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Tr a n s t o r n o b i p o l a r d o h u m o r

J o s é A l b e r t o D e l Po r t o
D e p a r t a m e n t o d e Ps i q u i a t r i a d a U n i f e s p / E P M

Correspondência
E n d e r e ç o p a r a c o r r e s p o n d ê n c i a : Ru a D i o g o d e Fa r i a , 1 0 8 7 a p t o 4 0 9
Vila Clementino
0 4 0 3 7 - 0 0 3 S ã o Pa u l o , S P
Te l . : ( 0 x x 1 1 ) 5 5 4 9 - 3 9 9 8
E-mail: delporto@uol.com.br

O transto rno bipolar caracteriza- se pela ocorrrência de episódios de “mania”


( c a r a c t e r i z a d o s p o r ex a l t a ç ã o d o h u m o r , e u f o r i a , h i p e r a t i v i d a d e , l o q u a c i d a d e
e x a g e r a d a , d i m i n u i ç ã o d a n e c e s s i d a d e d e s o n o , ex a c e r b a ç ã o d a s ex u a l i d a d e e
comprometimento da crít ica) comumente alte rnados com períodos de depressão e de
normalidade. Com certa freqüência, os episódios maníacos incluem também
i rritabil idade, agressividade e incapacidade de controlar adequadamente os impulsos.

As fases maníacas caracterizam-se também pela aceleração do pensamento (sensação


d e q u e o s p e n s a m e n t o s fl u e m m a i s r a p i d a m e n t e ) , d i s t r a i b i l i d a d e e i n c a p a c i d a d e e m
d i r i g i r a a t i v i d a d e p a r a m e t a s d e fi n i d a s ( e m b o r a h a j a a u m e n t o d a a t i v i d a d e , a p e s s o a
não consegue ordenar as ações para alcançar objeti vos precisos). As fases maníacas,
q u a n d o e m s e u q u a d r o t í p i c o , p r e j u d i c a m o u i m p e d e m o d e s e m p e n h o p r o fi s s i o n a l e a s
a t i v i d a d e s s o c i a i s , n ã o r a r a m e n t e ex p o n d o o s p a c i e n t e s a s i t u a ç õ e s e m b a r a ç o s a s e a
r i s c o s v a r i a d o s ( d i r i g i r s e m c u i d a d o , f a z e r g a s t o s e xc e s s i v o s , i n d i s c r i ç õ e s s e x u a i s ,
entre outros riscos). Em casos mais graves, o pacient e pode apresentar delírios (de
g r a n d e z a o u d e p o d e r , a c o m p a n h a n d o a ex a l t a ç ã o d o h u m o r , o u d e l í r i o s d e
perseguição, entre outros) e também alucinações, embora mais raramente. Nesses
casos, muitas vezes, o quadro clínico é confundido com a esquizofrenia.

O diagnóstico diferencial deve ser fei to com base na história pessoal (na doença
bipolar, os quadros são agudos e seguidos por períodos de depressão ou de remissão)
e f a m i l i a r ( c o m c e r t a f r e q ü ê n c i a , p o d e m s e r i d e n t i fi c a d o s q u a d r o s d e m a n i a e
depressão nas família) .

Nos últimos anos, tem-se reconhecido a importância dos quadros de “hipomania”


(quadros de mania mit igada, que não se apresentam com a gravidade dos quadros de
mania propiamente dita) . Os quadros caracterizados por hipomania e pela ocorrência
de episódios depressivos maiores têm sido chamados de “transtorno v isto que o uso
de antidepressivos pode agravar seu curso, assim como também ocorre na doença
bipolar com fases maníacas típicas (tipo I). No transtorno bipolar (tipos I ou II) são
r e c o m e n d a d o s o s e s t a b i l i z a d o r e s d o h u m o r. N a s f a s e s m a i s a g u d a s , é r e c o m e n d a d o o
uso de neurolépticos atípicos (como a olanzapina ou a risperidona) ou, por razões
práticas, os neurolépticos clássicos (como o haloperidol ou a clorpromazina) , em que
p e s e o p e r fi l d e e f e i t o s c o l a t e r a i s .

Epidemiologia

Estudos epidemiológicos (como o “National Comorbidity Survey”, nos Estados Unidos)


indicam que o transtorno bipolar é rela tivament e freqüente (pre valência de 1,6% para
o tipo I, e de 0,5% para o tipo II). A idade média de início dos quadros bipolares situa-
se logo após os 20 anos, embora alguns casos se iniciem ainda na adolescência e
outros possam começar mais ta rdiamente (após os 50 anos) . Os episódios maníacos
costumam ter início súbito, com rápida progressão dos sintomas; freqüentemne te os
primeiros episódios ocorrem associados a estressores psicossociais. Com a evolução
da doença, os episódios podem se tornar mais freqüentes, e os intervalos livres
p o d e m s e e n c u r t a r. Pa r a a l g u m a s m u l h e r e s , o p r i m e i r o e p i s ó d i o m a n í a c o p o d e
acontecer no período puerperal.

