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"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando


por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo
nível."
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Henrique
José Branco
Brazão
Farinha
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Eduardo
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Editora
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Gráfico e
Editoração Publicado de acor
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Inglaterra.
Capa
Listo Copyright © 2012
Comunicação Évora Ltda.
Tradução Todos os direitos
Alexandre são reservados à E
Callari
Rua Sergipe, 401
Preparação Consolação
de Texto São Paulo – SP –
Márcia 906
Duarte Telefone: (11) 356
Revisão 7815
Heraldo Vaz Site:
http://www.editor
Impressão
E-mail:
Prol Gráfica
contato@editoraev
Dados internacionais de catalogação na publicação (CIP)

B567n
Blake, Mark
[Pigs might fly. Português]
Nos bastidores do Pink Floy d/Mark Blake; tradução: Alexandre Callari
. – São Paulo: Évora, 2012.
488p. : il. ; 16x23 cm.

Tradução de: Pigs might fly : the inside history of Pink Floyd.
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-63993-34-2

1. Pink Floy d (Grupo musical) 2. Roqueiros – Inglaterra – Biografia. I. Título.

CDD 782.421660922
SUMÁRIO

MENSAGEM AO
LEITOR
BRASILEIRO
por Alexandre Callari
APRESENTAÇÃO À
EDIÇÃO
BRASILEIRA
por Luciano Milici
PREFÁCIO À
EDIÇÃO
BRASILEIRA
por Guy Corrêa

CAPÍTULO
UM
PORCOS VOARAM
CAPÍTULO
DOIS O VERÃO SEM FIM
CAPÍTULO UM HOBBY
TRÊS ESTRANHO
CAPÍTULO WAKING THE
QUATRO GRAPEVINE
CAPÍTULO OS ESPAÇOS
CINCO ENTRE AMIGOS
CAPÍTULO CARRO NOVO,
SEIS CAVIAR
CAPÍTULO DIRIGINDO O
SETE TREM DA ALEGRIA
CAPÍTULO POR QUE VOCÊ
OITO ESTÁ FUGINDO?
CAPÍTULO TIRANOS E REIS
NOVE INCURÁVEIS
CAPÍTULO A GRAMA ERA
DEZ MAIS VERDE
CAPÍTULO HERÓIS POR
ONZE FANTASMAS
AGRADECIMENTOS
BIBLIOGRAFIA
SELECIONADA
MENSAGEM AO LEITOR BRASILEIRO
por Alexandre Callari*

Foi em 1987 que vi pela primeira vez uma máquina bizarra sugando garotos
para dentro de seu estômago de engrenagens sombrias. Esses garotos tinham
rostos iguais, usando uma espécie de máscara bizarra e disforme, e caíam dentro
da máquina apenas para emergir do outro lado como carne moída. Eu estava ao
lado de minha falecida tia, que me explicou que aquilo era uma cena de um
filme do Pink Floy d. Com apenas 11 anos de idade, eu não tinha a menor ideia do
que ela estava falando.
Corta para 1991. Eu não era mais criança, mas um adolescente. A MTV
havia chegado ao país em outubro de 1990 e todos os meus amigos da rua já
tinham acesso a ela. Numa sexta-feira, cansado de me sentir por baixo, tomei
uma resolução: atravessei a rua, fui até uma loja de antenas vagabunda que
atendia a demanda do bairro e adquiri uma porcaria qualquer que sintonizasse o
sinal da MTV. Disse que meu pai acertava com o dono depois. A seguir, subi no
telhado (eu e meus amigos passávamos muito tempo lá) e instalei eu mesmo a
antena. Pouco mais de uma hora depois, o canal estava funcionando.
O Disc MTV, na época, era uma maravilha para fãs de rock: Ozzy
Osbourne, Faith no More, Guns n’ Roses, Skid Row, Pantera, Metallica, Alice
Cooper... Era uma maravilha. Havia o Clássicos MTV, que eu acompanhava de
carteirinha e, bem no meio da tarde, o Fúria Metal, com bandas um pouco mais
extremas e apresentação do VJ entendido no assunto, Gastão. O panorama era,
portanto, bem diferente da atual MTV (quer dizer, na época era praticamente só
vídeos, coisa rara de se ver por lá hoje em dia). Ficávamos, meus amigos e eu, o
dia inteiro vidrados na tela. E foi quando vi, pela segunda vez, aquele clipe
estranho daquelas criancinhas. Só que naquela ocasião, um pouco mais velho,
compreendi melhor o que estava diante de mim.
O vídeo de “Another Brick in the Wall Part 2” foi extraído do filme que
Alan Parker dirigiu em 1982 e mostra um dos momentos mais pungentes da
película, com os abusos que os alunos sofriam de professores arcaicos e
retrógrados, que culminavam em uma revolução definitiva, com uma fogueira
sendo acendida no meio da escola e, como combustível, mesas, cadeiras, livros
e, por que não, mestres... Quer dizer, o professor abusado e hipócrita não era
mostrado sendo queimado, mas ficava subentendido.
Eu tinha frequentado uma escola marista tradicional de São Paulo e,
quando jovem, sofri com algumas besteiras que eles propunham. Por exemplo,
eu deveria ter sido canhoto, porém, meus professores batiam na minha mão com
uma régua e diziam que eu tinha de escrever com a mão direita (a esquerda era
“coisa do demônio”). Pois é, eu não peguei a fase de ajoelhar no milho (embora
meu pai tenha pegado), mas nem por isso guardava menos desdém por
professores e pelo que eles representavam (que maculava meu espírito
adolescente selvagem e minha vontade de me rebelar contra o sistema). Mas,
como diz o ditado, se quando jovem você não se rebela, então não tem coração.
Com minha própria dose de abusos escolares, me identifiquei com o garoto do
vídeo, Pink.
O fato é que, após ter visto o vídeo pela segunda vez na MTV, anotei o
nome da banda e resolvi correr atrás daquilo.
Meus pais, obviamente, conheciam o Pink Floy d, mas não a fundo, já que
música nunca foi o forte deles. Recorri aos meus colegas. Começou uma guerra
para encontrar a banda (estávamos na fase das descobertas). Eventualmente, um
grande amigo comprou um vinil duplo de The Wall, o que bastou para que todos
na rua copiassem suas próprias fitas cassete. Engraçado, fala-se tanto sobre
pirataria hoje em dia, mas ninguém nunca se importou com os cassetes do
passado. Se bem que isso é assunto para outro texto.
Logo descobrimos outros discos da banda, incluindo um que tinha uma
pirâmide na capa, que uma amiga me alertou ser, na verdade, um prisma
(qualquer que seja a diferença). Até hoje me recordo da sensação de escutar
“Us and Them” pela primeira vez, com as palavras ecoando pelo sistema de som
da casa de um amigo: Us, us, us, us...; cada uma em um canto da sala, o que me
deixou arrepiado. “Wish You Were Here” tornou-se música obrigatória em
rodinhas de violão, mas acredito que isso deve ter acontecido com quase todo
mundo. E os mais aficionados da turma tentavam traduzir as letras e interpretá-
las. Acredite ou não, foi basicamente assim que aprendi a falar inglês: traduzindo
músicas.
Eu ficava horas sozinho em meu quarto, com a luz apagada, às vezes
sentado no batente da janela, escutando aqueles dois cassetes e curtindo um sabor
de desespero velado, uma viagem feroz e brutal, capitaneada pelos solos de
Gilmour e pelas irascíveis letras de Waters. Foi um grande período que estimulou
e influenciou toda a minha trajetória musical, quase uma década depois.
Tudo o que minha banda de heavy metal, o Delpht, trazia de progressivo
era basicamente influência minha. E, embora eu gostasse de Yes, Genesis, Rush
e similares, essa influência veio mesmo do Floy d.
Hoje, mais de vinte anos depois daquele contato inicial que tive com o som
singular do conjunto, e na verdade mais de quarenta anos depois do próprio
surgimento dele, torno a escutar seus trabalhos e estremeço ao perceber o quanto
ele ainda soa atual. Há coisas ruins? É possível. Há coisas datadas? Certamente.
Mas há também muitas, muitas, muitas obras-primas. Nesta nossa época de
sucessos rápidos que duram tanto quanto a próxima onda, uma época em que
gravadoras são derrubadas pela força da tecnologia e do poder colocado nas
mãos do público pela internet, é incrível ver senhores com quase 70 anos de
idade encantando as novas gerações com seus trabalhos de outrora.
A relevância é o segredo para a imortalidade. E o Floy d tornou-se imortal.
Eles são um dos últimos de sua estirpe. Não surgirão mais bandas assim. O
mundo mudou, o público mudou. Porém, parece que o feito deles, e de poucos
como eles, foi ter sobrevivido à inexorável passagem do tempo. De minha parte,
quando penso nas crianças caindo na máquina de moer, massificadas pelo
sistema, me arrepio de pensar nos poderes de predição de Roger Waters.
Contorço-me em pensar que, com base no que ele fez, podemos perceber alguns
rumos que nossa sociedade vem tomando e, com um pouco de boa vontade,
afinco e sorte, modificá-los.
Este livro é um relato único que mostra como alguns jovens singulares
mudaram a história da música, mesmo em meio a atropelos, acessos de raiva,
egocentrismo, drogas e todo um pacote de excentricidades. Seja benvindo ao
mundo do Floy d.

* Músico, professor, autor dos livros Apocalipse zumbi e Quadrinhos no cinema,


tradutor de Conan e editor e apresentador do site Pipoca & Nanquim.
APRESENTAÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA PARA CONHECER PINK
FLOYD ALÉM DO MURO
por Luciano Milici*

“Quando foi o punk? Eu nem notei”


Roger Waters, 1992

Nasci no ano em que o álbum Wish You Were Here foi lançado. Dentre as muitas
memórias da primeira infância, fitas cassete de capas estranhas com prismas,
homens em chamas se cumprimentando e muros brancos, que mais tarde eu
saberia serem obras primas de uma banda inglesa de rock chamada Pink Floy d.
A descoberta do filme The Wall (Inglaterra, 1982), de Alan Parker, já na
adolescência, alugado tantas vezes nas videolocadoras até ser definitivamente
copiado, levou-me a querer ser músico, baixista como Roger Waters, e decifrar
ao máximo o que era Pink Floy d na realidade. Meu gosto era eclético e transitava
do heavy ao hard, do punk ao progressivo, passando por rockabilly e MPB.
Naquela época pré-internet, nossas fontes eram as lojas de CD, galerias de
rock, shows e pátios de escola. Trocávamos discos, CDs, fitas, filmes, revistas e
livros sobre nossos artistas preferidos, mas os poucos canais de TV, com
programação restrita, não ofereciam informações variadas suficientes a respeito
do Pink Floy d ou de qualquer outra banda.
Mergulhei nas raras fontes. Algumas contraditórias, outras absurdamente
inverídicas, construíram uma imagem estanque como um muro de tijolos. O
tempo passou e nada mudou profundamente desde aquelas tardes de sol do início
dos anos noventa até hoje. Mesmo depois do advento e da popularização da
internet, redes sociais e fã-clubes, os passos do Pink Floy d continuaram dentro do
que já era tradicionalmente conhecido e aceito.
Nos bastidores do Pink Floyd chegou para preencher lacunas, revelar
segredos e instituir novas polêmicas. É uma overdose de Pink Floy d. Lê-lo, ou
melhor, consumi-lo, é caminhar ao lado de Roger Waters, Sy d Barret, David
Gilmour, Richard Wright, Nick Mason. É participar do início da banda com
garotos de 16 anos, rebeldes e com pais ausentes em Cambridge. É montar um
show psicodélico com luzes improvisadas no clube UFO, brigar com os melhores
amigos, processá-los, perdoá-los e subir novamente ao palco em meio a
lágrimas.
Muitas bandas foram exploradas em biografias, inclusive o próprio Pink
Floy d, mas Nos bastidores do Pink Floyd disseca de maneira inédita o dia a dia do
grupo sob um ponto de vista neutro e às vezes cruelmente realista. É
indispensável para fãs da banda, admiradores da história do rock, músicos e
estudantes do comportamento humano.
Onde mais podemos tomar contato com um encantador e perturbado Sy d
Barret? Erroneamente esquecido na linha do tempo do Pink Floy d, o jovem de
aparência intrigante é resgatado neste livro e colocado como o homem que
batizou a banda. Barret, sem dúvida, subirá ao panteão das lendas misteriosas do
rock que carregam aquela inexplicável chama que leva fãs, seguidores,
jornalistas e críticos à rara sensação de se presenciar um fenômeno único e
mágico.
O livro constata que toda banda de sucesso teve seu Sy d Barrett em algum
momento e – possivelmente – abandonou esse princípio incontrolável e explosivo
para relegar o controle ao músico às vezes não tão talentoso, mas mais centrado,
organizado e ambicioso (alguém aí disse Roger Waters?).
Mais do que uma peça indispensável para se decifrar os ícones do rock
progressivo, este livro deixará o leitor confortavelmente entorpecido.

* Escritor, autor do livro A página perdida de Camões, músico e fã incondicional


do Pink Floy d.
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA O MAIOR ESPETÁCULO DA
TERRA
por Guy Corrêa *

S om psicodélico, letras de cunho filosófico, projeção de imagens e luzes... Os


shows do Pink Floy d, segundo dizia a lenda, tentavam impingir os efeitos de uma
viagem de LSD aos olhos de seu público. A banda formada em Cambridge por
Roger Waters, Richard Wright e Nick Mason teve outras denominações até se
deparar com Sy d Barrett, ex-colega de escola de Waters. Foi idéia de Barrett,
que além de músico era também pintor, poeta e artista performático, utilizar
projeções de slides nos shows do grupo.
Nos bastidores do Pink Floyd ilumina a arquitetura de toda a carreira da
banda e os passos de cada um de seus integrantes, inicialmente em Cambridge e,
em seguida, em sua fase londrina. Nesse segundo momento, na capital inglesa, os
membros do grupo se esbarram com outros jovens músicos, que também se
transformariam, em pouco tempo, em astros do rock.
A obra também acompanha Sy d Barret, após seu desligamento da banda,
até ele assumir uma vida comum, voltando a morar com a mãe e a se dedicar a
atividades simples. Nesse instante, Sy d se desloca, dá espaço a um apático e
confuso Roger, e, adaptado exclusivamente ao universo de seu bairro, acata o
lento degelo de sua mente e corpo até falecer em 2006. Seus objetos e
movimentos mínimos estão descritos no livro.
É prazeroso absorver a atmosfera da gravação de The Piper at the Gates of
Dawn, o primeiro álbum da banda, gravado no estúdio Abbey Road, em 1967.
Sobram lendas sobre possíveis encontros dos membros do Pink Floy d com os
Beatles, que, meses depois, ocupariam uma sala anexa para gravar o disco Sgt
Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Outro momento de destaque da obra é o
sucesso estrondoso do mítico álbum Dark Side of the Moon.
Nenhuma banda de rock deixou tamanho legado imagético. O produto de
suas imagens estáticas e em movimento não refuta a coerência estética. Richard
Wright e Sy d Barret estão mortos. Muita gente sonha ver David Gilmour tocando
os longos solos com sua Stratocaster preta ao lado de Roger Waters, que retorna
ao Brasil ao mesmo tempo em que esta obra é lançada em português. “Nós
queríamos conquistar o mundo”, afirmou Gilmour na turnê de Momentary Lapse.
Eles conseguiram. E há muito tempo os dois arquirrivais, individualmente, tiram
proveito disso, para alegria e frustração de seus fãs em todo o planeta. Que os
deuses ouçam Nick Mason: “Você não pode continuar com a Terceira Guerra
Mundial para sempre”.

* Jornalista, escritor e compositor; viveu em Lisboa e Londres; escreveu nas


revistas Viagem e Turismo, Exame, Carta Capital e Vogue; publicou quatro livros,
entre os quais o romance O hóspede perplexo (Ficções Editora, 2008) e O teatro
do ornitorrinco (Editora Imprensa Oficial, 2008); colheu depoimentos da
premiada atriz Maria Alice Vergueiro; redigiu a obra Tapa na pantera na íntegra,
uma autobiografia não-autorizada (Ficções Editora). Tem dois discos gravados:
Guy Corrêa (independente, 2004) e Fossa’ n’ roll (Vade Coy ote, 2012).
NOS BASTIDORES DO PINK FLOYD
CAPÍTULO UM PORCOS VOARAM

“Seria fantástico se pudéssemos fazer isso para algo como outro Live
Aid, mas talvez eu esteja apenas sendo terrivelmente sentimental... você
sabe como são velhos bateristas.”
Nick Mason

“Realmente, espero que possamos fazer algo juntos outra vez.”


Richard Wright

“Acho que não passaríamos pela primeira meia hora de ensaios. Se vou
estar no palco tocando, quero que seja com pessoas que amo.”
Roger Waters

“Acho que Roger Waters tem meu número de telefone, mas não tenho
interesse algum em discutir qualquer coisa com ele.”
David Gilmour
B em quando parecia que o rock já tinha perdido seu poder de polemizar havia
muito tempo, a reunião do Pink Floy d fez com que sua condição atual entrasse
em frenesi. É dia 2 de julho de 2005 e a banda vai tocar ao vivo no evento
beneficente Live 8, no Hy de Park, em Londres, mas o evento já está mais de
uma hora atrasado. Nas palavras da contracultura da década de 1960, da qual o
Pink Floy d surgiu, o “homem” não está feliz. Exceto que o “homem” agora é
Tessa Jowell, secretária da Cultura, Comunicação e Esportes. Vazou para a mídia
que ela convocou uma reunião de emergência nos bastidores e está ameaçando
cancelar o show mais cedo, com receio de que uma multidão de duzentas mil
pessoas tomando as ruas da capital de madrugada possa constituir um ato de
desordem pública.
Da última vez que David Gilmour, Richard Wright, Nick Mason e Roger
Waters estiveram mesmo que remotamente em choque com um político foi por
volta de 25 anos antes. Na época, o sucesso do Pink Floy d “Another Brick in the
Wall Part 2” apresentou um coral de crianças do centro da cidade de Londres
que cantava o refrão “We don’t need no education”,1 e isso foi demais para a
primeira-ministra Margaret Tatcher.
Em 2005, contudo, o panorama político havia sofrido uma mudança
sísmica. O Live 8 tinha sido montado para despertar a conscientização da
privação que o Terceiro Mundo sofria e imprimir urgência aos líderes mundiais,
que estariam conferenciando na semana seguinte no Encontro G8, para enfrentar
o problema da pobreza. Entretanto, um daqueles líderes, o primeiro-ministro
Tony Blair, tinha deixado escapar que, a despeito da motivação política da banda,
ele estava ansioso para assistir à performance do Pink Floy d no Live 8. Blair é fã
de rock, guitarrista ocasional e, por um breve período, foi vocalista de uma banda
universitária. Quando surgiram artigos na imprensa sobre os anos de rock-n’-roll
do primeiro-ministro, eles vieram, previsivelmente, acompanhados de uma foto
do jovem Blair, em 1972, radiante por detrás de seu cabelo comprido cacheado e
despenteado. Exceto pelo sorriso largo, ele poderia até passar por um membro do
Pink Floy d, ou, pior, um membro de sua equipe de roadies, talvez, se deixasse de
ser alegre demais e se subordinasse a Roger Waters.
Quem poderá dizer se o primeiro-ministro amante de Floy d tomou a frente
da discussão? Bem, o fato é que após a reunião de emergência, que envolveu a
polícia metropolitana e a Roy al Parks Agency, Tessa Jowell permitiu que o show
prosseguisse. Houve até mesmo rumores de que seriam distribuídos cobertores
para quem quisesse passar a noite no parque. Notícias sobre o provável
cancelamento do show só chegaram ao público nos jornais do dia seguinte, mas,
para qualquer um que estivesse razoavelmente por dentro da história que envolve
os membros do Pink Floy d, o verdadeiro milagre, em primeiro lugar, é eles
terem concordado em estar ali.
Live 8 foi um dia repleto de performances brilhantes e outras nem tanto, ao
lado de momentos arrebatadores que ocorrem quando astros do pop decidem se
posicionar a favor de uma causa justa. O organizador, sir Bob Geldof, fez a
cabeça da realeza da música, usando as mesmas táticas persuasivas de quando
montou o Live Aid, em 1985, ou seja, a sugestão implícita de que qualquer banda
que se recuse a tocar terá sua credibilidade manchada para sempre. U2,
Madonna, sir Elton John, sir Paul McCartney e diversos jovens astros do rock
concordaram em ceder seus serviços de graça. A escolha das bandas foi
aleatória, novatos seguindo veteranos, mas à medida que o dia passava certa
ordem parecia surgir.
Em todo o mundo, outros nove concertos ocorreram em cidades como
Roma, Berlim e Filadélfia. Entretanto, para muitos que estiveram reunidos em
todos esses eventos, foi uma única performance que ocorreu naquela noite, em
Londres, que gerou a maior ansiedade. Como Geldof admite, “o motivo que
levou esta banda, com um histórico de desordem tão sofrido, a concordar em
fazer isso, é uma saga bem maior que o próprio Live 8”. No dia em que a
reunião do Pink Floy d foi anunciada, circularam rumores de um promotor que
ofereceu 250 milhões de dólares para ter os quatro em turnê.
A carreira de discos de Pink Floy d começou em 1967. Desde então, a
banda vendeu mais de trinta milhões de cópias somente de seu álbum Dark Side
of the Moon, de 1973. Ainda assim, em algumas ocasiões, suas brigas públicas
chegaram a sobrepujar suas conquistas artísticas. Já se passaram mais de 24 anos
desde que os quatro integrantes do grupo partilharam o mesmo palco. Nesse
ínterim, Gilmour, Wright e Mason levaram adiante o nome Floy d, lançando
álbuns e fazendo turnês, enquanto Roger Waters, anteriormente baixista da banda
e também seu mais prolífico letrista e reconhecidamente o homem das ideias, foi
colocado para escanteio, tendo declarado certa vez que seus antigos colegas
“tomaram minha criança e a prostituíram, e jamais os perdoarei por isso”.
Perdão pode não estar nos planos, mas naquele dia os quatro fizeram uma
trégua, ou algo do tipo. Pink Floy d não lança um álbum desde 1994 e, sob
circunstâncias normais, persuadir o que o guitarrista David Gilmour descreve
como “este gigantesco amontoado de coisas velhas para se erguer de seu torpor”
teria sido um processo árduo. Contudo, com uma boa causa como isca e a
experiência de Geldof, levou apenas três semanas entre a relutância de Gilmour
em concordar a tocar e a chegada do reformado Floy d ao Hy de Park.
Às 22h17m, David Beckham, oficialmente o maior jogador de futebol do
Reino Unido, apresentou a entrada de Robbie Williams, oficialmente o maior
astro pop do Reino Unido. A voz de Williams estava visivelmente desgastada, mas
ele desempenhou seu número com facilidade – meio galã, meio Norman
Wisdom –, sendo bastante dramático e afetado, o que torna difícil imaginar que a
multidão estivesse tão quieta.
As circunstâncias não eram boas para a próxima atração, The Who. Em
1964, o baterista do Pink Floy d, Nick Mason, na época estudante de arquitetura na
Regent Street Poly technic, viu The Who tocar “My Generation” e teve uma
epifania: “Sim, é isso o que quero fazer”. Os membros remanescentes do The
Who, Pete Townshend e Roger Daltrey, junto a uma banda contratada, tocaram
“Who Are You” e “Won’t Get Fooled Again”. Eles evitaram qualquer
comunicação direta com a plateia e, no caso de Townshend e sua impenetrável
atitude sombria, qualquer contato visual. O show do The Who foi estanque, com
poucos vislumbres de sua antiga glória, e tudo pareceu estar terminado antes
mesmo de começar.
O concerto se aproximava de sua décima hora, o parque caiu em trevas
profundas. McCartney ainda iria fechar a noite e, presumidamente, nos
bastidores, os cobertores de Tessa Jowell estavam sendo desempacotados para os
que iriam passar a madrugada sob as estrelas.
Às 22h57m, sem nenhuma fanfarra ou apresentação de celebridades, um
som estranho, porém familiar, começou a viajar pelo parque. Qualquer roadie
que ainda estivesse no palco repentinamente havia desaparecido para dentro das
coxias. O volume do som aumentava: a firme e metronômica batida de um
coração. Holofotes varreram a plateia, o telão atrás do palco ganhava vida e a
pulsação se tornava mais alta. Então, veio a voz: “I’ve been mad for fucking
years”.2 Um trecho do discurso de um roadie do Pink Floy d gravado quase trinta
anos antes no Abbey Road Studios. Ele foi seguido pelo zumbido sinistro de
hélices de helicópteros, o som de uma caixa registradora e uma gargalhada
cacarejante, antes de tornar-se um longo e histérico grito; o momento de
fechamento de “Speak to Me”, a primeira faixa de Dark Side of the Moon.
O grito assustador parecia crescer em volume e tonalidade, então foi
substituído pelos tranquilos compassos de abertura de “Breathe”. Conforme os
holofotes diminuíam e o palco era banhado por luz, o público conseguia
vislumbrar a primeira imagem dos homens em cena. Em um reverso curioso do
decreto do Mágico de Oz para “não prestar atenção ao homem atrás da cortina”,
os homens eram tudo o que restara. O porco voador e as tomadas aéreas da
Battersea Power Station exibidas no telão atrás do palco são ícones do Floy d, mas
daquela vez eles falharam em desviar a atenção do público dos próprios
membros do grupo. No passado, o conjunto prosperou em seu anonimato.
Conforme o sucesso crescia, seus cenários nos palcos também cresciam; sempre
desenhados para tirar a atenção do público do visual nada notável dos homens da
banda. Por volta de 1980, eles tocaram atrás de um muro especialmente
construído, como parte do protesto musical de Roger Waters da natureza
desumanizadora na indústria musical. Quando Gilmour persuadiu o “amontoado
de velharias” a voltar à ativa nos anos 1980 e 1990, ele, Mason e Wright se
somaram a jovens instrumentistas, vibrantes backing vocals femininas e um
palco no estilo Spielberg repleto de lasers cegantes que submergiam os membros
originais do conjunto.
Naquela noite, o Pink Floy d parecia curiosamente real. Ele poderia ser
qualquer grupo de executivos cinquentões ao final de uma desgastante sexta-
feira, ou reunidos na sede do clube esperando que a chuva terminasse e uma
partida de golfe começasse, mesmo que seus jeans batidos se contrapusessem às
regras do clube. Ao fundo, Nick Mason, com a expressão congelada em algum
ponto entre a concentração e o sorriso, tamborilava em seu kit. Autor de um livro
recente sobre a banda, Mason tornou-se o membro do grupo de maior
visibilidade e experiência com a mídia, embora a sua decisão de ter continuado
no Pink Floy d após a saída de Waters tenha levado a uma crise com o amigo que
demorou para ser curada. O autonomeado diplomata do grupo (“sou o Henry
Kissinger do rock”, ele declarou os jornalistas depois), Mason, também foi vital
em ajudar Geldof a montar aquela reunião.
Mason havia desistido de estudar arquitetura em 1966, quando o
inexperiente Pink Floy d assinou seu primeiro contrato. Ele sempre planejou
voltar aos estudos, caso a vida de baterista de uma banda de rock não desse certo.
Agora, quatro décadas depois, o bigode de morsa e a coroa de longos cabelos
escuros que lhe eram característicos no início da década de 1970 há muito
desapareceram.
De cara limpa, um pouco empapado, com os cabelos curtos e grisalhos, o
baterista de 60 anos estava mais parecido com o arquiteto que ele quase foi. Sua
camisa branca até mostrava algumas dobras, sugerindo que acabara de sair da
caixa.
À esquerda do palco, Richard Wright curvou-se sobre os teclados, usando
uma jaqueta escura de linho por cima de uma camisa branca. Seu outrora
comportamento envergonhado certa vez fez com que um observador o
comparasse a um “jóquei ex-campeão em uma onda de azar”. Na verdade,
embora ele próprio não tenha estudado para se tornar arquiteto, Wright ainda tem
um ar artístico sobre si, e se parece mais com um astro de rock semiaposentado
do que seu companheiro baterista. Músico nato, Wright percebeu que estava
relegado ao Pink Floy d, uma vítima de sua própria condescendência e das fortes
personalidades que o cercavam. Em 1979, ele sofreu a ignomínia de ser forçado
a sair da banda por Roger Waters, sob a alegação de que não estava contribuindo
o bastante para a gravação do álbum The Wall. Wright viveu um período
depressivo e de reclusão antes de voltar a ser lentamente introduzido no grupo sob
a égide de Gilmour e, por fim, adquirir um papel firme na banda que ajudou a
formar.
De jeans surrado e camiseta preta, David Gilmour olhava imperiosamente
a meia distância. Mais do que qualquer um de seus companheiros de banda,
Gilmour sempre representou a quintessência hippie da década de 1970: descalço,
descontraído, uma porção de seu longo cabelo geralmente metida atrás da orelha
para mantê-lo fora do rosto, enquanto fuçava no seu amplificador ou pressionava
com os dedos a pedaleira de efeitos no chão. A cabeleira foi perdida na estrada, o
que restou foi raspado bem curto, e a linha da cintura estava mais grossa. Mas
Gilmour parecia ter uma confiança ainda maior agora. Segurando sua guitarra,
ele cantava letras escritas por seu duro rival, Roger Waters. Gilmour tem sido o
único frontman do Pink Floy d desde meados da década de 1980. Alvo da maior
parte da ira de Waters, ele recebeu dois discos de platina pelo Floy d e fez turnês
que quebraram recordes, sem seu antigo parceiro. Ele trocava sorrisos tímidos
com Mason e o público, que incluía sua mulher e alguns dos filhos assistindo de
um tapume em frente ao palco, porém, mal cruzava olhares com o baixista.
A poucos passos de distância, Roger Waters dominava seu próprio canto.
Seu cabelo grisalho ainda relava a gola da camisa azul desbotada. As mangas
arregaçadas revelavam um relógio caro que chacoalhava cada vez que ele se
movia. Waters não parecia tocar seu baixo com muita veemência. Queixo
erguido regiamente, ele fazia caretas e movia a cabeça no tempo da música
enquanto dedilhava o braço do instrumento. Sorria com frequência, mas logo
colocava os dentes à mostra e o perfil se tornava desconcertantemente agressivo.
Apesar dessa característica ameaçadora, Waters parecia encantado por estar de
volta ao palco com os mesmos homens que, vinte anos atrás, ele ameaçara com
medidas legais. De forma reveladora, enquanto Gilmour cantava, Waters mexia
a boca acompanhando as palavras, só para lembrar a todos que assistiam que
aquelas eram suas canções.
“Breathe” é uma abertura louca, em uma tonalidade grave. A doce
imagem da guitarra incitava a multidão a levantar seus isqueiros acima da
cabeça enquanto sorrisos iluminados apareciam no rosto daqueles que haviam
passado as últimas dez horas amontoados em seus lugares privilegiados,
aguardando por aquele momento. Escrita por Waters quando ele tinha 30 anos,
“Breathe” define a agenda lírica de Dark Side of the Moon; uma lamentosa
exploração dos medos e inseguranças do começo da idade adulta, a percepção
de que, nas palavras do baixista, “você fica sentado, esperando que a vida
comece, apenas para perceber repentinamente que ela já começou”. O fato de
ela estar sendo apresentada pelos mesmos homens trinta anos depois parecia
torná-la ainda mais presciente.
Com apenas uma palavra de reconhecimento para a plateia, “Breathe” deu
lugar a “Money ”, o single que ajudou o Pink Floy d a estourar nos Estados Unidos.
Em contraste, a música é um hard rock alto e direcionado. A letra se tornou alvo
previsível para os que acusavam a condição de multimilionários dos integrantes
do Floy d. Mas o assunto é relevante para o Live 8 e, conforme Mason explica,
“sir Bob queria que a gente a executasse”. De qualquer modo, o andamento
rápido da canção era ideal para um evento a céu aberto. Gilmour solava
incansavelmente, antes que a música fosse dividida ao meio por um solo de
saxofone de Dick Parry, o mesmo instrumentista que havia gravado a faixa
original, que andava lentamente no palco, parecendo estar se dirigindo ao nono
buraco em um jogo de golfe. Em um dueto no final da música, houve um
cintilante contato visual entre Gilmour e Waters, que logo depois desaparece.
Nos bastidores, um pouco antes, Nick Mason tinha calculado que haveria
por volta de trezentos anos de experiência em rock-n’-roll no palco. Mas o que
importava era a experiência de vida do grupo. Como uma pessoa de dentro do
Floy d certa vez pontuou, “a música do Pink Floy d é como uma bela garota
descendo a rua sem ter ninguém com quem conversar”. Para uma banda
famosa por sua reserva britânica e pela falta de habilidade em se comunicar
entre si fora do âmbito musical, esse rompante de paz trouxe à tona toda a
emoção e humanidade escondida em suas canções. De repente, tudo começava
a fazer sentido.
No contexto do show daquela noite, “Wish You Were Here” soou
exatamente como é: uma canção de amor simples para um amigo que se foi.
Gilmour e Waters tocaram violões, enquanto outro conhecido guitarrista base do
Floy d, Tim Renwick, saiu das sombras para auxiliá-los. Waters cantou o segundo
verso, sua voz mais bruta e estalada em contraste com o tom suave de Gilmour. A
canção foi curta, simples e recebida com entusiasmo. Seu significado e a
inspiração não se perderam em meio ao público. É uma música que fala
parcialmente sobre um membro original da banda que não estava no palco. A
canção de encerramento foi tão inevitável quanto antecipada. Não tocá-la teria
sido heresia. “Comfortably Numb” vem de The Wall, um álbum conceitual sobre
um astro do rock em tortuoso declínio. Dividindo novamente os vocais principais,
Waters e Gilmour cantaram The Wall, passando por um nirvana macio e
alucinógeno antes que Gilmour entregasse o momento recompensador: um solo
de guitarra que levou a canção a um clímax grandioso, no estilo Holly wood, do
tipo que é imitado de forma pouco hábil por tantas bandas de rock desde então.
Imponente, espetacular e comovente de maneira singular.
Expressões antes estoicas se tornaram sorrisos de alívio quando os quatro
caminharam até o centro do palco. Waters, com os braços já em volta de Mason
e Wright, gesticulou para Gilmour, que parecia desconfortável com o chamado
“venha”. Hesitante, o guitarrista permitiu ser abraçado e o Pink Floy d reunido fez
um agradecimento. Um cartaz no público capturou o momento: “Pink Floy d
reunido! Os Porcos Voaram”.
Às 23h15m, sir Paul McCartney entrou no palco para fechar o Live 8. Mas
nem mesmo ele foi capaz de desviar a atenção do que acabara de acontecer. Nos
Estados Unidos, há especulações sobre lucrativas turnês e a possibilidade de outro
álbum do Pink Floy d. Na Inglaterra, o Guardian, de forma mais irreverente, disse
que, embora os membros da banda “pareçam sócios executivos de uma empresa
contábil... vinte e quatro anos depois da última vez que partilharam o palco ainda
soam fantásticos”.
Do outro lado do mundo, assistindo à performance deles pela TV, nos
bastidores da versão canadense do Live 8, em Barrie, estava Bob Ezrin, efusivo
colaborador de longa data do Floy d e coprodutor do The Wall. “Fiquei extasiado e,
devo admitir, chorei. Então fui lentamente me dando conta de que todos estavam
me vendo assistir ao Pink Floy d.”
Para os seguidores da banda, gravadoras, antigos colegas com os olhos
marejados, todo mundo, o Live 8 ofereceu esperança de uma reconciliação a
longo prazo. David Gilmour rapidamente anulou qualquer especulação. “Para
mim, ficou no passado. Está feito. Não tenho vontade nenhuma de voltar àquele
ponto”, declarou. “Foi ótimo deixar um pouco daquela amargura para trás, mas a
coisa não vai além disso.”
Antes dos ensaios para o Live 8, a última vez que David Gilmour e Roger
Waters estiveram na companhia um do outro foi em 23 de dezembro de 1987
para, nas palavras do guitarrista, “acertar os termos de nosso divórcio”.
Reunindo-se no barco-estúdio de Gilmour, a dupla finalizou o acordo com um
contador e um computador, e estabeleceu as regras de um documento jurídico
sobre o uso e a posse do nome Pink Floy d.
Anteriormente, Waters tinha arquivado os processos legais contra Gilmour
e Mason, acreditando que o nome da banda deveria descansar em paz após sua
saída oficial, em 1985. Por quase vinte anos, Waters havia sido o escritor
predominante do grupo, dispondo os conceitos originais por trás de álbuns como
Dark Side of the Moon e The Wall, escrevendo a maioria das letras e, em suas
próprias palavras, “dirigindo a banda”. Recusando-se a ceder às suas exigências,
Gilmour e Mason se elegeram para continuar com o Pink Floy d. Três meses
depois desse acordo final, a dupla lançou um novo álbum, A Momentary Lapse of
Reason, assinando com Richard Wright para tocar na turnê seguinte. Em apenas
dois meses, embora tenha sido acusado por Waters de ser uma “falsificação”, o
álbum ganhou disco de platina, confirmando que a marca Pink Floy d era forte o
bastante para suportar até mesmo a perda de um integrante principal.
De fato, não era a primeira vez que a banda perdera um de seus membros.
No Live 8, Roger Waters rendeu homenagem ao membro que não estava
presente naquela noite, dedicando “Wish You Were Here” a “todos que não estão
aqui, particularmente a Sy d”.
Sy d Barrett, outrora vocalista principal da banda, guitarrista e sua estrela-
guia, deixou a banda e a indústria musical três décadas antes. Enquanto seus
antigos colegas de banda tocavam para mais de cem mil fãs no Hy de Park e
para uma audiência televisiva de mais de dois bilhões de pessoas em todo o
mundo, Sy d Barrett estava em casa, no subúrbio de Cambridge. Por vontade
própria, Barrett não tinha mais nenhum contato direto com o Pink Floy d nem
queria ser lembrado de seu período na banda. Para ele, aquilo já havia acabado
fazia muito tempo.

