos - além da questão do idioma, que será tratada posteriormente.

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Além da instalação dos sistemas de sincronização as salas de cinema tiveram outra


mudança. Uma vez que os filmes eram sonorizados e musicados por meio de discos
gravados, não se fazia mais necessário o contrato com músicos que tocassem durante as
sessões. Neste período, diversas orquestras de grandes salas e mesmo pequenos conjuntos
das salas menores foram despedidos e substituídos pela música gravada.
Em 1934, no entanto, uma nova mudança foi necessária para muitas salas. Por conta
dos altos custos de produção, uma vez que eram feitas versões sonoras em dois sistemas de
sincronização e, muitas vezes, ainda uma versão silenciosa do filme, as agências produtoras
optaram por padronizar os filmes sonoros com o sistema ótico. O sistema, além de mais
econômico, facilitava o trabalho das distribuidoras que não precisariam mais se preocupar
com os discos, uma vez que o som estava impresso na própria película do filme. A
padronização para o sistema ótico, no entanto, trouxe aos cinemas brasileiros um novo
problema.

“Assim, em 1934, provavelmente com cerca de metade de seu


circuito ainda dependente de filmes com som em discos, o
mercado exibidor brasileiro era forçado a se adaptar ao som
ótico.
Pressionados, portanto, pela falta de filmes silenciosos e logo
também pela escassez até mesmo de cópias com som em discos,
os pequenos exibidores brasileiros viram-se obrigados a
converterem-se para a projeção sonora em som ótico, fecharem
as portas ou passarem a funcionar como teatros ou casas de
espetáculos.” (FREIRE, 2013a, p.45-46)

Após o período de adaptação das salas que criou, em meados da década de 30, um
mercado capaz de exibir os filmes sincronizados em som ótico não apenas nas grandes
cidades do país, a questão do idioma tomou espaço. A partir do momento em que os filmes
eram totalmente falados e as salas já tinham condições de exibí-los, como o público
brasileiro entenderia o texto de filmes estrangeiros?

A Adaptação ao Idioma

Durante os primeiros anos de sua existência o cinema sonoro conviveu com diversos
tipos de exibições pelo Brasil. Em muitas salas, até que a adaptação dos equipamentos fosse
completa, os espetáculos de palco ou música acompanhavam as sessões de filmes
silenciosos, assim como era feito durante a década de 1920. Além das práticas já

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conhecidas até então, era comum a reexibição de filmes silenciosos de sucesso agora em
versão sonorizada - no geral, por acompanhamento musical gravado - e nas salas que ainda
não possuíam equipamentos de sincronização, ocorria a exibição de filmes originalmente
sonoros, sem o som. Já as demais salas, que haviam instalado pelo menos um dos sistemas
sonoros, inicialmente realizam sessões compostas por filmes silenciosos antecedidos por
complementos sincronizados que serviam de chamativo para o público conhecer a novidade
e aos poucos começaram a passar os filmes completamente sincronizados, os chamados all
talkies (VALENCISE, 2012).
Esta adaptação gradual ao som ocorreu nos próprios filmes. As primeiras produções
de filmes sonoros continham apenas trechos com o som sincronizado. Ao longo do tempo
estes trechos foram aumentando, passando para números musicais específicos, ruídos,
vozerio e por último as falas propriamente. Mesmo o primeiro filme exibido no Brasil,
“Alta Traição”, como dito anteriormente, possuía poucas falas, sendo o som de maior
destaque o grito do personagem em um momento específico.
Foi, portanto, aos poucos que o público brasileiro começou a se familiarizar com o
som e a voz dos personagens nos filmes. De início, a novidade da atração, os ruídos e as
músicas eram os objetos centrais da atenção de quem ia conhecer este novo cinema,
sobretudo nos países de produção periférica. Nos Estados Unidos as falas eram também
objeto de grande curiosidade por parte do público. Apenas depois de um certo tempo,
quando as salas já haviam passado pelo seu processo de adaptação à tecnologia e o tom de
novidade diminuíra é que a questão do entendimento do que era falado veio à tona.
Em realidade, os críticos das já citadas O Fan e Cinearte atentaram para a questão
desde a vinda dos filmes sonorizados norteamericanos para cá. Em 1928 já apontavam que
por o mercado brasileiro ser fundamentalmente exibidor e não produtor, era importante
questionar como os filmes estrangeiros seriam recebidos. Entretanto, as demais questões
como as alterações da linguagem cinematográfica e os problemas de exibição tomaram
maior espaço nos primeiros anos.
O problema dos falados chegou a ser colocado como um projeto de lei para a
taxação dos filmes estrangeiros. Medeiros e Albuquerque, membro da Academia Brasileira
de Letras, em novembro de 1929, criticou a invasão dos filmes falados estrangeiros,
alegando ser prejudicial à cultura nacional de forma a deseducar a população. Sugeriu, a
partir disto, que os filmes estrangeiros tivessem uma taxação específica. A repercussão da
crítica chegou ao Conselho Municipal do Rio de Janeiro, que, encaminhado pelo intendente