Diagnóstico diferencial

Deve- se ter em mente o diagnóstico diferencial com os seguintes quadros:


esquizofrenia; psicoses esquizoaf etivas; psicoses ciclóides; quadros orgânicos
c e r e b r a i s ( o e s t u d o i n c l u i a e s c l e r o s e m ú l t i p l a , q u a d r o s d e m e n c i a i s , a s í fi l i s e a A i d s ,
além de certas formas de epilepsia); quadros associados a condições clínicas gerais
(cushing, hipertiroidismo,entre outros) e ao uso de drogas (anfe taminas, cocaína
etc .); e síndromes desencadeadas por medicamentos (corticóides, antidepressivos,
e n t r e o u t r o s ) . O s q u a d r o s m a i s l e v e s ( d e t i p o I I ) s ã o , m u i t a s v e z e s , c l a s s i fi c a d o s
e rroneamente como “transtornos da personalidade” (mais freqüentement e o
transtorno “borderline” de personalidade), e, assim, permanecem sem tratamento
m a i s e s p e c í fi c o . D e v e - s e m e n c i o n a r t a m b é m q u e o a b u s o / d e p e n d ê n c i a d e d r o g a s e
álcool é muito mais comum em pacientes bipolares (odds rat io = 7,9) do que na
população geral.

Tr a t a m e n t o

Sais de lítio

Depois de 50 anos de sua introdução na prática psiquiá trica, os sais de lí tio


permanecem como o tratamento de escolha para a maioria dos casos de mania aguda
e p a r a a p r o fi l a x i a d a s r e c o r r ê n c i a s d a s f a s e s m a n í a c o - d e p r e s s i v a s . N a m a n i a a g u d a ,
a e fi c á c i a d o l í t i o s i t u a - s e , c o n f o r m e o t i p o d e p a c i e n r t e s i n c l u í d o s , e n t r e 4 9 % ( e s t u d o
de apenas 3 semanas, incluindo casos anterio rmente resistentes) e 80% dos casos,
m o s t r a n d o - s e m a i s e s p e c í fi c o d o q u e o s n e u r o l é p t i c o s n a r e d u ç ã o d o s s i n t o m a s
nucleares da mania (exaltação do humor, acel eração do pensamento e idéias de
grandiosidade); em contraposição, os neurolépticos mostram-se mais rápidos e
e fi c a z e s n o c o n t r o l e d a h i p e r a t i v i d a d e e d a a g i t a ç ã o p s i c o m o t o r a , s u g e r i n d o q u e s u a
a ç ã o s e d e v e s s e a u m a s e d a ç ã o m a i s i n e s p e c í fi c a . N u m e r o s o s e s t u d o s c o n t r o l a d o s
c o n fi r m a m a e fi c á c i a d o l í t i o n a p r o fi l a x i a d e a m b a s a s f a s e s ( m a n í a c a s e
d e p r e s s i v a s ) d o t r a n s t o r n o b i p o l a r. A s m a n i a s t í p i c a s , a s s i m c o m o o s e p i s ó d i o s d e
mania são seguidos por eutimia e depressão (M-E-D). Os pacient es com mania mista
(mesclada com sintomas depressivos) , mania disfórica (com marcada irri tabilidade) e
com cicladores rápidos (aquel es com mais de quatro ciclos em um ano) não
r e s p o n d e m t ã o b e m a o l í t i o ; p a r a e s s e s p a c i e n t e s , o d i v a l p r o ex ( á c i d o
valpróico/ valproato) ou a carbamazepina podem se constituir em melhor indicação.

Le vando - se em conta a estre ita faixa terapêutica , assim como as variações na


