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historiografia permaneceu como parte da história da literatura até o início do século XX.7 E
embora haja algumas narrativas autônomas sobre essa história nas décadas de 1920 e 1930,
com as obras de Alcides Bezerra e Henri Hauser, sabemos que o esforço mais sistemático de
estudo e escrita foi posto em prática por José Honório Rodrigues entre os anos 1940 e 1970.
Em linhas gerais, identificam-se dois momentos específicos nos estudos sobre historiografia
brasileira no século XX: o período que vai do fim dos anos 1940 até os anos 1960, quando as
obras de José Honório Rodrigues estabeleceram um modelo que se tornou referência
obrigatória nos cursos de graduação; e os anos 1970, quando outras propostas de escrita dessa
história entraram em cena.
José Honório Rodrigues destaca-se como o pesquisador que mais investiu no exame da
produção historiográfica brasileira.
José Honório expôs as linhas gerais para a interpretação da história da história do e no Brasil,
listando nomes e obras, estabelecendo uma cronologia da produção historiográfica, tecendo
relações entre essa produção e as teorias da história. Mas, além disso, tal empreendimento
possui uma clara função crítica.
Seu alvo principal é aquela historiografia que o autor considerava distante dos interesses
nacionais, incapaz de dar conta do processo de emancipação do país. Em sua opinião, essa
historiografia a ser ultrapassada só tinha olhos para a história colonial, não sendo capaz de
desenvolver seu oposto: uma história nacional. A primeira, consitiria em uma escrita da
história inspirada por valores estrangeiros e compromissada com a difusão de ideologias
antinacionais. A segunda, que ainda não estaria plenamente desenvolvida, representaria o
pensamento genuinamente brasileiro. Segundo o autor, a historiografia brasileira era “um
espelho de sua própria história”, inegavelmente integrada à sociedade de que era parte, por
meio de um “nexo é econômico e ideológico”.
O modelo de história da historiografia proposto por José Honório perdurou por longo tempo,
tornando-se referência obrigatória nos cursos de História ao menos até a década de 1970,
quando outros autores procuraram refletir sobre a história da historiografia, introduzindo
novos elementos nessa história, mas sem abandonar totalmente a chave de leitura consolidada
pelo autor de Teoria da história no Brasil.
Uma demanda por renovação nos estudos sobre historiografia brasileira pode ser observada no
I Seminário de Estudos Brasileiros, realizado no IEB em 1971.
Carlos Guilherme Mota, com Ideologia da cultura brasileira, 1933-1974, não se tratava de uma
história da cultura brasileira, nem de uma história intelectual tradicional, preocupada com o
arrolamento sistemático dos principais pensadores com indicação de suas respectivas
influências. A proposta era apresentar uma história da consciência social no Brasil, por meio de
uma “história das ideologias”, feita a partir da crítica das interpretações a propósito da
chamada cultura brasileira. Em outras palavras, seu objetivo era compreender os pressupostos
ideológicos que fundamentavam as interpretações de cunho histórico sobre a cultura
brasileira.
Ainda nos anos 1970, dois livros se destacam por abordar a produção historiográfica
oitocentista na interseção com a história política e a questão nacional, ambos frutos de teses
de doutoramento: O fardo do homem branco: Southey, historiador do Brasil (1974), de Maria
Odila Leite da Silva Dias; e João Francisco Lisboa: jornalista e historiador (1977), de Maria de
Lourdes Mônaco Janotti.
Em 1976, Raquel Glezer defendeu sua tese de doutorado, intitulada O saber e o fazer na obra
de José Honório Rodrigues. O estudo da produção histórica poderia ser feito por assunto, por
período ou por autor e que cada uma dessas possibilidades mereceria tratamento diferente.
Em 1979, Nilo Odália propunha uma análise da historiografia brasileira com base no conceito
de “visão de mundo”, que permitia fazer a relação entre a obra de um autor e sua época.
O segundo comentário refere-se à permanência, pelo menos por três décadas, da noção de
ideologia como categoria-chave dos estudos sobre a historiografia, o que pode ser
compreendido levando em conta a experiência vivida por esses intelectuais, pensadores da
história, entre as décadas de 1950 e 1970, quando a temática da “questão nacional” retornou à
cena sob novo prisma, suscitando interpretações diversas e exigindo novos instrumentos
teóricos.
Por fim, nos anos 1970, a emergência de uma preocupação em desenvolver a história da
historiografia parece estar relacionada, ao menos em parte, com uma transformação interna
do campo dos estudos históricos no Brasil.
A partir dos anos 1980, identifica-se um conjunto de pesquisadores que se dedicaram a pensar
a historiografia a partir de referenciais oriundos da história das ideias, produzindo estudos
sobre autores, obras e instituições. É necessário considerar que esse contexto é marcado por
uma inflexão da historiografia brasileira, por efeito da expansão das pesquisas realizadas no
âmbito das pós-graduações, criadas na década anterior, e das transformações no plano
internacional, decorrentes, em larga medida, da renovação da história política e da história
intelectual, do giro linguístico e da ascensão da história cultural. Categorias como ideologia não
necessariamente foram deixadas de lado, mas outras foram incluídas, tornando o quadro
conceitual mais complexo.
Na década final do século XX, entre os estudos que evidenciaram a articulação fecunda entre
historiografia, história política e história das instituições, a tese de Lucia Maria Paschoal
Guimarães, Debaixo da imediata proteção de Sua Majestade Imperial: o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (1838-1889).
A partir do final dos anos 1980 e ao longo da primeira década do século XXI, observa-se o
interesse por problemas relacionados à escrita e à narrativa históricas, às práticas e lugares
institucionais de investigação em estudos que, de modo geral, mantêm os referenciais da
história política e da “questão nacional”, mas também despontam com outras preocupações,
por vezes relacionadas à cultura histórica, à experiência do tempo e à recepção das obras
historiográficas, assim como aos problemas de teoria da história ou da história dos conceitos.