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Floriano de Góes, discutiu um projeto de lei para tal taxação, sendo um valor para os filmes
falados e um valor menor para os apenas musicados. Em resposta ao projeto, com apoio dos
exibidores e dos jornais que recebiam os anúncios dos filmes, a Associação Brasileira
Cinematográfica (ABC) se posicionou contra o projeto, levantando fundamentalmente três
pontos, expostos por Rafael de Luna Freire (2013b):
- Ameaça à língua nacional e à educação da população - Os membros da ABC
questionaram o porquê da taxação em relação aos filmes falados em língua estrangeira se
no Brasil havia óperas, peças de teatro e livros apresentados em diversos idiomas e que
eram considerados produtos relevantes e educadores. Argumentaram ainda, de forma a
minimizar os acontecimentos, que os filmes totalmente falados não cairiam no gosto do
público, já que este não entendia o seu conteúdo, e que apenas os musicados fariam
sucesso.
- Demissão dos músicos dos cinemas - Para os membros da ABC este dado era
inerente ao desenvolvimento tecnológico cinematográfico e não uma ação escolhida pelo
circuito exibidor e a taxação aos filmes não resolveria o problema.
- A ABC reforçou ainda que a taxação dos filmes falados resultaria no aumento do
valor dos ingressos do cinema, o que acabaria por cair no bolso do público, dificultando
ainda mais seu acesso ao entretenimento. Argumentaram também que tal lei poderia ser tão
pesada para alguns cinemas que estes seriam obrigados a fechar suas portas, uma vez que as
cópias dos filmes ficariam ainda mais caras do que já eram.
Após as argumentações o projeto de lei foi deixado de lado e apenas em 1932 foi
retomada a questão, a partir de um decreto para o favorecimento do cinema nacional pela
exibição de complementos nacionais a serem exibidos nas sessões de filmes estrangeiros.

A primeira exibição de um filme totalmente falado no Brasil ocorreu ainda em 1929,


numa sessão de “Interference” (Roy Pomeroy - 1928). O título, mantido em inglês, marca a
presença da língua saxônica, o que é reforçado em seu programa, que afirmava ser uma
sessão para nativos das colônias inglesas e americanas no Brasil ou pessoas que
dominassem o idioma. Para não perder o público em geral, a versão silenciosa do filme era
exibida dias antes das sessões da versão dialogada.
Algumas salas optavam por entregar ao início do filme um libreto com a tradução
das falas, assim como acontecia na ópera. No entanto, muitos dos filmes totalmente falados
em outros idiomas foram exibidos sem qualquer tipo de tradução. As tentativas para

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solucionar o problema foram várias, como a inserção de cartelas explicativas, a gravação de


um prólogo em português que explicava a ação do filme, a realização de versões do filme
em outros idiomas e as conhecidas dublagem e legendagem sobre a imagem.
Logo de início os estúdios produtores investiram em realizar versões de seus filmes
completamente refeitas em diversos idiomas como o francês, alemão, espanhol e português.
Em alguns países, sobretudo nos americanos de fala espanhola, a solução teve aceitação por
um curto período, mas com os altos custos destas produções os próprios estúdios acharam a
opção inviável. Equipes inteiras de artistas espanhóis e latino-americanos eram contratadas
pelos estúdios, que refaziam o filme, com menor qualidade.