1 “Nós não precisamos de nenhuma educação.” (N. T.)


2 “Fui louco por anos.” (N. T.)
CAPÍTULO DOIS O VERÃO SEM FIM

“Liberdade é o que busco.”


Syd Barrett

Chegou ao conhecimento do público, em 7 de julho de 2006, que Sy d Barrett


havia morrido. A causa da morte foi câncer pancreático, mas sua saúde já vinha
declinando havia vários anos. A família de Sy d informou David Gilmour, que
repassou a notícia para seus antigos companheiros de banda e outros que faziam
parte do círculo do Floy d e amigos. Respeitando o desejo da família de Sy d,
ninguém da banda falava com ele havia anos. Quando as notícias finalmente se
espalharam por todo o mundo na quinta, 11 de julho, fotografias de Barrett
apareceram nas primeiras páginas de jornais em todo o globo. Foi uma reação
extraordinária e sem precedentes à morte de um homem que por trinta anos não
gravara um disco e jamais falara sobre seu período como astro do rock.
Na primavera de 1968, o Pink Floy d tinha se separado de seu cantor
original. Na época, David Gilmour, seu amigo de infância, se unira ao grupo para
dar alguma estabilidade musical, já que o uso de drogas de Barrett e sua
crescente instabilidade mental o tinham tornado um fator deficiente. Em janeiro
daquele ano, no caminho para um show, o resto da banda tomou a decisão de não
apanhar Sy d, uma decisão que teria efeito profundo no resto da vida deles.
Uma semana antes do show no Live 8, o London Evening Standard enviou
um jornalista à casa de Barrett, em Cambridge, na tentativa de entrevistar o
arisco ex-vocalista. Barrett recusou-se a atender a porta. Sua irmã, Rosemary,
revelou que havia contado ao irmão sobre a iminente reunião do Pink Floy d, mas
ele nada dissera. “Isso é outra vida para ele”, ela explicou, “outro mundo, em
outra época”. O apelido Sy d, adquirido naquela antiga vida, fora abandonado.
Por muitos anos, Sy d voltou a ser conhecido como Roger Barrett.
A casa anônima geminada na St Margaret’s Square, nº 6, em Cambridge,
onde Barrett viveu seus últimos anos, revelava muito pouco da identidade de seu
único morador. Não havia nada daquela decoração amada por astros do rock de
todas as gerações: nenhuma parede amontoada de discos de ouro, para serem
vislumbrados pelas aberturas nas cortinas, ou carros esportivos alinhados na
entrada da garagem. Ainda que não houvesse nada disso, alguma coisa poderia
ser esperada tendo em vista os rumores e meias-verdades sobre o estado mental
do proprietário. Barrett vivera lá sozinho desde a morte de sua mãe, em 1991.
Jamais se casou ou teve filhos ou qualquer emprego que durasse um período
significativo desde que seu alter ego deixou o Pink Floy d nos anos 1960.
De vez em quando o mundo exterior tentava colidir com seu universo
particular. Fotos da porta azul-marinho eram espalhadas por jornais junto com
alguma imagem do próprio ocupante. Pego desprevenido nos degraus de entrada
pelos fotógrafos, Sy d sempre parecia perplexo, às vezes zangado ou assustado,
invariavelmente mal vestido e com uma barriga de meia-idade à mostra.
Qualquer vislumbre de sua aparência relaxada dava mais munição à indústria da
fofoca sobre Sy d Barrett.
Sy d passava por essas intromissões sempre que sua vida pregressa se
tornava tópico de interesse do presente. Quando o Pink Floy d se reuniu sem a sua
presença para tocar no Live 8, foi inevitável que a imprensa caísse sobre ele.
Anteriormente, durante o frenesi da mídia em torno de raves no final dos anos
1980, Barrett foi considerado pelo News of the World como um exemplo legítimo
dos perigos de se tomar LSD. Claro, eles sabiam que Sy d jamais os processaria.
Mas, afinal, quem sabia o que ele poderia fazer? Vizinhos falavam de gritos
mortais rasgando a noite, enquanto outros diziam que o escutavam uivar como
um cão. Desde o começo da década de 1990, entretanto, Roger Barrett
simplesmente passava seus dias pintando, lendo e pedalando até lojinhas locais.
Ele vivia uma existência quieta, embora não totalmente reclusa. Por certo, após
cada invasão de sua privacidade, a trilha ficava fria novamente e Sy d era
deixado em paz, com apenas um ou outro fã que batia à sua porta sem ser
convidado.
Entretanto, qualquer que fosse o contexto, as imagens do antigo Sy d Barrett
que acompanhavam essas exposições nos jornais eram tremendamente
convincentes. As mesmas fotos reapareceram após sua morte. Tiradas quase
quarenta dias antes, mostravam Sy d produzido com suas melhores roupas, cabelo
ondulado formando um halo explosivo, olhos ardendo para a câmera,
desenhando a imagem do astro de rock condenado, um clichê adotado por
incontáveis Sy ds desde então.
“Ele era alguém que as pessoas apontariam nas ruas”, lembra-se David
Gilmour ao falar de seu amigo de infância. “Sy d tinha carisma, aquele
magnetismo.”
A história partilhada dos três principais protagonistas do Pink Floy d –
Barrett, Gilmour e Waters – está irrevogavelmente ligada à cidade de sua
juventude. A reputação de Cambridge como um foco de aprendizagem remonta
o começo do século XIII. Com a arrebatadora arquitetura de suas universidades
e o rio Cam atravessando a cidade, ela retém uma tradicional qualidade inglesa.
Mas, como contraponto a qualquer singularidade, a paisagem ao redor da cidade
compreende prados acidentados. A atmosfera que se infiltrou na música do Pink
Floy d desde o começo. O título do primeiro trabalho do grupo, The Piper at the
Gates of Dawn, foi tirado de O vento nos salgueiros, romance infantil de Kenneth
Grahame, de 1908, que se passa às margens de um rio. No capítulo de mesmo
nome, dois dos personagens animais embarcam em uma bizarra busca espiritual.
“Grantchester Meadows”, um suave interlúdio tocado por Roger Waters no
álbum Ummagumma, recebeu o nome da bela área às margens do rio repleta de
madeira frondosa, que ruma para o sul da cidade, perto do lar da família de
David Gilmour.
Na época em que os três integrantes principais do Floy d vieram ao mundo,
Cambridge era, como um dos seus colegas de infância descreveu, “um lugar
onde excentricidade licenciada era considerada permissível. Você via todas essas
pessoas brilhantes, porém estranhas, como Francis Crick, que descobriu o DNA,
pedalando excentricamente pelas ruas”. O pai de Sy d era outra figura conhecida
e excêntrica, vista com frequência descendo a Hills Road de bicicleta.
O dr. Arthur Max Barrett, conhecido por todos como Max, era professor
universitário de patologia e trabalhava no hospital local Addenbrooke.
Posteriormente, ele assumiria o mórbido cargo de anatomista em uma
universidade. Em seu tempo livre, era pintor amador e botânico, com o privilégio
de ter seu próprio conjunto de chaves dos jardins botânicos da cidade. Dono de
um talento musical, que seria herado por seu filho, dr. Barrett também era
membro da Sociedade Filarmônica de Cambridge.
Ele era casado com Winifred Garrett, bisneta de Elizabeth Garrett
Anderson, a primeira física mulher do país, em 1865. Os Barrett tiveram cinco
filhos: Alan, Donald, Ruth, Roger (mais tarde conhecido como Sy d) e Rosemary.
Sy d nasceu em 6 de janeiro de 1946, na primeira casa da família, localizada na
Glisson Road, nº 60, no distrito de Cherry Hinton, em Cambridge.
Três anos depois, a família mudou-se para uma casa próxima com cinco
quartos, no 183 da Hills Road.
A alguns minutos a pé da nova casa dos Barrett, ficava a Rock Road, onde a
família de George Roger Waters se estabeleceu quando ele tinha apenas 2 anos
de idade. O pai de Roger, Eric Fletcher Waters, havia crescido em County
Durham, era neto de um minerador de carvão e proeminente membro do
Partido Trabalhista. Ele se tornou professor e, sendo cristão devoto e opositor
consciencioso, recusou-se a fazer parte do surto da guerra. Em vez disso, prestou
trabalhos voluntários e dirigiu uma ambulância durante a Blitz, e depois se filiou
ao Partido Comunista. Mas na metade do conflito Eric sentiu uma mudança em
seu coração e decidiu se alistar para lutar. Por fim, juntou-se ao Regimento da
Cidade de Londres, o 8º Batalhão de Fuzileiros Reais, como segundo-tenente.
Precedido pelo irmão John, Roger nasceu em 6 de setembro de 1943. Sua
mãe, antes chamada Mary Why te, era professora escolar. Quando Eric foi
mandado para o exterior, Mary mudou-se com os filhos de Great Bookham, em
Surrey, para Cambridge, acreditando que eles estariam mais seguros dos
bombardeios alemães que caíam sobre Londres. Eric Waters foi declarado
desaparecido, presumidamente morto, em 18 de fevereiro de 1944, durante o
ataque dos Aliados às praias de Anzio, na costa italiana. Roger tinha apenas 5
meses de vida na época.
David Jon Gilmour chegou ao mundo em 6 de março de 1946. Na época, o
lar dos Gilmour era um vilarejo fora de Cambridge chamado Trumpington. A
família mudou-se várias vezes antes de finalmente se estabelecer em
Grantchester Meadows, nº 109, no distrito de Newnham, próximo ao rio Cam,
quando David tinha 10 anos. Seu pai, Doug, e a mãe, Sy lvia, se conheceram na
Homerton College de Cambridge, onde ambos estudavam para ser professores.
Sy lvia acabou se tornando editora de filmes e, por fim, trabalhou para a BBC.
Doug Gilmour tornou-se professor sênior no zoológico da universidade. O casal
teve quatro filhos: David, seus irmãos Peter e Mark, e uma irmã, Catherine.
“Cambridge era um ótimo lugar para crescer”, afirma Gilmour. “Você
está em uma cidade dominada pela educação, cercado de pessoas brilhantes.
Mas ela também tem o seu coração rural que se espalha praticamente até o
centro. Havia excelentes locais para encontrar os amigos.”
Embora Gilmour não se recorde do encontro, ele conheceu Barrett e
Waters quando os três foram inscritos por seus pais em um clube de arte que
ocorria no sábado pela manhã, na Homerton College. Waters e Barrett cursaram
a escola primária Morley Memorial, em Blinco Grove, onde Mary Waters
trabalhava como professora. Foi lá que o talento precoce de Sy d ficou evidente.
Notado por ter o dom do mimetismo, ele e sua irmã Rosemary (conhecida como
Rose) dividiram um prêmio por tocarem piano quando Sy d tinha 7 anos de idade.
Nick Barraclough, um colega da Morley Memorial, que mais tarde se
tornaria músico e comentarista da BBC, lembra-se de Sy d como “um belo garoto
e artista incrível”. Ele conta: “Minha irmã estudava com ele. Ambas 10 ou 11
anos, e foi solicitado que os alunos pintassem suas impressões de um dia quente.
A maioria das crianças desenhou uma praia ou um sol. Roger – como ainda era
chamado na época – desenhou uma garota deitada na praia de biquíni com um
sorvete pingando sobre ela, o que parecia incrivelmente avançado, considerando
sua idade”.
Os três garotos se esforçaram e passaram pelo teste compulsório dos 11
anos, que dividia os alunos ingleses entre aqueles considerados inteligentes o
suficiente para uma educação primária e os que iriam para o moderno sistema
escolar secundário. “Meu pai era professor da escola primária”, lembra-se
Barraclough. “E os dois Rogers vieram até ele em momentos diferentes para
serem tutorados para o teste dos 11 anos.”
Waters foi inscrito na Cambridge County School para garotos em Hills
Road, em 1954. Hoje reinventada como Hills Road Sixth Form College, na época,
conforme descrita por um ex-aluno, “a County era uma escola primária que
pensava ser uma escola pública, com mestres, quadros feitos de argamassa e
sadismo”. A escola tinha um recorde de alto sucesso acadêmico, com um
resultado similar impressionante à Oxbridge.
Roger tornou-se um esportista notável: jogador do críquete da equipe da
escola e zagueiro da equipe de rúgbi. Também se juntou contra a vontade à
Combined Cadet Force, passando algum tempo na escola de treinamento naval
HMS Ganges nos finais de semana. Parte do treinamento da CCF envolvia prática
de tiro ao alvo, da qual ele gostava. Entretanto, embora fosse esperto e
espirituoso, sua língua afiada e arrogância o tornavam impopular. Em pelo menos
uma ocasião, seus colegas o espancaram. “Acho que era odiado pela maior parte
das pessoas que me rodeavam”, admitiu Waters anos depois.
“Rogers estava um ano na minha frente”, lembra-se um companheiro da
County, Seamus O’Connell. “Eu era amigo de outro rapaz chamado Andrew
Rawlinson, com apelido de Willa, e que era um bom amigo de Roger. Meu
relacionamento com Roger era restrito à escola, já que nem sempre ele era
agradável, mas ainda nos considerávamos amigos.” Mais tarde, cansando-se da
CCF, Roger simplesmente entregou seu uniforme e se recusou a continuar os
treinamentos, o que levou a uma dispensa desonrosa. Um colega da County, Tim
Renwick, que viria a trabalhar com o Pink Floy d como guitarrista, recorda-se do
escândalo: “Eu era alguns anos mais jovem que Roger, mas todo mundo na
escola ouviu falar do assunto. Ele causou um rebuliço. Tenho quase certeza de ter
ouvido falar que Roger disse a eles que estava saindo por ser um opositor
vigoroso do regime militar”.
As experiências de infância de Waters encontrariam seu próprio caminho
no tempo por meio da música do Pink Floy d, deixando até mesmo o ouvinte mais
distraído em dúvida sobre seus sentimentos em relação a vida na County. “Roger
mal tolerava a escola”, disse Mary Waters. “Sua atitude era a de quem pensa:
‘Você precisa seguir com isso e extrair o que puder de melhor’”.
“Odiei cada segundo daquilo, exceto pelos jogos”, explica Rogers. “O
regime escolar era muito opressivo. Era tocado em um esquema pré-guerra, no
qual você fazia o que mandavam, e não restava alternativa senão nos
rebelarmos. É engraçado como esses caras na escola sempre escolhem o garoto
mais fraco. Então as mesmas crianças que eram vítimas de bullying dos colegas
também sofriam bullying dos professores. Era como estar pronto para um
combate. Eles iam sempre nessa direção. A maior parte dos diretores era de
completos suínos.”
“Sempre achei que The Wall, do Pink Floy d, fosse sobre os professores do
County ”, diz Nick Barraclough, que seguiu Waters na escola. “O encarregado
dela, na época, era um homem chamado Eagling, que é, até hoje, o homem
mais assustador que já conheci. Os dois Rogers estavam bem no meio de tudo
aquilo.”
Por ter estudado após a Segunda Guerra Mundial em um sistema
educacional retrógado, dificultado por posturas pré-guerra e mal sintonizado com
uma geração curtindo a paz e a relativa prosperidade que não foi dada a seus
pais, o final dos anos 1950 foi um período de oportunidades para adolescentes,
diferente de qualquer outro até então.
Revoltado com o sistema escolar, Walters posteriormente descreveria um
episódio em que manifestou seu desprezo. Decidido a buscar vingança contra o
jardineiro da escola por causa de alguma desfeita real ou imaginária, ele e um
grupo de conspiradores aliados foram até o orquidário escolar com uma escada
portátil e selecionaram a árvore favorita do jardineiro. Depois, morderam todas
as maçãs da árvore, tomando cuidado para não remover nenhuma dos galhos.
Ao contar o incidente para a revista Musician, mais de trinta anos depois, Waters
lembrou-se com orgulho de ter “se sentido plenamente realizado” após a
elaborada pegadinha.
Três anos atrás de Waters, o progresso de Sy d Barrett na County foi
marcado por uma paixão primordial pela arte e um interesse vívido por poesia e
drama. Também demonstrando um veio antiautoritarismo, Barrett foi capaz de
ficar fora de problemas ao ser esperto, boa pinta e, como se lembra Gilmour,
“um ótimo cozinheiro, capaz em diversas áreas”. Com jogo de cintura para
aderir até a uma linha mais convencional, Sy d destacou-se para ser o líder da
patrulha Kingfisher, sua tropa de escoteiros locais. Em junho de 1961, aos 15
anos, Sy d começou a namorar Elizabeth Gausden (conhecida por todos como
Libby ), uma aluna da escola primária para garotas de Cambridge. “Na verdade,
Sy d tinha outra namorada, uma garota alemã muito bonita chamada Verena
Frances”, lembra-se Libby. “Mas nós nos entendemos imediatamente. Ele
sempre costumava dizer: ‘Você não é a garota mais linda que já encontrei, mas é
a mais divertida’. Ele era um garoto maravilhoso. Todos o adoravam.” John
Gordon conheceu Sy d nas aulas de arte da County. “Ele brilhou desde o primeiro
dia. O cabelo dele era mais longo que o de todos. Ele falava o que pensava para
os professores e era capaz até de sair da sala de aula se fosse reprimido.”
Com frequência Sy d se recusava a usar seu blazer escolar e era conhecido
por usar os sapatos sem cadarços, um traço que se manteve até a idade adulta.
Encorajado pelos pais, Sy d também satisfez sua veia artística que viera à tona, de
início, na Morley Memorial, quando participou da leitura de poemas e discursos
públicos. Mas sua adolescência seria arruinada. Em 11 de dezembro de 1961, o
dr. Barrett morreu. “Seu pai estava doente havia bastante tempo”, diz Libby
Gausden. “Ele teve câncer, e o fim foi bastante doloroso. Acho que foi um
grande alívio para os filhos, pois ele estava sofrendo muito antes de morrer. Sy d
era um grande escritor de diários. Cada página tinha um pé e meio de
comprimento e ele preenchia todas as linhas. Mas no dia da morte do pai, ele só
escreveu ‘Pobre pai, morreu hoje’.”
Muitas pessoas especularam sobre o impacto que a morte de seu pai teve
sobre ele. “Sy d nunca falava sobre o assunto”, disse David Gilmour, que passou
muito tempo com o amigo naqueles anos. “As pessoas dizem que ele mudou com
a morte do pai, mas na época era difícil perceber uma grande alteração.”
“Eu não conhecia o pai de Sy d nem seus irmãos, então nunca soube muito
sobre a postura dos homens da família”, lembra-se John Gordon. “Sy d sempre
pareceu mais inteligente do que eu, e tinha mais experiência e liberdade, mas,
após a morte de seu pai, teve de assumir prontamente mais responsabilidades.”
Quando seus irmãos mais velhos se mudaram da Hills Road, 183, Sy d
tomou para si o quarto maior na parte frontal da casa, enquanto a mãe deixou os
demais cômodos para inquilinos, muitos dos quais estavam frequentando a
universidade e incluíam, pelo menos, um membro menor da aristocracia
britânica e um futuro primeiro-ministro do Japão.
Se Waters e, até certo ponto, Barrett, cultivavam sinais anti-autoritarismo,
de repente passaram a ter uma desculpa pública para tanto. Com a explosão do
sucesso de Bill Haley and The Comets, “Rock Around the Clock”, em 1955, a
mídia anunciava oficialmente a invenção do adolescente e da trilha sonora
destinada a ele: o rock-n’-roll. Dois anos depois, Elvis Presley daria forma e
imagem como ícone para esta nova música e serviria de modelo para toda uma
geração. O irmão de Sy d, Alan, tocava saxofone em um grupo de skiffle,3 e o
próprio Sy d começou a brincar com um ukelele,4 antes de convencer sua mãe a
comprar um violão Hofner.
“Depois da escola, encontrava-me com Sy d no corredor e ia até a casa
dele, já que ele morava praticamente em frente à escola”, lembra-se John
Gordon. “Meu pai era afinador de pianos, mas parte de mim não queria ser
como ele, então eu evitava aprender piano e, em vez disso, queria estudar violão
com Sy d. Ele também tinha algumas gravações americanas e eu tinha um tio
que trazia discos de Bill Haley e Eddie Cochran em 78 RPM e 45 RPM. Eu
levava tudo à casa de Sy d e tentávamos aprender a tocar com eles. Sy d estava
por dentro de tudo. Hoje todo mundo fala dele como se fosse Bo Diddley, mas
ele era muito mais atualizado que ele”.
Waters, com 14 anos, estava na idade ideal para o rock-n’-roll, mas no
começo foi cauteloso. Seus gostos musicais pendiam para o subgênero dixieland
de jazz e blues, como Bessie Smith. Ele admitiu depois que gostava de “qualquer
coisa, menos rock-n’-roll”. Após ganhar um violão de seu tio, Waters também
começou a ter aulas clássicas com uma professora local, mas depois admitiu que
desistiu: “Machucava meus dedos e achei difícil demais”.
Enquanto isso, David Gilmour não partilhava nem um pouco da precaução
de seu futuro colega de banda com relação ao rock-n’-roll. “Não tenho certeza se
Rock Around the Clock foi o primeiro disco que comprei, mas deve ter sido um
dos primeiros”, ele se lembra (depois revelou que o disco em 78 RPM foi
destruído quando um membro da família acidentalmente sentou em cima dele).
Gilmour foi muito mais arrebatado pela canção de Elvis Presley “Heartbreak
Hotel”, que veio um ano depois. Em casa, a coleção musical de seus pais incluía
diversos discos de blues. Como Waters e Barrett, Gilmour também tinha
descoberto a Radio Luxembourg, com sua seleção eclética de música que ficava
fora da proposta de qualquer outra estação de rádio britânica que existia – “todo
tipo de sons estranhos” – e que teria uma influência marcante em toda uma
geração de músicos ingleses de rock.
Embora a educação musical de Gilmour já estivesse encaminhada, seu
currículo escolar começou aos 5 anos, quando ele foi para um internato. Doug
Gilmour decidiu tirar uma licença de seis meses da Universidade de Cambridge
e ir para Wisconsin, no Meio-oeste norte-americano, com Sy lvia. Os filhos
foram estudar na Steeple Clay don, em Buckinghamshire, onde ficaram até o fim
do ano seguinte.
“Meus pais se amavam e curtiam a companhia um do outro, mas, para ser
honesto, acho que eles pensavam que éramos um inconveniente”, Gilmour disse
à revista Mojo, em 2006. “Passávamos as férias juntos quando éramos bem
pequenos, mas assim que tivemos idade para ser mandados a qualquer lugar,
como para acampamentos de escoteiros, jamais passamos feriados juntos
novamente.” Anos depois, Gilmour redescobriria cartas e diários da época,
revelando que, mesmo após seus pais já terem retornado a Cambridge, David e
seus irmãos permaneceram em Steeple Clay don até o término do ano letivo.
“Essas coisas pareciam perfeitamente normais na época. Só mais tarde que você
pensa: ‘Espere um pouco, não foi assim tão legal’.”
Aos 11 anos, bem quando Barrett iria para a County, Gilmour retornava a
Cambridge e foi inscrito na Perse, uma escola primária para garotos. Situada a
poucas casas de distância de onde morava a família de Sy d, a Perse era paga e
tocada sob rígido regime autoritário. Seus antigos alunos incluíam sir Peter Hall,
fundador da Companhia Real de Shakespeare e diretor do Roy al National
Theatre. Desde o século XVII, um quarto dos alunos da Perse era interno, e todos
tinham que frequentar aulas aos sábados de manhã, o que contribuía para a
atmosfera de, nas palavras de um ex-aluno, “uma escola com pretensão de ser
pública”.
Embora fosse naturalmente brilhante, a abordagem de Gilmour com
relação aos estudos deixava a desejar. “Eu era preguiçoso”, ele admite. Elvis
pode ter sido uma influência inicial, mas foi a chegada de dois irmãos guitarristas
que cantavam de forma harmônica e aguda – os Everly Brothers e seu sucesso
de 1957, “By e By e Love” – que foi fundamental na decisão de Gilmour de
aprender a tocar guitarra. “Eu amava os Everly. Quando tinha 13 anos, o filho de
nosso vizinho ganhou uma guitarra, mas ele era completamente incapaz no que
se refere à música e não tinha nenhum interesse nela. Então eu a peguei
emprestada e jamais devolvi. Comecei a tocá-la e meus pais ficaram bastante
felizes, tanto que acabaram me dando o livro de cifras de Pete Seeger e um
disco. Essas lições elementares foram maravilhosas.”
Quem também estava aprendendo meticulosamente por meio das
instruções do manual de Seeger era o amigo de Gilmour, Rado Klose, que,
usando seu nome do meio como Bob Klose, iria mais tarde se tornar um dos
primeiros membros do Pink Floy d. “David e eu nos conhecíamos desde que
nascemos”, diz Klose. “O pai dele encontrou o meu antes que os dois
constituíssem famílias. Não me recordo se David teve aulas junto comigo, mas
lembro de nós dois dissecando aquele disco do Pete Seeger e nos remexendo
escutando a Radio Luxembourg. Escutávamos um disco e pensávamos: ‘Como se
toca isso?’, e então tentávamos descobrir. O hit de 1960 do The Ventures, ‘Walk
Don’t Run’, foi um desses. David imediatamente soube como tocá-lo, enquanto
nós todos demoramos bem mais.”
Klose também era aluno da County : “Naquela época, sua vida ficava
totalmente ligada à escola. Sy d estava um ano abaixo de mim e Roger Waters
um ano acima. Todos tinham gostos musicais parecidos. Por um tempo, fiquei
bastante fã de jazz, mas apenas jazz feito até 1935! Ou seja, Django Reinhardt.
Roger curtia Jimmy Dufree. Descobrir o blues foi um grande momento de
revelação. Lembro-me de ir até uma loja depois da escola e encontrar um disco
de Leadbelly. Não sabia o que era aquilo. Apenas tinha gostado do nome, então o
cara do balcão me levou até a cabine e deixou que eu o escutasse. E era a
essência de tudo o que eu já havia gostado na música, porém mais concentrado”.
Enquanto Leadbelly se tornava o predileto de Klose, Gilmour e Waters,
este último descobriu que seus interesses musicais não eram apreciados em casa.
Aos 12 anos, Roger frequentava concertos de jazz na Corn Exchange local, mas,
diferente da mãe de Sy d, Mary Waters tinha pouco tempo para música. “Ela
dizia não ter ouvido para música”, o filho se lembra. “Não tinha interesse real nas
artes. Era bastante politizada. Política era mais importante do que todo o resto.
Claro que eu não era encorajado para o mundo musical nem em casa nem na
escola.”
Em 1961, mesmo ano em que Sy d Barrett perdeu o pai, o lar de Gilmour
atravessou uma convulsão. Como parte do que era comumente conhecido como
“fuga de cérebros”, pela qual acadêmicos britânicos eram enviados ao exterior
para assumir cargos altamente remunerados, Doug Gilmour recebeu uma oferta
da Universidade de Nova York, onde acabou por ser nomeado professor de
genética. Ele e Sy lvia anunciaram sua decisão de passar um ano lá. O irmão de
Gilmour de 10 anos, Mark, foi com eles, enquanto os demais ficaram na
Inglaterra; sua irmã Catherine já estava na universidade. David, de 15 anos, foi
convidado para ir aos Estados Unidos, mas, já atiçado pelas possibilidades
musicais que o cercavam, decidiu ficar em Cambridge, onde foi inquilino de
uma família em Chesterton. Deixado sem supervisão, Gilmour facilmente se
esgueirava para ir a shows em vez de estudar para seus exames de qualificação.
Waters, Barrett e Gilmour, com seu background acadêmico similar, tinham
agora pais ausentes e todos estavam buscando independência, seguindo de modo
conturbado na direção do que viria a ser o Pink Floy d.
Se Gilmour foi o primeiro a abraçar o rock-n’-roll, seus futuros parceiros
não demoraram a procurar um antídoto rebelde à rígida vida estudantil de
Cambridge, mesmo sem Elvis para encorajá-los. Se a meticulosa incursão de
Waters ao orquidário da Cambridge County se pareceu menos com uma
traquinagem do que um simples ato de vandalismo, pouco importa. Como cidade
universitária, Cambridge estava perfeitamente pronta para receber a influência
de uma nova escola de escritores e poetas alternativos americanos não
conformistas, a “geração Beat”. Os escritores em questão – Allen Ginsberg, Jack
Kerouac e William Burroughs – sempre recusaram o título, protestando com
frequência: “Três amigos não constituem uma geração”. Entretanto, eles
partilharam o bastante de uma mesma visão para assegurar a comparação. Howl
and other poems (1956), de Ginsberg, e The naked lunch (1959), de Burroughs,
receberam ampla exposição após se baterem contra leis obscenas. Contudo, foi o
livro de Kerouac, On the road, finalmente publicado em 1957 no começo do
julgamento que teve como alvo o Howl, que ajudou a estabelecer a enorme
popularidade da geração Beat. A história poética de um vagabundo, pegando
caronas e pulando de trens de carga por toda a América, tomando “bolas” e
curtindo sexo casual embalado por uma trilha sonora de bebop jazz, tornou-se
leitura obrigatória para os adolescentes que cresciam em uma cidade
universitária.
A criatividade frenética dos beats, a postura anticonformista e o espírito
aventureiro mexeram com Waters e Barrett. Em cartas para sua namorada
Libby Gausden, Barrett se entusiasmava com On the road. Ao fazer experiências
com a própria aparência, ele adotou um uniforme de calças pretas e suéter de
pescador, que era popular entre estudantes de arte e fãs de jazz. Em algum
momento após a morte do pai, começou a se referir a si próprio ocasionalmente
como “Sy d, o Beat”, o “Sy d” tendo sido extraído de um tal Sid Barrett, um
desconhecido baterista de uma banda de jazz que ele conhecera tocando no
Riverside Jazz Café.
“Havia na época”, Waters explicou anos depois, “essa ideia de ir para o
Oriente em busca de aventura”. Andrew ‘Willa’ Rawlinson acompanhou Waters e
outros em várias viagens pela Europa. “Pegamos o carro da mãe de Roger e
dirigimos até Istambul pela França, Itália e Grécia”, ele se lembra. “Levamos
três meses.” Aos 19 anos, Waters se uniu a Rawlinson e outros em um passeio
pelo Meio-oeste. “Fomos em uma ambulância chamada Brutus”, diz Rawlinson.
“Não sabíamos nada sobre motores, não colocávamos água e ele explodiu em
Beirute. Então nós cinco seguimos caminhos diferentes. Roger pediu carona de
volta para sua cidade na Inglaterra.” Foi uma viagem que inspirou sua canção
solo de 2003, “Leaving Beirut”, que começa com o verso: “So we left Beirut,
Willa and I...”.5
Em 1962, o ceticismo de Sy d Barrett sobre rock-n’-roll havia diminuído.
Seus interesses musicais incluíam agora bandas americanas como Chuck Berry e
Bo Diddley, mas também o grupo instrumental The Shadows, uma influência
fundamental para qualquer aspirante a guitarrista no começo dos anos 1960. O
lançamento do primeiro single dos Beatles, “Love Me Do”, em 1962, e o álbum
de estreia Please Please Me, um ano depois, deu grande impulso e inspiração à
cena musical de Cambridge. Os Beatles eram ingleses, próximos de onde
moravam, “mais como nós”, e até mesmo o geralmente cético Waters disse que
“as músicas do primeiro álbum deles eram muito boas”. Barrett tornou-se um fã
radical dos Beatles e, tendo conseguido sua primeira guitarra elétrica e o Santo
Graal dos manuais de aprendizado – o livro e o disco de Pete Seeger –, começou
a pensar em montar seu próprio grupo.
Embora Sy d e John Gordon passassem seu tempo desvendando a guitarra,
a primeira tentativa séria veio com a formação do Geoff Mott and The Mottoes,
centrado no gregário vocalista Geoff Mottlow, outro garoto que era ex-
Cambridge County e colega de rúgbi de Roger Waters. O grupo tinha um espaço
ideal para os ensaios no quarto de Sy d, que o recrutava para sessões regulares
nos domingos à tarde. Barrett e Nobby Clarke empunhavam as guitarras, Mottlow
cantava e Clive Welham tocava bateria.
“É bem possível que, quando Sy d e eu começamos, eu não tivesse sequer
uma bateria adequada e tocasse em latas de biscoito com talheres”, diz Clive
Welham. “Mas comprei um conjunto, comecei a fazer aulas e, na verdade,
fiquei muito bom. Nem me lembro de quem era nosso baixista.” Welham tem
certeza de que, contrário à maioria dos livros de referência que existem, não foi
Tony Sainty, um baixista que acabaria se aproximando de David Gilmour.
“Toquei em bandas com Tony depois, mas não com Sy d”, insiste Clive. “Havia
várias pessoas que costumavam aparecer por lá e dar uma canja. Roger Waters
sempre estava na casa de Sy d, mas foi antes de ele começar a tocar.”
O repertório dos Mottoes incluía canções de Buddy Holly, Chuck Berry,
The Shadows e Eddie Cochran. Anos depois, Barrett diria à imprensa musical que
“a banda tocou bastante em festas particulares”, mas a The Mottoes só se
apresentou uma vez em um evento pago, em março de 1963, durante uma festa
para levantar fundos para a Campanha de Desarmamento Nuclear, na Friends
Meeting House, anunciada com um pôster desenhado por Roger Waters. A
conexão era tanto política quanto musical. Roger seguira os interesses de sua mãe
em políticas de esquerda ao tornar-se angariador de fundos da Morning Star e
também diretor da sessão juvenil do CND local (posteriormente, participou em
marchas do CND para Aldermaston). “Todos nos comportávamos se Roger
Waters estivesse por perto”, ri Libby Gausden. “Era como um professor entrando
na sala. Por ser mais velho, o papel certamente cabia a Roger. Ele tinha uma
motocicleta antes mesmo que qualquer um de nós tivesse habilitação e tinha uma
jaqueta de couro.” A banda não duraria, mas, em 1965, o grupo seguinte de
Mottlow, The Boston Crabs, lançaria um sucesso menor com o futuro Northern
Soul clássico, “Down in Mexico”, enquanto Clive Welham se tornaria uma marca
no circuito de Cambridge.
Aos 16 anos, os dias de Sy d na County estavam chegando ao fim e ele
anunciou sua intenção de ir para a escola de artes. Sua mãe trabalhava no
escritório da Cambridge School of Art e, para ajudar no progresso do filho,
conseguiu que Sy d e John Gordon frequentassem aulas extracurriculares aos
sábados pela manhã. O esforço da dupla compensou, e no verão de 1962 os dois
se inscreveram na escola onde Sy d, estudando arte e design, permaneceria pelos
dois anos seguintes, atravessando o período escolar e deixando uma impressão
duradoura em professores e alunos.
“Sy d tinha forte personalidade”, lembra-se um companheiro estudantil,
John Watkins. “Falo isso da forma mais gentil possível, mas ele também tinha
uma boca grande. John Gordon dizia que era provavelmente porque o pai dele
havia morrido. Mas Sy d realmente levava a coisa aos extremos. Ele não levava
desaforo para casa e estava sempre fazendo besteiras.”
Situada na East Road, a Cambridge School of Art foi fundada no século
XIX. Ronald Searle, o cartunista e ilustrador da popular série de livros St Trinian,
foi aluno lá, assim como os criadores do Spitting Image, Peter Fluck e Roger Law.
“Sy d parecia um cigano espanhol”, diz Richard Jacobs, um aluno da turma
de ilustração de Barrett. “Depois, ele passou a dizer que a avó era cigana. Não
estou certo se nós realmente acreditávamos nele. A primeira vez que o vi foi no
verão de 1962, e ele carregava um violão e vestia Levis. Fiquei muito
impressionado. Isso foi quando a roupa do resto de nós ainda era muito careta.
Havia uma sala comunitária na área do porão da escola e Sy d parecia dominá-la
nos intervalos. Estava sempre sentado no peitoril da janela, tocando. Ele
costumava cantar uma antiga canção – ‘just because my hair is curly, just
because my teeth are pearly . . .’.” (“Shine”, uma melodia de jazz de 1910,
gravada depois por Ella Fitzgerald e Louis Armstrong.)