excreção do lítio , recomenda-se a monitoração periódica de seus níveis séricos, mais
freqüente no início do tratamento ou quando as doses forem alteradas ou a qualquer
m o m e n t o , d e s d e q u e h a j a i n d í c i o s o u s u s p e i t a d e i n t o xc i a ç ã o p e l o l í t i o . A d o s a g e m d o
lí tio deve ser feita sempre 12 horas após a última ingestão do comprimido de lí tio. Em
geral, dosam-se os níveis sérios cinco a sete dias após o início (quando o lítio atinge
seu steady state) , depois a cada sete ou 14 dias, passando - se ao controle post erior a
cada dois ou três meses, nos primeiros seis meses, e a cada quatro ou, no mínimo, a
cada seis meses, posteriorment e. Os níveis recomendados ao tratamento situam-se
entre 0,6 mEq/l a 1,2 mEq/l. O teto mais alto (1,2 mEq/l) é reservado para os estados
agudos; para a manutenção, doses entre 0,6 mEq/l e 0,8 mEq/l são geralment e
s u fi c i e n t e s , p r o c u r a n d o - s e m a n t e r o p a c i e n t e c o m a s m e n o r e s d o s e s n e c e s s á r i a s p a r a
a p ro fi l a x i a ( a l g u n s p a c i e n t e s s e d ã o b e m c o m 0 , 4 m E q / l , j á o u t r o s , e v e n t u a l m e n t e ,
precisam de doses maiores do que 0,8 mEq/l) . Em geral , inicia- se o tratam ento com
300 mg à noite, aumentando-se as doses gradativamente até alcançar os níveis
séricos desejados, levando-se em conta a tolerabilidade do paciente aos efeitos
colat erais. A dosagem dos hormônios tiroideanos deve ser feita a cada seis ou doze
meses, assim como a monitoração da função renal. O carbonato de lí tio é disponível ,
no campo da psiquiatria, em comprimidos (carboli tium) de 300 mg e preparados de
liberação lenta (carbolitium CR) de 450 mg. Os preparados convencionais têm seu
níve l sérico máximo alcançado dentro de uma hora e meia a duas horas; os
preparados de liberação lenta alcançam seu pico dentro de quatro a quatro horas e
m e i a . O l í t i o é e xc r e t a d o q u a s e i n t e i r a m e n t e p e l o s r i n s , c o m m e i a - v i d a e n t r e 1 4 a 3 0
horas. As preparações convencionais podem ser administradas em duas tomadas
diárias, podendo as de liberação lenta ser utilizadas em dose única (nesses casos, os
níveis séricos matinais estarão aumentados em até 30%), geralmente à noite. Usando-
se doses maiores, mesmo o preparado de liberação lenta é mais comumente utilizado
em duas tomadas diárias.

A n t e s d e s e i n i c i a r o t r a t a m e n t o , o p a c i e n t e d e v e s e r a v a l i a d o p e l o ex a m e f í s i c o g e r a l
e p o r ex a m e s l a b o r a t o r i a s q u e i n c l u e m : h e m o g r a m a c o m p l e t o ; e l e t r ó l i t o s ( N a + , K + ) ; e
a v a l i a ç ã o d a f u n ç ã o r e n a l ( u r é i a , c r e a t i n i n a , ex a m e d e u r i n a t i p o I ) e d a f u n ç ã o
tiro ideana (T3, T4 e TSH) . Em pacient es com mais de 40 anos ou com antecedent es de
doença cardíaca , recomenda-se solici tar eletroca rdiograma (depressão do nó sinusal e
a l t e r a ç õ e s d a o n d a T p o d e m s u r g i r e m d e c o r r ê n c i a d o l í t i o , e é c o n v e n i e n t e o b t e r- s e
um traçado inicial para comparação posterior) . Como o lít io freqüentement e acarreta
polidipsia e poliúria (por antagonizar os efei tos do hormônio antidiurét ico), deve- se
também solic itar dosagem da glicemia ant es de sua introdução. Algumas vezes, o
diabetes melli tus pode passar desapercebido; o psiquiatra julga que a polidpsia e
p o l ú r i a d e v e m - s e , ex c l u s i v a m e n t e , a o e s p e r a d o d i a b e t e s i n s i p i d u s p r o d u z i d o p e l o
lí tio, quando, na verdade , o prime iro pode também estar present e.
As queixas re lativas aos efei tos colat erais mais comuns são: sede e polúria;
problemas de memória; tremores; ganho de peso; sonolência/cansaço, e diarré ia. No
início do tratamento, são comuns: azia; náuseas; fezes amolecidas, assim como a
sensação de peso nas pernas e cansaço, desaparec endo com o temp o. Diarréia e
tremores grosseiros, aparecendo ta rdiamente no curso do tratamento, podem indicar
intoxicação e requerem imediata aval iação.