“A maioria destas figuras foi utilizada abaixo de suas


verdadeiras possibilidades, era remunerada insuficientemente e
passava de um estúdio a outro sem que fosse empregada com
trabalhos dignos do prestígio ou experiência acumulados em
seus países.” (CASTILLO, TORCHA, 2012, p.59.)3

No Brasil a prática não deu certo, uma vez que os atores escolhidos em sua maioria
eram portugueses, que, por mais que fosse o mesmo idioma, muitas vezes o texto
continuava incompreensivo, assim como as entonações não faziam sentido para o público
brasileiro. Muitas vezes, ainda, chegavam ao Brasil cópia das versões enviadas para a
América Latina, em espanhol, o que mais uma vez não resolvia a questão.
Já a dublagem era considerada uma possibilidade viável de tradução aos filmes
estrangeiros. Países europeus como Itália, Alemanha, Espanha e França - alguns deles com
governos nacionalistas à época - adotaram a dublagem por lei para filmes estrangeiros, a
fim de preservar seus idiomas; já outros como Portugal, Grécia e Bélgica optaram pela
legendagem. No Brasil iniciou-se um projeto de lei para a dublagem compulsória apenas
em 1960. Em 1969 o decreto-lei nº 603, de 2 de junho, propunha reformular normas para o
uso obrigatório do idioma nacional em filmes estrangeiros, mas as normas nunca foram
criadas, diferentemente do que ocorreu em relação à televisão (COSTA, 2008).
A dublagem teve ainda algumas tentativas de realização, no entanto a baixa
qualidade não ajudou na sua consolidação como forma principal de tradução dos filmes
estrangeiros. Os problemas de sincronia com a boca dos atores na tela desagradavam o
público. As dublagens que chegavam ao Brasil eram feitas nos Estados Unidos com atores

3
“La mayoría de estas figuras se utilizó por debajo de sus genuinas posibilidades, era remunerada insuficientemente y
pasaba de un estudio a otro sin que se le empleara en labores dignas del prestigio o la experiencia acumulados en sus
países.” Tradução nossa.

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portugueses ou com brasileiros que moravam no país, mas não tinham a menor experiência
em dublagem, o que acabava por gerar resultados que soavam estranhos para o público
brasileiro. Para os estúdios norte-americanos não compensava investir em dubladores
brasileiros ou que a dublagem fosse feita no país.
Um caso de sucesso de dublagem realizada no Brasil foi o da primeira animação em
longa-metragem, “Branca de Neve e os Sete Anões”. Para a dublagem do filme foi criado
um departamento próprio na produtora brasileira Sonofilms sob o comando de Wallace
Downey. A dublagem, realizada com artistas brasileiros conhecidos, teve grande aceitação
do público por ser o primeiro filme com vozes brasileiras feito com qualidade impecável.
As falas-guia e uma versão do filme foram enviadas ao Brasil, onde as vozes foram
gravadas e depois enviadas para os Estados Unidos para a realização da mixagem com os
demais sons que compunham o filme. Assim como “Branca de Neve…” outras animações
da Disney tiveram suas versões de áudio feitas no Brasil. Entretanto, os altos custos deste
processo não compensavam para os demais filmes e a dublagem tornou-se pouco viável no
momento. Além disso, a crítica com relação à perda das vozes originais sempre
acompanhou as discussões em torno desta forma de tradução (FREIRE, 2011).
As tentativas de dublagem seguiram acontecendo, mesmo após 1930, quando a
legendagem tornou-se a opção de tradução mais usada no Brasil, juntamente com o
processo de estabelecimento do sistema ótico de som. É possível perceber a partir do
material bibliográfico consultado que a opção pela legendagem não apresentava nenhum
outro benefício claro, além da praticidade e economia para as agências distribuidoras. Pelo
contrário, críticos e até mesmo público levantaram inúmeras desvantagens com relação à
legenda, sendo as principais entre elas o desvio da atenção do espectador da imagem do
filme para a linha da legenda, não tendo tempo muitas vezes de acompanhar a ação; e o
afastamento do público analfabeto das salas de cinema, que no período correspondia uma
parcela considerável da população brasileira. Além destas, é importante destacar que o texto
colocado nas legendas não corresponde ao que é falado, havendo, assim como na dublagem,
uma adaptação do texto expresso no filme.
José Gatti (2000) levanta ainda um outro ponto em relação a esta adaptação. Em sua
análise com relação às diferentes formas de língua presentes num filme e suas questões
ideológicas, o autor cita o caso norte-americano em que todo filme estrangeiro que chega ao
país é dublado para o melhor entendimento do público - muitas vezes até mesmo filmes
falados em inglês, mas com outros sotaques. É com relação a estes sotaques que Gatti