A escola também fez com que Barrett retomasse contato com David
Gilmour. Como os pais de Gilmour tinham brevemente retornado dos Estados
Unidos, David estudava agora línguas modernas na Cambridge School of
Technology, bem ao lado. Como se lembra John Watkins, ele parecia passar a
maior parte de seu tempo nas aulas de arte. “Muitos de nós que tocavam guitarra
ou, no meu caso, que mal tocava guitarra, começamos a nos encontrar na hora
do almoço na escola de arte”, diz Watkins. “David começou a participar e a
passar cada vez mais tempo conosco. Antes de Cambridge, eu estava no Egito e
Cipre, então não sabia o que acontecia na cena musical inglesa. Tinha um violão
e comecei a pegar algumas coisas com Sy d, que me deu umas aulas, e estava
sempre assediando Gilmour para aprender novos acordes. Os Beatles mal
haviam começado, Sy d tinha acabado de aprender algo como “Twist and Shout”
e Dave me apresentou a Dy lan.” Gilmour havia descoberto o músico norte-
americano quando seus pais voltaram dos Estados Unidos com uma cópia de seu
último álbum.
“De todas as vezes que o encontrei por lá”, diz Stephen Py le, outro aluno,
“jamais vi Gilmour sem um violão na mão. Ele já era muito focado, mesmo
naquela época.” Enquanto Gilmour parecia um professor mais confiável para
ensinar novos acordes, Sy d era especialista em truques mais selvagens. “Ele
assumiu aquela abordagem experimental de tocar”, lembra-se outro colega de
Cambridge, David Gale. “Certa vez, em seu quarto, Sy d pegou um isqueiro
Zippo, que ele dizia ter ganhado de um militar americano, e correu com ele, de
cima a baixo, pelo braço do violão. Acho também que alguém tinha um Zippo
com uma caixinha de música dentro, que tocava algumas notas, e ele o deslizou
pelo braço de uma guitarra amplificada, obtendo aquele efeito sideral, mas com
a caixinha de música ressoando junto – que foi o tipo de coisa que Sy d acabou
fazendo no Pink Floy d.”
Na sala de aula, Sy d era conhecido por sua sagacidade. Um professor
costumava ter sua apresentação de slides nas aulas de história interrompida,
quando Sy d levava a classe para fora, pulando pelas janelas de trás em meio à
sala escura, e voltava pela porta da frente, garantindo um fluxo constante de
alunos reaparecendo. Em outras ocasiões, ele escondia seu violão sob a mesa e
começava a martelá-lo com o pé, enfurecendo o professor, que não entendia de
onde vinha o barulho.
“Recordo-me de Sy d ser rebelde e obstinado com seus tutores”, diz
Richard Jacobs. “Ele gostava de fazer uma cena e explodia em meio a um bate-
papo no corredor. Tinha essa coisa de não suportar que lhe dissessem o que fazer.
Certo dia, todos íamos a uma excursão e, por algum motivo, Sy d se recusou a
entrar no carro. Não sei por quê. Ele não disse. Ele simplesmente tinha essas
birras. De certo modo, era algo bem feminino.”
John Watkins também observou a dinâmica pouco convencional no lar dos
Barrett: “Sy d havia se tornado o homem da casa após a morte do pai. Ele amava
a mãe, mas era bastante engraçado e muito rude com ela. Acho que ele a
desafiava para ver até onde podia ir. Em casa, seu quarto era seu domínio. E se a
mãe lhe levasse uma xícara de chá, ele começava a gritar: ‘Saia do meu quarto,
mulher!’”.
“A mãe de Sy d, Win, era uma mulher maravilhosa e de bom coração”,
lembra-se Libby Gausden. “Ela sempre via o lado bom das pessoas, motivo pelo
qual Sy d pôde se safar de um assassinato. Também era mais velha que todas as
outras mães. Ela teve os irmãos de Sy d, Don e Alan, muito cedo. Don estava na
RAF – Força Aérea Real –, e Alan era acadêmico. Ambos estavam carecas aos
30 anos! Sy d era bastante diferente do resto da família. E continuou sendo
mesmo após a morte do pai, que passou a vida sempre centrado nos estudos.
Então Sy d permanecia livre o tempo todo para fazer o que quisesse.”
Fora das sessões musicais da hora do almoço, a abordagem de Sy d à arte
era com frequência errática, mas costumava dar resultados. Para a frustração
dos demais, Sy d passava mais tempo pintando no quintal do que na faculdade,
mas, quando tinha uma avaliação iminente, podia aparecer no último instante
com uma obra-prima. “Em um minuto, suas imagens poderiam ser figurativas e,
no seguinte, abstratas”, lembra-se John Gordon. “Ele estava sempre
experimentando, tentando estilos diferentes. Em algum lugar, tenho uma foto em
preto e branco que tirei no quintal dele. Sy d segura um quadro quase tão grande
quanto ele próprio, e é abstrato, com cores escuras, ocre, um pedaço de tecido –
possivelmente uma camisa – jogado contra a tela, com tinta espalhada por todo o
lugar.”
A essa altura, o comportamento de Sy d ainda era visto como nada além de
leve excentricidade, e seu uso de drogas estava longe de ser público.
“Sy d amava sua cannabis”, diz Libby Gausden. “Era uma época em que
ainda se podia fumar nos fundos de um ônibus – e ele o fazia. Nunca fumei.
Nenhuma garota de Cambridge fumava na época, embora acho que isso tenha
mudado quando algumas delas foram para Londres.”
“Nunca vi Sy d fumando um baseado, mas sabíamos que rolava”, diz John
Gordon. “Saí de casa quando fui para a escola de arte e, apesar de eu nunca ter
curtido um baseado, meu flat na Clarendon Street era um ponto de encontro onde
as pessoas passavam para fumar. Era um daqueles lugares onde você acordaria
no meio da noite e encontraria pessoas assando cascas de banana no forno e
tentando fumá-las. Havia um monte delas que costumava aparecer, incluindo
dois jovens, Pip e Emo, que acabaram trabalhando para o Pink Floy d. Eles
apareciam a qualquer hora do dia ou da noite.”
Ian Carter, conhecido como Pip, era, nas palavras de um conhecido, “um
garoto selvagem de Fens”, com um sotaque anglicano oriental que às vezes o
deixava incompreensível para quem não fazia parte de seu círculo restrito de
amizades. Como outros na rede de associados do Pink Floy d, Carter engordaria a
quantidade de roadies, empregado como iluminador (embora fosse descrito
depois por Nick Mason como “um dos mais espetaculares ineptos de todos os
roadies”).
Iain ‘Emo’ Moore é lembrado por outro de seus contemporâneos como
“um cara careteiro, gesticulador e maluco, com a maioria dos dentes faltando”.
Como seu amigo, Pip, Emo se tornaria um confidente próximo de Sy d Barrett e
David Gilmour. Nos anos 1970 e começo dos 1980, trabalhou como porteiro para
Gilmour e sua mulher Ginger. Ator ocasional, chegou a aparecer em diversos
videoclipes e teve uma aparição “piscou, perdeu” no filme do Pink Floy d, The
Wall, fazendo o papel de padrinho do personagem interpretado por Bob Geldof.
Sem fazer mais parte do círculo íntimo de amizades de Gilmour, ele vive agora
uma vida bem mais tranquila na costa sul da Inglaterra.
“Pip e Emo nutriram Sy d, e depois David”, explica um de seus pares.
“Eles tomavam conta dos dois, mas também aproveitavam os benefícios daquela
amizade, especialmente com David Gilmour.” No caso de Pip, isso significaria
vários cursos de reabilitação para viciados em drogas, pagos pelo guitarrista do
Floy d, enquanto Emo aproveitava as consultas no dentista de Gilmour.
“Todo mundo na cidade conhecia Pip e Emo”, ri John Gordon. “Na época,
eles eram mods, sempre bagunçando com scooters e vagabundeando em volta da
loja de música Miller. Se você assistiu ao filme Quadrophenia, os dois eram
como o personagem interpretado por Phil Daniels, enquanto Dave e Sy d eram
como o personagem de Sting, o cara legal.”
“Conheci Sy d quando tinha 16 anos e comecei a sair com Dave um ano
depois”, diz Emo, que na época trabalhava no pátio de carvão de Cambridge.
“Costumava ir até a casa de Sy d para fumar um baseado diariamente. Dave
conhecia todas aquelas pessoas da escola, mas não conhecia ninguém da classe
trabalhadora como eu. Frequentei uma escola horrorosa e não aprendi coisa
alguma. Mas nos demos bem, por que eu queria ser mais parecido com Dave, e
acho que uma parte de Dave gostaria de ser mais como eu. Seus pais estavam
sempre exigindo dele, e ele queria se livrar de tudo aquilo. Por outro lado, eu
queria que exigissem de mim e que me dessem todas as coisas que ele havia
recebido.”
Entre outros conhecidos de Emo, havia Nigel Lesmoir-Gordon, ex-aluno da
escola pública Oundle, alguns anos mais velho que Emo e, na época, vivendo em
Cambridge com a mãe divorciada. Em Oundle, Lesmoir-Gordon produzira
concertos, incluindo uma aparição do trompetista de jazz Humphrey Ly ttelton.
Em Cambridge, ele faria uma série de leituras de poesia no segundo andar do
pub Horse and Groom e era, nas palavras de uma pessoa de Cambridge,
“terrivelmente hipocondríaco, mas com o benefício de se parecer com um
jovem Alain Delon”.
Sy d Barrett intrigava Nigel. “Eu ia na casa de Sy d naquelas sessões de
domingo”, ele se lembra. “Sy d era mais jovem que nós. Mas todos tinham
interesse nele por conta de sua aparência extraordinária e pelo fato de ele ter
aquela estranha e carismática qualidade.”
Ao redor de Lesmoir-Gordon, havia uma turma de garotos hipocondríacos
que eram alunos da County e da Perse, incluindo, entre outros, Andrew
Rawlinson, Paul Charrier, David Gale, Seamus O’Connell, Dave Henderson, John
Davies, John ‘Ponji’ Robinson, Anthony Stern, o futuro sleeve designer do Pink
Floy d, Storm Thorgerson e o escritor Nick Sedgwick, cujo livro de 1989, Light
blue with bulges, daria uma pequena ideia das experiências vividas pelo autor e
seus amigos em Cambridge naquela época.
“Sy d sempre achou que Dave Gale era muito molecão, mas adorava Nigel
Gordon”, lembra-se Libby Gausden. “Acho que todos pensavam que éramos um
bando de crianças, por sermos um pouco mais jovens. Mas todos eram grandes
admiradores de Sy d.”
Os lugares favoritos do grupo incluíam a loja de música Miller, os cafés El
Patio e Guild, o pub Criterion (conhecido como “o Cri”), o Dorothy Ballroom e
vários pontos ao longo do rio Cam. Entre 1963 e 1965, como se lembra John
Davies, “nos transformamos de garotos de escolas em beatniks aspirantes”,
trocando uniformes escolares por camisas de gola polo pretas e jaquetas de
couro, escutando Miles Davis, dirigindo Vespas e fumando aquela erva comprada
de fuzileiros norte-americanos nas bases vizinhas da força aérea em Lakenheath
e Mildenhall.
“O El Patio foi um dos primeiros cafés”, explica Anthony Stern. “Eu
cabulava aula na Perse para trabalhar lá lavando pratos, pois queria ser rebelde.
A ideia de crescer de forma normal estava fora de cogitação; então passávamos
bastante tempo fazendo coisas que pudessem irritar nossos pais. Foi assim que
desenvolvemos essa fascinação pelo blues. Era um apelo do aspecto rebelde. Ah,
ótimo! Outra maneira de apunhalar nossos pais.”
“Em 1962, estávamos curtindo Jimmy Smith”, explica Storm Thorgerson.
“Então, 1963 trouxe baseados e rock. Sy d foi um dos primeiros a se apaixonar
por Beatles e Stones. Ele costumava levar seu violão e tocar em festas.”
“Eu era alguns anos mais velho que Sy d na Perse”, recorda-se David Gale.
“Na época, tinha 16 anos, e Sy d e eu éramos apenas conhecidos. O negócio
naqueles dias era parecer boêmio, o que Sy d fazia muito bem. Havia duas ou três
panelinhas que desciam o rio durante as férias escolares. Cada uma tinha seus
pontos favoritos, mas rolava comércio entre as galeras. Ficávamos em Mill Pond,
próximo a dois pubs, o Mill e o Anchor. O pessoal do Storm costumava ficar um
pouco mais além, próximo às áreas de banho masculino em Sheep’s Green, onde
havia ribanceiras e salgueiros. O que fazíamos era alugar um barco em um dos
estaleiros em Mill e descer até Grantchester Meadows.”
Aubrey ‘Po’ Powell formaria a empresa de design Hipgnosis juntamente
com Storm Thorgerson. Ele havia sido educado na King’s School, em Ely, e
conhecera os rapazes da County e da Perse, Storm e David Gale, durante jogos
interescolares de críquete e rúgbi.
“Mais tarde”, lembra-se Po, “tivemos um amigo em comum em
Cambridge, um traficante que vinha de Liverpool chamado Nod. Por meio dele
reencontrei esses caras.” Ao sair da escola, ele alugou um pequeno quarto na
mesma casa da Clarendon Street onde John Gordon vivia. “Lá, havia dezenas de
pessoas entrando e saindo a toda hora”, ele relata. “A irmã do comediante Peter
Cook, Sarah, tinha o flat no porão, então costumávamos andar com ela. A casa da
mãe de Storm era perto, na Earl Street, e havia um pequeno terreno onde
costumávamos nos reunir.”
A mãe de Storm Thorgerson, Evangeline, era professora e oleira na Ely,
uma escola primária para garotas, além de amiga de Mary Waters. Ela havia se
divorciado do pai de Storm e, como Sy d, Storm vivia o dia a dia de um lar sem
pai. Ele passara a juventude na altamente liberal Summerhill Free School, em
Suffolk, um estabelecimento que posteriormente foi rotulado pela mídia como “a
escola faça o que quiser”. “Isso significava que Storm sempre parecia
incrivelmente à frente de sua idade”, lembra-se um colega.
“Storm costumava fazer filmes, usando amigos como atores”, diz Anthony
Stern. “Ele fez um que se chamava The Meal, filmado na casa de meus pais. Era
uma fantasia surreal e, a certa altura, Nick Sedgwick é ‘comido’. Então lá estava
o corpo seminu de Nick deitado na mesa de meus pais, o que levantou muito
falatório em casa e muitos ‘pelo amor de Deus, Anthony, o que você está
fazendo?’”
Além de famílias acadêmicas, muitos membros do grupo tinham outra
coisa em comum. O pai de Storm, assim como o de Nigel, era separado da mãe.
Enquanto isso, Sy d, Roger Waters e John ‘Ponji’ Robinson haviam perdido seus
pais. Como explica John Davies, “havia vários de nós que eram física ou
emocionalmente carentes. Ou ambos”.
“Quase todos tinham pais que foram para a Segunda Guerra Mundial”,
elabora Anthony Stern. “Meu pai sofria de uma completa inabilidade de falar
sobre suas experiências na guerra. Somado a isso estava o fato de que em
Cambridge você era cercado por esse enorme peso histórico e todas aquelas
pessoas brilhantes. Meus pais também eram acadêmicos na St John’s College.
Portanto, como filhos de acadêmicos, tal qual Sy d, crescemos com a sensação
de que nada que fizéssemos seria considerado bom o bastante. Acho que muitos
sofriam do que é chamado agora de ‘síndrome de Cambridge’.”
Deixado por conta própria, o quarto de Storm Thorgerson na Earl Street
tornou-se, como um frequentador descreveu, um “posto de gasolina” para os
aspirantes a beatniks. “O maior evento da noite era ir até o canto de Storm”,
explica Emo. “Você podia colocar dez pessoas no quarto dele e todas ficavam
sentadas no chão, fumando e tentando não acordar a mãe dele que dormia na
porta ao lado.”
“Storm tinha aquele quarto maravilhoso”, confirma Po. “Era coberto de
grafites e montagens de imagens surreais tiradas de revistas, e aquele tipo de
coisa era absolutamente inédito na época. Mas o quarto de Sy d também era
fantástico. Era cheio de pinturas, pequenos modelos de carros e aeroplanos, e
todo tipo de coisas associadas a um típico estudante de arte. Certo dia, cheguei lá
e havia este enorme dodecaedro, em torno de oitenta polegadas, feito de madeira
de balsa, e outro, com nove polegadas de diâmetro, e outro menor, todos
pendurados no teto. Ele próprio havia feito aqueles modelos absolutamente
perfeitos.”
Po era muito intrigado também pelos modos e aparência de Sy d. “Guardo
uma memória dele em seu quarto, descalço, parado de uma posição estranha, na
ponta dos pés, como se estivesse pairando, com o cabelo pendente e um cigarro
na mão. Era quase um elfo. Ele tinha um estilo de se vestir incrivelmente
artístico. Ele aparecia no pub usando uma camisa matelot azul e branca,
parecendo ter acabado de sair de Montparnasse na década de 1920. Ainda assim,
Barrett podia ser tão elusivo com seus antigos colegas de escola quanto era com
os novos companheiros da escola de arte.”
“Ele podia estar com uma multidão e então, de repente, desaparecer –
sumia”, afirma Po. “Não dizia para onde ia e, mais tarde, estava com outra
multidão de pessoas e ele de repente aparecia. Não acho que era deliberado.
Acho que ele ficava facilmente entediado e gostava de dar um tempo e ir fazer
suas coisas. Ele tinha um ótimo senso de humor, mas podia também
repentinamente se retirar de qualquer coisa. Em um instante estava sentado em
um quarto, ficando chapado, e no minuto seguinte desaparecia.”
Libby Gausden se lembra dos atos de desaparecimento de Barrett: “Em
vez de ir a todos os eventos para os quais éramos convidados, ele ia embora e
simplesmente se sentava nas colinas Gog Magog. Assim que comprou seu
primeiro carro, sempre me levava ao rio e às colinas, o que na época eu achava
extremamente tedioso. Mas Sy d curtia natureza, quando a moda era não curtir.”
No final de 1962, David Gilmour entrou para a banda The Ramblers, que
já incluía o guitarrista base John Gordon e o ex-baterista da Mottoes, Clive
Welham. “Éramos uma banda semiprofissional, tocando e ganhando com isso”,
diz Welham. “Dave chegou com muita disposição. Eu já o tinha visto tocar em
torno de um ano antes e, na época, ele não era tão bom, mas dava para notar que
havia se dedicado muito desde então.”
“Dave e Sy d eram dois caras do tipo que não se pode perder”, lembra-se
Rick Wills, que tocaria baixo em um dos grupos posteriores de Gilmour. “Eu
costumava trombar com Dave na loja de música de Ken Stevens. Nós dois
ficávamos testando guitarras e sendo um estorvo. Dave tinha um ar de
arrogância às vezes, um ar de ‘sabe tudo’. Sy d tinha uma aparência que era só
sua. Para ser honesto, nunca o levei a sério. Ele era um desses tipos de artista que
andavam por aí com um LP de Bob Dy lan debaixo do braço. Não era um
roqueiro de verdade, eu pensava.”
Entretanto, outros, incluindo Mick Jagger, discordam. Libby Gausden
acompanhou Sy d a um show do Rolling Stones em um Village Hall, na cidade
próxima de Whittlesey. “Acho que era algo para o qual os Stones haviam sido
contratados antes de ficarem famosos”, diz Libby. “Depois do show, Mick Jagger
passou por todos que estavam na multidão e veio até nós. Lembro bem porque
ele tinha aquela horrível voz impostada e, sendo de Cambridge, nós todos
falávamos corretamente. Ele ficou perguntando sobre minhas roupas, mas
também estava fascinado por Sy d. Achou que Sy d se parecia com um Bill
Wy man jovem – o mesmo cabelo escuro, bastante magro.”
Em um show de Bob Dy lan no Festival Hall de Londres, a designer de
moda Mary Quant fazia parte do público e, como Libby coloca, “estava muito na
onda de Sy d”. Lá em Cambridge, mulheres mais velhas que eles compareciam
nas festas, ficavam encantadas com Barrett e davam seu telefone a ele. “Ele
costumava ligar”, admite Libby, “mas ambos escutávamos o que elas tinham a
dizer e dávamos risada quando combinávamos de encontrá-las e então não
aparecíamos.”
Ao mesmo tempo, Gilmour também tocava com outro grupo, The
Newcomers, anteriormente Chris Ian and The Newcomers, até que Chris Ian
saiu e o vocalista Ken Waterson assumiu. “Dave tinha uma guitarra Burns
porcaria e um lixo de amplificador, mas era possível ver que ele acertava a mão
até mesmo só com isso; ele era muito bom”, afirmou Waterson.
Com as tarefas de Sy d Barrett na Cambridge School of Art terminando,
seus planos futuros ainda envolviam mais arte do que música. “Mas sempre
achei que ele só fazia sua pintura enquanto esperava que algo mais acontecesse
com a música”, diz Libby Gausden.
No verão de 1963, Sy d viajou a Londres para uma entrevista na
Camberwell School of Art, ainda que isso significasse perder um show dos
Beatles. O sacrifício compensou e ele foi aceito. “Sy d queria desesperadamente
ir para a escola de arte de Chelsea, mas não conseguiu entrar”, revela Libby.
“Então ele descobriu que Camberwell era ainda mais inovadora”. Naquele
verão, ele e Anthony Stern fizeram uma exibição de seus trabalhos no mezanino
do pub Lion and Lamb, em Milton. Agora, estudando na St John’s College, Stern
tinha conseguido o uso de um espaço para estúdio com o reitor da instituição
vizinha, Kings College. “Eles eram amigos do meu pai, então consegui muitos
privilégios”, diz Stern. “Ter aquela sala me deu outra chance de escapar dos
meus pais e também a oportunidade de conhecer garotas.”
Infelizmente, a exposição não foi bem-sucedida. “As pinturas de Sy d eram
abstratos selvagens de óleo sobre a tela; as minhas eram tentativas patéticas de
surrealismo psicótico. Não vendemos nada.” Entretanto, o estúdio de Stern seria
um abrigo onde Barrett poderia se refugiar. “Sy d e eu passamos muito tempo lá
dentro, tendo conversas sem fim sobre a natureza dos filmes, arte e música.
Havia um homem no Kings College chamado Reg Gadney, que fazia caixas
luminosas em seu quarto. Ele nos mostrava aquelas coisas – como enormes telas
de televisão por trás das quais havia uma série de dispositivos mecânicos e
projeções de luzes. Era o tipo de ideia que, depois, passou a fazer parte do
psicodelismo, e que o Floy d usava para iluminar seus shows. Sy d e eu ficávamos
fascinados.”
Sy d havia feito anteriormente experiências, usando luzes caseiras, com seu
amigo da escola de arte John Gordon. Quando John se mudou para um flat na
Clarendon Street, ele e Sy d se deliciavam em projetar imagens nas janelas da
casa do outro lado da rua. Por meio de Anthony, Sy d faria contato com outro
aspirante a artista naquele ano. Recém-formado na universidade, Peter
Whitehead alugava um estúdio na Grange Road de Cambridge. Posteriormente,
como cineasta, ele faria a filmagem definitiva da época de Sy d no Pink Floy d.
Por ora, contudo, Barrett e seus amigos músicos eram apenas “o grupo sem
nome” que ensaiava na sala próxima de seu estúdio. “Acho que Sy d estava tendo
um caso com a filha de um dos donos da casa”, afirma Peter hoje. “Quanto mais
alto seu grupo ensaiava, mais alto eu colocava meus álbuns de Bartók, Janáček e
Wagner. Não gostava de música pop. Quando Sy d descobriu que eu era pintor,
costumava passar, bater papo e perguntar o que eu estava escutando. Não
imaginava que nossos caminhos se cruzariam novamente.”
No outono, Barrett mudou-se para Londres e começou seu curso de
graduação em Camberwell, onde é lembrado como estudante entusiasmado e
singular, surpreendendo os professores e outros alunos com sua insistência em
usar o pincel de mesmo tamanho para todas as pinturas. Entre suas composições
durante o verão de 1964, estava um retrato da cantora pop Sandie Shaw, o qual
ele gentilmente enviou para a gravadora dela, sem obter nenhuma resposta.
Londres era excitante, mas viagens regulares de volta para Cambridge o
deixavam em contato com seus antigos parceiros.
De volta ao lar, Andrew Rawlinson havia se envolvido com a encenação de
alguns “acontecimentos” na Round Church, que contavam com a participação do
público. No mesmo espírito, Rawlinson comprou um grande mapa-múndi, traçou
os contornos de cinquenta países em folhas de papel e as enviou a outras pessoas
com quem tinha alguma sintonia, com a mensagem: “Decore isso da forma que
gostaria e envie de volta para mim”.
Sy d recebeu a Rússia, a qual ele prontamente pintou de azul e devolveu.
Depois, enviou a Rawlinson um livro que tinha montado chamado Fart enjoy.
Com sete folhas de cartão unidas por fita, seu conteúdo incluía recortes de
poemas, rabiscos, imagens tiradas de revistas, uma possível carta falsa chamada
“Dear Roge” (“como o grupo teve sucesso na Essex?”) e a foto de uma modelo
com os seios de fora rabiscada com as palavras “trepe, chupe e lamba”.
Rawlinson a descreveu como “uma mistura do austero beirando o abstrato com
chamas caprichosas”.
Mas, por mais comprometido que Sy d tenha sido com sua arte, ele ainda
era atraído por suas antigas assombrações musicais em Cambridge. Durante as
férias de verão, começou a tocar guitarra com The Hollerin’ Blues (às vezes
conhecida como Barney and The Hollerin’ Blues), durante uma viagem de volta
a Cambridge. Lá, ele travou contato com um jovem de 16 anos de idade,
Matthew Scurfield, meio-irmão de Ponji Robinson e amigo de escola do gaitista
da The Hollerin’ Blues, Pete Glass.
Scurfield viria a se tornar ator de teatro, cinema e TV. “Meu pai era o que
se poderia chamar de ‘socialista romântico’, e me enviou a uma escola
secundária moderna bastante crua de Cambridge”, ele diz hoje. “Não passei no
teste dos 11 e quase fui mandado para fora. Minha tia era uma psiquiatra muito
proeminente na área e acabei no Criterion, traficando comprimidos que
apanhava do armário de remédios dela.”
Por meio do que Matthew descreve como “o tráfico de contrabando
médico”, ele conheceu Pip e Emo, que o apresentaram a Sy d certa noite no
Criterion. “Tivemos uma conexão imediata porque ambos tínhamos interesse em
teatro, e Sy d e eu descobrimos que os dois haviam construído nosso teatro
modelo. Ponji e eu nos tornamos bons amigos dele. Eu nem sabia que ele era
músico até que um dia fui ver The Hollerin’ Blues em algum lugar, como o
Dorothy Ballroom, e lá estava Sy d, na guitarra. Ele não era o melhor
instrumentista do mundo, mas certamente havia uma aura em torno dele.”
No começo de 1965, a The Hollerin’Blues tornou-se Those Without, e Sy d
estava de volta, tocando guitarra nas férias. “Fizemos alguns de nossos melhores
shows com Sy d na University Cellars e no Victoria Ballroom”, recorda-se o
baterista Stephen Py le. “Ele visitava Londres e estava encantado com uma nova
Fender e um amplificador Vox. O single dos Kinks, ‘You Really Got Me’ tinha sido
lançado, e Sy d ficou fascinado, tocando-o repetidamente durante os ensaios da
banda.”
Enquanto isso, David Gilmour fazia seus próprios planos. Se ele fosse
qualificado em todos os seus testes, teria de ir para a universidade, o que o levaria
para longe da cena musical. Gilmour escolheu largar seus exames no meio do
caminho. Àquela altura, seus pais haviam retornado permanentemente para os
Estados Unidos e ele morava sozinho em um flat, em Mill Road. Também
ajudara a formar uma nova banda, Jokers Wild, que havia crescido em torno de
Gilmour, John Gordon e Clive Welham.
Enquanto Sy d viajava para Londres, Gilmour ficava no mesmo lugar. O
ponto forte da Jokers Wild eram harmonias em cinco vozes. “Nós nos juntamos
em primeiro lugar porque todos podiam cantar”, diz Welham. O set deles era
centrado em músicas do The Four Seasons, Sam and Dave e The Beach Boy s,
tocadas em tantos clubes, festas e bases vizinhas da força aérea quantos possíveis,
incluindo uma noite fixa de quarta-feira no Les Jeux Interdits, um clube no
Victoria Ballroom de Cambridge, popular entre os estudantes estrangeiros de
faculdades vizinhas. “Acho que numa época todos nós tínhamos namoradas
estrangeiras”, lembra-se Clive.
A formação original incluía Gordon, Welham, o tecladista e saxofonista
Dave Altham, e o baixista Tony Sainty, depois substituído por Rick Wills ou pelo
irmão de David, Peter. Gilmour podia ser tímido e modesto, mas sua aparência o
fazia ser notado. “Dave estava sempre mais limpo do que Sy d”, lembra-se John
Gordon. “Ele tinha uma aparência de universitário, um estilo americano de se
vestir – um pouco prepotente – com Levis branca. Caía bem com as mulheres.”
“Todas as meninas caíam aos seus pés”, diz Christine Smith (anteriormente
Bull), que encontrou a banda pela primeira vez, quando tinha 17 anos, em
Cambridge. “Costumávamos chamá-lo de Adonis.” Com os pais de Gilmour
fora, a família de Christine recebia David e Peter em sua casa, incluindo na
véspera de Natal, “quando eles levavam seus violões e nos divertiam por horas”.
Um anúncio pessoal em uma revista pop de meados dos anos 1960
chamada Rave dá uma ideia da popularidade de Gilmour na época. Colocado
pela amiga de escola de Libby Gausden, Vivien Brans (conhecida pelos apelidos
Twig e Twiggy ), dizia: “Em junho passado encontrei um garoto chamado David
Gilmour em Cambridge. Ele tocava na banda Jokers Wild. Disse que planejava ir
para Londres e sempre vestia jeans azuis com remendos. Se alguém souber onde
ele está, por favor, diga-lhe que escreva para a garota de longos cabelos loiros
que empurrou sua van na Guest Road para que desse partida. Diga que Vivien
está ansiosa para ter notícias dele, se ele se lembrar dela” (Vivien já havia saído
com Barrett e, depois, se encontraria com Gilmour outra vez).
A crescente reputação do guitarrista foi suficiente para chamar a atenção
do empresário dos Beatles, Brian Epstein, que enviou um caça-talentos até
Victoria Ballroom. Epstein decidiu não assinar com ele, mas, com sua fama,
Gilmour era o mais óbvio substituto para qualquer músico no circuito. Hugh
Fielder, agora crítico musical, cantava na época na banda de Cambridge The
Ramblin’ Blues, e contratou Gilmour quando o guitarrista de sua própria banda
saiu, no último minuto, antes de um show em uma escola para garotas, em 1965.
“Nós já tivéramos garotas gritando para nós antes”, recorda-se Fielder, “e
realmente não queríamos perder aquilo tudo. Gilmour era fantástico.” Só havia
um problema: “Infelizmente, ele cobrava tanto por seus serviços quanto
recebíamos pelo show inteiro”.
Para Roger Waters, a chegada dos Beatles e dos Rolling Stones foi o que
rompeu com sua resistência ao rock. Certa noite, ele e Barrett viajaram a
Londres para ver um show com várias bandas: The Rolling Stones, Helen Shapiro
e Gene Vincent no Gaumont State Cinema, em Kilburn. Vestido de couro, Vincent
não tinha nada do charme do belo rapaz Elvis. Era um alcoólatra que havia
danificado permanentemente a perna esquerda em uma colisão de moto e
caminhava mancando de forma pronunciada. Diziam que Vincent, certa vez, foi
enrolado no tapete de seu guarda-costas e carregado à força para fora do palco
depois que se recusou a tocar. Talvez algo no aspecto exterior de Vincent e sua
persona danificada deixaram uma marca em Barrett e Waters. Qualquer que
tenha sido o catalisador, no trem de volta a Cambridge os dois sentaram-se
juntos, desenhando imagens dos amplificadores que precisariam para começar
um grupo de rock. Contudo, quando Sy d chegou a Londres, Rogers já fazia parte
de uma banda.
Sem o gosto de Sy d para pintura ou o de Gilmour para tocar guitarra,
Waters ponderou sobre qual seria seu próximo passo quando deixasse a County.
Quando viu Sy d tocar com The Mottoes, Waters diria depois que “gostaria de ir
um pouco mais fundo no centro das coisas”. Após abandonar planos de estudar
engenharia mecânica na Universidade de Manchester, ele fez uma série de testes
de aptidão no Instituto Nacional de Psicologia Industrial, cujo resultado apontou
que ele poderia se dar bem em uma carreira como arquiteto.
Como era mais velho, Waters passou alguns meses trabalhando em um
escritório de arquitetura em Swavesey, antes de se inscrever em um curso de
graduação na Regent Street Poly technic, em Londres, na Little Titchfield Street,
próximo a Oxford Circus. Waters levou seu violão e se alojou em diversas casas
para estudantes, incluindo um cubículo com água fria próximo a Kings Road.
Como um de seus futuros colegas de banda explicaria depois, “Roger queria se
libertar, mas não sabia como”. Na primavera de 1963, contudo, ele havia entrado
na órbita de um grupo de colegas estudantes que incluía o baterista Nick Mason e
o tecladista Richard Wright.
Nicholas Berkeley Mason nasceu em 27 de janeiro de 1944, em Edgbaston,
na periferia de Birmingham. Seu pai, Bill, era membro do Partido Comunista e
ex-camareiro da Associação de Técnicos Cinematográficos. Após aceitar um
trabalho como diretor de um documentário, ele se mudou com a mulher, Sally,
para Downshire Hill, em Hampstead Garden Suburb, norte de Londres, quando
Nick tinha apenas 2 anos. A família era completada por três filhas: Sarah,
Melanie e Serena.
Bill colecionava carros antigos e era entusiasta de motores de corrida,
competindo em nível amador. De tema similar, seus primeiros filmes incluem Le
Mans, um documentário de 1955 sobre modelos esportes franceses de corrida. A
coleção de carros dos Mason não era a única evidência de sua riqueza. Como o
resto de seus futuros colegas de banda, a situação de Nick era confortável.
Contudo, no seu caso, um pouco mais confortável. Como diz o primeiro
empresário do Pink Floy d, Peter Jenner. “Recordo-me de ficar maravilhado com
o fato de os pais de Nick terem uma piscina”.
A educação musical de Nick começou com Bill Haley, Elvis Presley e uma
busca interminável pelas ondas sonoras da Radio Luxembourg. Ele aprendeu a
tocar violino e piano, mas não mostrava aptidão para nenhum dos dois. Um
conjunto de bateria veio depois, e no tempo de escola Mason tornou-se parte de
um grupo chamado The Hot Rods, cujo repertório raramente ia além de
cansativas repetições do tema de TV de Peter Gunn.
Aos 11 anos, Mason foi inscrito na Frensham Heights, um internato
próximo a Farnham, em Surrey. Hoje, a escola se orgulha do seu lema: “nada de
uniformes, nada de competição, onde alunos e professores são chamados pelo
primeiro nome”. Até mesmo na década de 1950, comparada às experiências de
Waters com rédeas curtas em Cambridge County, o período de Nick na Frensham
Heights foi bem mais relaxado. “Gostei da minha época na Frensham”, ele
escreveu em 2004. “Ela era bem tradicional, em termos de blazers e exames,
mas tinha uma abordagem bem mais liberal quanto à educação.”
Mason não se dedicou tão vigorosamente à vida acadêmica quanto se
esperava. Na Frensham, seu interesse musical era movido por jazz moderno e,
depois, discos de bebop tocados na sala comunitária da escola. Aos 14 anos, ele
estava mais uma vez tocando bateria, mas de acordo com seus próprios critérios.
“Nunca tive treinamento formal”, disse posteriormente. “E acho que esse foi um
grande erro. A maneira mais fácil de aprender algo da forma apropriada é ser
tutorado por alguém.”
Quando saiu da escola, Nick entrou em um curso de arquitetura com cinco
anos de duração na Regent Street Poly, na primavera de 1962. Talvez ele quisesse
impressionar Frank Rutter, pai da namorada e futura mulher de Nick, Lindy. E
mesmo quando voltou a tocar bateria, ele não parecia partilhar da ambição
ardente de David Gilmour de se tornar músico. Como Mason diria a um
entrevistador anos depois: “Sou um péssimo exemplo de como as coisas ainda
podem dar certo sem que se tente – de como você ainda pode dar sorte”.
Mais do que arquitetura ou música, a paixão de Nick era por carros, um dos
quais ele costumava dirigir em sua ida e volta para a Poly, um incrível Austin