Dentre os efei tos colatera is tardios do lít io, os efei tos sobre a tiróide merecem
p a r t i c u l a r a t e n ç ã o ; o d e s e n v o l v i m e n t o d e u m h i p o t i r o i d i s m o c l i n i c a m e n t e s i g n i fi c a t i v o
ocorre em até 5% dos pacientes (em alguns casos, chegando ao bócio) , enquanto
elevações do TSH chegam a 30% dos casos. Muitas vezes, a complementação com
hormônios da tireóide (mais comumente T4) torna desnecessária a inte rrupção do uso
do lí tio, mas, eventualmente , o médico precisará mudar para outro estabilizador do
h u m o r. O l í t i o p o d e a u m e n t a r o s n í v e i s s é r i c o s d o c á l c i o , e a a s s o c i a ç ã o c o m
anormalidades da parat iróide pode ocorrer, embora mais raramente . Outros efei tos
são: edema; acne; agravamento de psoríase; tremores (eventualmente tratados com
beta-bloqueadores); e ganho de peso (25% dos pacientes em uso do lít io to rnam-se
obesos, razão pela qual nunca será demais insistir precocem ente em cuidados
r e l a t i v o s à d i e t a e a o s e xe r c í c i o s ) . C u m p r e n o t a r t a m b é m q u e o l í t i o p o d e d i m i n u i r o
limiar convulsígeno e, em alguns casos, pode causar ataxia , fala pastosa e síndrome
extrapiramidal (particula rmente em idosos). Os efei tos renais do lítio incluem
aumento da diurese, conseqüente à diminuição da capacidade de concentração da
urina e oposição à ação do hormônio antidiuré tico (ADH); fala-se em diabetes
insipidus, quando os pacientes produzem mais que três litros de urina por dia. O lít io
pode causar nefrite intersticial, a qual geralmente não tem importância clínica. As
alt erações cardíacas são geralmente benignas e incluem achatamento ou possível
inversão da onda T, diminuição da frequência cardíaca e, raramente, arri tmias. Casos
isolados de disfunção do nó sinusal têm sido descritos que eventualmente podem
ocasionar síncope; esses eventos são mais comuns em idosos. Leucocitose pode se
desenvolver , não se consti tuindo, em geral, em moti vo de preocupação. Efei tos
teratogênicos (anomalias da tricúspide e dos vasios da base) têm sido associados ao
u s o d o l í t i o , p a r t i c u l a r m e n t e , n o p r i m e i r o t r i m e s t r e d a g r a v i d e z ; o u s o d o l í t i o , a o fi m
d a g r a v i d e z , p o d e f a z e r c o m q u e o b e b ê n a s ç a c o m h i p o t o n i a ( s í n d r o m e d o fl o p p y
baby).

As intoxicações pelo lí tio costumam ocorrer com concentrações séricas acima de 1,5
mEq/l , e podem ser precipi tadas por desidratação, dietas hipossódicas, ingestão
e x c e s s i v a d e l í t i o , a l t e r a ç õ e s n a e xc r e ç ã o r e n a l o u i n t e r a ç ã o c o m o u t r o s
m e d i c a m e n t o s q u e a u m e n t a m s e u s n í v e i s s é r i c o s ( a n t i i n fl a m a t ó r i o s , d i u r é t i c o s e t c . ) .
C o n s t i t u e m - s e e m s i n a i s e s i n t o m a s d a i n t ox i c a ç ã o p e l o l í t i o : s o n o l ê n c i a ;
f a s c i c u l a ç õ e s m u s c u l a t r e s ; t r e m o r e s m a i s g r o s s e i r o s ; h i p e r- r e fl e x i a ; a t a x i a ; v i s ã o
t u r v a ; f a l a p a s t o s a ; a r r i t m i a s c a r d í a c a s ; e c o n v u l s õ e s . Re c o m e n d a - s e a e s t r i t a
monitoração dos níveis séricos. Em casos leves, basta a manutenção do equilíbrio
hidroele trolít ico, eventualment e, forçando - se a diurese com manitol, e alcalinizando -
s e a u r i n a . A d i á l i s e p o d e s e r r e q u e r i d a e m i n t ox i c a ç õ e s m a i s g r a v e s ( n í v e i s s é r i c o s
maiores do que 4 mEq/l ou na dependência do estado geral e da função renal do
paciente).

Interações farmaco lógicas podem aumentar os níveis séricos do lí tio, como a


carbamazepina, os diurét icos (t iazídicos, inibidores da enzima conversora ou
a n t a g o n i s t a s d a a l d o s t e r o n a ) , e o s a n t i i n fl a m a t ó r i o s n ã o - e s t e r ó i d e s ( i b u p r o f e n o ,
d i c l o f e n a c o , i n d o m e t a c i n a , n a p r oxe n , f e n i l b u t a z o n a , s u l i n d a c ) . O s n e u r o l é p t i c o s
podem potenciar o aparecimento de síndrome extrapiramidal , assim como, em casos
mais raros e com li tiemias mais el evadas, desenvol ver síndrome cerebral orgânica,
quando em doses mais altas (principalmente aqueles de alta potência, como o
haloperidol). Os antiaarítmicos, principalmente os de tipo quinidínico, podem
potenciar os efei tos sobre a condução cardíaca.