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enfatiza o empobrecimento da linguagem a partir da adoção da legendagem como forma de


tradução:

“As legendas ainda realizam uma nivelação das diferenças


poliglóticas e heteroglóticas dos diálogos, anulando tonalidades,
sotaques, características de etnicidade e gênero, etc. A captação
das legendas, por isso mesmo, redireciona a atenção do público e
recompõe o texto filmico, fazendo da espectatorialidade no
Brasil um evento radicalmente distinto daquela dos Estados
Unidos, por exemplo.” (GATTI, 2000, p. 94)

Como afirma o autor, a forma pela qual os filmes são traduzidos a seu público
influenciam diretamente em sua forma de espectatorialidade. No Brasil, a consolidação da
legendagem na década de 1930 determinou o modo de assistir a filmes no país até hoje. E
não apenas a forma de assistir, mas também o entendimento do público, sua relação com os
elementos fílmicos apresentados e a constituição das salas do circuito exibidor.

Considerações Finais

O motivo pela adoção da legendagem no Brasil não é totalmente claro. Ele suscita,
no entanto, uma série de questões que são levantadas pelos autores como possibilidades de
caminhos de estudos a respeito do início do cinema sonoro no Brasil, assim como dos
próprios estudos de som no país.
A necessidade de compreensão do que é dito no filme é a algo passível de ser
investigado, uma vez que, como afirma Fernando Morais da Costa (2008), até o momento
da chegada do sonoro, não se entrava em questão o não entendimento do que era dito nas
óperas e nem mesmo nas músicas estrangeiras, já que ritmo e melodia se faziam suficientes
para agradar e entreter o público.
Como exposto por Gatti e reforçado por Costa a tradução dos filmes estrangeiros a
partir da legenda reforçou no espectador a necessidade de concentração em seu sentido
visual. A partir do momento em que não é mais suficiente ver o quadro da ação, mas
também é preciso ler o que é dito, o público passa a concentrar-se ainda mais na imagem,
em sua visão, deixando a percepção auditiva em segundo plano.
Percepção auditiva esta que entra em xeque quando o filme brasileiro sonoro
começa a ser produzido. É de uso corrente a afirmação de que os filmes brasileiros possuem
má qualidade técnica no som, pois não se entende o que é dito. Teóricos e historiadores, no

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entanto, questionam esta afirmação colocando em pauta a péssima qualidade dos


equipamentos de reprodução sonora das salas brasileiras. Como pudemos observar, na
tentativa de não ficar de fora da novidade dos sincronizados diversas salas adaptaram seus
equipamentos na medida em que lhes foi possível, muitas vezes sem qualquer acuidade
técnica. A partir do momento em que o filme estrangeiro passa a ser legendado e a
percepção auditiva do público colocada em segundo plano, a baixa qualidade do áudio não
se faz aparente nos filmes estrangeiros, mas sim nos nacionais, nos quais é necessário ouvir
para se entender as falas. Freire (2011) aponta ainda este dado como uma possibilidade para
a não consolidação da dublagem como forma de tradução no Brasil. Além de ser um
processo caro, a dublagem exigiria uma qualidade mínima das salas, podendo, portanto, ser
a baixa qualidade destas e não da técnica da dublagem em si que prejudicara a opção.
O advento do cinema sonoro trouxe consigo mudanças profundas nas formas de
fazer, receber e ver filmes. A primeira delas foi a necessidade do silêncio no momento da
captação e da exibição, o que não era necessário até então. Em seguida, a necessidade de
adaptação tecnológica às diferentes formas de exibição e consequentemente de recepção por
parte do público. Em um mercado dominado pelo cinema estrangeiro, como o brasileiro, a
adaptação ao idioma se fez crucial para que públicos de diferentes países pudessem
compreender o que era ditos nos novos talkies. Seja por sugestão das agências produtoras
ou pela predileção do público, as tentativas de tradução foram diversas, consolidando-se,
assim, a legendagem como opção mais viável para o público brasileiro. Opção esta, no
entanto, que trouxe questões profundas como a seleção por um público alfabetizado, a
concentração na visualização e a tendência à pouca percepção à audição, em um cinema que
se transformou por a partir de então ser sonoro.

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Referências bibliográficas

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