1930. Em seu livro de 2004, Mason diz que aquele carro foi o motivo por que
Roger Waters “se dignificou a conversar comigo” pela primeira vez. Waters
queria pedir o veículo emprestado; o ressabiado Mason se recusou, alegando que
estava quebrado. Pouco depois, Roger viu Nick dirigindo-o. Apesar disso, quando
os dois receberam uma tarefa em dupla, desenvolveram uma amizade.
Em setembro de 1963, os estudantes da Poly, Keith Noble e Clive Metcalfe,
procuravam colegas que pensassem igual a eles e colocaram uma nota no
quadro da instituição. “Ele dizia: ‘Alguém quer começar uma banda?’”, afirma
Clive Metcalfe. Na época, Noble e Metcalfe já estavam um pouco à frente,
experimentando uma nova sessão rítmica. “Keith e eu costumávamos cantar
juntos em um bar na Albemarle Street, em Piccadilly. Fazíamos de tudo, de
Beatles a Peter, Paul and Mary, R&B e blues. Na verdade, eu estudava na
Chelsea School of Art, que na época estava sendo reformada, então eles nos
colocaram na Regent St Poly.” Desejosos de expandir a formação para mais do
que um dueto, Noble e Metcalfe começaram a ensaiar na sala comum estudantil
com “as pessoas que viram a nota e apareceram”. Isso incluía Mason e Waters
(na época, tocando guitarra de forma muito rudimentar) e a irmã de Keith
Noble, Sheilagh.
“Sheilagh costumava cantar com Keith, mas não me recordo de ela fazer
muito mais que isso conosco”, diz Metcalfe. “Roger não era um músico muito
bem desenvolvido; então, embora eu tocasse originalmente guitarra, quando
percebemos que precisávamos de um baixista, troquei de instrumento.”
A banda assumiu o nome The Sigma 6 após se expandir para um sexteto
com outro estudante da Poly, Richard William Wright. Nascido em 28 de julho
de 1943, Wright era filho de um bioquímico, Robert, empregado na Unigate
Dairies, e de sua mulher, Daisy. Os Wright viviam na Hatch End, Pinner, norte
de Londres. Pinner também foi o lar de Reg Dwight, que se tornaria Elton John e,
muito depois, do futuro vocalista do Duran Duran, Simon Le Bon.
Após um período na escola preparatória St John’s, Richard foi inscrito na
Haberdashers Aske, uma escola primária particular localizada em Hampstead
(depois ela se mudou para Elstree). Quando Richard chegou à adolescência, tinha
aprendido a tocar trombone, saxofone, guitarra e piano, e era visto
frequentemente em shows de jazz na Railway Tavern, na vizinha Harrow &
Wealdstone, onde o The Who depois lançaria sua carreira. “Eu não curtia música
pop”, ele confidenciou depois. “Escutava jazz. A música que pela primeira vez
me fez querer ser músico era da época de Coltrane, Miles Davis e Eric Dolphy.”
Seguiu-se um breve período como mensageiro para a fábrica da Kodak,
em Harrow & Wealdstone, mas, incerto sobre o que queria fazer da vida,
Richard seguiu fielmente o conselho de um professor e, em 1962, inscreveu-se
para estudar arquitetura na Regent Street Poly. Anos depois, admitiria: “Ser
arquiteto nunca me interessou de fato”.
Sem ter um teclado na época, o papel de Wright na banda dependia de
haver um piano disponível no local onde tocariam. Os shows eram, em sua
maioria, festas de aniversário de estudantes e cerimônias particulares, dentro e
fora da Poly. Com a saída de Sheilagh Noble, a namorada de Wright, Juliette
Gale, que também estudava na Poly, tornou-se cantora ocasional. “Juliette era
adorável e cantava de forma brilhante”, lembra-se Clive Metcalfe. “Ela cantava
blues, coisas como ‘Summertime’. Rick Wright era incrivelmente quieto. Acho
que jamais cheguei a conhecê-lo.”
No final do ano, o grupo tinha conseguido um empresário e eventual
escritor de músicas, Ken Chapman, que empurrava suas próprias composições
para a banda incluir em seu repertório R&B (“havia uma que se encaixava no
tom de ‘Für Elise’, de Beethoven”, lembra-se Waters). Chapman também
conseguiu uma audição com Gerry Bron, na época editor musical e depois
fundador da Bronze Records. “Ele disse que as músicas eram boas, mas para
esquecer a banda”, recorda-se Nick Mason. “Acho que se escutássemos qualquer
pessoa que tivesse um pouco de bom gosto na época, teríamos desistido. Mas
éramos tão egocêntricos que apenas seguimos em frente.” Ao longo do ano
seguinte, houve muitas mudanças de nome, incluindo The Megadeaths e The
Screaming Abdabs (depois abreviado para The Abdabs). Entrevistado para um
artigo em uma revista estudantil, Waters foi fotografado fazendo uma pose
estranha ao lado de um poste de luz na Great Titchfield Street, e – denunciando o
rock como “beat sem expressão” – zombou de todos, usando sua tradicional
jaqueta de couro preto no estilo Dy lan.
“Briguei com Waters”, admite Clive Metcalfe. “Nick Mason era fácil de se
lidar, mas achava Roger muito cáustico, e eu era um alvo fácil. Tinha crescido
no campo e tinha um conhecimento limitado. Roger não tolerava tolices, e acho
que ele podia me fazer de bobo bem facilmente”. “Não sei ao certo se estava
ciente de ser ameaçador”, Waters explicaria depois. “Contudo, acho que, em
minha insegurança, eu provavelmente cultivei isso. Tinha tanto medo de tudo,
quando era jovem, que acabei me tornando agressivo.”
Na mesma época em que frequentava a Poly, Wright fazia aulas
particulares de teoria musical e composição na Eric Gilder School of Music e, ao
perceber que arquitetura não era sua vocação pulou para fora do barco (ou foi
empurrado, de acordo com algumas fontes) no fim do primeiro ano.
“Desisti por estar entediado”, ele contou. “Então comecei a viajar para o
exterior, para lugares como a Grécia, e voltava para casa a fim de ganhar algum
dinheiro como designer de interiores e decorador particular. Mas estava muito
infeliz e mergulhei no estudo da música.” Por fim, Wright se matriculou na
Roy al College of Music, de Londres.
Enquanto isso, Waters e Mason lutavam para se dedicar aos estudos.
Waters, em especial, parecia frustrado com seus professores na Poly, assim
como acontecera na County, entrando repetidamente em choque com o titular da
cadeira de história da arquitetura. “Eu era bastante radical. Foi igual ao que era
na County, mas eu achava que já tinha escapado daquilo tudo.” Entretanto, havia
dois professores que não atraíam o desprezo de Waters. O primeiro, seu
orientador naquele ano, o encorajou a trazer o violão para as aulas e permitiu que
ele tocasse durante o período escolar. O outro era o arquiteto Mike Leonard, que
ensinava meio período na Poly e na Hornsey College of Art. Ele era um
talentoso pianista e, embora fosse pelo menos quinze anos mais velho que seus
pupilos, partilhava dos mesmos interesses nas áreas mais vanguardistas da
música. Além disso, para grande curiosidade de Waters, Leonard também fazia
experiências com efeitos de iluminação, desenhando e construindo engenhocas
de vidro e Perspex, e fazendo experimentos com slides a óleo. A casa de
Leonard, em Stanhope Gardens, Highgate, era grande o bastante para servir
como local de ensaio, mas ele também precisava de inquilinos para ajudá-lo a
pagar a hipoteca. Mason e Waters foram os primeiros a se mudar para lá.
No verão de 1964, a chegada do guitarrista Bob Klose, amigo de infância
de David Gilmour, foi providencial. Klose tocava regularmente na banda Blues
Anony mous, em Cambridge, e havia se tornado um excelente guitarrista.
Entretanto, sua presença incitou Clive Metcalfe e Keith Noble a voltar a trabalhar
em dueto. “Bob era um daqueles guitarristas que eu achava que tinha ficado
esperto demais”, diz Metcalfe. “Com Keith e eu na banda, o som realmente não
estava funcionando.” Metcalfe e Noble viriam a escrever “A Summer Song”, um
top 40 hits nos Estados Unidos, para Chad & Jeremy ainda naquele ano. Klose
mudou-se para Stanhope Gardens e assumiu seu lugar na banda como guitarrista,
deslocando Waters para o baixo.
Bob Klose não foi o único de Cambridge a se mudar para a capital. Desde
que se matriculou na Camberwell School of Art, Sy d também estava em Londres
permanentemente, partilhando um sofá-cama e um colchão com David Gale em
uma casa decrépita na Tottenham Street, onde outro membro da turma de
Cambridge, Seamus O’Connell, já vivia com a mãe.
“Era um bloco de apartamentos de baixa qualidade, bem na saída da
Tottenham Court Road”, diz Seamus. “Eu me dei bem na County até os exames
de qualificação, mas depois fiquei um pouco maluco com problemas familiares.
Então, estava vivendo neste lugar e estudando quando David e Sy d se mudaram.”
Enquanto Barrett ia todas as manhãs para Camberwell, Gale estudava
cinema na Roy al College of Art e trabalhava meio período na loja Better Books,
na Charing Cross Road, o principal ponto da capital para literatura e revistas beat.
À noite, eles voltavam para o que Gale se refere como “nosso pequeno quarto
fedorento”. Conforme confirma uma testemunha, “afazeres domésticos não
eram uma prioridade em nenhum dos locais onde vivíamos, mas aquele flat na
Tottenham Street era o único onde me lembro de ter visto muitas baratas”.
Inevitavelmente, logo Barrett se viu atraído para o alojamento na Highgate
de seu antigo colega de escola, Roger Waters. Em poucos meses, Sy d mudou-se
para Stanhope Gardens junto com Klose, Waters e outro desertor de Cambridge,
Dave Gilbert. Wright tinha ido morar com Juliette Gale, enquanto Mason havia
retornado ao santuário de seus pais – e para a piscina –, no lar em Hampstead.
Para o contingente de Cambridge, a primeira visita à casa dos pais do
baterista foi uma surpresa. “A banda mal tinha o dinheiro da gasolina para fazer a
viagem”, lembra-se Libby Gausden. “Quando chegamos à casa de Nick, fomos
muito bem tratados pelo tipo de pessoas que você nunca espera que o receberá
bem. Lá estávamos nós, todos cabeludos e vestindo roupas escuras, achando que
éramos beatniks. Lembro-me de Nick ter um ótimo kit de bateria e dinheiro para
amplificadores, e seus pais ficaram satisfeitos por ele se juntar ao grupo. Para
nós que vínhamos de Cambridge, a impressão era de que o pessoal de Londres
era rico.”
A casa de Mike Leonard era uma caverna mágica de Aladin, cheia de
instrumentos musicais, armaduras, livros beatnik e discos de jazz, partilhados
com seus gatos Tunji e McGhee. Tudo isso incentivava o senso de humor e as
atitudes bizarras de Sy d. Enquanto Leonard vivia e trabalhava no andar superior,
Barrett, Mason, Waters e Klose ensaiavam no de baixo. “O barulho era
fenomenal”, disse Leonard, em 1991. “Os vizinhos chamavam a polícia e o
conselho juvenil. Então eles receberam uma carta de um advogado dizendo que
a saúde de alguém estava sendo prejudicada.” Implacável, a banda, chamada
agora The Spectrum Five, continuou a todo volume, enquanto os fascinados
Barrett e Waters ajudavam Leonard com seus protótipos de máquinas de
iluminação. O grupo também fornecia a música para os experimentos de Mike
na Hornsey College of Art’s Sound and Light Workshop.
Mike assistia aos ensaios e tocava órgão, mas, tirando algumas
performances com a banda em um pub local, não tinha pretensão de se tornar
astro do rock: “Eu era um pouco velho e não tinha o visual adequado. Por outro
lado, ficava contente de encorajar a banda enquanto me maravilhava com as
piadas de Barrett e as tentativas ineptas de preparar os almoços de domingo:
metade de um repolho vinha sempre parar em nosso prato”. A banda adotou
brevemente o nome Leonard’s Lodgers em homenagem ao seu senhorio.
Após dar um tempo nos estudos, Richard Wright logo estaria de volta aos
teclados definitivamente. Ele também havia curtido uma aventura musical, ao
vender uma obra de sua autoria, “You’re the Reason Why ”, ao trio de Liverpool,
Adam, Mike & Tim, pelo valor de 75 libras.
Entretanto, o papel de um vocalista carismático ainda não estava
preenchido. Juliette Gale havia saído da Poly para frequentar uma universidade
em Brighton. Barrett e Klose se alternavam nos vocais, mas logo perceberam
que precisavam de um frontman de verdade. Sy d abordou Geoff Mottlow, mas
ele tinha um hit com The Boston Crabs e recusou. Por sugestão de Klose,
procuraram outro refugiado de Cambridge.
Chris Dennis, que havia cantado em uma banda chamada The Redcaps,
trabalhava como técnico para a RAF e possuía o raro diferencial de ter
participado do primeiro grupo elétrico de Malta, The Zodiacs, durante uma turnê
na ilha. Mais velho do que seus colegas de banda, tinha a vantagem de possuir um
sistema de PA Vox.
“Tinha tudo a ver eu me juntar a eles”, Dennis afirma hoje. “Eles queriam
tocar estritamente blues – Slim Harpo, Lightnin’ Hopkins, Howlin’ Wolf –, coisas
que ninguém escutava no Reino Unido na época. Eu era bem mais fã de R&B
depois de ver os Rolling Stones no Rex Ballroom, em Cambridge. Aquilo era bem
mais meu estilo.”
Dennis foi a alguns ensaios na casa de Mike Leonard e ficou com o grupo
por seis meses, como vocalista em uma dúzia de shows, incluindo uma
apresentação de abertura para o grupo de Jeff Beck, The Tridents. “Com tantas
bandas, você vê que tem sempre alguém no conjunto que só está lá por ser
amigo da galera, e, no começo, eu achava que Sy d se enquadrava nesse quesito.
Ele costumava cantar algumas músicas, como “No Money Down”, de Chuck
Berry, mas não tinha presença de palco. Roger era o líder. Foi ele quem me disse
o que cantar e quais músicas aprender.”
Posteriormente, a banda afirmou que a postura irônica de Dennis no palco,
incluindo anunciar músicas como “Smokestack Lightning”, do Howlin’ Wolf,
como sendo de sua autoria, tornou-se um problema. Dennis tem uma visão
diferente. “Eles não tinham muito senso de humor”, insiste. “Mas vários daqueles
antigos blues eram engraçados. Eles ficavam me dizendo para não inventar
títulos de canções, repetindo que tínhamos que dizer para as pessoas exatamente
o que estávamos fazendo. E eu respondia: ‘Por quê? Elas não sabem mesmo o
que é’. Para ser honesto, acho que na época o público não estava pronto para
aqueles blues arrebatadores e suas letras esquisitas.”
Foi durante o tempo de Chris Dennis no grupo que eles assumiram uma
variação do que viria a ser o seu último nome. Sy d tinha emendado o apelido de
dois bluesmen da Carolina do Norte, Pink Anderson e Floy d Council, também
usado como os nomes de seus dois gatos de estimação, Pink e Floy d. Em vários
momentos durante 1965 e começo de 1966, o grupo se apresentava como The
Pink Floy d Blues Band, The Pink Floy d Sound e The Tea Set, às vezes soletrado T-
Set.
“Não me lembro de jamais termos nos chamado de The Tea Set”, insiste
Chris Dennis. “Mas recordo-me de Sy d vir ensaiar e nos dizer que havia pensado
em um nome – Pink Floy d. No começo, não gostei. Acostumei-me a ele depois,
mas no início não achei que soava verdadeiro.”
Acredita-se que o primeiro show que a banda fez com o nome Pink Floy d,
sob qualquer que fosse a variação, foi em Count Down, no Palace Gate,
Kensington, em fevereiro de 1965. A banda fez três sets de noventa minutos e
ganhou um cachê pífio de 15 libras. Para enuviar o assunto do nome da banda
ainda mais, um amigo de Sy d na escola de arte de Cambridge, Richard Jacobs, é
tachativo, dizendo que Sy d cunhou o nome no começo de 1963. “Eu me recordo
claramente de ele entrar em uma sala certa tarde e me dizer que tinha um nome
para a banda que queria começar: Pink Floy d. Ele me disse isso como se fosse
algum tipo de revelação em sua hora de almoço.” Em 1967, a história tinha
mudado de novo e Sy d estava tecendo histórias para entrevistadores ingênuos de
que o nome havia sido transmitido a ele por um disco voador, enquanto ele estava
meditando sob uma linha de força.
Contudo, ainda havia mais mudanças em andamento. Infeliz com o título
fraudulento das músicas que Chris Dennis criava, Waters insistiu que Bob Klose o
despedisse. Antes que ele tivesse a oportunidade, o cantor anunciou que a RAF o
havia mandado para Bahrain. “Eu não teria ficado com eles por muito mais
tempo de qualquer modo”, ele alega. “Quando voltei de Bahrain, havia um LP do
Pink Floy d nas lojas. Mas não o relacionei com eles de forma alguma. O tipo de
música que Sy d acabou fazendo foi uma completa surpresa para mim.”
Com Dennis fora, Barrett relutava em assumir o papel de frontman. Por
meio dos contatos de Richard Wright, a banda surrupiou algumas horas livres em
um estúdio de West Hampstead para gravar uma demo. Junto com “I’m A King
Bee”, de Slim Harpo, estavam as próprias músicas de Barrett, “Butterfly ” e
“Double O Bo” (um tributo mal disfarçado a Bo Diddley ) e “Lucy Leave”, a
qual, com sua estólida batida estilo Rolling Stones, dava poucos indícios da
caprichosa musicalidade que permeava seu jogo de palavras.
Mas a competição musical em Londres era dantesca. “Recordo-me de ver
o The Who no Top of the Pops tocando ‘My Generation’, e pensar: É isso aí! É isso
que eu quero fazer”, lembra-se Mason. “Isso foi por volta de 1964, mas jamais
imaginei que seria possível conseguir com o que vínhamos fazendo.”
Chris Dennis não seria a única baixa do Pink Floy d naquele período. No
verão de 1965, Bob Klose tinha saído. “Bob era um músico bem melhor do que
todos nós”, diz Richard Wright. “Mas ele também tinha alguns problemas com
exames e achava que tinha de se dedicar aos trabalhos, enquanto o resto de nós
não estava preocupado com isso.”
“Bob escutou aquelas penosas palavras de seus pais: ‘Termine seus exames,
depois vá lá e faça o que quiser’”, lembra-se Libby Gausden. “Eu me sentia à
deriva e precisava acertar as coisas”, diz Klose. “Sy d tinha começado a escrever
e trazer essas canções próprias. Na época, contudo, a sensação era do tipo: ‘Oh,
Sy d está compondo uma música’. Mas só depois fui capaz de escutar a
originalidade do que ele criava. Roger dispunha de todos aqueles conceitos
fantásticos diante de nós, e depois fazia com que eles dessem certo. A grandeza
de sua visão era extraordinária. Mas a música que fazíamos antes era
influenciada pelo fato de eu ser um guitarrista dócil, sempre condescendente. O
que Sy d escreveu lhes deu o impulso para parar de fazer covers de R&B e seguir
uma direção mais original.”
“Foi uma enorme mudança quando Bob saiu”, disse Mason. “Isso deu uma
guinada na banda. Sy d e Roger estavam escutando John May all e Alexis Korner,
mas, em algum lugar ao longo do caminho, Sy d tinha descoberto a composição,
e suas músicas não eram nem um pouco convencionais.”
“Bob Klose era um cara com grande riqueza de estilo no blues”, explica
Waters. “E quando ele saiu não tínhamos ninguém com tal conhecimento
musical, então começamos a fazer algo diferente. Sy d assumiu a guitarra
principal e tenho certeza de que foram os barulhos que Pete Townshend fazia na
época, seus guinchos e feedback, que o influenciaram. Daí, começamos a fazer
sons estranhos em vez de blues.”
Depois, seria dito que Klose não se sentia confortável com a direção
psicodélica que a banda começava a tomar. “Isso é conversa fiada”, ele afirma.
“Assim como a ideia de que Sy d e o Floy d eram um antro encharcado de drogas
é puramente sem sentido. Sy d não precisava estar chapado para fazer aquele tipo
de música.”
As férias de verão levaram Barrett de volta a Cambridge e à sua antiga
namorada. Embora o Floy d estivesse longe de ser “encharcado de drogas”, os
grupos que ficavam ao longo do rio Cam haviam encontrado outra obsessão:
dietilamida do ácido lisérgico, conhecida como LSD, uma substância alucinógena
que na época era legal e cujo grande defensor era o escritor e psicólogo
americano dr. Timothy Leary. Coautor de The psychedelic experience, publicado
em 1964, Leary expunha os méritos da droga em “oferecer uma jornada a
novos estados de consciência”.
Em 1965, alguns membros do círculo floy diano fumavam erva já havia
dois anos pelo menos, e um deles também havia adquirido um documento
médico, proibido para o público em geral, que listava várias substâncias
farmacêuticas legais e sublinhava seus efeitos quando usadas em excesso. As
exatas circunstâncias que cercaram a chegada do LSD a Cambridge na década
de 1960 ainda são sujeitas à especulação. Anthony Stern viu LSD pela primeira
vez em 1963, com um conhecido que estudava em Cambridge e a havia
conseguido por meio de contatos nos Estados Unidos. “Ele se sentou comigo em
sua casa na Fisher Street e me preparou para o que iria acontecer e, cara, quando
aconteceu... Cambridge era um lugar maravilhoso para tomar LSD, com um
monte de lugares fascinantes para ir. Costumávamos vagar pelo Fitzwilliam
Museum e olhar para as obras de arte, e várias viagens de ácido culminavam na
capela da Kings College, que tinha um extraordinário teto medieval.”
“Na época, todos começaram a ler sobre Timothy Leary e o surgimento
daquela droga maravilhosa. E todos se perguntavam como conseguiríamos
colocar as mãos nela”, diz David Gale. “Com pouco esforço, as pessoas
simplesmente a traziam de Londres. Vinha geralmente em papel-cartão, e cada
pacote continha 500 microgramas, que era repartido.”
Na verdade, foi um cientista inglês, Michael Hollingshead, que havia
apresentado a droga a Timothy Leary pela primeira vez, em 1961. Quatro anos
depois, Hollingshead abriu o World Psy chedelic Centre em um flat de May fair,
atraindo um conjunto de velhos etonianos, alunos de Oxbridge, músicos e poetas
bem relacionados, incluindo William Burroughs e até Paul McCartney, ávido em
discutir os méritos da nova droga.
Foi pelas conexões de Hollingshead que Nigel Lesmoir-Gordon, agora
estudando na London School of Film Technique, fez sua primeira viagem.
“Experimentei LSD pela primeira vez em Londres, em março de 1965”, ele se
lembra. “Minha primeira viagem foi absolutamente medonha; a segunda, bem
melhor. Depois disso, comecei a oferecê-la para outras pessoas. Era um
evangelizador, vendendo-a por uma bagatela, sem fazer muito dinheiro.”
Assim como o LSD, as sementes da flor glória-da-manhã continham uma
forte concentração da droga alucinógena quando tomada em quantidade
suficiente e mascada até a polpa. Após essa descoberta, floristas de Cambridge
relataram uma explosão na venda de sementes, ainda que a planta tivesse seus
inconvenientes. Conforme Emo explica, “você tinha que suportar duas horas da
mais excruciante dor de estômago e náusea antes de começar a viajar”.
Naquele verão, os pais de David Gale foram para a Austrália por seis
meses, deixando-o livre e sozinho na casa da família. Entre os que aproveitaram
para tirar vantagem, estava Emo, que tinha, nas palavras de Gale, “se tornado o
bobo da classe trabalhadora em um grupo de viciados da classe média”. Emo
imediatamente tomou um quarto na casa do amigo e, de acordo com Gale, “ele
costumava ir até a fábrica, trazer uma garota, traçá-la, levá-la de volta e depois
pegar outra”.
Uma tarde, Emo, Barrett, Storm Thorgerson e outro colega, Paul Charrier,
se reuniram no jardim da casa dos pais de Gale. Emo diz estar convicto de que,
naquela ocasião, ele e Sy d haviam usado glória-da-manhã. David Gale diz que
alguns deles estavam viajando com LSD que tinham tomado em gotas junto com
cubos de açúcar. Em uma experiência anterior com frascos da droga, Emo
descobrira que LSD podia ser absorvido pela pele, quando acidentalmente
manuseou cubos de açúcar impregnados, o que resultou em “horas de um puta
caos, e a gente sem saber em quais cubos se podia viajar e quais não”.
Independentemente do que eles tinham ingerido naquele dia, a imaginação
de Barrett estava fixa em uma caixa de fósforos, uma pluma e uma laranja, que
encontrara na cozinha de David Gale. Ele passou as quatro horas seguintes
contemplando-as até que, dependendo de quem conta a história, Charrier
derrubou a fruta ou Emo a comeu. “Foi aí que Paul e Sy d foram para dentro da
casa e começaram a pular no banheiro de Dave Gale, gritando: ‘Sem regras,
sem regras!’”, lembra-se Emo. “Sy d sempre teve esse negócio de se libertar das
regras. Ele achou que, quando se juntasse a um grupo e fizesse a coisa acontecer,
não haveria regras e ele poderia ter a liberdade que quisesse. Mas, claro, uma
vez que chegou lá, descobriu que era o mesmo em todos os lugares – o que
provavelmente foi uma das coisas que bagunçou a sua cabeça.”
Enquanto isso, o relacionamento de frequentes idas e vindas com Libby
passou a ser permanentemente de idas, embora tenham continuado amigos. Ela
começou a sair com o filho do artista Pablo Picasso, Claude (“ele adorava Sy d e
com frequência sugeria que fôssemos visitá-lo aos domingos”) e foi para a
Alemanha naquele verão para estudar. Barrett continuou a visitar Cambridge aos
finais de semana. Sua cidade natal ainda era cheia de distrações lisérgicas, as
quais algumas ficavam evidentes quando ele voltava para Londres.
“Jamais toquei em ácido, pois morria de medo daquilo”, diz Seamus
O’Connell. “Mas me lembro de uma vez em que estávamos na Tottenham Street,
e Sy d havia voltado a Cambridge para passar o final de semana e teve algumas
estranhas experiências com drogas no Arts Theatre, com um de seus colegas. Ao
voltar para Londres, um de seus olhos parecia morto. Ele tinha olhos muito
vívidos, em geral brilhantes, mas um deles não parecia normal. Todos
repararam, e ele veio com uma explicação elaborada.”
Naquele mesmo verão, com Libby na Alemanha, Sy d começou a ver
Lindsay Corner, outra ex-aluna da Ely, cujo pai era amigo do dr. Barrett. O
amigo deles em comum, Po, havia apresentado o pai no Dorothy Ballroom.
Lindsay também era mais condescendente com as aventuras de “expansão da
consciência” de Sy d. Nessa época, Nigel Lesmoir-Gordon filmou Sy d
supostamente viajando com cogumelos alucinógenos. Nigel havia pegado
emprestado uma câmera de super-8 da faculdade e foi para uma pedreira
abandonada próximo a Gog Magog Hills de Cambridge, com sua esposa Jenny,
Sy d, o amigo de Roger Waters, Andrew Rawlinson, David Gale, a namorada de
Rawlinson, Lucy Pry or, e o futuro técnico de luz do Floy d, Russell Page.
A filmagem é granulada, a câmera perde o foco às vezes, mas Barrett,
surpreendentemente elegante, de camisa branca e casaco azul, aparece bem
visível, andando pela pedreira em um momento, antes de cair em silenciosa
contemplação no seguinte. Depois, ele é visto ponderando a respeito da folha de
uma planta, berrando em silêncio para a câmera e, aparentemente meio
consciente, colocando cogumelos nos olhos e na boca. A filmagem termina com
uma fogueira e algumas imagens agitadas de seus coconspiradores. Agora
amplamente copiado e disponível na internet, o filme recebeu o título de Syd’s
first trip.6
“Nós só estávamos zoando com a câmera”, diz David Gale. “Aquele filme
tem um encanto nostálgico. Mas na verdade só estávamos fazendo tudo na hora.
Com certeza não foi a primeira viagem de Sy d, e também não estou convencido
de que sua primeira viagem tenha sido no quintal da casa dos meus pais. A lenda
cresceu em torno dessa possibilidade. Mas é bem provável que ele tenha tomado
algo antes mesmo de Londres. Não me surpreenderia.”
David Gilmour também experimentou LSD naquele ano. “Havia muitas
pessoas experimentando como forma de atingir uma consciência mais elevada”,
ele disse. “A intenção era ter uma experiência quase religiosa com cunho
científico, e eu concordava com aquilo. Sou ateu e não comecei a acreditar em
Deus de uma hora para outra, mas o que diziam era que você atingia partes do
cérebro normalmente inacessíveis, e nas primeiras vezes que usei, achei uma
experiência muito profunda.”
Para alguns da turma de Cambridge, tomar LSD tornou-se uma
experiência sagrada. “Todo mundo parecia animado na época”, recorda-se
Jenny Lesmoir-Gordon. “Havia algumas pessoas muito carismáticas, não apenas
Sy d, mas gente como Andrew Rawlinson e Paul Charrier. Sy d era só mais um
deles.”
Foi Charrier quem causaria uma repentina e dramática cisma no grupo,
que teria impacto significativo em Barrett. “Paul era um camarada cheio de
energia, bombástico, gorducho e adorável”, conta David Gale. “Mas algo
aconteceu com ele durante aquela viagem no jardim da casa de meus pais. Ele
foi ao banheiro, encontrou um livro chamado Yoga and the Bible e, ‘enquanto
dava uma cagada’, teve uma revelação de que aquele texto continha o
significado de tudo. Ele saiu do banheiro e anunciou que estava indo para a Índia
encontrar aquele guru. Achávamos que era efeito do ácido, mas no caso dele,
aquilo mudou sua vida. Em poucas semanas, ele partiu para Délhi e voltou depois
de seis semanas, tendo sido iniciado na doutrina do guru e recebido uma série de
tarefas espirituais. Ele cortou o cabelo, comprou um terno sob encomenda na
Burton, assumiu um visual deprimentemente comum e começou a pregar como
louco, a ponto de Andrew Rawlinson, Ponji Robinson e outras figuras malucas se
converterem e debandarem para Délhi também. Depois eles voltaram com seu
proselitismo e converteram mais um monte de gente. Mas metade de nós – eu,
Storm, Seamus – dizia: ‘Isso é besteira!’.”
A seita Sant Mat, que capturou Charrier e seus amigos, era uma vertente da
religião Sikh, e datava do começo do século XIII, na Índia. O guru em questão
era Maharaj Charan Singh, chamado de mestre por seus seguidores, os quais
eram conhecidos como satsangi. O caráter paz e amor da Sant Mat se encaixava
perfeitamente na época. Havia quatro princípios fundamentais: abstinência de
sexo fora do casamento, dieta rigorosamente vegetariana, nada de drogas ou
álcool, e instruções gerais que levavam a uma vida regrada. Também se pedia
que os iniciados meditassem em torno de duas horas por dia. Ao curso dos doze
meses seguintes, vários membros da turma de Cambridge seriam atraídos para a
Sant Mat. “Nós tínhamos ido tão fundo dentro de nós mesmos com LSD, que
queríamos que a jornada continuasse sem drogas”, explica Emo. “Paul Charrier
foi para a Índia e quando voltou nos contou sobre o mestre; estava absolutamente
maravilhado. Então, Ponki foi, e na volta, instalado no sofá que havia no quarto de
Nigel Lesmoir-Gordon durante o período em que este viveu em Londres, nos
contou como as coisas eram na Índia. Dave Gilmour estava presente e disse que
se tivesse dinheiro pegaria um avião e voaria direto para lá. Sy d também queria
seguir por esse caminho.”
“Sy d leu o livro, forçado por Paul Charrier”, acredita David Gale. “Paul
estava insuportavelmente fanático: ‘Esse guru é Deus. O que você está
esperando?’. De acordo com Storm, Sy d ficou bastante impressionado e queria
conhecer o mestre, que ia a Londres de vez em quando para encontrar seus
seguidores britânicos, alguns bem antigos que vinham desde o final da era Raj. O
mestre ficava em um hotel em Bloomsbury e dava palestras. Era aquele tipo de
sujeito de aspecto agradável, com barba comprida e turbante. Sy d foi até lá
conhecer o guru e ver se podia ser iniciado, mas o mestre lhe disse que ele não
estava pronto. Então, o que ele viu em Sy d que nós ainda não conseguíamos ver?
Storm acha que Sy d ficou muito aborrecido por não ser considerado
espiritualmente pronto.”
“A certa altura, acho que posso ter sido um problema”, diz Storm
Thorgerson. “Em retrospectiva, você pensa todo tipo de coisas desagradáveis
sobre sua frágil personalidade. Mas a de Sy d era muito volátil. Ele tendia a
buscar as coisas com enorme vontade e depois dispensá-las.”
Embora o caminho tomado por seus colegas pudesse ter intrigado Barrett e
Gilmour, outro colega do Pink Floy d permanecia cético. Ainda lutando para
montar seu futuro grupo e sem se encantar por LSD ou misticismo indiano, Roger
Waters era, como se lembra Andrew Rawlinson, “um ateu convicto, que não se
interessava por nada daquilo”.
Qualquer contratempo espiritual que Sy d possa ter vivido, 1965 também o
recolocou em contato com David Gilmour. Naquele verão, em uma pausa da
Jokers Wild, Gilmour foi até a França de carona para ficar com alguns amigos
perto de St. Tropez. Sy d e uma galera de Cambridge apareceram com um jipe
Land Rover e levantaram acampamento num local próximo. Durante a
temporada de duas semanas, Barrett e Gilmour ficaram bêbados, se divertiram,
tocaram juntos e foram presos por vadiagem. Em outubro, os caminhos da dupla
se cruzariam novamente quando as bandas Jokers Wild e The Tea Set foram
agendadas para tocar na festa de 21 anos da namorada de Storm Thorgerson,
Libby January, e sua irmã gêmea, Rosie, em uma casa de campo em Great
Shelford. Planejado pelo pai delas, Douglas January, um proeminente corretor
imobiliário local, o show ocorreu em dois palcos posicionados nas extremidades
de uma grande tenda. Também presente naquela noite estava um desconhecido
cantor e compositor norte-americano chamado Paul Simon.
“Paul Simon tocou na sala de estar”, lembra Willie Wilson, baterista da
Jokers Wild que havia substituído Clive Welham. “Ninguém sabia quem era, e ele
era um pé no saco. Apareceu e disse: ‘Posso tocar com vocês?’, e ficamos sem
entender. ‘Você é um músico folk acústico e nós somos uma banda de rock. Ele
respondeu: ‘Posso fazer Johnny B. Goode’. Então, por fim, deixamos que ele
subisse e desse uma canja.”
Erva era fumada furtivamente pelos festeiros em um dos dois cantos.
“Jovens fazendeiros e todos os que tinham dinheiro acabavam em uma
extremidade, e nós, os duros, na outra”, diz Emo. “Então Sy d puxou uma toalha
de mesa e nunca se viu tantas peças caras de cristal se esparramando por todos
os lados.” O parceiro de Emo, Pip Carter, subiu no palco para acompanhar com
seus bongôs a Jokers Wild. Não querendo ficar de fora, Emo o seguiu. “Na
verdade eu subi com a The Tea Set e fizemos uma canção de Bo Diddley, mas eu
não sabia a letra, só cantava na sequência de Sy d, até que caí do palco, bêbado, e
vi o sr. January parado, me encarando.”
“Foi a noite em que percebi que tudo estava mudando”, afirma John
Davies. “Lembro-me de ter ficado muito chapado, mas ciente de que todos
estavam seguindo suas jornadas pessoais. Não estou certo se éramos um grupo
tão singular, mas às vezes parecia que teríamos que esperar até 1967 para que o
resto do mundo nos alcançasse.”
Enquanto o grupo de rapazes de Cambridge buscava seu rumo, Barrett e
Waters ainda teriam de esperar mais dois anos e meio antes que Gilmour
entrasse novamente em suas vidas. Quatro anos depois, a casa de campo de
January reapareceria na história do Pink Floy d, seu gramado e janelas francesas
imortalizados na capa do álbum Ummagumma. Mas o que ninguém sabia é que o
carismático e sedutor frontman do Pink Floy d seria substituído por um de seus
melhores amigos.