Cumpre notar que o uso de antidepressivos (em especial os tricícl icos) pode causar
mudança para a fase maníaca em pacient es bipolares, ainda quando em uso
concomitante de lí tio, além de poderem eliciar o aparecimento de ciclos rápidos e de
episódios mistos. O tratamento da depressão nos pacientes bipolares deve ser
tentado antes com estabi lizadores do humor, empregando -se, eventualmente , também
o bupropion ou IMAOs (com as cautelas requeridas para esse grupo de pacientes) ou
também a ECT, nos casos resistentes aos tratamentos habituais (re tirando -se
previam ente o lít io).

Anticonvulsivantes
O v a l p r o a t o o u o d i v a l p r o ex ( u m c o m p o s t o c o n t e n d o i g u a i s p r o p o r ç õ e s d e á c i d o
valpróico e valproato de sódio) t êm sido amplamente utilizados, nos últimos anos,
p a r a o t r a t a m e n t o d o t r a n s t o r n o b i p o l a r. E x i s t e m e s t u d o s c o n t r o l a d o s m o s t r a n d o s u a
e fi c á c i a n o t r a t a m e n t o d a m a n i a a g u d a ; h á t a m b é m d a d o s i n d i c a n d o q u e o v a l p r o a t o
p o d e s e r m a i s e fi c a z d o q u e o l í t i o p a r a a m a n i a m i s t a e p a r a o s c i c l a d o r e s r á p i d o s .
Embora faltem estudos controlados sobre o uso do valproato na manutenção, existem
e s t u d o s a b e r t o s e n a t u r a l í s t i c o s q u e a p o n t a m p a r a s u a e fi c á c i a t a m b é m n a p r o fi l a x i a
da mania e da depressão. Há menos evidências que sustentem o uso do valproato no
t r a t a m e n t o d a d e p r e s s ã o b i p o l a r , e m b o r a a l g u n s e s t u d o s s u g i r a m c e r t a e fi c á c i a . O
v a l p r o a t o o u o d i v a l p r o e x p o d e m s e r c o m b i n a d o s c o m o l í t i o . Re s p e i t a n d o - s e a s
i n t e r a ç õ e s f a r m a c o c i n é t i c a s , e v e n t u a l m e n t e , o v a l p r o a t o o u o d i v a l p r o ex p o d e m s e r
combinados também com a carbamazepina, nos casos resistent es à monoterapia .
Efeitos colaterais comuns do valproato incluem: sedação; perturbações
gastrointestinais; náusea; vômi tos; diarré ia; el evação benigna das transaminases; e
t r e m o r e s . L e u c o p e n i a a s s i n t o m á t i c a e t r o m b o c i t o p e n i a p o d e m o c o r r e r. O u t r o s e f e i t o s
incluem: queda de cabelo (às vezes acentuada) e aumento do peso e do apetite. Em
alguns casos, a leucpenia pode ser severa e acarretar a inte rrupção do tratament o.
Efeitos idiossincráticos incluem o desenvolvimento de ovários policísticos e
hiperandrogenismo. Casos de morte , embora raros, têm sido descritos devido a
hepatotoxicidade, pancreati te e agranuloci tose. Os pacientes ou seus responsáveis
devem ser adver tidos a respei to dos sinais e sintomas precoces dessas raras
c o m p l i c a ç õ e s . A i n t o x i c a ç ã o c o m d o s e s ex c e s s i v a s e v e n t u a l m e n t e r e q u e r
h e m o d i á l i s e , a l é m d a s m e d i d a s d e s u p o r t e e , à s v e z e s , d o n a l t r e xo n e . O v a l p r o a t o
deve ser iniciado com doses baixas (250 mg por dia), titulando-se a dose em
aumentos graduais de 250 mg com espaço de alguns dias, até a concentração sérica
de 50 microgramas a 100 microgramas por ml (não se excedendo a dose de 60 mg/kg
por dia). Controles dos níve is séricos, do hemograma e das enzimas hepáticas são
requeridos. Os níveis séricos do valproato podem ser diminuídos pela carbamazepina
e a u m e n t a d o s p o r d r o g a s c o m o a fl u oxe t i n a . O v a l p r o a t o a u m e n t a o s n í v e i s s é r i c o s d o
fenobarbital, da fenitoína e dos tricícl icos. A aspirina desloca o valproato de sua
ligação às proteínas, aumentando sua fração li vre .