3 Tipo de música folk, com influência de jazz. (N. T.)


4 Pequeno violão semelhante ao cavaquinho português, em geral de quatro
cordas, popularizado no Havaí durante a década de 1870. (N. E.) Fonte: Houaiss.
5 “Então nós deixamos Beirut, Willa e eu...” (N. T.)
6 A primeira viagem de Sy d. (N. T.)
CAPÍTULO TRÊS UM HOBBY ESTRANHO

“Mostre-se, sintonize, foda-se!”


Roger Waters

“Q ue rave! Um homem se arrastando por geleia. Garotas sem blusa. Poesia


excêntrica. Música esquisita…” A revista de fofocas dos anos 1960, Titbits,
recontou rapidamente o “espontâneo acontecimento underground” de fevereiro
de 1966. O evento aconteceu no clube Marquee, em Wardour Street, no coração
do Soho, em Londres. Poucas semanas depois, uma das bandas que tocariam
seria The Pink Floy d Sound, como eles costumavam se rotular.
O ano de 1966 seria fecundo para o rock e a música pop como um todo. Os
Beatles lançaram Revolver, um álbum cheio de sons exóticos que refletia as
experiências do grupo com LSD; o Cream, o primeiro a se autointitular
supergrupo de rock, começou a inventar o heavy metal; enquanto Jimi Hendrix
foi uma grande atração entre os clubes de Londres com sua pirotecnia
sensacional ao tocar guitarra. Havia uma explosão de moda, arte e música em
andamento, cujo pico seria no decorrer do ano seguinte, no que ficou conhecido
como “verão do amor”.
A chegada de Hendrix e Cream teve impacto no Pink Floy d. “Eu me
lembro de vê-los quando eram jovens inexperientes”, lembra-se Roger Waters.
“Eles tocaram no Regent Street Poly como parte de nosso show de encerramento
e foi maravilhoso ver e escutar aquelas longas improvisações.”
Qualquer que fosse o lugar do Floy d naquele mundo novo, a situação
pessoal da banda estava longe de ser glamorosa. O dinheiro era curto, e o dilema
de equilibrar trabalho e estudos com os shows continuava. Mason estava
trabalhando firme na Regent Street Poly, mas ainda conseguiu um emprego com
o pai de Lindy, que era arquiteto, e Waters suspendeu seus estudos enquanto
adquiria experiência prática em uma firma de arquitetura da cidade. Wright e
Barrett ainda frequentavam a faculdade.
A apresentação do Pink Floy d em certos “acontecimentos” pela capital no
começo de 1966 chamou a atenção de um grupo da cena londrina. John
“Hoppy ” Hopkins era graduado de Cambridge e chegou a trabalhar como físico
para a Atomic Energy Authority. Logo após ter feito uma viagem não
programada para Moscou, ele foi interrogado pelo serviço de segurança e
acabou largando o emprego. Nos loucos anos 1960, estava trabalhando como
fotógrafo freelancer para a Melody Maker, na Fleet Street.
“Hoppy queria afrontar a burguesia, fumar erva e transmitir um senso
geral de anarquia”, alegou um contemporâneo. Mas, como outro explica,
“Hoppy também era um organizador natural em uma época em que todo mundo
só ficava zoando”. Após uma visita aos Estados Unidos em 1964, Hopkins
retornou à capital com a ideia de fundar um jornal underground e a escola que
ficaria conhecida como London Free School. Esta foi a primeira que deu frutos.
Estabelecida no porão do número 26 da Powis Terrace, em Notting Hill, era,
conforme ele explicou em outubro de 1966, “uma não organização, existindo
somente no nome, com nenhum responsável eleito e nenhuma responsabilidade”.
Um dos colegas de Hopkins, o ativista negro Michael de Freitas, conhecido
como Michael X, conseguiu o empréstimo do prédio com o proprietário. Os
primeiros a se mudarem para o porão foram posseiros, que deram ao local uma
imediata vibração de retorno à natureza. “Lá era tão úmido e frio que eles
arrancaram os tacos do chão e fizeram uma fogueira”, lembra-se Hoppy. “Por
isso, uma das coisas pelas quais a escola ficou conhecida era o seu chão de terra
batida.”
Com as paredes cobertas de desenhos e cores psicodélicos, o lugar recebia
seus atraentes músicos, poetas, beatniks, intelectuais liberais e a rebordosa geral
do submundo artístico de Londres. Atuando como um centro comunitário ad-hoc,
seus colaboradores também estavam disponíveis para dar conselhos práticos aos
arrendatários sobre leis de habitação e até ensinar inglês básico a imigrantes.
Anos depois, alguns dos envolvidos com a escola trabalhariam na organização do
primeiro Notting Hill Carnival, enquanto Michael X conseguiria que a lenda do
boxe Muhammad Ali visitasse a área em 1966.
Conforme Hoppy insiste hoje, “a Free School era uma ideia em aberto, e
as pessoas que tomavam parte dela faziam aquilo que queriam”. Entre os
envolvidos estava Joe Boy d, um norte-americano de 25 anos que tocava o
escritório britânico da Elektra Records, e Peter Jenner, um jovem de 24 anos que
havia se formado em economia com honras na Universidade de Cambridge e
dava aulas na Faculdade de Economia e Ciência Política de Londres. Jenner
havia morado com Eric Clapton e era um tipo de “músico pirado vanguardista”.
Hopkins, Jenner, Felix de Mendelsohn (outro aluno da Free School) e o
crítico de jazz Ron Atkins, que dividia um apartamento com Hoppy, tinham
fundado uma empresa chamada DNA e gravado o grupo de free jazz AMM. No
que Jenner descreve hoje como “um puta acordo espetacular”, eles conseguiram
que Boy d lançasse o álbum do AMM, Music from a Continuous Performance,
pela Elektra.
“O AMM tirava som de guitarras e pianos, mas também de rádios e
serras”, recorda-se Hoppy. “Eles trabalhavam na fronteira entre música e
barulho. Após uma hora escutando sua obra, você saía para as ruas e permanecia
com a sensação de continuar a ouvi-la. Havia um filme completamente
improvisado chamado Shadows, feito por John Cassavetes no final dos anos 1950,
e o AMM era o equivalente musical daquilo. Absolutamente hipnótico.”
A abordagem atonal de Keith Rowe, guitarrista do AMM, e seu uso de
objetos randômicos para extrair barulhos da guitarra teriam uma influência
marcante em Sy d Barrett, que depois assistiria a uma sessão de gravação da
banda. Contudo, ao evitar qualquer coisa que se parecesse com uma melodia
reconhecível, o grupo jamais desafiaria os Beatles em termos de apelo
comercial, um inconveniente que Jenner não deixou passar.
O AMM apareceria em um dos primeiros eventos da Marquee. O músico
folkie inglês Donovan, pintado de vermelho e com maquiagem preta nos olhos, e
o organista de jazz Graham Bond estavam entre os que cuidavam do
entretenimento no evento inaugural, em 30 de janeiro de 1966. Steve Stollman,
cujo irmão Bernard conduzia o selo de música experimental ESP Records em
Nova York, havia sido o organizador.
“Eu era um americano de 22 anos solto em Londres”, diz Steve Stollman
agora. “Um dos primeiros lugares que visitei foi a Better Books, pois eles
vendiam os discos do meu irmão. Lá, conheci Hoppy e todas aquelas outras
pessoas interessantes. Queria ajudar meu irmão a ganhar alguma visibilidade
para seu selo. A ESP lançava discos de Albert Ay ler, Sun Ra e The Fugs – coisas
diferentes. Alguém, talvez eu mesmo, disse que faria sentido pegar aquele clube
que não estava sendo usado aos domingos à tarde. Então falei com os donos da
Marquee. O motivo alegado era arrecadar dinheiro para o Kingsley Hall (um
projeto comunitário do psicanalista R.D. Laing), já que todos haviam lido Knots, o
livro de Laing. Ainda acho que um pouco da grana que levantamos foi para o
lugar.”
O show começou às 16h30, a entrada era 6 xelins e 6 pence, não havia
propaganda oficial para ajudar o evento e o público era convidado
individualmente: músicos, poetas, enfim, as personalidades underground. Uma
filipeta promocional dos organizadores sugeria um código de vestimenta com
“fantasia, máscara étnica, traje espacial, edwardiano, vitoriano e hippie em
geral...”. A linha divisória entre músicos e público era deliberadamente
enevoada.
“No meio do evento, fui chamado à porta de entrada porque Robert
Shelton, crítico do New York Times, havia aparecido de terno e gravata”, afirma
Stollman, lembrando-se de um dos primeiros eventos. “Tínhamos insistido para
que todos se vestissem de forma bizarra,nem que fosse apenas um lenço
pendurado na orelha. Como Robert era o cara notório que descobrira Bob Dy lan,
eu lhe disse que aquela era a melhor fantasia da noite e o deixei entrar.”
Tem sido amplamente relatado que The Pink Floy d Sound tocou na
primeira festa Marquee, que aconteceu em janeiro, e depois, em 27 de
fevereiro. Entretanto, outras testemunhas afirmam que, na verdade, o grupo fez
sua estreia na terceira Marquee, em 13 de março. Conforme Stollman admite
agora: “Eu não diferenciava The Pink Floy d Sound de The Green Floy d Sound.
Não tinha ideia de quem eles eram, mas alguém indicou a banda”.
“Eu conhecia Steve Stollman”, explica Nigel Lesmoir-Gordon. “Ele estava
procurando música experimental e ninguém mais queria tocar naqueles festivais
de domingo à tarde. Foi assim que eles conseguiram o Floy d.”
Curiosamente, Stollman afirma que a performance da banda naquela noite
foi gravada. “Recordo-me de ver um cara chamado Ian Somerville, que era
amigo de William Burroughs, sentado na cabine da Marquee o tempo todo com
fones de ouvido. Ninguém sabe o que aconteceu com aquela fita.” O set da
banda misturava blues convencionais e composições próprias, todas permeadas
pelo modo hipnótico de tocar de Barrett e longas partes instrumentais, o que era
ideal para servir de trilha sonora à ocasião.
“Boas músicas, bons poemas, um evento adorável”, diz Stollman. “Juro que
o Floy d tocou por quase três horas. Ninguém queria pará-los, pois estavam por
dentro do espírito do que acontecia na época.”
“A música do Floy d era nova, mas não totalmente estranha a tudo que
vinha acontecendo em outros lugares”, argumenta Hoppy. “Estávamos todos
escutando jazz de vanguarda, e minha namorada na época tinha trazido fitas do
Velvet Underground, de Nova York. John Cage também dera um concerto no
Saville Theatre, em 1964 ou 1965, e aquilo havia feito um entalhe na consciência
musical de todos. O Floy d era diferente, mas também se encaixava bem no meio
de tudo aquilo.”
Acontecimentos seguiram-se naquele domingo, com o futuro David Bowie
– então, apenas David Jones – entre os que participaram da jam session. O grupo
ficou impressionado por “aquela estranha presença, com delineador preto nos
olhos, cantando à frente da banda”. Mas o interesse de Stollman logo declinou
quando a gerência da Marquee propôs abrir um bar durante os eventos.
“Imaginei que começaria a haver brigas”, ele ri. “Muitas pessoas ficavam
chapadas, então não achava que deveria ter álcool no meio de tudo aquilo.
Portanto, perdi o interesse.”
Depois, Stollman seria obrigado a deixar o país após ser citado em um
tabloide sensacionalista, por seu envolvimento em um documentário feito pela
BBC sobre LSD: “Lá estava eu, na primeira página, com meus olhos apagados.
Um escândalo!”.
Para o Floy d, contudo, uma conexão vital havia sido feita. Certo domingo,
em junho, cansado de suas provas na Faculdade de Economia e Ciência Política
de Londres, Peter Jenner foi até a Marquee. “Eu sabia quem era Steve Stollman
e acho que já tinha visto algum anúncio daquilo na Melody Maker”, ele se
lembra. Após observar “várias pessoas dançando em geleia”, Peter encontrou
The Pink Floy d Sound: “O Floy d apresentava canções de blues, mas em vez
daqueles solos chorados com o guitarrista se inclinando para trás, como todos os
outros faziam na época, estava orquestrando uma doideira cósmica. Eles não
tocavam um blues empolgante, mas era o que faziam com as canções que as
tornavam interessantes. Acho que o som feito por Sy d era uma maneira de se
distinguir e preencher as lacunas onde deveria haver um solo gritado de Clapton
ou Peter Green. Fiquei intrigado”.
O interesse de Jenner era dirigido por algo mais prosaico que música.
“Àquela altura, eu havia feito as contas na DNA e, a não ser que vendêssemos
muitos discos, ela jamais iria seguir em frente. Basicamente, precisávamos de
um grupo pop.” Um ano antes, ele chegou a procurar o Velvet Underground após
escutar as fitas que Hoppy tinha da banda, mas o artista Andy Warhol já era seu
empresário.
Ao perceber que o Floy d não tinha um agente, Jenner fez uma abordagem.
“Consegui o número deles com Steve Stollman e fui até Highgate onde eles
moravam com Mike Leonard. Não conhecia Mike, nem sabia o que acontecia
por lá, mas tudo parecia um pouco artístico – o que fazia parte do apelo. A
primeira pessoa com quem conversei seriamente foi Roger. Perguntei-lhe se
gostaria de estar em nosso selo, mas Roger respondeu que todos iam sair de
férias e voltariam apenas em setembro.
A impressão de Jenner, então, foi a de que o grupo era “bastante sério de
uma forma semiprofissional”, mas seu futuro era uma incógnita. “Eles
compraram uma van e algum equipamento com o dinheiro que ganharam, mas
estavam à beira de se separar”, ele disse, em 1972. Certamente sem nenhum
evento marcado e com trabalhos de faculdade e escolhas de carreira a serem
feitas, a banda tinha muito no que pensar quando tomaram caminhos diferentes
naquele verão.
Mason viajou com sua namorada Lindy para Nova York, onde ela
trabalhava com a Companhia de Dança de Martha Graham. Lá, ele viveria a
cena de jazz americana ao vivo, em vez de apenas escutar músicas gravadas,
assistindo aos celebrados pianistas Thelonious Monk e Mose Allison em uma
mesma noite, antes de o casal ir para a Costa Oeste. Se Mason estava vivendo
sérias dúvidas sobre o futuro da banda, ele foi salvo por um artigo de uma revista
underground de Nova York, East Village Other, que citava The Pink Floy d Sound.
Conforme ele comentou depois: “Fez com que eu percebesse o potencial da
banda em ser mais do que mero veículo para nossa diversão”. Juliette Gale
também viajara para os Estados Unidos naquele verão, deixando o namorado
Richard Wright com tempo de sobra. Parte da galera de Cambridge havia
passado os três últimos verões nas ilhas gregas e nas Ilhas Baleares, passando por
My konos, Ibiza e Formentera, tomando sol, fumando erva forte e buscando seu
lugar no mundo. Richard e Juliette também foram para Lindos, em Rhodes. No
verão de 1966, Wright se juntou a Roger Waters para outra excursão grega.
“Lá estavam Nigel e eu, Russell Page, David Gale, Rick, Roger e também
Judy ”, recorda-se Jenny Lesmoir-Gordon, referindo-se a Judy Trim, ex-aluna
da County School for Girls, de Cambridge, e filha de um cientista pesquisador da
universidade. Ela e Roger estavam juntos desde a adolescência. “Rog, Andrew
Rawlinson e eu estávamos todos atrás de Judy ”, diz Storm Thorgerson. “E Rog a
conquistou.”
“Foi naquelas férias que Roger fez sua primeira viagem de ácido”,
continua Jenny. “Nós cruzamos a Europa em um velho carro americano que no
meio de uma noite travou com a marcha engatada em ré. Chamamos um
mecânico, que usou a expressão: ‘Kaput’.1 Então tomamos um trem lento que
passou pela Iugoslávia e Grécia. Por fim, encontramos uma casa de campo e
deixamos Rog e Juju – como eles chamavam um ao outro na época – ficarem
com o melhor quarto da casa. Embora eu não acredite, Roger insistia em dizer
que eles encontraram um escorpião debaixo da cama. Ele tinha uma
personalidade bastante forte, mas também podia ser tímido. Lembro-me de estar
sozinha com Roger na praia um dia, e ele parecia muito nervoso. Estava com
Judy, mas parecia ser muito tímido na presença de mulheres.”
Diferente da maioria, Waters nunca havia experimentado LSD. Na ilha
grega Patmos, ele decidiu usar um pouco com a pipeta de Nigel. Depois,
afirmaria: “Foi uma experiência extraordinária, que durou por volta de quarenta
e oito horas”. Ele afirma ter tomado ácido novamente só mais uma vez, em outra
ocasião.
Lamentavelmente, a estada na Grécia também revelou o primeiro indício
do relacionamento tenso com Richard Wright, uma fenda que teria implicação
significativa para o Pink Floy d anos depois. “Rick era um cara tímido e doce”,
afirma Jenny. “Ele tinha uma namorada em quem pensava bastante e que estava
nos Estados Unidos na época. Mas Roger o depreciava sempre. Era como se ele
usasse Rick como seu saco de pancada.” De volta a Stanhope Gardens após as
férias, os membros da banda encontraram Peter Jenner ainda disposto a
conversar. Quando Waters lhe disse que a banda precisava de um empresário de
verdade, Peter arquivou seus planos de levá-los para a DNA e chamou um antigo
amigo e companheiro da London Free School, Andrew King. “Pete e Joe Boy d
estavam tocando a DNA juntos, e eu ia gerenciá-la”, lembra-se Andrew King.
“Mas quando o selo não deu certo, Peter sugeriu que eu empresariasse o Floy d
com ele.” Jenner conseguiu uma dispensa de doze meses de seu cargo na LSE,
com opção de retorno caso sua carreira como empresário da banda não
decolasse.
Andrew King e Peter Jenner estudaram juntos e, após a universidade,
viajaram pelos Estados Unidos. Eram, conforme explica King, “intelectuais
liberais da classe média na cena vanguardista de Londres”.
“Não escutava muita música pop”, admite Jenner. “Tinha acabado de
conhecer Bob Dy lan e The By rds. Mas não achava que brancos fossem capazes
de fazer blues.”
Na época, King trabalhava como relações públicas para a British European
Airway s, mas calhou de ter algum dinheiro de família para investir. Alegando
estar duro, Waters convenceu o novo responsável pela banda a adquirir um PA,
mas o equipamento desapareceu logo depois. King e Jenner abriram a carteira
de novo. Posteriormente, Waters revelou que no começo achava que ambos
fossem traficantes de classe média atrás de lucro.
Enquanto isso, a Free School precisava de dinheiro. “Uma das coisas que
fizemos foi lançar um boletim”, diz Hoppy. “Eu pagava os custos de produção e,
embora me desse muito bem na Fleet Street como fotógrafo no começo dos anos
1960, naquela altura já estava fazendo outras coisas e ficando cada vez mais
pobre. Para manter a escola e o boletim, decidimos montar um programa
beneficente, que acabou se tornando uma série de eventos.” Peter Jenner
agendou The Pink Floy d Sound para tocar na All Saints Church Hall, nas
proximidades da Westbourne Park Road. Uma importante casa da área, que seria
palco de peças e musicais, além de ponto de encontro para a comunidade de
Notting Hill. Na ocasião, também era onde ficava um dos primeiros grupos pré-
escolares de Londres.
John Leckie, que cuidaria das sessões de gravação do Pink Floy d, e depois
produziria bandas como The Stone Roses e Radiohead, cresceu ali perto, em
Ladbroke Grove: “Vi o Floy d algumas vezes na All Saints Hall. Fantástico. A
única coisa é que aquele era um salão escolar. Tinha todas aquelas pequenas
mesas e cadeiras para crianças enfileiradas, que sempre pareciam muito
engraçadas cada vez que alguém pulava sobre elas, dando uma pirada e
dançando ao som da música”.
Foi em All Saints Hall que Andrew King aproximou-se do Pink Floy d.
“Acho que foi lá que vi a banda pela primeira vez. Ainda faziam versões de
quinze minutos de ‘Louie Louie’ e recordo-me de pensar como aquilo tudo soava
estranho. Conhecia blues e as raízes do rock-n’-roll e aquilo não parecia estar
certo. Mas as inconsistências musicais eram o que funcionava. Também pensava
que Sy d exalava certo magnetismo”, ele diz agora.
Na plateia também estava a inexperiente escritora Jenny Fabian, que em
1969 publicaria o seu laureado romance musical Groupie. “Eu tinha acabado de
largar meu primeiro marido e estava vivendo em Powis Square”, ela afirma.
“Sempre na expectativa de algo extraordinário, fui atraída até o All Saints Hall
por causa das pessoas que via entrando. A música era interessante e o vocalista
parecia incrível.” Jenner e King “eram como dois escoteiros que conheci em
uma vida passada”, disse Jenny. Ela “permitiu que Andrew a seduzisse”, antes de
se aproximar do verdadeiro objeto de seu desejo, Barrett, que depois apareceria
em seu romance sob o disfarce de Ben, enquanto a banda era rebatizada de Satin
Ody ssey.
Somada à hipnotizante performance de Sy d nesses concertos, havia um
show de luzes exótico, cortesia de Joel e Toni Brown, um casal americano de
passagem, vindo de Haight-Ashbury, o distrito hippie de São Francisco. Embora
rudimentar para os padrões de hoje, o uso que o casal fazia de slides coloridos e
um projetor era um sopro de vida para os efeitos de iluminação existentes na
maioria das casas. Quando os Brown voltaram para os Estados Unidos, Peter
Jenner e sua esposa, Sumi, começaram a formar um conjunto de “estantes de
madeira de Woolworths, com meia polegada de espessura, e holofotes
domésticos fixados, com plástico transparente preso com percevejos”. Joe
Gannon, um americano de 17 anos que participava dos shows da All Saints Hall,
foi escalado para se tornar o primeiro técnico de luz do grupo.
Apesar de precário, o equipamento de luz dos Jenner – tão primitivo para
os padrões de hoje – deu ao Pink Floy d um visual distintivo que o colocava à
frente da concorrência, assim como uma abertura para o que Peter Jenner
descreve como o “mundo da mídia mista”. Os membros da banda foram
receptivos à ideia, acostumados a dar acompanhamento musical ao workshop de
som e luz de Mike Leonard, na Hornsey College of Art. Em março, eles tocaram
no baile de trapos na Universidade de Essex, tendo ao fundo uma filmagem feita
por um estudante de cadeira de rodas, sendo empurrado por Londres.
Com as luzes vanguardistas e projeções de fundo, logo se espalharam as
notícias de seus shows na All Saints Hall, mesmo que uma de suas primeiras
apresentações tivesse tão pouca gente que Sy d acabou brincando e recitou um
discurso de Hamlet para o punhado de parceiros presentes. “Havia umas vinte
pessoas lá quando tocamos pela primeira vez”, admite Roger Waters. “Na
segunda semana, cem, e, depois, de trezentos a quatrocentos, e, após isso, muitos
não conseguiam entrar.”
Ao manter sua própria política de esquerda, a banda logo estaria fazendo
shows beneficentes em Oxfam (junto com comediantes como Peter Cook,
Dudley Moore e Barry Humphries) e um para a Rodésia, na Camden
Roundhouse. Com a Free School chafurdando, a incansável campanha de Hoppy
novamente começou. Inspirado pelo Village Voice, de Nova York, Hopkins
convenceu Barry Miles (depois somente Miles), entre outros, da ideia de lançar
um jornal grátis para a comunidade alternativa. Miles havia começado a Indica
Bookshop e a Gallery, mecas para a comunidade hippie e para encontrar beatniks
americanos. Ele também ficou amigo de Paul McCartney. O jornal International
Times foi criado, nas palavras de Miles, “para ligar Londres a Nova York, e Paris
e Amsterdam… Para unir pintores, músicos e o pessoal da dança.”
Em 15 de outubro de 1966, o International Times foi estabelecido em um
porão da livraria Indica e lançado com uma festa na Roundhouse de Londres, em
Chalk Farm, uma antiga estação de trem e destilaria de gim reformada. Hoppy e
Miles cobraram 10 xelins na porta e o público recebeu um cubo de açúcar grátis,
que lhes foi dito ter sido ou não batizado com LSD (na verdade, nenhum havia
sido batizado). Lá dentro, entre as ruínas traiçoeiras da destilaria, falhas nos pisos
e carroças abandonadas, em torno de duas mil pessoas, algumas viajando, outras
pensando estar viajando, se maravilharam ante a visão da atriz de minissaia
Monica Vitti, Marianne Faithfull em um comprido e ordinário hábito de freira,
Paul McCartney e Jane Asher vestidos como árabes e, como a revista New
Society relatou depois, “pessoas da moda, beatniks, barbudos, bonecas com seus
brilhantes e imperfeitos homens das cavernas”. The Pink Floy d Sound foi
agendado como atração principal, com abertura de The Soft Machine, uma
banda de jazz-rock inclinada ao experimentalismo, que usou o som do motor de
uma motocicleta no show daquela noite. Antes da performance do Floy d, houve
um acidente no qual Sy d e o roadie Pip Carter supostamente destruíram uma
instalação de arte de geleia de quase dois metros, ou passando com a van da
banda sobre ela, ou ao remover uma prancha de madeira vital para manter o
molde ereto.
“Eu me lembro da geleia”, ri Jeff Dexter, na época um DJ de Londres.
“No show na Roundhouse foi a primeira vez que vi o Pink Floy d. Não achei o
show grande coisa, mas as pessoas do show eram fantásticas. Fiquei intrigado
pela pequena comitiva do Floy d, principalmente as garotas em volta de Sy d.”
Vestido com suas melhores camisas de cetim e echarpes de seda, de
acordo com uma testemunha, o Floy d “buzinou, uivou e chilreou” enquanto um
show primitivo de luzes e slides projetados piscava e gotejava cores psicodélicas
em torno deles.
“A música da banda era praticamente uma jam psicodélica muito alta que
raramente parecia se relacionar com o tocar de um tema qualquer introdutório,
fosse ‘Road Runner’ ou qualquer outro clássico R&B”, escreveu Miles, em 2004.
“Após cerca de trinta minutos, eles pararam, olharam uns para os outros e
recomeçaram basicamente o que haviam feito até então, exceto com a
diferença de estar em um novo tom.”
“Acho que foi um golpe de boa sorte o fato de não conseguirmos fazer
bons covers”, admite Roger Waters. “Isso nos forçava a seguir em uma direção
própria, com nossa própria maneira de fazer as coisas.”
Como Richard Wright colocou: “Tudo ficou mais improvisado em torno
das guitarras e do teclado. Roger começou a tocar o baixo como se fosse um
instrumento principal”.
Quaisquer que fossem as deficiências musicais do grupo, Peter Jenner
estava encantado com os resultados do show na Roundhouse. “Havia um
sentimento forte naquela noite”, ele se lembra. “Fizemos contato com várias
outras almas parecidas; outras bandas, outras pessoas. Havia um senso de ‘uau,
este é o seu lugar’.”
Pela própria admissão de Jenner, ele e Andrew King queriam cortejar os
“jornais mais elegantes”. Para eles, “aquilo era algo cultural, não somente
música pop”. Uma semana depois, The Pink Floy d (o Sound fora retirado como
sugestão de Peter Jenner) recebeu sua primeira menção na imprensa nacional
com uma resenha surpreendentemente simpática no Sunday Times, na qual um
Waters entrevistado falava sobre “anarquia cooperativa” e que a música da
banda era “uma realização completa das metas da psicodelia”, uma citação que
mais tarde ele desmentiu, alegando ter “sido obviamente uma ironia”. “Anarquia
cooperativa” à parte, o Floy d e sua nova gerência ainda entendiam a importância
de um bom negócio.
No final do mês, Jenner e King assinaram uma parceria de seis vias com
os quatro membros da banda, criando a empresa Blackhill Enterprises (o nome
foi retirado de uma casa de campo que pertencia à família de King em Brecon
Beacons). Barrett, Waters, Wright e Mason finalmente desistiram de seus estudos.
Contudo, conforme Bob Klose contou mais tarde, “Sy d teve uma verdadeira
batalha consigo mesmo após a decisão de deixar o colégio de arte. Sofreu
agonias por causa daquilo.” Não pela primeira vez, aqueles que eram próximos
de Sy d se perguntaram por que aquele talentoso artista estava desistindo de tudo
pela música.
“Sempre achei fantástico que as mães de Sy d e Roger aceitassem que eles
largassem a escola de arte e arquitetura”, lembra-se Libby Gausden.
“Especialmente Mary Waters, já que Roger estava a caminho de se tornar
arquiteto.”

A Blackhill Enterprises estabeleceu sua base no apartamento de Jenner, na


Edbrooke Road, nº 4, em Notting Hill, contratando June Child, que morava no
andar de baixo, para atender o telefone. Para Jenner e King, as personalidades de
seus novos contratados estavam ficando mais claras. “Às vezes sentia que era por
causa de Sy d e dos três caras com quem ele tocava”, admite King. “Você
poderia dizer, entretanto, que inicialmente Nick e Rick estavam indo juntos a um
passeio, e Roger estava à espreita.”
“Sy d era um cara boa-pinta e o cantor, portanto, era sempre nele que você
focava”, diz Jenner. “Ele era o cara criativo e, no começo, uma pessoa muito
fácil de se lidar. Mas Rick também era bonitão, então não era somente Sy d. Eu
gostava muito de Rick. Ele era bastante gentil e tratava-se de uma situação
clássica gerencial: ele não dava nenhum problema, então você não reparava
nele. Eu estava sempre mais ciente das pessoas que precisavam de alta dose de
atenção. Nick era muito fácil de se relacionar e alguém que conversava com
todos os demais. Mas, como ele era colega de Roger, sempre tomava partido
dele se algo fosse colocado em votação. Roger era o organizador. Era a pessoa
que você procurava para resolver questões práticas. Era bastante questionador e
queria saber exatamente tudo o que estava acontecendo.”
“Roger organizava tudo”, lembra-se Libby Gausden. “Anos depois, quando
escutei que ele estava lutando pelo nome Pink Floy d, lembro-me de ter pensado:
‘Você realmente merece isso, você merece’.”
Barrett e Waters começaram a escrever músicas enquanto ainda estavam
em Cambridge. Uma das primeiras tentativas de Sy d, “Let’s Roll Another One”,
seria rebatizada de “Candy and a Currant Bun” – para evitar acusações de uma
mensagem pró-drogas – e acabou como lado B do primeiro single do grupo.
Waters havia feito sua estreia como compositor com a ainda não gravada
“Walk With Me, Sy dney ”, um dueto sentimental que deveria ser gravado por
Barrett e Juliette Gale. Em novembro de 1966, o repertório da banda incluiria
composições de Barrett como “Matilda Mother” e “Astronomy Domine”, assim
como o primeiro esforço de Waters, “Take Up Thy Stethoscope and Walk”.
“Todos eram encorajados a escrever”, diz Jenner, “mas foi Sy d quem trouxe as
melhores canções”.
O outono de 1966 marcou um período altamente criativo para Barrett e, ao
que parece, também um período de contentamento pessoal, um forte contraste
com a mania que surgiria apenas alguns meses depois. Próximo ao final do ano
anterior, Sy d havia se mudado para um quarto em uma estreita casa de três
andares na Earlham Street, nº 2, perto do Cambridge Circus de Londres. Na
época, um “típico bloco de hippies, com sua porta frontal roxa e grafites
psicodélicos nas paredes”, de acordo com um visitante, o número 2 da Earlham
Street há muito já foi renovado e, no andar térreo, existe hoje uma revistaria. Foi
o primeiro de vários sucessores da Clarendon Street, nº 27, o antro de narcóticos
de Cambridge que vinha de alguns anos atrás. O principal inquilino do prédio era
Jean-Simone Kaminsky, um proscrito do exército francês que fora ferido na
Inglaterra e, por conta de um complacente membro do parlamento, tinha
encontrado primeiramente alojamentos em Cambridge, vizinho de Matthew
Scurfield.
Kaminsky mudou-se para Londres e assumiu o aluguel da Earlham Street,
nº 2. Embora tivesse um emprego na BBC, ele também tinha uma linha de
produção secundária chamada “livros sexuais intelectuais”, produzidos em
algumas impressoras no apartamento.
Depois, quando uma das impressoras pegou fogo, o prédio teve que ser
evacuado. Quando as chamas foram controladas, a brigada de incêndio
descobriu a literatura ilegal de Kaminsky e chamou a polícia. O restante dos
inquilinos do prédio rapidamente escondeu os livros “proibidos” na traseira de
uma van e dirigiu por Londres jogando os volumes queimados em todos os
jardins pelo caminho.
Com mobília adquirida a partir de caixas descartadas na vizinhança de
Covent Garden, as condições eram difíceis. John Whiteley, um ex-oficial da
guarda do norte da Inglaterra, então trabalhando na Better Books (“eu era o único
entre aqueles intelectuais capaz de trocar uma lâmpada”), estava vivendo lá com
sua namorada, Anna Murray, quando a galera de Cambridge apareceu em
massa. “Aquele povo todo chegou ao mesmo tempo”, recorda-se Whiteley,
“Ponji Robinson, Dave Gale e o Seamus O’Connell, que foi quem me apresentou
Sy d.” Com a ajuda de sua mãe depressiva, o eminentemente sensível Seamus
(“eu curtia cerveja, jazz e blues”) organizou um controle de aluguel para o local
inteiro de 5 libras, 5 xelins e 5 pence por semana.
Anna Murray e Barrett partilhavam um interesse em pintura e ficaram
amigos de imediato. “Anna também pintava”, explica John Whiteley. “Ela e Sy d
se tornaram grandes amigos. Eles costumavam fumar muita erva juntos – como
todos naquela época.”
Sy d tomou o sótão da Earlham Street, tornando-se amigo de outro inquilino
principal da casa, Peter Wy nne-Willson, e sua namorada, Suzie Gawler-Wright.
Wy nne-Willson havia deixado a escola pública após tomar parte na Marcha
Aldermaston e estava trabalhando como engenheiro de luz durante a primeira
temporada do musical Oliver.
Suzie receberia o apelido de Debutante Psicodélica. Wy nne-Willson certa
vez acertou uma viagem do grupo durante a performance de The Messiah, de
Handel, no Roy al Albert Hall. Os dois seriam rapidamente absorvidos no círculo
do Pink Floy d, com Wy nne-Willson assumindo como técnico de luz da banda
quando Joe Gannon retornou aos Estados Unidos. “Quando os teatros para os
quais eu trabalhava jogavam materiais fora, eu os levava para casa e
restaurava”, explica Wy nne-Willson, agora encarregado do equipamento de
iluminação caseira de Jenner.
Um de seus primeiros artifícios cenográficos no palco envolveria esticar
uma camisinha sobre uma armação de arame. Ele pingou tinta óleo na estrutura
pela qual a luz era projetada, criando um dos primeiros efeitos com slide a óleo.
Isso se tornou uma característica dos shows ao vivo do Pink Floy d. Em outro
rompante de criatividade, ele criou um par do que ficaria conhecido como
“cosmonoclos”. Tratava-se de um par de óculos de solda com as lentes escuras
removidas e substituídas por dois prismas límpidos de vidro, que davam uma
visão distorcida e desorientadora.
“Recordo-me de usar um par e caminhar pela Charing Cross Road – ou
melhor, tentar caminhar pela Charing Cross Road”, lembra-se Emo. “Um
policial me perguntou o que eu estava fazendo e, se não me engano, o fizemos
colocar os óculos também. Claro que a visão ficava ainda pior se você estivesse
chapado. Ou viajando.”