A carbamazepina (CBZ) tem sido utilizada no transto rno bipolar desde a década de
1970; estudos controlados sugerem taxa de resposta, na mania aguda, em torno de
61%. A CBZ tem sido menos estudada no tratamento da depressão bipolar, embora
alguns estudos dêem suporte a sua utilizaçã o. Quatorze estudos controlados (ou
p a r c i a l m e n t e c o n t r o l a d o s ) s u g e r e m q u e a C B Z p o s s a s e r e fi c a z n a p r o fi l a x i a d a
doença bipolar, em que pesem algumas limitações metodológicas. Embora os níveis
p l a s m á t i c o s e fi c a z e s d i f e r e m m u i t o e n t r e o s i n d i v í d u o s , e m g e r a l , p r e c o n i z a m - s e o s
níve is entre 4 a 12 microgramas por ml. Como a CBZ induz ao aumento de seu própro
metabolismo, suas doses devem ser ajustadas depois de algum tempo, para que os
níveis no sangue sejam mantidos. Deve-se lembrar que a indução de enzimas
hepáticas pela carbamazepina reduz os níve is de várias outras substâncias (como os
hormônios tiroideanos) e medicamentos, entre os quais os anticoncepcionais, cujas
doses devem ser reajustadas, em acordo com o ginecologista.

Entre os efeitos colaterais da CBZ estão: diplopia, visão borrada, fadiga, náusea e
ataxia. Esses efeitos geralmente são transitórios, melhorando com o tempo e/ou com
a r e d u ç ã o d a d o s e . M e n o s f r e q ü e n t e m e n t e o b s e r v a m - s e “r a s h ” c u t â n e o , l e u c o p e n i a
le ve, trombocitopenia lev e, hipoosmolaridade e lev e elevação das enzimas hepáticas
(em 5% a 15% dos pacientes). Caso os níveis da leucopenia e a elevação das enzimas
hepáticas se agravem, a CBZ deve ser interrompida. A hiponatremia deve-se à
ret enção de água dev ido ao ef eito antidiurético da CBZ, mais comum nos idosos; às
vez es, a hiponatrem ia leva à necessidade de int erromper o uso desse medicamento. A
CBZ pode diminuir os níve is de tiroxina e ele var os nív eis do cortisol . No entanto,
r a r a m e n t e e s s e s e f e i t o s s ã o c l i n i c a m e n t e s i g n i fi c a t i v o s . E f e i t o s r a r o s , m a s
potencialment e fatais, incluem: agranulocitose , anemia aplásica, dermati te esfoliati va
( p o r exe m p l o , S t e v e n s - J o h n s o n ) e p a n c r e a t i t e . O s p a c i e n t e s d e v e m s e r a l e r t a d o s
sobre os sinais e sintomas que precocemente fazem suspei tar dessas condições. Muito
r a r a m e n t e p o d e o c o r r e r i n s u fi c i ê n c i a r e n a l e a l t e r a ç õ e s d a c o n d u ç ã o c a r d í a c a . O s
cuidados prévios na introdução da CBZ incluem , além da anamnese a respei to de
história prévia de discrasias sangüíneas e doença hepática , hemograma completo ,
enzimas hepáticas, bili rrubinas, fosfatase alcalina, eletró litos (dado o risco de
hiponatremia) e avaliação da função renal. As doses dev em ser iniciadas aos poucos
(100 mg/dia a 200 mg/dia, inicialmente), aumentando-se gradualmente até atingir
níveis séricos compatíveis ou melhora terapêutica; as doses devem ser divididas em
três ou quatro tomadas, aumentando -se o intervalo para as preparações de liberação
lenta . Doses superiores a 1.200 mg/dia não são geralmente recomendadas.
Inicialmente monitoram-se o hemograma e a função hepática a cada duas semanas,
nos primeiros dois meses, e, poster iormente , a monitoração ocorre a cada três meses.
Muitas das condições descritas acima não são previstas por meio desses exames,
devendo os pacient es serem instruídos a relatar os sintomas precoces de cada
condição potencialment e perigosa (l eucopenia , quadros alérgicos, icter ícia, entre
outros sintomas).

Novos anticonvulsivantes têm sido testados no transtorno bipolar, como a


o xc a r b a z e p i n a , a l a m o t r i g i n a , a g a b a p e n t i n a e o t o p i r a m a t o . A i n d a n ã o e x i s t e m
muitos estudos controlados com esses medicamentos, o que faz com que sejam
empregados com cautela e para casos resistentes aos tra tamentos já estabelecidos.