“1966, em Londres, foi fantástico”, diz Storm Thorgerson. “Éramos cheios


de hormônios e vida.” Na Earlham Street, Sy d tocava guitarra, escrevia músicas,
fumava erva e saía com sua namorada Lindsay Corner, que se mudara de
Cambridge para Londres, em busca de uma carreira de modelo. Sob a tutela da
mãe de Seamus O’Connell, ele se apaixonou pelo I-Ching, o místico Livro das
Mutações chinês, e o jogo de tabuleiro chinês “Go”. Sessões completamente
chapadas com os dois eram seguidas por barras de chocolate reparadoras
compradas no Café Pollo, próximo a Old Compton Street.
O I-Ching se tornaria uma das muitas inspirações musicais de Sy d na
época, junto com cartas de tarô, Hilaire Belloc, The Beatles, Mothers of
Invention, Aldous Huxley... Como Roger Waters explicou depois, “Sy d nunca foi
um intelectual, mas sim uma borboleta que mergulhava em todo tipo de coisas”.
O jovem de Cambridge, John Davies, estava em Londres estudando para se
tornar veterinário-cirurgião e recorda-se de que “o apartamento da Earlham
Street era um lugar adorável para ir aos sábados. Tudo acontecia lá. Sy d tocava
discos para nós e canções novas que ele havia escrito. Lembro-me de estar
sentado ali, terrivelmente chapado, escutando ele tocar ‘Scarecrow’ no violão”.
“Houve um ocorrido na Earlham Street que, para mim, resume Sy d”, diz
Po. “Ele tinha um pequeno quarto – saco de dormir em um canto, a guitarra no
outro, uma arara com algumas calças de veludo e camisas floridas penduradas.
Nada mais. E lembro-me de sentar lá e jogar ‘Go’ com ele. Havia uma lâmpada
sobre nossas cabeças que era clara demais. Eu disse: ‘Sy d, não tem nada que
você possa fazer com essa luz?’. Ele respondeu: ‘Sim, há’. Havia algumas
laranjas dentro de um saco de papel pardo. Ele as tirou, fez um buraco no saco,
revestiu a lâmpada com ele e criou uma bela luminária, que nos dava luz suave
para jogar. Ele era sempre capaz de fazer essas coisas artísticas sem o menor
esforço, nas quais qualquer um de nós teria levado décadas para pensar.”
Blackhill recarregou as baterias para gravar uma fita demo que poderia ser
enviada às gravadoras, “embora não conhecêssemos ninguém no negócio além
de Joe Boy d”, admite Jenner. No Thompson’s Recording Studio, em Hemel
Hempstead, o Floy d gravou, entre outras coisas, “Candy and a Currant Bun” e
uma nova composição, “Interstellar Overdrive”. A primeira era típica acid-pop
de Carnaby Street, a trilha sonora ideal para dançarinas de boate, com suas
minissaias (“don’t touch me, child,” declara Barrett no refrão). Mas foi
“Interstellar Overdrive” que se tornaria a música de trabalho do Floy d, uma
“piração” instrumental que crescia de uma frase de guitarra assumidamente
inspirada pela versão do Love de “My Little Red Book”, de Bacharach e David, a
qual Jenner diz ter cantarolado para Sy d.
Anthony Stern estava vivendo agora na Carlisle Street, no West End de
Londres, e trabalhando com o cineasta Peter Whitehead, o artista que Sy d
conhecera em seu estúdio em Cambridge alguns anos antes. Ao encontrar com
Peter Jenner um dia no Soho, o empresário do Floy d deu a Anthony uma cópia
da demo da banda com “Interstellar Overdrive”. “Achei que aquilo tinha
absolutamente tudo a ver com o tipo de filmes que eu queria fazer”, diz Stern.
Em uma viagem aos Estados Unidos no ano seguinte, Stern levantou verba para
seu filme, San Francisco, que trazia a primeira e bruta versão de “Interstellar
Overdrive”, num conjunto de imagens abstratas e rápidas da América em 1967,
que, nas palavras de Stern, “tentava reproduzir a iluminação do Pink Floy d nos
shows”. Com empresário, um agente e agora uma fita demo, um Pink Floy d
renovado voltou a Cambridge em dezembro de 1966, para tocar na festa de Natal
da escola de arte.
Naquela noite, estava o futuro fotógrafo Mick Rock, então no primeiro ano
da Universidade de Cambridge. Com gosto por erva e alucinógenos, Rock fez
contato com Pip e Emo: “Eles ficavam falando sobre seu amigo Sy d e a banda
Pink Floy d, e de como o nome era inspirado em dois bluesmen que eu nunca
tinha ouvido falar. Eles deliravam com esse tal de Sy d. E eu fui completamente
arrebatado quando vi o Pink Floy d pela primeira vez. Mas tudo estava centrado
em Sy d. Você nem ao menos notava o resto da banda. Pip e Emo levaram-me
para conhecê-lo, mas antes encontrei Lindsay Corner. Saímos, fumamos um
baseado e lembro de ter gostado muito dela. E quando descobri, após o show, que
ela era namorada de Sy d, fiquei ainda mais impressionado”.
Depois da apresentação, Rock se juntou a Barrett e seus amigos na Hills
Road para fumar erva e discutir os méritos de Timothy Leary e seu livro
Psychedelic review, e o romance mais famoso daquele ano, Childhood’s end, de
Arthur C. Clarke. Começou uma amizade entre Rock e Barrett, que perduraria
por toda a década seguinte, o que inclui um período após a saída de Sy d do Pink
Floy d.
Outro ex-colega de faculdade de Sy d também estava no público. John
Watkins havia ajudado a organizar o evento. Ele se lembra: “Fui até Sy d depois,
cheio de louvor: ‘É incrível isso que você está fazendo’. Ele olhou para mim e
disse: ‘Obrigado, mas acho que tenho que chutar a bunda do baterista e do
tecladista’. Esse era o comportamento dele. Na escola de arte, parecia que ele
começava uma banda nova a cada semana. Jamais consegui imaginá-lo
permanecendo em um mesmo grupo, tocando as mesmas canções, noite após
noite...”.

De volta a Londres, Hoppy e Joe Boy d formaram uma parceria própria.


Boy d havia visto os shows do Pink Floy d na All Saints Hall e procurava por um
espaço fixo onde pudesse encenar eventos similares. O local escolhido foi o
Blarney Club, um bar irlandês abaixo dos cinemas Berkley e Continental, na
Tottenham Court Road. Boy d fez um acordo de cavalheiros com o dono irlandês,
sr. Gannon, e concordou em pagar 15 libras por semana para usar a casa toda
sexta-feira à noite. Originalmente chamada UFO-Night Tripper, antes de se
tornar simplesmente UFO, o clube abriu suas portas em 26 de dezembro de 1966,
com shows de Pink Floy d e The Soft Machine (como banda de abertura).
UFO acabaria se tornando um evento semanal a partir do Ano-Novo, com
Pink Floy d e The Soft Machine como as chamadas “bandas da casa”, a primeira
tendo arrecadado 60% da renda nas suas três primeiras aparições.
Pouco comum para a época, os organizadores do clube perceberam que
estavam ganhando dinheiro, com muito do excedente sendo usado para pagar
anúncios na International Times, o que ajudava a manter a revista em circulação.
Em troca, a equipe da revista tomava conta da entrada do UFO. O clube ia das
dez horas da noite até oito da manhã, e a clientela da moda, a trilha sonora
psicodélica e os efeitos de iluminação espaciais disfarçavam o fato de que a pista
de dança polida e a bola espelhada sobre as cabeças eram típicas tradições do
showbiz. Não havia licença para o comércio de álcool, mas uma pequena
barraca vendia comida macrobiótica para os clubbers famintos, enquanto um
traficante alemão conhecido como Marlon oferecia as “viagens”. O mago da
iluminação interna do UFO, o já falecido Mark Boy le, tinha frequentado
regularmente os workshops de som e iluminação de Mike Leonard na Hornsey
College of Art. Boy le trabalhava em uma plataforma improvisada, juntando
diferentes substâncias entre os slides limpos para serem aquecidas pelas
lâmpadas dos projetores, antes de, efetivamente, derreterem e se espalharem
em cima da banda que estava no palco.
“Hoje em dia, o UFO faria que qualquer discoteca dos anos 1970
parecesse sofisticada”, diz Mick Farren, então escrevendo para a International
Times e cantando com sua própria banda, The Social Deviants. “Mas na época o
ambiente era de enlouquecer. Você tomava um ácido e ficava quase
inconsciente”, diz Jenny Fabian. “Era como descer a um mundo subterrâneo dos
sonhos. Havia pessoas flutuando com um olhar beatífico, ou estendidas no chão
de madeira. Eu mesma me deitava com frequência, absorvida pelos antigos
filmes em preto e branco que eles exibiam entre as músicas. Também tinha algo
de regressivo naquela coisa toda. Se você fosse ao banheiro, além daquele salão
de sonhos havia um corredor sinistro e sinuoso, iluminado, porém negro e
pingando por causa da condensação, que levava ao espalhafatoso banheiro
feminino, e lá eu me olhava no espelho e ficava espantada com o que via... Era
sempre um alívio voltar ao útero do faz de conta.”
Além de música ao vivo, o clube também tinha performances artísticas –
malabaristas e mímicas – e exibição de cinema de vanguarda. Mas, com o
passar do tempo, as bandas se tornaram uma parte cada vez mais importante do
apelo do UFO. Apesar da ambiência uterina da casa, uma competição cresceu
entre os respectivos públicos das bandas, se não entre os próprios grupos. “O
Floy d era muito viagem, muito no mundo das drogas, mas era um rock branco.
Era para pessoas que curtiam Tolkien e procuravam o UFO na Hampstead
Heath”, diz um fã da Soft Machine. “A Soft Machine era mais vanguardista, em
um sentido europeu. Eles faziam parte de festivais de jazz na França. Seu público
parecia ser mais socialmente consciente, por dentro das lutas pelos direitos civis
dos negros e da revolução da classe trabalhadora.” Para alguns, o mérito era
puramente visual e musical. “Sempre havia competição entre meus amigos para
saber quem era melhor”, diz John Leckie. “Sempre discutíamos sobre quem
chegava mais no limite. A Soft Machine certamente tocava melhor. Mas é claro
que o Floy d era mais abstrato, eles tinham o Sy d.” Mesmo entre sua própria
galera, nem todos estavam convencidos do valor musical do Floy d. “Para ser
completamente honesto, jamais fui fã”, ri John Whiteley. “Ajudava a fazer as
luzes para eles no UFO, mas ainda me lembro de Sy d tocando e gritando os
acordes para que os demais o seguissem.”
Contudo, o baterista da banda The Soft Machine, Robert Wy att, lembra-se
de seus rivais com afeição: “Havia uma maciez no Floy d, que eu gostava. O
equipamento da Soft Machine sempre explodia e o Floy d deixava que usássemos
o deles, o que não costumava acontecer entre bandas na época. A maioria ficava
em seus casulos. Eu ainda escutava John Coltrane e não comprava discos de rock,
mas fiquei maravilhado ao ver o Floy d tocar, com a frieza que eles tinham ao
esperar o momento certo de passar de uma nota para outra. Eu não poderia fazê-
lo, mas o Floy d estava sempre no controle”.
Com as duas bandas livres para fazer a música que quisessem, por quanto
tempo quisessem, o Floy d e a Soft Machine tinham a vantagem de tocar,
conforme diz Wy att, para “pessoas que não sabiam em que ano estávamos,
quanto mais que horas eram”.
A distorção de tempo que acompanha uma viagem de ácido tornava o som
do Floy d ideal para uma experiência com LSD. Antes de seus shows no UFO, a
sua equipe liberava a multidão da área diretamente em frente aos alto-falantes.
Conforme Miles escreveu depois no New Musical Express, “isso foi feito
originalmente para evitar que hippies chapados os atrapalhassem, mas logo se
tornou um ritual curioso e significativo, como uma cerimônia zen: a liberação do
espaço vazio no qual a misteriosa música do Floy d seria projetada”.
No palco, eles tocavam próximo de seus holofotes caseiros e das projeções
rolando ao fundo, jogando sombras sobre a banda e aumentando a mística. Os
riffs lisérgicos da guitarra de Sy d batalhavam com os teclados de outro mundo
feitos por Richard Wright. Roger Waters, desengonçado e reservado, martelava
seu baixo de forma atordoante e, quando necessário, imprimia um guincho
terrível nele. Certa noite, Joe Boy d lembra-se de ter visto um Pete Townshend
doidão agachado ao lado do palco, apontando para Waters e gritando que o
baixista do Floy d iria “engoli-lo”.
“Viajei três vezes no UFO”, diz Townshend hoje. “Achava que Rogers era
muito bonito e assustador, e morria de medo de que ele tentasse roubar minha
namorada, por quem ele tinha abertamente uma queda, enquanto eu viajava no
ácido.” A namorada em questão era a futura esposa de Townshend, Karen
Astley, uma linda estudante de arte que já tinha aparecido no cartaz de
inauguração do UFO. Ela com frequência atraía atenção na casa, de acordo com
o guitarrista do The Who, porque “dançava com um vestido que parecia ter sido
feito de filme plástico”.
Raramente havia confusão no UFO. Às vezes alguns novos visitantes eram
a exceção à prevalecente vibração de paz e amor, embora muitos acabassem
também caindo no ácido e se juntando à festa. Em outras ocasiões, motoqueiros
pegavam pesado com a clientela feminina. Uma grande ameaça à ordem
pública veio quando várias pessoas bonitas tiraram toda a indumentária, as
bijuterias hippies, os caftãs, e acabaram no início da manhã pela Tottenham
Court Road, atraindo a atenção dos transeuntes consternados.
Sam Hutt, o primeiro “médico alternativo” de Londres, que depois iria se
tornar o cantor country Hank Wangford, frequentava o UFO com regularidade e
ainda se espanta com o tanto que a clientela conseguia se dar bem: “O irlandês
que era dono do lugar era muito pragmático. Ele literalmente fechava os olhos
para tudo o que acontecia ali – típico dos irlandeses. Para ele, não era diferente
de um pub local que ficasse aberto até tarde”.
“Você tem de se lembrar de que aquele era um showbar irlandês alugado”,
completa Mick Farren. Naqueles dias, a polícia tinha que ser gentil, “mesmo com
hippies andando por todo lado uma noite por semana”. Um engradado de uísque
no Natal era o adoçante esperado como propina.
Em janeiro de 1967, cruzaram-se os caminhos de Barrett e Peter
Whitehead, que estava fazendo filmes, ajudado pelo parceiro da exposição de
arte de Sy d, Anthony Stern. Wholly communion, de 1965, sobre leitura de poemas
no Roy al Albert Hall, com Allen Ginsberg, e Charlie is my darling, o
documentário feito no ano seguinte sobre uma turnê do Rolling Stones,
estabeleceriam Whitehead como um cineasta da chamada contracultura. Era “o
sr. Trendy ”, como Andrew King o chamou depois, mesmo que Peter insistisse:
“Eu não gostava de música pop de verdade e nunca havia ido a um conserto pop
antes na vida”.
Whitehead estava na metade de outro filme, Tonite let’s all make love in
London, que misturava fragmentos de entrevistas com filmagens de Mick Jagger,
Julie Christie, Michael Caine, David Hockney e outros, como um documento de
máquina do tempo dos astros pop e artistas daquela geração. O que ele precisava,
contudo, era uma trilha sonora atual que combinasse. “Não havia chance de eu
colocar os malditos Rolling Stones nela”, diz Whitehead. “Anthony sabia que eu
gostava da Soft Machine e me contou sobre como Sy d estava com The Pink
Floy d, que fazia algo similar.”
Peter se aventurou no UFO e encontrou Sy d nos bastidores – “ele já estava
um pouco fora de si”, embora sua atenção estivesse mais voltada para a
acompanhante de Barrett, “uma bela garota chamada Jenny Spires”.
“Jenny foi a primeira garota que mimetizou totalmente a atmosfera do
UFO”, afirma Anthony Stern. “Ela morou no meu apartamento por um período,
e certa noite eu estava sentado quando vi a porta se abrir e escutei um
maravilhoso som de sininhos tilintando, como uma rena que veio do céu. Ela
usava aqueles sinos pendurados nos tornozelos, e era a visão mais maravilhosa de
um novo tipo de mulher. Jamais escutei um som tão adorável, até ir, em 1972, a
uma cidade chamada Herak, no Afeganistão, onde os cavalos tinham exatamente
aqueles mesmos sinos, e eu tive, de repente, um flashback de Jenny na porta do
meu apartamento.”
No que se tornaria um padrão familiar na complicada vida amorosa de
Sy d, Jenny – outra garota de Cambridge – não estava sozinha na disputa por sua
afeição. Ao mesmo tempo, Sy d estava ligado a uma modelo da butique Quorum
e, às vezes, com a moradora da Earlham Street, nº 2, Kari-Ann Moller, que
depois se casaria com o irmão de Mick Jagger, Chris.
“Comecei a sair com Jenny Spires também”, explica Peter Whitehead.
“Certa vez, em meu apartamento, mostrei-lhe várias imagens que havia feito
para um filme e disse que precisava de música. Ela sugeriu o Floy d, mas eles
não tinham nenhuma gravação adequada.”
Acertando o acordo entre Sy d e Blackhill, Whitehead desembolsou 85
libras por duas horas de gravação no estúdio Ry e Muse, depois renomeado Sound
Technique, em Kensington, e filmou a performance do grupo de “Interstellar
Overdrive”, a primeira demo que havia impressionado tanto Anthony Stern.
“Gostei porque era muito sombrio e alucinógeno, misterioso e meio clássico”, diz
Whitehead. Como Stern, Peter acreditava que a música seria ideal para seu
filme.
Na filmagem, Barrett pode ser visto tocando uma forma livre e dissonante
de guitarra, com sua camiseta preta e vermelha e o bigode de aranha tornando-o
um pouco menos elegante que o resto da banda naquele dia. Mason, em
particular, parece, tal qual uma pessoa de dentro do Floy d colocou, “muito
Carnaby Street”. Com tempo extra a ser preenchido, a banda emendou outra
canção, chamada “Nick’s Boogie”, embora somente “Interstellar Overdrive’”
seria incluída na montagem final do filme. Anos depois, uma filmagem adicional
de Whitehead com a banda tocando no UFO e no Alexandra Palace apareceria
no lançamento comercial do DVD Pink Floyd London 1966-1967.
No Sound Technique, o Pink Floy d fez mais algumas gravações, incluindo
outra nova composição de Barrett, “Arnold Lay ne”, sob a orientação de Joe
Boy d. O grupo fez um clipe promocional para a música, com os quatro
integrantes brincando com um manequim em um dia congelante na praia de
Sussex. Hoje, é um raro momento descontraído da banda, mesmo que Barrett
parecesse estranhamente ofuscado por um exibicionista Roger Waters, que fez
performances afetadas para a câmera, rolando pela areia em calças boca de
sino ligeiramente curtas.
Peter Jenner admite, achando graça, que “na época, não sabíamos o que
estávamos fazendo”, mas o plano de voo era que Boy d, na sua condição de
homem de negócios, conseguisse um contrato para a banda. De acordo com
Jenner, Boy d tinha acertado para que seu chefe, Jac Holzman, gerente do selo
Elektra Records – que havia contratado uma das novas bandas favoritas de Peter
Jenner, Love –, de ver o Floy d, “mas ele não gostou e nos dispensou”. Entretanto,
Nick Mason se lembra de que Holzman tinha oferecido “um percentual
desprezível de 15%”.
A Poly dor Records apareceu com uma oferta melhor, que incluía manter
Joe como produtor independente (ele tinha aberto sua própria produtora, a
Witchseason, cujo nome era tirado do single de Donovan, “Season of the
Witch”). Um contrato foi escrito. Porém, após alguns dias, o trato caiu por terra.
Bry an Morrison era um astuto agente inglês. Com seu escritório na Charing
Cross Road, em Londres, Morrison gerenciava a The Pretty Things, assim como
lidava com agências e editoras para diversos tipos de performances, incluindo
todas as bandas que apareciam na elegante Speakeasy. Jeff Dexter estava entre
os primeiros que convidaram Morrison para ir ao UFO ver o Pink Floy d.
Em uma entrevista em 1982, Joe Boy d recordou-se da visita que Morrison
e dois colegas, Tony Howard e o futuro empresário do Floy d, Steve O’Rourke,
fizeram durante um ensaio. “Houve um desconforto imediato entre mim e
aqueles três”, ele disse. Depois, Boy d diria “jaquetas de veludo, cachecóis ao
redor do pescoço, calças apertadas... o dandismo só os deixava mais sinistros”.
Essa combinação de elementos antigos com a “nova cultura” prevalecente
formava uma mistura formidável. “Joe sentiu-se intimidado por Morrie, Steve e
Tony ”, diz Jeff Dexter, “porque eles eram uma força a ser levada em
consideração”.
Seria um importante encontro. Morrison já tinha abordado Blackhill com a
intenção de representar a banda, havia examinado o contrato do Pink Floy d com
Boy d e a Poly dor, e dito a eles que podiam propor algo melhor. Antes que Joe
pudesse levantar qualquer objeção, Blackhill apoiou o contrato da Poly dor e
assinou com Morrison, que então abriria um selo independente para interagir
com as gravadoras.
“O problema é que Joe era a única pessoa que conhecíamos na indústria”,
admite Jenner. “E, para nós, ele preferia pisar na bola com o negócio de Jac
Holzman”. Junto veio Bry an Morrison, e ele parecia conhecer todo mundo...
Naqueles dias, era a EMI, Py e ou Decca. A EMI era considerada hippie demais
por ter os Beatles e ser dona do Abbey Road. Bry an nos disse: “Vá para a
empresa que tem mais dinheiro, e isso o poupará de ter que ficar pensando”.
Bry an Morrison tinha ligado para a EMI ao receber uma carta do novo produtor
da empresa, Norman Smith, que estava em busca de bandas.
“Enviei cartas para todos os agentes e empresários que consegui lembrar”,
diz Norman Smith. “Recebi uma resposta de Bry an Morrison, que me convidou
para assistir ao Pink Floy d. Para ser honesto, nunca tinha ouvido falar deles, e não
tinha interesse em psicodelia. Mas ele me levou ao clube UFO e, embora a
música não tenha me tocado de forma alguma, pude ver já na época que eles
tinham muitos seguidores. Percebi que devia vestir a roupa de homem de
negócios, pois era óbvio que poderíamos vender muitos discos.” O contrato
proposto chegou a um impasse quando Jenner e King pediram um adiantamento.
“Eles queriam uma grana adiantada – 5 mil libras”, diz Smith. “Só que a EMI não
costumava fazer isso. Foi difícil obter a aprovação da gerência da empresa, mas
finalmente eu consegui.”
De acordo com Smith, o chefe da EMI na época, Beecher Stevens, “se
envolveu no negócio”, e desde então tem sido erroneamente creditado por ter
assinado com o grupo. Entretanto, Jenner lembra-se de que o selo estava “muito
animado por poder ser visto tão hip e tão groovy ao fechar com a banda”. Melhor
ainda, The Pink Floy d tinha garantido o lançamento de um álbum, em vez de um
que dependesse de um single de sucesso.
Joe Boy d, tratado com desprezo, tinha produzido nobremente as novas
versões de “Arnold Lay ne” e o lado B “Candy and a Currant Bun” (mas,
conforme ele lembrou depois, “Roger, por cima dos meus ombros, estendeu o
longo dedo indicador em uma das pistas de mixagem”). As regras da EMI não
incluíam usar produtores de fora, embora a Morrison Agency arrecadasse o
cachê da banda por tocar no UFO. O envolvimento de Joe Boy d com o Pink
Floy d estava terminado. Ele reclamou: “Foi uma situação do tipo ‘Muito obrigado
por ter feito Arnold Lay ne, Joe. A gente se vê por aí’”.
“Sempre houve certo estranhamento entre Joe e nós depois disso”, diz
Jenner. “Mas não tínhamos mais tempo para tocar no UFO sempre que eles
queriam. A partir de então estávamos tendo a seguinte conversa: ‘Bem, quanto
vocês vão pagar?’. Joe se sentia menosprezado, o que, é preciso admitir, ele foi.
Prefiro pensar que todos já superaram isso”. Boy d escreveu em seu livro White
bicycles: making music in the 1960s: “Eu, Jenner e King não tínhamos a menor
noção. Nenhum de nós imaginava que décadas depois se poderia ir à parte mais
remota do globo e encontrar fitas cassete de Dark Side of the Moon,
chacoalhando no porta-luvas de táxis no Terceiro Mundo”.

O primeiro single do Pink Floy d, “Arnold Lay ne’, uma canção sobre um
fetichista cujo “estranho hobby era roubar calcinhas de mulher”, foi lançado em
11 de março de 1967. The Kinks e The Who já estavam estourando com letras
mais líricas, assim como abrindo caminho para bandas locais que gostariam de
ter uma sonoridade mais inglesa. “Arnold Lay ne” era uma arrepiante adição ao
conjunto. As letras eram presumidamente inspiradas em um incidente real que
ocorrera em Cambridge, em que um ladrão não identificado havia roubado o
varal de Mary Waters. Roger contara a história a Sy d. A música tinha um ritmo
atordoante de carrossel, com os vocais de Barrett soando desafiadoramente
ingleses, beirando o impressionismo. É o órgão Farfisa de Richard Wright que faz
o elo mais claro com a psicodelia, espalhando cor no lugar do tradicional solo de
guitarra, e domina a música. Na primavera de 2006, atuando como tecladista da
banda solo de David Gilmour, Wright faria os vocais de Sy d em uma versão da
canção.
“Arnold Lay ne” é uma lembrança do quanto o quieto e tímido Wright
havia sido primordial para o primeiro trabalho do Pink Floy d. “Todos, incluindo
eu, subestimavam Rick”, admite Peter Jenner. “Mas ele foi muito importante
para aqueles primeiros discos. Lembro-me de ele ter escolhido aquelas
harmonias e arranjos, dizer às pessoas o que cantar, afinar o baixo de Roger...
Também tenho a sensação de que poderia ter havido muito mais no caminho de
Rick e Sy d trabalhando juntos do que a história permitiu.”
Com uma pequena ajuda da gerência (“gastamos algumas centenas de
libras tentando comprar seu lugar nas paradas”, admite Andrew King), “Arnold
Lay ne” chegou ao top 20 do Reino Unido, mas foi banida pela Radio Caroline e
Radio London por causa de seu suposto conteúdo de risco. “Não entendemos o
motivo de eles ficarem tão perturbados”, protestou Waters em Disc and Music
Echo. “É uma música sobre as roupas de um fetichista que obviamente é um
pouco maluco. Uma canção simples e direta, que fala de um tipo de
procedimento humano.”
A antiga banda do UFO havia decididamente saído do underground, mesmo
com uma controversa apresentação no programa da BBC Top of the Pops sendo
cancelada quando o single começou a cair nas paradas. “Queremos ser astros
pop”, disse Waters a um entrevistador. Na superfície, a banda parecia disposta a
tudo para preencher os requisitos necessários: vestir-se com suas melhores
roupas e calçados para uma foto promocional fora da EMI, em Manchester
Square; posar de um jeito meio imponente com o mandachuva da EMI, Beecher
Stevens, em seu escritório; e, acima de tudo, se submeter a uma exaustiva turnê,
cortesia da Morrison Agency, que os fez ziguezaguear pelo país, tocando, com
frequência, duas vezes por noite.
Além de “Arnold Lay ne”, grande parte do set do grupo ainda consistia das
“pirações” – inimigas das paradas de sucesso – que maravilharam o público
chapado do clube UFO. A recepção era notoriamente diferente em cada lugar:
expectadores irados jogavam cerveja na banda de trás do balcão, e Waters, que
não tinha medo de oferecer seu corpo até mesmo à multidão mais hostil, ganhou
um profundo talho na testa após ser atingido por uma garrafa. Aubrey ‘Po’
Powell passou seis meses dirigindo a van da banda e viu o tanto que a música do
Pink Floy d podia afundar. “Eles tocavam para um grupo de, digamos, vinte caras,
que ficavam todos estáticos, horrorizados por aquele som psicodélico que não
significava coisa alguma, quando o que queriam mesmo era escutar Junior
Walker.”
Na medida em que o Pink Floy d tornava-se o troféu underground da EMI,
a cena que os criou começou a mudar. Na primavera de 1967, Keith Richards,
dos Rolling Stones, havia sido preso por posse de drogas, e a preocupação da
indústria musical com substâncias ilícitas virou assunto dos tabloides. O News of
the World estampava manchetes como “músicas pop e o culto ao LSD”, e o Pink
Floy d foi equivocadamente descrito como “depravados sociais”. O jornal os
tinha confundido com a banda de Mick Farren, The Social Deviants. Advogados
foram consultados e o Pink Floy d recebeu um pedido de desculpas. Segurando a
onda, eles até convenceram a EMI que a música que faziam não recriava de
maneira alguma a experiência de estar chapado, conforme a acusação.“Como
fizemos isso, eu não sei”, admite Nick Mason.
Enquanto o Pink Floy d escapou, outros tiveram menos sorte. Pego no furor,
John ‘Hoppy ’ Hopkins foi preso por posse de marijuana e condenado a seis meses
de cadeia.“Eu era descuidado, incrivelmente descuidado”, ele diz hoje. Antes de
ir para a prisão em Wormwood Scrubs, ele acertou para que Joe Boy d assumisse
o controle total do UFO. Como homem de negócios, Boy d decidiu focar-se em
agendar novas bandas, em vez de ser palco para mais acontecimentos midiáticos.
Nos anos que se seguiram, Boy d ajudaria a orquestrar as carreiras da
Fairport Convention e de Nick Drake, entre muitos outros. Mas, para alguns,
aquela abordagem mais comercial do UFO era um indício da cisma que existia
na cena contracultural – significava simplesmente que não era mais
underground. O contrato do Pink Floy d com a EMI articulara tal mudança. “Eu
achava uma desgraça que o Pink Floy d não fosse mais ‘nossa’ banda”, diz Jenny
Fabian.
Mick Farren tem uma abordagem mais pragmática. “Era muito óbvio entre
os mais racionais de nós que o Floy d acabaria em um selo grande, mas alguns
dos doidos viram isso como se eles estivessem se vendendo. Lembro-me das
palavras ‘Pink Finks’ pichadas na parede do banheiro do UFO. Mas me incomodou
como eles pareceram se afastar tão apressadamente da cultura de drogas, sobre
a qual erigiram seu nome, quando a merda começou a feder – os Stones sendo
presos, Hoppy indo para a cadeia, assédios nas ruas... Aquilo parecia um
pretexto.”
Contudo, para o próprio grupo, a cena lhes havia dado uma ignição para
sua música em vez de uma filosofia para um estilo de vida. Ao terem optado por
uma carreira musical no lugar da faculdade e do trabalho que faziam antes, a
busca pelo sucesso era mais importante do que as fortunas que lhes renderiam a
London Free School ou o International Times.
“Havia elementos underground com os quais nos sintonizávamos”, diz Nick
Mason hoje. “A gente fornecia a música enquanto as pessoas dançavam
criativamente, pintavam o rosto, se banhavam em geleias gigantes. Mas
provavelmente, por virmos da classe média e sermos pessoas razoavelmente
bem-educadas, fomos capazes de passar por uma série de coisas, até mesmo
parecer que fazíamos parte de um movimento.”
Roger Waters sente uma distância ainda maior. “Até hoje, ainda não sei
exatamente o que era tudo aquilo. A gente ouvia falar muito sobre revolução,
mas nada específico. Li a International Times algumas vezes, mas sobre o que
era pra valer a Free School da Notting Hill? Qual era sua intenção? Nunca
entendi, exceto por alguns ‘acontecimentos’. Os ‘acontecimentos’ que nos
colocávamos eram sempre uma piada.”
A EMI foi convencida a pagar o novo carro da banda, um Ford Transit, e
um novo Binson Echorec, a caixinha de truques que ajudava a criar aqueles
efeitos sonoros espaciais, mas pagar por um hotel estava fora de cogitação.
Shows distantes significavam uma noite dirigindo de volta para Londres. A
equipe, esgotada, voltava junta. Peter Wy nne-Willson carregava os
equipamentos e juntava as luzes caseiras do Floy d entre os shows. Peter ainda
tinha que obter sua habilitação, entretanto, a secretária de Blackhill, a falecida
June Child, se ofereceu para dirigir. A bela loira June se tornaria parte integrante
da equipe do Floy d e um ombro para Sy d chorar. Depois ela se casaria com o
acólito de Sy d e cliente de Blackhill, Marc Bolan.
“Comprei diversos equipamentos e materiais para fazer experimentos com
diferentes efeitos de iluminação”, lembra-se Peter Wy nne-Willson. “Todo mês
June vinha a Earlham Street para ver as coisas que fazíamos. Para tornar esse
entediante processo mais legal, desenvolvemos um sistema por meio do qual, em
cada lado de uma pequena mesa, sentávamos com os pés sob o quadril um do
outro. Um pequeno e delicioso ritual. June sempre usava a mais curta das saias.”
Entretanto, o furacão de shows logo cobraria seu pedágio em cima do astro
de Blackhill. “Vi a agenda de shows do Floy d anos depois”, disse um confidente
da banda. “Quem quer que tivesse programado aquela incursão pela Inglaterra
da forma que foi feita, nas condições que eles fizeram, era insano. Teria sido
debilitante para qualquer um, usando drogas ou não.”
Matthew Scurfield estava na época prestes a começar sua carreira no
teatro, mas seguiu seu irmão Ponji até Earlham Street e viu de perto o efeito que
a carga de trabalho causara em Barrett. “Sy d era uma pessoa que não estava
totalmente no groove como os outros membros do grupo”, ele afirma. “Não era
ambicioso como Roger. Sempre o considerei um forasteiro, mesmo dentro do
Floy d. Ficava óbvio às vezes que muito da ambição deles frustrou sua arte. Era
sempre ‘venha, Sy d. É hora de ir!’.”
O uso de drogas que Barrett fazia na época permanece assunto de muita
especulação. O que Sy d estava tomando, o quanto e com qual frequência? E
quanto ao resto da banda? “Pensando na época, acho que Roger e Nick
raramente se drogavam”, lembra-se Andrew King. “Sempre achei que Roger
fosse do tipo ‘vamos ao pub para tomar umas cervejas’. Rick fumava um pouco
de erva. Sy d experimentava de tudo.”
“Sy d, Andrew e eu fumávamos erva”, diz Peter Jenner. “Apesar de não
me lembrar de Sy d dizer ‘vamos ficar doidões’, sabia que ele estava na onda do
LSD. O quanto, não posso afirmar. Sempre me disseram que ele tinha o que se
poderia chamar de ‘amigos do ácido’, mas não me lembro de Sy d ter sido
proselitista quanto ao LSD. Porém, acho que foi um gatilho para seus
problemas.”
“Definitivamente, Sy d não estava tomando LSD com frequência em
Earlham Street”, insiste Peter Wy nne-Willson. “Pode ter sido a erva em vez do
ácido que causou todos os problemas. Sei que a erva é bem mais forte hoje em
dia, mas jovens que fumam baseado entre os 18 e 22 anos são particularmente
suscetíveis a problemas mentais caso tenham predisposição. No caso de Sy d, não
me recordo de alguma viagem que tenha sido um ponto de ruptura ou algo assim.
Às vezes, ele passava por maus bocados com erva, mas não com ácido. Na
Inglaterra, havia muito haxixe disponível. Sy d e eu fumávamos cigarros, às vezes
charutos; raramente fumávamos juntos cachimbos de haxixe puro.”
Para Peter Jenner, a apresentação do Pink Floy d (em algum momento
daquele ano a banda parece ter perdido definitivamente o “The”) no The 14-
Hour Technicolor Dream, no Alexandra Palace, em abril, “coincidiu com o mais
alto uso de ácido naquele verão”. Criado como arrecadador de fundos para a
International Times, que havia sido enquadrada pela polícia que só faltou fechá-
la, o evento organizado por John Hopkins seria o último antes de ele ser preso.
“Fui o cara que apostou no aluguel da casa”, diz Hoppy hoje. “Eles ainda
estavam me procurando anos depois. Foi explosivo. A certa altura, dez mil
pessoas devem ter passado por aquelas portas. Os amigos de Michael X fizeram
a segurança. O que não percebemos até muito tempo depois é que eles
embolsavam o dinheiro pago pelas pessoas. Então muito pouco foi redirecionado
para a central de controle.”
O Pink Floy d foi agendado para tocar junto com The Pretty Things, The
Soft Machine e o novo astro advindo do underground, Arthur Brown, que
emplacava o seu primeiro sucesso, “Fire”, e tocou usando um chapéu em
chamas. Rolava exibições de filmes de vanguarda, leituras de poesia beatnik,
uma roda-gigante e a oportunidade de fumar casca de banana em um iglu feito
de fibra de vidro. John Lennon estava entre os que apareceram para ver a
loucura.
Naquela mesma noite, o Floy d tinha tocado em um programa da televisão
holandesa, apanhado um voo de volta a Londres e dirigido em alta velocidade até
o Alexandra Palace, em Muswell Hill. Peter Jenner, ávido para extrair o máximo
possível do evento, havia colocado na roda um tablete de LSD cedo demais.
“Ainda estava dirigindo a van quando o efeito começou a bater”, ele diz.
Enquanto isso, o antigo amigo de Peter da universidade, “o médico alternativo”
Sam Hutt, estava num estado similar. “Dirigi com Rick Wright, e estava viajando.
Dirigir viajando com ácido? Não é algo que eu recomendaria. Tudo o que me
recordo é de ter sido transfixado por aquela brilhante capa que Rick vestia – ou ao
menos acho que ele estava vestindo.” Dentro da casa de show, Hutt ficaria
transfixado de forma similar pela roda-gigante. “Eu só ficava indo para cima e
para baixo, para cima e para baixo, renascendo a cada vez”, ele ri.
Para Robert Wy att, do The Soft Machine, o show do Pink Floy d às 4 horas
da madrugada “deve ter sido um dos maiores que eles já fizeram; foi
estarrecedor”. Outros disseram equivocadamente que Sy d estava incapacitado
para qualquer coisa, contudo, fotografias daquela noite mostram Barrett com sua
guitarra nas mãos, claramente lúcido o bastante para tocar, mesmo que a capa
de Richard Wright não fosse tão brilhante quanto a memória criada pelo dr. Sam
Hutt. Para o organizador John “Hoppy ” Hopkins, a performance do Pink Floy d,
boa ou não, deixou os outros eventos simultâneos para trás. “Um de nossos
amigos era químico”, ele se lembra com certo sabor. “Ele trouxe alguns bagulhos
que hoje acreditamos ser um primo de DMT (o alucinógeno dimethyltryptamina).
O que quer que fosse, minha namorada e eu tivemos um belo e gostoso calor, e
terminamos do lado de fora da Ally Pally ao alvorecer, olhando Londres. Nunca
cheguei a ver o Pink Floy d naquela noite. Se cheguei, não me recordo de coisa
alguma.”