A o xc a r b a z e p i n a é o 1 0 - c e t o a n á l o g o d a c a r b a m a z e p i n a ( C B Z ) , q u e e m c o n t r a s t e c o m
e s t a , n ã o i n d u z a o a u m e n t o d o m e t a b o l i s m o ox i d a t i v o h e p á t i c o . A p a r e n t e m e n t e , a
o xc a r b a z e p i n a c a u s a m e n o s s e d a ç ã o e “r a s h ” c u t â n e o d o q u e a C B Z , a s s i m c o m o n ã o
el eva as enzimas hepáticas na mesma freqüência do que a CBZ. Alguns estudos
c o n t r o l a d o s i n d i c a m s u a e fi c á c i a n a m a n i a a g u d a , p o d e n d o e v e n t u a l m e n t e s u b s t i t u i r a
C B Z , q u a n d o e l a n ã o f o r b e m t o l e r a d a . Fa l t a m , n o e n t a n t o , e s t u d o s r e f e r e n t e s à
d e p r e s s ã o e à p r o fi l a x i a d o t r a n s t o r n o b i p o l a r. A s d o s e s u t i l i z a d a s , e m d i f e r e n t e s
estudos, têm variado entre 600 mg/dia a 2.400 mg/dia, administradas em dois a três
tomadas diárias; o aumento das doses deve ser gradual.

A lamotrigina é um anticonvulsivante da classe da feniltriazina, que tem se mostrado


e fi c a z n o t r a t a m e n t o d o t r a n s t o r n o b i p o l a r , i n c l u i n d o o s e s t a d o s m i s t o s e o s
cicladores rápidos. De especial importância re veste-se o estudo randomizado e
c o n t r o l a d o , r e a l i z a d o p o r C a l a b r e s e e t a l ( 1 9 9 9 ) , q u e m o s t r o u a e fi c á c i a d a
l a m o t r i g i n a n o t r a t a m e n t o d a d e p r e s s ã o b i p o l a r. S e u s e f e i t o s c o l a t e r a i s i n c l u e m :
t o n t u r a s , a t a x i a , s o n o l ê n c i a , c e f a l é i a , d i p l o p i a , n á u s e a s , v ô m i t o s e “r a s h ” c u t â n e o . A
lamotrigina pode reduzir a concentração do ácido fólic o. A diminuição do ácido fólico,
p o r s u a v e z , t e m s i d o r e l a c i o n a d a à t e r a t o g ê n e s e . Po r e s s a r a z ã o , a l a m o t r i g i n a n ã o
d e v e s e r u s a d a d u r a n t e a g e s t a ç ã o . O s a u t o r e s a d v e r t e m o r i s c o d e “r a s h ” c u r t â n e o ,
que pode ser grave, e alertam para a possibilidade, embora rara, do
d e s e n v o l v i u m e n t o d a s í n d r o m e d e S t e v e n s - J o h n s o n . Re c o m e n d a - s e i n i c i a r a
lamotrigina em doses baixas: 25 mg/dia por uma semana, seguida por 50 mg/dia por
mais duas semanas; se necessário, aumenta-se a dose, depois de mais duas semanas,
para 100 mg por dia, em duas tomadas; posteriorm ente, pode-se aumentar a dose em
50 mg a 100 mg a cada uma ou duas semanas. Em geral, usam-se doses diárias de 50
mg/dia a 250 mg/dia. Caso o paciente este ja em uso de ácido valpróico, as doses
devem ser reduzidas à metade, sendo a ti tulação da dose iniciada com 25 mg a cada
d o i s d i a s ; a a s s o c i a ç ã o c o m á c i d o - v a l p r ó i c o a u m e n t a o r i s c o d e “r a s h ” c u t â n e o . C a s o
haja associação à carbamazepina, as doses devem ser duplicadas, em função da
indução enzimática que ocorre .

A gabapentina não sofre metabolização no organismo humano, sendo elim inada pelos
rins praticamente inalt erada. Não interage, por isso, com o sist ema do ci tocromo P
450, sendo praticament e desti tuída de interações fa rmacológicas. Seus efe itos
colaterais mais comuns são: sonolência, tonturas, ataxia, fadiga e nistagmos. As
doses terapêuticas usuais situam-se entre 900 mg/dia a 1.800 mg/dia, divididas em
três doses. Inicia-se o tratam ento com 300 mg, geralmente à noit e, pela sonolência
que acarreta, aumentando -se gradualmente as doses, em 300 mg ao dia, a cada três
ou quatro dias, na dependência da tolerabi lidade do pacient e. Embora haja muitos
e s t u d o s a b e r t o s e “n a t u r a l í s t i c o s ” , f a l t a m a i n d a e s t u d o s p r o s p e c t i v o s , r a n d o m i z a d o s ,
q u e p o s s a m c o n fi r m a r a e fi c á c i a d a g a b a p e n t i n a , e m m o n o t e r a p i a , n o t r a n s t o r n o
b i p o l a r.

O topiramato t em sido , mais rec entemente , testado no transtorno bipolar; seus


efe itos cola terias incluem: perda de peso, redução do apet ite , náuseas, parestesias,
sonolência , tonturas e cansaço. Em monoterapia , o topiramato mostrou-se útil em
cinco dos 11 pacientes com mania refratária , em doses de 50 mg/dia a 1.300 mg/dia.
Em associação a outras drogas, tem- se mostrado útil também na depressão bipolar,
mania, hipomania e em estados mistos. Aguardam-se estudos prospecti vos,
controlados, com número maior de pacient es.

Neurolépticos

Há mui to tempo, os neurolépticos clássicos têm sido utilizados no tratamento da


mania aguda, pela rapidez da ação e pelo controle da agitação psicomotora; seu uso,
no tratamento de manutenção, é evitado pelos efeitos colaterais (parkinsonismo,
acatisia e risco do desenvolvimento de discinesia tardia) , podendo ainda desencadear
ou agravar quadros depressivos. Neurolépticos atípicos, como a clozapina, têm sido
usados como estabi lizadores do humor em quadros resistentes. A clozapina, no
entanto, tem seu uso limitado pelo risco de agranulocitose. A risperidona e a
olanzapina têm sido também utilizadas na mania aguda; a olanzapina começa a ser
t e s t a d a c o m o e s t a b i l i z a d o r a d o h u m o r.

A o l a n z a p i n a , e m p e s q u i s a r a n d o m i z a d a e c o n t r o l a d a c o m p l a c e b o , m o s t r o u - s e e fi c a z
n o c o n t r o l e d a m a n i a a g u d a , e e s t á s e n d o e s t u d a d a c o m o e s t a b i l i z a d o r a d o h u m o r.

Outros agentes

Bloqueadores dos canais de cálcio , clonidina e a estimulação magnética transcraniana


d e r e p e t i ç ã o ( r T M S ) t ê m s i d o u t i l i z a d o s n o t r a t a m e n t o d o t r a n s t o r n o b i p o l a r. S e u u s o
ainda é experimental e limitado a casos resistentes a outras drogas. O clonazepam é
mais freqüentem ente usado como coadjuvante, nos casos de agitação e insônia.

Eletroconvulsoterapia

A el etroconvulsoterapia conserva lugar de destaque no tratamento dos casos


r e s i s t e n t e s , m o s t r a n d o a ç ã o a n t i d e p r e s s i v a , a n t i m a n í a c a e e s t a b i l i z a d o r a d o h u m o r.
Em casos refratários, chega a ser utilizada, dentro de certos limites, até como
tratam ento de manutenção (em aplicações mensais) . O ECT deve sempre ser realizado
c o m r e l a x a n t e s m u s c u l a r e s ( g e r a l m e n t e , a s u c c i n i l c o l i n a ) , a n e s t e s i a e ox i g e n a ç ã o ;
a l é m d a o x i m e t r i a , d e v e - s e m o n i t o r i z a r o E E G e o E C G . Re c o m e n d a - s e q u e a
e l e t r o c o n v u l s o t e r a p i a d e v a s e r f e i t a c o m c o r r e n t e d e p u l s o s b r e v e s ( “o n d a q u a d r a d a ” )
e aplicada somente por médicos com tre inamento especializad o.

Re f e r ê n c i a s

1 . S a c h s G , Pr i n t z D J , K a h n D A , C a r p e n t e r D , D o c h e r t y J . T h e ex p e r t c o n s e n s u s
g u i d e l i n e s e r i e s : m e d i c a t i o n t r e a t m e n t o f b i p o l a r d i s o r d e r 2 0 0 0 . Po s t g r a d u a t e
Medicine: A special report (April); 2000. p. 1-104.

2 . Fr a n c e s A , D o c h e r t y J P , K a h n D A . T h e ex p e r t c o n s e n s u s g u i d e l i n e s e r i e s : t r e a t m e n t
o f b i p o l a r d i s o r d e r. J C l i n Ps y c h i a t r y 1 9 6 6 ; 5 7 ( S u p p l 1 2 A ) : 1 - 8 8 .

3 . A m e r i c a n Ps y c h i a t r i c A s s o c i a t i o n . Pr a c t i c e g u i d e l i n e s f o r t h e t r e a t m e n t o f p a c i e n t s
w i t h b i p o l a r d i s o r d e r. A m J Ps y c h i a t r y 1 9 9 4 ; 1 5 1 ( 1 2 ) : 1 - 3 6 .

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