A citação de Peter Jenner aos “amigos do ácido” de Sy d pode muito bem


se referir aos colegas de moradia que ele teve naquele ano. Em 1967, Sy d deixou
a Earlham Street para alugar um dos apartamentos na Cromwell Road, nº 101. Os
Lesmoir-Gordon tinham ocupado o primeiro andar cerca de um ano antes,
mudando-se com outro emigrante de Cambridge, Bill Barlow, proprietário da
notória Clarendon Street, nº 27, em Cambridge, lar de numerosos hipsters locais.
A “cena” de Cambridge se estendia agora até aquele edifício na capital, em estilo
vitoriano, próximo à estação de ônibus do West London Air Terminal, em Earls
Court.
Apesar disso, com Nigel estudando na London School of Film Technique e
se movendo nos círculos mais elegantes, o número 101 tornou-se a meca para o
público amante de arte, música, cinema e drogas. O poeta Allen Ginsberg, o
cineasta Kenneth Anger e os cantores Donovan e Mick Jagger estavam entre os
que davam uma passada. A partir de 1965, os diversos quartos do prédio serviram
como espaço de ensaios para o Pink Floy d e, por um breve período, alojamento
para Roger Waters. Também seriam palco para vários inquilinos exóticos. Eles
incluiriam, em diferentes momentos, John Esam, o beatnik neozelandês e
primeiro elo da cadeia de distribuição de LSD em Londres, e Prince Stanislas
Klossowski de Rola, chamado de Stash de Rola, filho do proeminente artista
francês Balthus. Stash era confidente dos Rolling Stones, que depois seria preso
por posse de drogas com Brian Jones, e também teria uma memorável viagem
de ácido com Sy d Barrett, da qual falaremos mais tarde.
O artista Duggie Fields tinha estudado arquitetura na Regent Street Poly,
onde conheceu o pessoal de Cambridge por intermédio de Juliette Gale. Em
algum momento de 1965, ele se mudou para o 101 da Cromwell Road. “O Pink
Floy d costumava ensaiar em um dos quartos”, ele se lembra. “E eu costumava
descer e colocar os discos americanos de R&B o mais alto que podia, pois
achava que eles não tinham nenhum senso de ritmo, melodia nem requinte, e
tinha esperança de que, por meio deles, a banda conseguisse encontrar um rumo
dentro do que estava fazendo.”
Duggie ainda vivia na Cromwell Road, em uma sala com papéis de parede
da Marvel Comics, quando Barrett alugou o quarto ao lado do seu. “A casa tinha
sete quartos naqueles dois andares superiores, e havia nove ou dez pessoas
vivendo ali”, diz Fields. As paredes da sala de estar, o teto e o chão foram
pintados de branco (uma ideia tirada do filme A bossa da conquista, de 1965), e
filmes eram com frequência projetados nas paredes – às vezes, deliberadamente
de trás para a frente. Era comum que as salas estivessem ocupadas por inquilinos
do prédio, seus amigos e até por completos estranhos.
“Lembro-me de estar voltando da faculdade e encontrar mais de vinte
pessoas sentadas por lá. Não conhecia nenhuma delas e provavelmente não havia
ninguém lá que de fato vivesse no apartamento”, conta Fields. “E isso acontecia
tanto de dia quanto de noite.”
No andar de baixo vivia um professor (“pobre sr. Poliblanc”, como um dos
residentes se refere a ele agora) que não tinha nenhuma relação com o grupo.
“Um de nós deu um jeito de fazer um ‘gato’ no cabeamento, de forma que
literalmente roubávamos a energia elétrica dele”, admite Duggie. “O terreno
também se tornou uma lixeira, já que ninguém se dava ao trabalho de levar o
lixo para fora. Até hoje não tenho a menor ideia de onde o lixo do 101 ia parar.”
Além de abrigar alguns decanos da capital da contracultura, o número 101
também oferecia abrigo para Pip e Emo. Havia um teto falso instalado no hall de
entrada, com espaço mínimo, como um claustrofóbico buraco suficiente apenas
para caber um colchão.
“A Cromwell Road sempre era o último recurso”, resmunga Emo. “Íamos
para lá quando tínhamos sido chutados de todos os outros lugares. Ainda me
recordo daquela plataforma suspensa acima do corredor. As garotas ficavam
apavoradas de subir lá, e sempre havia encrenca entre mim e Pip para pegar
aquela cama se ela fosse a única disponível.”
Nas palavras de um conhecido, “Duggie Fields não estava a fim de
autodestruição”, mas, enquanto ele se mantinha são, a maioria dos habitantes da
Cromwell Road pirava. Embora histórias sobre os ocupantes da casa possam ter
sido distorcidas e exageradas, Mick Rock, outro visitante regular, lembra-se de
uma atmosfera geral induzida por drogas: “Tirando o quarto de Duggie, a casa
inteira estava cheia de explosões de ácido”.
Viagens comunitárias em Cromwell Road era lugar-comum, quer durante
a residência de Sy d ou não, e uma testemunha ocular lembra-se de uma garrafa
de LSD e uma pipeta guardadas no refrigerador dos Lesmoir-Gordon. Em pelo
menos uma ocasião, um grupo de chapados foi acusado de ter marchado pelo
lado errado da perigosa entrada da estação de ônibus, convencido de sua
invencibilidade a despeito do risco de dar de frente com veículos. As pontudas
grades de ferro que cercavam o número 101 da Cromwell Road provaram ser
um mal ainda pior a qualquer um que se achasse invulnerável sob a influência de
narcóticos. Uma noite, Nigel Lesmoir-Gordon encontrou outro antigo colega de
Cambridge, Johnny Johnson, nu, desorientado e pendurado no cano de água do
lado de fora da janela do banheiro da casa 101. Nigel conseguiu convencê-lo a
voltar para dentro. Johnson já havia tentado se suicidar antes, ao se jogar de uma
janela – e na próxima tentativa conseguiria.
Em maio daquele ano, Joe Boy d diz ter encontrado Lindsay Corner e Sy d,
de “olhos alucinados”, no West End de Londres. Lindsay lhe disse que Barrett
vinha tomando ácido todos os dias havia uma semana. O suposto consumo diário
que Barrett fazia de ácido já foi assunto de várias especulações. Alguns achavam
que ele estava usando diariamente, outros diziam que não. Contudo, alguns no
núcleo do Pink Floy d se preocupavam que seus colegas de apartamento o
estivessem encorajando a usar ao “batizar” as bebidas dele com LSD. “A
Cromwell Road era cheia de malucos messiânicos viciados em ácido”, diz Peter
Jenner.
Duas das pessoas que ocasionalmente cercavam Sy d na Cromwell Road
eram conhecidas como “Mad Sue” e “Mad Jock”. Na vida real, Jock era Alistair
Findlay. Sue, sua namorada na época, era Susan Kingsford, uma modelo que
havia encontrado Barrett e Gilmour pela primeira vez na Cambridge Technical
College. Após aparecer em um comercial de televisão como uma das primeiras
garotas da Cadbury ’s Flake, ela se mudou para Londres e se juntou a outros
residentes do 101, em Cromwell Road, que trabalhavam para Robert Fraser,
proprietário de uma galeria de arte, que foi preso com alguns dos Rolling Stones.
Este amigo “caiu nas drogas”, diz Sue, “e eu cai com ele.” Ela também fez uma
rápida aparição na filmagem de Peter Whitehead, “The 14-Hour Technicolor
Dream”, vestindo, em suas próprias palavras, “um casaco de pele e nada mais,
segurando um narciso e brilhando beatificamente”.
“Eu me lembro de Sue e Jock por lá”, diz Mick Rock. “Sue era uma garota
incrivelmente linda que tomava ácido demais.” Mas Duggie Fields se lembra de
que “Sue não era doida de verdade, somente um pouco tola”. Mesmo afirmando
que o uso que faziam de LSD era prodigioso – “tomávamos enormes quantidades
constantemente” –, Sue insiste em que eles nunca batizaram ninguém. “Por que
alguém faria isso? Naquela época, se você tomasse ácido, era tudo muito sério.
Você viajava e então escutava Bach, ou assistia ao último filme de Kenneth
Anger, ou lia O livro tibetano dos mortos.”
“Batizar era um crime hediondo”, disse Alistair Findlay ao biógrafo de Sy d
Barrett, Tim Willis. “Ninguém faria algo assim.”
“Se eles estavam batizando todo mundo, então por que nunca me
batizaram?”, pergunta Duggie Fields. “Isso nunca aconteceu.”
Independentemente de seus problemas posteriores, Sy d certamente estava
totalmente louco quando começou a trabalhar no álbum de estreia do Pink Floy d.
O grupo abrigou-se rapidamente no Abbey Road Studios, da EMI. Considerado
um dos melhores estúdios do mundo, o Abbey Road funcionava com regras
rígidas: técnicos de casaco branco estavam à disposição para lidar com qualquer
problema de equipamento, e operadores de mesa e engenheiros aprendiam cada
aspecto do negócio, de como enrolar os cabos adequadamente até o
posicionamento correto dos microfones. O melhor de tudo era a inspiradora
mistura de músicos passando pelas suas portas diariamente. Como o operador de
mesa do Abbey Road e posteriormente engenheiro de som, Jeff Jarratt, se
lembra: “Você podia chegar um dia e encontrar o compositor clássico e maestro
Otto Klemperer no estúdio um, os Beatles no estúdio dois e Pink Floy d no estúdio
três”.
Para manter a política da empresa, o produtor designado para o Floy d era
seu executivo Norman Smith, um elegante e experiente ex-músico de jazz e
ocasional engenheiro de som dos Beatles. “Ele vinha da velha guarda, com um
senso de humor muito afiado”, lembra-se Roger Waters, “e sempre dava a
impressão de ser um cantor e dançarino aposentado. Gostava muito dele.”
Sessões para o álbum The Piper at the Gates of Dawn começaram no
estúdio três do Abbey Road em janeiro de 1967. Em várias ocasiões durante os
meses seguintes, os Beatles estariam no estúdio ao lado criando Sgt Pepper’s
Lonely Hearts Club Band. Smith tinha apostado sua reputação no Pink Floy d, mas,
como ele diz agora, “não era a mais fácil das associações”. Para quebrar o gelo,
o produtor sentava ao piano para tocar jazz e “mandar ver enquanto a banda se
preparava”. Essas jams funcionavam muito bem, mas Sy d não era muito
receptivo para aceitar conselhos sobre sua própria música. “Com Sy d, era como
conversar com uma parede”, diz Smith. “Ele fazia um take, voltava para a
técnica e escutava. Eu dava algumas sugestões e ele apenas acenava com a
cabeça, sem dizer nada de fato, voltava para o estúdio e fazia outro take, que
acabava sendo exatamente a mesma coisa que havia feito antes. Roger era muito
prestativo, e com os outros tudo ia bem, até me lembro de que Rick era
extremamente descontraído, mas com Sy d percebi, afinal, que estava perdendo
meu tempo.”
Jeff Jarratt trabalhou como operador de mesa durante as sessões. “Minhas
memórias são diferentes das de Norman”, ele diz. “Sy d era claramente a
principal força criativa da banda, e eu o achava fantástico. Quando me pediram
que fizesse as sessões, fui ver o Floy d tocar ao vivo e fiquei absolutamente
deslumbrado. Era tão novo e excitante; jamais tinha ouvido algo parecido.
Norman os dirigiu da melhor maneira possível para que aquela doideira soasse
bem gravada. Então é possível que certas coisas que ele disse desafiaram o modo
deles de pensar.”
De forma parecida, Rogers recorda-se de que “apesar de ele [Sy d] tomar
muito ácido, não havia problemas de verdade”. Contudo, todos concordavam que
as ideias musicais mais fora de órbita da banda arrepiavam a mente
tradicionalista de Smith.
“Eu não tinha muito conhecimento do tipo de música que eles estavam
tocando”, admite Norman. “Psicodelia não me interessava. Mas sentia que era
meu trabalho ajudá-los a pensar de forma mais melódica.” Nesse quesito, Smith
foi bem-sucedido ao “desencorajá-los de tocar aquelas maluquices que faziam
ao vivo”, conforme afirma Peter Jenner. Assim, números ao vivo isentos de
forma como “Pow R Toc H” foram transformados para ter uma duração mais
adequada, embora uma “maluquice sob controle” fosse permitida, como a
versão de 9 minutos e 41 segundos de “Interstellar Overdrive”.
De acordo com o falecido engenheiro do Abbey Road, Pete Bown, esta foi
a canção que ele escutou o Floy d ensaiar quando chegou pela primeira vez para
começar a trabalhar no álbum. “Abri a porta e quase caguei nas calças”,
comentou anos depois. “Meu Deus, aquilo era alto. Com certeza jamais ouvira
algo parecido antes.”
“Peter Bown era um cara inacreditável”, diz Jeff Jarratt. “Um cara
engraçado e extrovertido. Era mais velho que os caras da banda, mas era
bastante receptivo a novas ideias.” “Pete tinha uma atitude muito mais criativa do
que, talvez, Norman”, sugere Peter Jenner. “Também era extremamente alegre,
alegre até demais, o que era pouco comum na época.”
Andrew King se recorda de Bown sentado na mesa de edição, pintando a
ponta dos dedos com um composto usado para curar cortes e arranhões, pois
estava preocupado que aquelas infindáveis sessões de gravações iriam “desgastá-
los pelo uso excessivo”.
Histórias sobre o Pink Floy d encontrando os Beatles durante essas sessões
são apócrifas. Vão do ficcional – de que Barrett tocou secretamente no Sgt
Pepper – ao simplesmente mundano – de que o Floy d foi levado para conhecer
os Beatles, encontrando um carrancudo Lennon e um alegre McCartney. Nick
Mason escreveu ter se “sentado humildemente enquanto eles (The Beatles)
trabalhavam na mix” do que viria a ser “Lovely Rita”. Norman Smith soma
agora uma história nova à sua coleção. Ele estava no estúdio três, tentando se
conectar com o Floy d no começo das sessões do Piper, quando a porta se abriu e
ninguém menos que Paul McCartney entrou. “Paul se apresentou, apesar de eles
obviamente saberem quem era, então me deu um tapinha no ombro ao sair e
disse: ‘Você não vai errar com esses aqui, colega’. Acho que os garotos ficaram
bastante impressionados.”
“O que é preciso lembrar”, diz Jeff Jarratt, “é que as bandas topavam
umas com as outras a todo instante no Abbey Road: quem sabe quantas vezes o
Floy d e os Beatles se encontraram?”
Aubrey “Po” Powell também se lembra de encontrar Barrett, Waters e
Paul McCartney no UFO. “Havia um pequeno corredor ao lado do palco, e eu
estava sentado lá quando McCartney entrou, fumando um baseado. Ele era um
cara muito afável e passou o baseado para a frente. Depois que ele foi embora,
Sy d disse: ‘Uau, aquele era Paul McCartney e ele veio ver o Pink Floy d’. Fiquei
bem surpreso porque a situação era: ‘Sy d, você também é bem cool agora’.
Também me recordo de que Roger, a quem jamais havia visto fumando antes,
deu uma bela tragada naquele baseado. Ele sabia quando tinha que entrar na
dança.”
O sucesso dos Beatles no Abbey Road certamente ajudou “os garotos” a
fazer The Piper at the Gates of Dawn. Depois do álbum Revolver, dos Beatles, os
engenheiros do estúdio se acostumaram com múltiplas pistas, fases e todas as
coisas que Jenner chama de “essa merda estranha”. “Roger era especialmente
interessado no estúdio em si e no desenvolvimento do som”, lembra-se Smith.
Mas Andrew King recorda-se de Sy d mostrando um interesse similar:
“Uma de minhas lembranças mais fortes é de Sy d mixando a música ‘Chapter
24’; lembro-me dele na mesa operando os faders na mix final. E ele era muito
bom naquilo. Ele sabia o que queria e era totalmente capaz de obter – em um
nível técnico”.
Embora seja dito que Barrett detonou diversos microfones no curso das
gravações, e as “frequências constantemente batiam no vermelho”, de todo
aquele caos surgiram onze canções para o álbum e, o que é ainda mais
importante, um novo single. “Quando escutei ‘See Emily Play ’, finalmente
pensei: É isso! É esta aqui!”, diz Smith.
O Pink Floy d lançou o single, então ainda chamado “Games for May ”, em
um show homônimo em Londres, na Queen Elizabeth Hall, no dia 12 de maio.
Jenner havia garantido a apresentação na mais prestigiosa casa de shows da
capital por meio da amizade que sua mulher, Sumi, tinha com o promotor
Christopher Hunt. Foi lá que a banda optou por apresentar seu novo brinquedo, o
Azimuth Coordinator. Primeiro sistema de som quadrafônico, o Azimuth
Coordinator tinha sido criado para a banda por um dos especialistas do Abbey
Road. Ele compreendia quatro reostatos contidos em uma grande caixa e era
equipado com um joy-stick, que era operado por Richard Wright para emitir o
som num ângulo de 270º em qualquer casa que a banda estivesse tocando. O alto
volume no qual o Pink Floy d tocou naquela noite era um problema, mas foram o
uso de uma máquina de fazer bolhas e a distribuição de flores que causaram a
maior preocupação. “Uma combinação de caules de narcisos e bolhas
explodindo deixou um líquido gorduroso por todos os assentos de couro e pelo
chão”, diz Jenner. “Fomos imediatamente banidos e acho que eles não deixaram
que bandas pop voltassem ao South Bank por um bom tempo depois disso.”
Poucos dias depois, foi a questão do volume que preocupou o entrevistador
do show de artes da BBC, Look of the Week. Seguindo um fragmento de uma
performance do Pink Floy d de “Pow R Toc H”, Barrett e Waters foram
submetidos a um incrédulo questionamento do músico austríaco e fã de quartetos
de cordas Hans Keller. A troca parecia uma peça de época pitoresca: o sério e
indefectível musicólogo versus os astros pop de camisas floridas. “Por que tudo
tem que ser tão terrivelmente alto?”, indaga Keller. “É assim que gostamos”,
contra-ataca Waters. Barrett, em um divertido contraste com o legendário Sy d
chapado, estava tão alerta e falante quanto seu colega de banda. Keller
continuava pouco impressionado, mas ofereceu uma observação afiada sobre a
música do Pink Floy d: “Meu veredicto é de que se trata de uma pequena
regressão aos tempos de infância”.
Em vez do Abbey Road, a banda retorna ao Sound Techniques Studio, onde
havia trabalhado com Joe Boy d em “Arnold Lay ne”, para gravar o novo single,
“See Emily Play ”. Mas havia um problema, e o “problema com ‘See Emily
Play ’ é que Sy d não fazia nada”, explica Norman Smith. “Na verdade, acho que
ele não gostava de gravar singles e ponto final.”
No dia da gravação, Sy d recebeu um telefonema de David Gilmour. O
guitarrista estava em uma breve visita a Londres, comprando equipamento para
sua própria banda, Jokers Wild, depois tocaria por um tempo em um clube
noturno em Paris. Barrett parecia perfeitamente normal ao telefone e então
convidou Gilmour para ir ao estúdio. Ao chegar, Gilmour ficou chocado com o
que viu. “Ele parecia muito estranho, com os olhos vidrados”, ele se lembra.
“Não estava amigável, nem parecia me reconhecer. Fiquei por uma ou duas
horas e então saí. Sabia sobre o LSD, eu mesmo já havia tomado, mas não fiz
uma ligação na ocasião. Ele estava muito esquisito.” Gilmour voltou à França,
preocupado com a condição do amigo, mas sem saber o tremendo impacto que
aquilo logo teria em sua carreira.
“See Emily Play ” foi lançado em 16 de junho de 1967. O mandachuva da
EMI, Roy Featherstone, cunharia o slogan “Straight to Heaven in 67” 2 para
acompanhar o lançamento do single e, como lembra Peter Jenner, “embora hoje
em dia isso soe incrivelmente imbecil, como apelo funcionou na época”. A
canção incluía um traço da típica experimentação de Sy d – o som de uma régua
de plástico sendo esfregada ao longo do braço da guitarra –, mas, como explica
Norman Smith, “ela tinha uma melodia maravilhosa, um tom sensacional”.
Um amálgama perfeito do excesso psicodélico e som puro, “See Emily
Play ” brilhou mais que “Arnold Lay ne” em todos os níveis, sem o mesmo
assunto desagradável de sua antecessora, mas com os teclados assustadores de
Wright e vocais visionários e desengajados de Sy d, para evitar que ela deslizasse
totalmente para um pop comum. Como disse a New Musical Express: “É cheia de
estranhas oscilações, reverberações, vibrações eletrônicas, batidas frenéticas e
harmonias de apelo”.
Não tão caprichosa quanto as outras composições de The Piper at the Gates
of Dawn, a música ainda era apoiada em imagens aleatórias da infância de Sy d e
Roger em Cambridge. “Sei de quais matas Sy d está falando em ‘See Emily
Play ’. Costumávamos ir lá quando éramos crianças. É uma área bastante
específica, uma mata em especial, na estrada para Gog Magog Hills”, disse
Waters em 2004.
A Emily em questão é também envolta em mitos do Floy d. Alguns dizem
que era Emily Young, uma das alunas da Notting Hill Free School e
frequentadora do clube UFO, hoje uma notória escultora. Embora Emily tenha
encontrado Sy d em uma ocasião, ela diz que desconhece o fato de a música ter
sido escrita para ela. Outros sugerem que a companheira do apartamento de Sy d
na Earlham Street, Anna Murray, inspirou a canção. Anna também nega que a
melodia tenha sido escrita para ela. Na época em que a música foi lançada,
Waters falou a um entrevistador de uma rádio, no maravilhoso linguajar da
época: “Emily poderia ser qualquer uma. Ela é apenas uma garota descartável,
só isso”. Duas semanas depois do lançamento, o Pink Floy d foi convidado para
tocar no Top of the Pops. Andrew King diria depois que o declínio de Sy d podia
ser medido pelas aparições dele em shows: duas performances relutantes e, no
final, uma ausência. Peter Wy nne-Willson estava com Sy d na Trafalgar Square
antes de uma dessas apresentações. “Estava ficando cada vez mais tarde.
Finalmente, eu disse a ele: ‘Não é hora de a gente ir?’. Chamamos um táxi e Sy d
pediu que ele fosse para um lugar completamente diferente.”
Norman Smith acompanhava a banda quando ela ia para o show no Lime
Grove Studios, em West London, para sua apresentação de estreia. “Eu disse a
eles que teriam que dublar, já que isso era o que todos os grupos faziam naquela
época”, ele se lembra. “Acho que Sy d não gostou, mas os outros aceitaram.
Então eles foram preparar os cabelos e fazer a maquiagem. Acho que Sy d não
se importava com seu visual normalmente, mas quando ele voltou parecia um
astro de cinema. Disse-lhe que estava fantástico. Então ele foi direto para o
espelho, bagunçou o cabelo e apanhou vários lenços para limpar a maquiagem
do rosto... uma semana depois, retornamos e a mesma coisa aconteceu. Ele só
ficou ali parado durante o show, deixando a guitarra balançar na sua frente.
Tivemos uma conversa depois, na qual eu lhe disse que aquilo destruiria nossas
carreiras, mas entrou por um ouvido e saiu pelo outro.”
O single chegou à quinta posição. Ao retornar ao estúdio para uma terceira
apresentação, na semana seguinte, Sy d de início se recusou a ir. “Finalmente
descobrimos que o motivo era que John Lennon não tinha precisado fazer Top of
the Pops, então também não precisávamos”, Roger Waters disse a Melody
Maker.
Sue Kingsford encontrou Sy d na tarde de uma de suas aparições agendadas
para o Top of the Pops. Ela e Jock estavam vivendo em um apartamento na
Beaufort Street, no sul de Kensington, perto da Cromwell Road. “De repente,
escutamos bater na porta, e lá estava Sy d. Alucinado e descalço, o que não era
incomum naqueles dias, mas com os pés imundos e sangrando. Ele parecia
completamente fora de si. Não disse coisa alguma. Apenas entrou e lhe demos
cereais e uma xícara de café. Ele ainda não disse nada. Sentou-se lá e, por volta
de uma hora depois, escutamos outra batida na porta. Eram algumas pessoas do
Floy d: ‘O Sy d está aqui?’. Respondemos: ‘Sim, ele está na cozinha, mas não está
nada bem’. Eles falaram: ‘Não damos a mínima se ele não está bem’, e o
arrastaram de lá. Mais tarde, naquela noite, descobri que o haviam levado para
fazer o Top of the Pops. O motivo de ele ter permanecido sentado durante a
apresentação é porque estava muito fora de si para ficar em pé.”
Apesar da apresentação no Top of the Pops, a BBC convidou o grupo para o
show radiofônico Saturday Club, no final de julho. Após ser levado até o estúdio,
Sy d decidiu mais uma vez que não queria participar. Dessa vez, não deu
explicação alguma. “Quando recebemos o chamado de que era nossa vez de
entrar, ninguém conseguia encontrar Sy d”, lembra-se Norman Smith. “O
porteiro disse que viu alguém parecido com ele saindo. Roger Waters e eu fomos
até a rua e, claro, lá estava ele, virando a esquina. Aquilo foi o fim de tudo.”
De forma inevitável, o comportamento de Sy d destruía sua relação com o
resto do grupo. Aubrey ‘Po’ Powell, que dirigia a van da banda, concordou em
acompanhar Sy d voltando da Costa Sul uma noite, após um show. “Voltei de
Portsmouth com Sy d, já que os outros não queriam ficar com ele. Lembro que
garoava e ele fumou um baseado, e deve ter rido por umas duas horas, mas
quase não falou. Era óbvio que estava perdendo a razão.”
Em agosto, Blackhill fez uma declaração para a imprensa após o
cancelamento de vários shows do Pink Floy d. “Não é verdade que Sy d saiu da
banda”, Andrew King disse a New Musical Express. “Ele está cansado e exausto,
e foi aconselhado a descansar por duas semanas.” Peter Jenner ligou para Sam
Hutt procurando conselhos. Naquele verão, Hutt havia acabado de sair da escola
de medicina e começava a adquirir a reputação de médico mais notório de
Londres. “A ideia era enviar Sy d para uma visita ao ‘bom médico’”, explica Hutt.
“A ideia era: ‘ele sabe tudo sobre drogas e também usa, mas não vai pirar’.”
Hutt havia alugado uma propriedade em Formentera, que na época
representava o lado oeste do movimento hippie para aqueles que não podiam
fazer a elegante viagem até o lado leste. Sy d e Lindsay, Richard e Juliette, Sam,
sua mulher e o filho mais novo foram até a ilha para passar uma quinzena,
seguidos depois por Roger e Judy Trim, que iam ficar na vizinha Ibiza. O plano
era que Barrett reagisse, tocasse guitarra, tomasse sol e curtisse. Sy d foi para lá
obrigado, e pareceu bastante contente durante parte das férias, mas houve uma
encrenca. Conforme Hutt se lembra, “ele estava tomando ácido o tempo todo”.
O retiro idílico também estava inclinado a tempestades elétricas, uma
assustadora condição meteorológica que fez pouco para melhorar o perturbado
estado mental de Sy d. “Havia relâmpagos por trás das nuvens e todo o céu
brilhava”, Hutt recorda-se. “Aquilo podia afetar qualquer um, mesmo que não
estivesse tomando nada. Some ácido à equação e Sy d estava literalmente
tentando subir no teto. Ele arranhava a parede enquanto parecia querer sair do
chão.”
“Eu achei aquilo horrível.” Pete Townshend, do The Who, estava entre os
que não se impressionaram com The Piper at the Gates of Dawn quando foi
lançado em agosto. A maior reclamação de Townshend é que a gravação não
fazia jus à parede sonora que existia nas performances ao vivo do grupo. Mas
Norman Smith havia feito o trabalho que lhe fora pedido. Ele limou alguns dos
excessos da banda e ajudou a cumprir o sonho de Peter Jenner de ter um grupo
pop de vanguarda. Menos de doze meses depois, o repertório do Pink Floy d
incluiria uma versão de “Louie Louie”, apesar de não haver quase nenhum traço
de blues em seu primeiro álbum. As influências clássicas e de jazz de Richard
Wright pareciam ter ficado nos seus lugares, com os teclados preenchendo os
espaços ocupados por guitarras solo, dando à maior parte da gravação um sinistro
contrafluxo. Rimas infantis permeavam “Bike”, “The Gnome” e “Flaming”
(Watching buttercups come to life... sleeping on a dandelion), mas em “Matilda
Mother” e “The Scarecrow” há também um indício de ameaça, como se os
contos de fadas dos Irmãos Grimm fossem musicados. Um tema de filme de
espiões dos anos 1960 borbulhava em “Lucifer Sam”, com uma crítica menção a
certa Jennifer Gentle, na verdade Jenny Spires.
Sessões noturnas com o I-Ching na Earlham Street se manifestaram em
“Chapter 24”, com o acompanhamento de teclados nervosos e percussão, e a
banda fazendo uso de sua preciosa coleção de instrumentos musicais singulares
espalhados pelo estúdio. Do lado oposto estava “Interstellar Overdrive” e
“Astronomy Domine”. A última era, nas palavras de Nick Mason, similar ao
“que Roy Lichtenstein estava colocando em suas telas”. Com Peter Jenner
recitando em um megafone coordenadas astronômicas tiradas de um livro
infantil sobre planetas e o baixo primitivo de Roger Waters rolando, tudo soava
como pop art e ficção científica condensada em uma música de rock.
Enquanto as canções de Barrett tinham um charme infantil e nostálgico,
“Pow R Toc H” e a composição solo de Waters, “Take Up Thy Stethoscope and
Walk”, soavam agora como iniciativas bobas para algumas das futuras ideias do
baixista. A sugestão estremecedora de loucura e o uivo frenético seriam
revisitados em Dark Side of the Moon e Animals.
Contudo, as contribuições fantasiosas de Sy d para o álbum imediatamente
encontraram respaldo naqueles que eram de sua cidade natal. “Tinha muito de
Cambridge naquilo tudo”, diz Seamus O’Connell. “Quando escutamos aquelas
músicas extraordinárias pela primeira vez, coisas como ‘Bike’, todos sentimos
uma ligação.”
“Sempre achei que Sy d ficou preso em um tipo de infância prolongada”,
afirma Anthony Stern. “Então tudo estava lá, na música. A infância foi uma
época idílica, e acho que a ideia de crescer e lidar com o mundo em que seus
pais viviam, para ele, era aterrorizante.”
Para Sue Kingsford, a aspiração de Sy d em direção à cidade natal era
bastante familiar. “Sempre achei que, quando ele não estava em Cambridge, se
sentia fora de sua zona de conforto”, ela especula. “Nós dois com frequência
voltávamos aos finais de semana. Lembro-me de uma noite, durante uma
viagem na Cromwell Road, em que Sy d ficou horas sem dizer uma palavra, mas
de repente perguntou: ‘Você vai para casa este final de semana?’. Eu disse que ia
e ele respondeu: ‘Sabe, é só o que quero fazer. Só quero ir para casa’.”
Tão emblemática em 1967 quanto o Sgt. Pepper, a estreia do Pink Floy d
também foi passada com grande impacto para as gerações seguintes. As
resenhas foram favoráveis, ainda que o que a Record Mirror chamou de “sons de
estourar a mente” fosse um pouco exagerado para vários fãs do pop.
Vic Singh, contratado para fotografar a banda para a capa do álbum,
partilhava dessa mesma incerteza. “A música que eles faziam parecia alienígena
e muito surreal”, ele diz. “Quando a escutei pela primeira vez, pensei: ‘Isso
jamais vai funcionar’.” Na época dividindo o estúdio com, entre outros, David
Bailey, Singh era um fotógrafo promissor e amigo de George Harrison. “George
tinha ganhado lentes de prisma. Ele não sabia o que fazer com aquilo, então deu
para mim.” Singh disse a Jenner e King para buscarem em todas as lojas
possíveis as roupas mais brilhantes que encontrassem para vestir a banda. Dessa
vez, até mesmo Sy d parecia feliz de seguir as regras. Vic relaxou a banda “com
alguns baseados e uns copos de uísque com café, e então mandou ver”. As lentes
do mais quieto dos Beatles repartiu a imagem final, duplicando o Floy d. “Era
pouco usual e diferente, e eles adoraram”, diz Singh. “E Sy d fez um pequeno
desenho na contracapa.” The Piper at the Gates of Dawn seria um dos poucos
álbuns do Pink Floy d a, de fato, mostrar o grupo na capa.
As experiências de Vic Singh com Sy d naquele ano contrastaram com as
de Andrew Whittuck. Como freelancer, registrando os gostos dos Beatles e a visita
do Maharishi em Londres naquele verão, Whittuck também fotografou o Pink
Floy d no Abbey Road e na casa de seus pais. “Na verdade, frequentei a escola
primária com Nick Mason”, ele diz. “Embora obviamente fôssemos cool demais
para dizer algo.” A banda e um roadie chegaram com seus equipamentos e luzes
no quarto de Whittuck. “Eles tocaram o álbum para mim, que era diferente de
qualquer coisa que eu já tivesse ouvido, e havia muito falatório sobre o
compositor Stockhausen, que era onde o disco se enquadrava, aparentemente.
Todos apagaram no quarto do meu irmão, mas Sy d praticamente não dormiu
após se encaixar em um canto entre a cama e a porta. Por fim, minha mãe
chegou, deu uma olhada nele e falou: ‘Esse rapaz parece que está precisando de
uma boa xícara de chá’. Ela saiu e trouxe uma xícara para ele. Claro, fiquei
envergonhado, mas, para ser honesto, Sy d realmente melhorou um pouco após
isso.”
Agora o Pink Floy d atraía a atenção da mídia especializada e, de tempos
em tempos, entrevistas com Mason e Waters eram bem mais frequentes do que
com o vocalista da banda. “Minto e sou agressivo”, anunciava Roger a Disc and
Music Echo. “Quero ser bem-sucedido e admirado em tudo aquilo que colocar a
mão”, Nick disse ao mesmo entrevistador. Em contraste, Barrett era mais tímido
e muito menos prolixo. “Nossa música é como uma pintura abstrata”, ele disse
em um breve momento de introspecção. “Deveria sugerir algo diferente para
cada pessoa.”
De volta de Formentera, Sy d e a banda se reuniram no Sound Technique
Studios, já que a EMI estava querendo outro single. Entre as novas composições à
disposição, estava a horrível criação profética de Barrett, “Scream Thy Last
Scream”. Abreviada de seu título original, “Scream Thy Last Scream Old
Woman with a Casket”, a canção trazia Nick Mason cantando, fazendo vocais
sombrios, insidiosos e assustadores, num estilo ousado, o que imprimia oscilações
à música. “Vegetable Man” não era nem um pouco mais luminosa, com Sy d
declarando desesperadamente I’ve been looking all over the place for a place for
me 3 em um ritmo atonal. “Ele estava cantando sobre si próprio. Era um
documento extraordinário sobre uma séria perturbação mental”, diz Peter Jenner.
“Uma canção de uma grandeza fantástica e insana”, relata um mais empático
Andrew King. O dr. Sam Hutt apareceu quando a banda estava gravando a faixa.
Infelizmente, ele estava “viajando”. “Só me lembro de ter pensado: ‘Oh-oh, lá
vêm os demônios!’.”

“Provavelmente éramos as únicas pessoas em Los Angeles que tinham


uma cópia de The Piper at the Gates of Dawn”, afirma Alice Cooper. O álbum de
estreia do Pink Floy d foi lançado nos Estados Unidos no final de outubro de 1967,
quando Alice ainda era apenas Vincent Furnier, um jovem de 19 anos que
cantava em um conjunto chamado The Nazz e era “profundamente fixado em
bandas britânicas”. Os caminhos de Alice e do Pink Floy d se cruzariam poucas
semanas após o lançamento do disco. Andrew King, com sua capacidade para
agendar turnês, voou para os Estados Unidos antes da primeira turnê do Floy d no
país. Conforme ele explica agora, “tudo deu errado desde o primeiro dia”.
Em São Francisco, King descobriu que os vistos de trabalho do grupo ainda
não tinham chegado. De acordo com as regras dos Estados Unidos, uma banda
britânica visitante tinha que efetivamente fazer uma permuta com um grupo
americano visitando o Reino Unido; neste caso, Sam the Sham and The Pharoahs.
“Tive que explicar a situação para nosso promoter, Bill Graham”, diz King. “Que
fez com que me sentisse um completo idiota.”
Graham, um figura formidável da Costa Oeste americana, não era homem
de brincadeiras. Ele tinha arrumado datas para que o Pink Floy d fizesse shows
em teatros junto com a banda de Janis Joplin, Big Brother and The Holding
Company. A ausência dos vistos significava que os seis primeiros shows da Costa
Oeste teriam que ser cancelados. “Um irado Bill acabou acordando o
embaixador americano em Londres às 4 da manhã para resolver o problema dos
vistos”, prossegue King. “A banda estaria no próximo avião. Se havia algum
consolo, consegui ver a Ike and Tina Turner Revue, que Bill agendou para tocar
na primeira noite no lugar do Floy d.”
Nos Estados Unidos apenas com suas guitarras, a banda encontrou dois
grandes problemas. O seu selo americano Capitol (“que não tinha a menor ideia
de quem éramos ou de nossa música”, de acordo com Peter Jenner) não tinha
providenciado instrumento algum, e a banda foi forçada a varrer as lojas locais
para conseguir alguns emprestados. Ao chegar ao Winterland Auditorium, uma
casa com 5.500 assentos, onde eles deveriam tocar com Janis Joplin e Richie
Havens, King percebeu que as luzes caseiras, que a banda levara consigo,
“seriam absolutamente inúteis e mais cabíveis para um show de uma bandinha
escolar”. As atrações principais graciosamente permitiram que o grupo usasse
sua iluminação.
No Reino Unido, a cena musical da Costa Oeste era percebida de forma
romantizada como uma contraparte da música underground de Londres.
Seguindo o despertar dos Beatles, qualquer banda britânica que visitava os
Estados Unidos intrigava a imprensa americana. A recém-lançada revista Rolling
Stone enviou o fotógrafo Baron Wolman até Sausalito, onde o Pink Floy d estava.
A banda se atirou para a câmera. “Era óbvio que eles estavam felizes por estar
em São Francisco”, recorda-se Wolman. “Em uma ocasião, Sy d pegou uns cubos
de açúcar e meteu-os na boca, uma referência óbvia à sua predileção por LSD e
uma das maneiras mais populares de se ingerir a droga.”
Entretanto, como Waters protestaria depois, muitos dos principais grupos da
Costa Oeste eram essencialmente bandas de blues e country. Eles podiam ser
abertos a longas jams e fumar baseado, mas sua música era surpreendentemente
conservadora em termos de sonoridade e influência. A mistura torturante que o
Pink Floy d fazia de jazz, beat pop e eletrônico passava longe de Janis Joplin. O
contraste não passou despercebido pela imprensa. O crítico Ralph Gleason
escreveu na Rolling Stone: “na Costa Oeste vimos recentemente The Cream, The
Who, Procol Harum, Jimi Hendrix e Pink Floy d. Três grupos são vencedores. Os
outros dois simplesmente não convencem. O Pink Floy d, apesar de todo seu
interesse eletrônico, é simplesmente maçante ao vivo, seguindo Big Brother e
Janis Joplin”.
Os shows em clubes menores que a banda fez, nos quais podia usar o
sistema de luzes amador, foram mais bem recebidos em algumas ocasiões.
Antes de sair de Londres, Sy d fez permanente no cabelo na Vidal Sassoon, mas o
resultado não foi de seu agrado. O técnico de luz Peter Wy nne-Willson também
fez permanente na mesma ocasião. “Sy d, eu e alguns outros fomos ao Vidal
Sassoon, em Londres, para mudar nosso cabelo. Fico pensando se Sy d não teve
uma reação adversa aos cachos. Lembro-me do horror em seus olhos logo após
ver o resultado.”
Antes de subir no palco, no Cheetah Club, em Santa Monica, alguns relatos
dizem que Barrett, tendo um chilique, derramou um tubo de gel no cabelo e um
punhado de cápsulas de Mandrax (barbitúrico). Wy nne-Willson diz não se
lembrar disso. No grande espírito dos mitos e boatos do mundo do rock, outros,
incluindo Sam Hutt, são taxativos ao afirmar que já o tinham visto fazer isso
anteriormente no palco do UFO. “Recordo-me de ter ficado bastante
impressionado e pensar: ‘Esse é um cara de coragem’”, conta Sam. Entretanto, a
memória de Nick Manson do show inclui Sy d aplicando gel de cabelo, mas não
drogas. Certa vez, indagado sobre a história, David Gilmour disse: “Não acredito
que Sy d desperdiçaria boas drogas”. Uma vez no palco, dizem que Barrett
desafinou sua guitarra, fazendo com que Roger Waters cortasse a própria mão
tocando o baixo com raiva.
The Nazz, que tocava regularmente no Cheetah Club, abordou a banda após
o show. “O Floy d tinha ficado sem dinheiro em Los Angeles e acabou passando
algumas noites com a gente”, conta Alice Cooper. “Tínhamos um lugar na
Beethoven Street, em Venice. Lembro-me de levantar uma manhã e lá estava
Sy d, olhando para uma caixa de cereais da mesma forma que eu ou você
assistiria televisão. Era óbvio que já havia algo muito, muito errado.”
“Não acho que ficamos sem dinheiro”, corrige Andrew King. “Mas
estávamos nos sentindo muito sozinhos e desanimados. The Nazz nos convidou
para ficar com eles e fumar um pouco de erva. Foram incrivelmente gentis
quando mais precisamos. Embora a gente os tenha visto tocar naquele clube e
esvaziar o lugar.”
Fora do palco, Sy d também era um risco: não se comunicava com os
representantes da gravadora americana da banda e foi monossilábico durante a
entrevista com Dick Clark no popular programa de TV American Bandstand. De
forma significativa, em uma performance com playback da música “Apples and
Oranges”, Sy d, com o cabelo de ninho de passarinho, mal parece se dar ao
trabalho de mover a boca, com a câmera cortando o tempo todo para Roger
Waters, cuja aparência estava bem melhor, e o sereno Nick Mason. Afinal,
houve uma melhora na véspera de The Pat Boone Show, quando Sy d passou a
maior parte do tempo ignorando o entrevistador com uma encarada silenciosa e
uma única palavra como resposta para a questão: “Do que você gosta?”, ao que
ele respondeu: “América”.
Ninguém sabe ao certo se Sy d tomou LSD nos Estados Unidos (a maioria
acha que não), mas havia outras distrações narcotizantes. “Quando fomos aos
Estados Unidos, o consumo de maconha aumentou”, diz Peter Wy nne-Willson.
“Na Califórnia era erva o tempo todo, muito forte e diferente, já que era sempre
fumada sem tabaco. Então, fumar erva pura nos Estados Unidos pode ter sido a
gota d’água... Dois jovens levaram Sy d e a mim para alguma área...
montanhosa... Não posso chamar aquilo de retiro, porque era fenomenal, uma
casa linda. Eles nos encheram com quantidades enormes de maconha, o que não
era tão crítico para mim, já que eu só tinha que operar o equipamento de luz,
mas para Sy d... Foi a primeira vez que me lembro de ter visto Sy d parado no
palco, incapaz de tocar.”
Apesar da imprevisibilidade de seu vocalista, houve muitas distrações
agradáveis para os demais na turnê, com Waters e Mason iniciados nos deleites
do conforto sulista, cortesia de Janis Joplin, e vários membros do grupo gozando
dos favores de muitas fãs, enquanto relaxavam com as groupies em um
simpático motel em Santa Monica Boulevard. Uma testemunha afirma que
algumas pessoas foram obrigadas a marcar consultas na clínica de doenças
venéreas Middlesex Hospital ao retornarem para o Reino Unido. Ainda assim,
com seu vocalista em queda livre, Andrew King cancelou os shows restantes na
Costa Oeste e o abatido comitê retornou para a Europa.
“Havia muitas emoções e sentimentos cruzados por toda parte”, lembra-se
King. “Todos tivemos muitas conversas com Sy d.” Isso incluía Waters exigindo
que Barrett fosse imediatamente despedido. Ao fazer um show em um festival na
Holanda antes de seguir para a Inglaterra, a banda tentou se comunicar com Sy d
nos bastidores por meio de bilhetes escritos. King começou a considerar a
possibilidade de que “éramos todos loucos e Sy d o único são”.
“Nunca escutei de fato uma história coerente sobre o que aconteceu nos
Estados Unidos”, alega Peter Jenner. “Mas lembro que Andrew estava chocado
ao retornar... O problema é que eu provavelmente teria considerado normal parte
do comportamento de Sy d. Era vanguardista, e eu achava isso legal.”
Para alguns, a separação pode ser, em parte, atribuída à divisão entre
aqueles que fumavam erva e os que não fumavam. Waters, com seu
direcionamento e tenacidade, era visto como “não sendo cool”. “Algo ridículo
quando você pensa a respeito agora”, diz um dos amigos deles, “mas na
mentalidade hippie da época, todos achávamos que era o caso.”
Havia outra divisão menos tangível entre Sy d e seus colegas de banda, de
acordo com Libby Gausden. Em outubro, logo que voltou dos Estados Unidos,
Sy d visitou Libby em seu novo emprego, como tradutora da universidade. Ela
também estava prestes a se casar. “Sy d me disse que todo mundo na banda
estava sendo muito sensato e queria comprar apartamentos com o dinheiro que
ganharam na turnê, mas ele tinha gastado cada centavo que ganhou em um carro
rosa que estava sendo importado naquele instante. Ele riu ao dizer aquilo,
pensando nos demais investindo em casas e apartamentos. Ele achava que
música pop era para se divertir e que tudo o que ganhasse devia ser gasto.”
O chefe de Libby também entrou no escritório e viu Barrett. Sem saber
quem ele era, mas sabendo que Libby estava para se casar, ele a chamou de
lado mais tarde para dar alguns conselhos. “Ele me disse: ‘Não se sinta tentada
por esse aí. Ele é muito peculiar’.”
Para Jenner, os “problemas de Sy d”, como Waters passou a chamar, iriam
aumentar na próxima temporada de shows da banda. Pouco mais que vinte e 24
de descanso após chegar ao Reino Unido, o Pink Floy d teve que tocar no Roy al
Albert Hall, no dia de abertura de uma turnê como apoio a Jimi Hendrix. O resto
das bandas incluía os últimos astros do pop, como Amen Corner, The Move e The
Nice. Cada banda recebeu exatamente o mesmo tempo para tocar, com várias
casas pedindo matinês e shows noturnos. Enquanto Hendrix geralmente viajava
sozinho, os grupos de apoio foram de ônibus, que apanharam do lado de fora do
London Planetarium, em Baker Street. “Todos aqueles grupos em um ônibus; era
como o musical de Cliff Richard, Summer Holiday”, brinca Nick Mason, mas
Andy Fairweather-Low, então cantor adolescente do Amen Corner, lembra-se do
Floy d “como pervertidos insociáveis, que nunca falavam com ninguém”.
Fairweather-Low se tornaria guitarrista da banda solo de Roger Waters,
embora a certa altura daquela turnê com Hendrix tenha havido uma altercação
entre seu empresário e o de Waters. Para Nick Mason, os shows com Hendrix
trouxeram experiências boas e más. “Levávamos uma existência muito solitária
como banda antes da turnê, muito por conta de estarmos tocando nossa própria
música esquisita. Então, de certa forma, foi ótimo interagir com Hendrix e outros
músicos. Mas, ao final de tudo, estávamos abatidos, e isso foi por causa de Sy d.”
Mesmo com o horário abreviado, Barrett se comportava como se
preferisse estar em qualquer outro lugar. “Ele costumava sair para longas
caminhadas e aparecia dois minutos antes de entrar no palco”, diz o cantor e
guitarrista do The Nice, Davy O’List. “Vi isso acontecer, então sabia que havia
tensão. Musicalmente, eu os achava fabulosos, e costumava assisti-los da plateia
e tentar entender o que eles faziam.”
A atenção que O’List prestava aos detalhes compensaria. “Um dia,
provavelmente em Liverpool, Sy d não apareceu, então a banda me perguntou se
eu podia subir ao palco”, ele conta. “Eu lhes disse que sabia tocar ‘Interstellar
Overdrive’, então eles pegaram o chapéu de Sy d e colocaram em mim. Decidi
tocar de costas para o público. A multidão estava cheia de meninas de 14 anos de
idade que começaram a gritar, acreditando que eu era Sy d, então achei melhor
continuar de costas. Roger sorriu, achando que eles haviam resolvido o problema.
Naquela hora fiquei bravo e me virei para o público, e toda a gritaria parou.
Assim que Sy d foi encontrado, ele voltou. Percebi que ele nem sequer olhava
para mim quando estávamos no ônibus mais tarde.” As performances de Barrett
continuaram imprevisíveis, embora O’List não tenha tornado a subir no palco.
“No passado, eu exagerava e dizia para as pessoas que havia feito vários shows”,
ele admite, “mas apenas porque queria que isso tivesse sido verdade.”
Em novembro, a turnê chegou a Sophia Gardens, em Cardiff. Nick Kent,
futuro escritor da NME, na época apenas um fã de 15 anos, estava no público.
“Foi o momento em que a psicodelia chegou aos subúrbios”, ele se lembra.
“Antes, toda aquela coisa só acontecia em Londres. The Nice tocou dez minutos,
Amen Corner, quinze... então todo mundo estava dando o máximo de si, indo
para as cabeças. Exceto o Floy d. Eles chegaram e tocaram, se não me engano,
‘Set the Controls for the Heart of the Sun’, mas acho que abaixaram o volume do
amplificador de Sy d, porque dava para escutar a cacofonia dele de fundo,
enquanto os demais tentavam manter a coisa toda coesa. Parecia que ele estava
destrambelhado.”
Nos bastidores, visitantes encontravam Barrett sentado no canto do
camarim num estado que parecia ser torpor de ácido, timidamente brincando
com um trem a vapor de brinquedo que ele tinha conseguido, parecendo ficar
aterrorizado sempre que alguém iniciava uma conversa.
Apesar da condição de Barrett, uma restrição ao uso prodigioso de LSD
talvez não encontrasse apoio algum. Durante os raros dias de folga, um grupo de
hedonistas de Cambridge e Londres alugou um Ford Zephy r e foi até Blackhill
Farm, para uma cabana que a família de Andrew King tinha em Brecon
Beacons, notória por sua enorme escultura de um pênis no jardim, feita pelo
pianista ocasional de Eric Clapton, Ben Palmer.
O grupo incluía os Lesmoir-Gordon, Sy d, Lindsay, o hipster Stash de Rola
da Cromwell Road e uma modelo de Cambridge conhecida como Gai Caron, que
depois se casaria com Aubrey ‘Po’ Powell. Os eventos da viagem assumiram
uma característica absurdamente burlesca, mas havia algo de sombrio em curso.
O barulho e o estranho comportamento atraíram uma calorosa visita da polícia,
Nigel e Jenny se perderam em uma tempestade de neve, e Stash, cuja roupa
favorita incluía um terno vitoriano e um manto de veludo, tentou se sentar na
lareira acesa acreditando que, de acordo com Jenny, “se ele realmente
acreditasse no amor, não se queimaria”.
As esquisitices tomaram um caminho estranho quando se tratava de Sy d.
“Na primeira noite da viagem, ele passou a maior parte do tempo entretido por
uma garrafa de vinho”, lembra-se Nigel. “Ele tinha os dois pés sobre ela e as
mãos em uma viga sobre a cabeça e, de alguma forma, conseguia manter-se
equilibrado. Mais tarde naquela semana, quando estava novamente chapado, ele
cagou na porta de entrada, o que achamos bastante peculiar. Mesmo sob ácido,
aquela não era uma coisa lá muito normal de se fazer.”
Ao ver seus vizinhos como parte do problema, o grupo de Blackhill havia
expulsado Sy d da Cromwell Road antes de o verão acabar. Barrett e Lindsay
haviam se mudado temporariamente para a casa que a família de Andrew King
tinha em Richmond Hill, com Rick e Juliette. Rumores perturbadores circulavam
sobre o gato de estimação de Sy d ter sido deixado na Cromwell Road, onde
supostamente fora alimentado com LSD e morreu. Por ser um sobrado com vista
para o rio Tâmisa, Richmond Hill supostamente deveria dar um clima de
sanidade. O importante agora, contudo, era seguir em frente com mais um
single, mesmo que Sy d não partilhasse o mesmo senso de compromisso que tinha
o resto da banda.
“Sy d começava a se sentir profundamente desapontado pelo que estava
acontecendo com o Floy d”, diz Anthony Stern. “Nessa época, ele costumava me
visitar em um flat que eu tinha em Norfolk Mansions, em Battersea, e
considerando-o como um tipo de refúgio. O problema de crescer em Cambridge
é que jamais se queria fazer algo que já tivesse sido feito antes. Sy d era
revolucionário e criativo por natureza, e a ideia de comercialização
simplesmente não entrava em sua cabeça.”
Em vez de escrever outro single, Barrett passaria horas com Stern
planejando ideias para um filme, ao qual eles deram o título de trabalho de “The
Rose-Tinted Monocle”. A dupla havia topado com um livro do escritor e inventor
americano Buckminster Fuller, e sentiu-se especialmente arrebatada pela
passagem que se refere a “eventos inerentes da associação constelar de energia
regenerativa”. “Isso foi concebido como a base do filme”, explica Stern. “Os
eventos de energia associada seriam episódios do filme. Sy d e eu queríamos
fazer um filme que não tivesse estrutura linear, mas consistisse de todos esses
fragmentos, os quais, quando vistos de forma holística, dariam um senso de
unidade – quase como algo para ajudar a meditar.”
Embora Barrett jamais fosse aquilo completo, Stern trabalharia com
muitas ideias pensadas primeiramente para “The Rose-Tinted Monocle” e criaria
um filme de sua autoria, que depois seria oferecido ao Pink Floy d. Enquanto isso,
fora de seu projeto cinematográfico, Sy d ainda era encorajado pelos outros a
pensar mais como um pop star.

Sua próxima criação, “Apples and Oranges”, foi lançada como um single
para coincidir com a turnê americana e, quem sabe, levar o Floy d de volta às
paradas de sucesso britânicas perto do Natal. Se antes Sy d havia cantado sobre
ladrões de calcinha travestidos, aparentemente esta composição era inspirada em
um fato mais corriqueiro: uma garota que ele havia visto fazendo compras em
Richmond que, de acordo com alguns, pode ter sido Lindsay Corner. Uma bem
disposta psicodelia, mas sem o encanto de “Arnold Lay ne” ou “See Emily
Play ”, ela mal chegou às paradas. Sy d pode ter sido considerado o gênio
compositor do Floy d, mas foi o lado B de Richard Wright, “Paintbox”, que
parecia ser agora a melhor canção.
“Depois de ‘See Emily Play ’, havia aquela tradicional pressão da indústria
sobre qual seria o próximo hit”, diz Andrew King. “A pessoa mais provável de
escrever um single de sucesso era Sy d, então era ele a quem pressionávamos. Eu
não achava ‘Apples and Oranges’ tão ruim, mas suspeito que na época
pensávamos: ‘Putz... Se isso é o melhor que eles podem fazer...’.” O produtor
Norman Smith admite: “Eu a escolhi. Mas ela era a melhor de um monte de
tranqueiras”.
Questionado sobre a falta de sucesso da música, Barrett foi incrivelmente
franco: “Não poderia me importar menos” – e deu de ombros. “Só o que
podemos fazer é gravar discos que gostamos. A garotada curte os Beatles e Mick
Jagger não por causa da música que fazem, mas porque eles sempre fazem
aquilo que querem, e pro inferno com todo o resto.”
“Colocamos muita pressão em cima de Sy d”, diz Peter Jenner. “Mas
também estávamos sob muita pressão financeira e aquilo tornava tudo ainda
pior.” Blackhill havia se mudado do apartamento na Edbrooke Street para um
escritório mais apropriado na Alexander Street, em Westbourne Grove, utilizando
parte do dinheiro conseguido pelo acordo com a EMI. Contudo, a empresa estava
inadvertidamente pagando a banda e a equipe adiantado. Os cheques eram
frequentemente devolvidos, o que obrigava os funcionários a recolhê-los logo no
começo da semana, para sacá-los primeiro.
“Contratamos um contador que começou a fazer a pergunta: ‘Posso ver
seus livros?’. E dizíamos: ‘Que livros?’. ‘Vocês pagaram o seguro social?’. E nós:
‘seguro social?’. O mercado ao vivo também estava afundando para o Pink Floy d.
Não éramos mais algo fácil de vender. Não tínhamos outro hit, então não
tocávamos mais nas casas pop, e as casas de blues não nos queriam mais. Só o
que nos restava eram os shows em faculdades, que também não eram tantas
assim.”
Um desiludido Peter Wy nne-Willson pediu demissão de seu papel de
técnico de iluminação no final da turnê com Hendrix. Na verdade, à luz da
insegurança financeira de Blackhill, o sucessor de Peter, John Marsh, estava
disposto a trabalhar por um salário mais baixo. Instintivamente, Wy nne-Willson
também se aliou a Sy d, cuja posição na banda estava ficando mais abalada a
cada dia. No final de 1967, o otimismo cego e inocente de apenas doze meses
antes estava se dissolvendo.
“No final de 1967, o espírito da época havia mudado”, explica Wy nne-
Willson. “Não era mais aquela coisa hippie e aconchegante de antes.”
Acompanhando o chamado Verão do amor, o News of the World tinha feito uma
exposição de uma semana no UFO, chamando-o de “um covil hippie
secundário”. A polícia, que havia feito vista grossa, informou o sr. Gannon que, se
ele abrisse na sexta-feira seguinte, o local receberia uma batida e suas licenças
seriam revogadas. Joe Boy d moveu o UFO para a Roundhouse, mas conflitos
com os skinheads locais e o aluguel inflacionado cobraram seu preço. O UFO
terminou oficialmente em outubro de 1967. Enquanto isso, a antiga banda da casa
e seu vocalista estavam vivendo um perigo real de virem abaixo.
Em 22 de dezembro, o Floy d apareceu junto com The Jimi Hendrix
Experience, The Who e The Move no show “Christmas on Earth Continued”, em
Kensington Oly mpia. Dentro da casa cavernosa, postes de iluminação com 10
metros de altura, atrações no estilo parque de diversões e butiques cercavam as
bandas. Mas Sy d estava sem condições de tocar. Levado ao palco por Jenner,
King e June Child, ele simplesmente ficou ali, com os braços pendurados e a
guitarra enrolada no pescoço, mas presumidamente desligada. Como Nick Mason
escreveria depois, “tentamos ignorar os problemas e ir embora, mas era hora de
sair da negação. Estávamos chegando a um ponto de ruptura”.
“Tudo aconteceu rápido demais”, diz Peter Jenner. “Em poucos meses,
Sy d deixou de ser um estudante despreocupado, vivendo de sua própria renda,
fumando aqui e ali, e passou a ter todas aquelas pessoas querendo ser seus
melhores amigos e confiando nele para tocar, dar entrevistas, escrever um single
de sucesso e arrecadar dinheiro... Queriam que ele lhes dissesse o sentido da
vida.”
Ao ser perguntado em uma entrevista para uma revista pop sobre quais
eram seus pensamentos, Sy d já estava trabalhando em uma nova estratégia.
“Tudo que sei é que estou começando a pensar menos agora”, ele respondeu.
“Está melhorando.”

1 “Arruinado.” (N. T.)


2 “Direto para o céu em 67.” (N. T.)
3 “Tenho procurado por todos os lugares um lugar para mim.” (N. T.)
CAPÍTULO Q UATRO WAKING THE GRAPEVINE

“Eu me recordo de pensar que seria capaz de colocar o Pink Floy d em


forma.”
David Gilmour

OOly mpia Theatre, no Boulevard des Capucines, em Paris, tem um tipo de


esplendor antigo. Sob o palco, no porão do prédio, há um lounge circular e
irregular, com um pequeno bar que serve vinho tinto e pastis a sedentos astros do
rock e membros indolentes da imprensa. Os sofás são gastos, circundados por
imagens de gigantes do blues e jazz que tocaram ali no último meio século.
Escondido em uma pequena sala, sentado em um sofá de couro e bebericando
uma caneca de chá de ervas, está David Gilmour.
É 16 de março de 2006, dez dias após o aniversário de 60 anos de Gilmour,
e quase um ano após sua trégua com Roger Waters para o show do Pink Floy d no
Live 8. O terceiro disco solo do guitarrista, On an Island, acaba de chegar ao
primeiro lugar nas paradas britânicas. É um álbum que trata de temas como
abusos, envelhecimento e mortalidade, inspirado em parte pela morte de dois
amigos próximos, incluindo Tony Howard, um dos homens de negócios que tirou
o jovem Pink Floy d de seus primeiros empresários, algo que deve ser visto agora
como uma vida passada.
A camiseta preta, o uniforme de Gilmour para a turnê, disfarça o peso a
mais adquirido depois dos 30 anos de idade. Mas ele perdeu muito do lastro que
acompanhou o retorno do Pink Floy d em meados da década de 1980. A vida é
mais calma agora. Vestindo jeans comuns e botas, com a barba grisalha por
fazer, Gilmour se parece menos com um astro do rock e mais com um
restaurador de móveis antigos que se poderia ver em um cartão-postal de alguma
cidade inglesa.
O guitarrista se submeteu a uma pressão considerável para promover seu
novo disco. Mas não foi sempre assim. “No Pink Floy d, falávamos com o menor
número possível de pessoas”, ele admite. Agora, ele iria responder perguntas
sobre Roger Waters e o Pink Floy d, após um breve sofisma – “bom, se realmente
temos que fazer” – e um sorriso magro.
Naturalmente, mais feliz em falar sobre seu novo disco, ele se anima com
entusiasmo infantil ao mencionar as músicas recentes antes de,
inadvertidamente, escorregar em uma anedota espontânea sobre Roger Waters e
o Pink Floy d. Quando apanha sua guitarra para tirar uma fotografia, Gilmour
visivelmente relaxa. A transformação é notável. Olhando para os pôsteres
emoldurados acima de sua cabeça e percebendo as numerosas visitas que o
Floy d fez ao continente, Gilmour insiste que a banda jamais tocou no L’Oly mpia.
“Com certeza, não!”, diz com firmeza. Contudo, antes de Gilmour, o Floy d teve
várias desventuras na França. Durante o show dessa noite, ele conversaria com o
público falando francês quase com perfeição, uma habilidade que outrora lhe
favoreceu bastante em uma viagem anterior ao país.

Era 30 de julho de 1966 e, para David Gilmour e seus amigos, a vitória da


Inglaterra sobre a Alemanha na Copa do Mundo tinha sido ofuscada por sua atual
situação. Ele e o restante do que um dia foi a banda Jokers Wild estavam em um
trem lento indo para Málaga, atravessando um nevoeiro espanhol, quando o
placar foi anunciado. Os passageiros congratularam os quatro desgrenhados
adolescentes ingleses, mas pareciam estranhar a falta de interesse deles. Desde
que iniciaram sua jornada na Victoria Station, em Londres, dias atrás, a preciosa
carga de guitarras, teclados, tambores e amplificadores do grupo foi sem
cerimônia despejada no porão de uma balsa em Dover; depois, perdida na rota
de Calais a Paris; recuperada em Paris; mas perdida novamente na rota para
Madri.
O francês fluente de Gilmour salvou o dia ao lidar com os funcionários da
ferrovia, mas cada vez que o equipamento reaparecia, estava em condições
piores do que antes. A carga humana não estava muito melhor.
Gilmour, então com 19 anos de idade, e seus colegas de banda, o baterista
Willie Wilson, o baixista Rick Wills e o tecladista e saxofonista Dave Altham,
partilharam o compartimento de bagagens com jumentos e galinhas, e foram
perseguidos por guardas da fronteira com armas em punho que, na época do
general espanhol Franco, não aprovavam o comprimento do cabelo deles.
Um ano antes, a Jokers Wild tinha financiado o próprio álbum com cinco
faixas, contendo covers de Chuck Berry, Four Seasons e Frankie Ly mon, mas não
conseguiu contrato com gravadora nenhuma. Na metade de 1966, enquanto o
Pink Floy d assinava com Blackhill, a Jokers Wild estava mal das pernas. Desde
que se juntara à banda, Gilmour vinha completando seu salário fazendo entregas
de vinhos, gerenciando uma tenda de cachorro-quente, carregando chapas de
metal e, ocasionalmente, fazendo um bico de 50 libras por dia como modelo
fotográfico para a Varsity, a revista da Universidade de Cambridge.
O empresário dos Beatles, Brian Epstein, não ofereceu um contrato à
banda, mas o futuro DJ e músico Jonathan King, então estudante na Universidade
de Cambridge, os viu e convidou Gilmour para ir a Londres. A banda gravou um
cover de Sam and Dave, “You Don’t Know What I Know”, mas quando a música
original foi relançada, a versão da Jokers Wild acabou engavetada.
“Dave sempre nos disse que queriam assinar com ele, mas não com o
resto de nós”, diz Willie Wilson. “Então ele nos contou que os mandou enfiar o
contrato naquele lugar.”
“Jonathan King viu Dave em um clube,” recorda-se Rick Wills. “Ele
frequentava lugares onde havia garotos bonitos, mas também estava em busca de
um talento musical. Fui até o apartamento de Jonatham, em Londres, junto com
Dave. Ele estava no telefone conversando com alguém sobre conseguir que uma
canção tocasse na Radio Caroline, e isso aconteceu bem quando estávamos ali.
Ficamos espantados. Conhecíamos alguém na indústria musical que realmente
tinha poder.”
Por intermédio de King, Gilmour foi apresentado ao antigo mentor dos
Rolling Stones, Alexis Korner, que havia formado uma parceria com outro
aspirante a empresário, Jean-Paul Salvatore, para gerenciar a carreira do jovem
guitarrista. Salvatore ofereceu-lhe uma estadia de seis semanas no hotel e clube
praiano Los Monteros, próximo a Marbella.
“Dave foi até a Jokers Wild e contou sobre a oferta que recebera.‘Quem
quer fazer? Estamos todos dispostos a isso?’ E a maior parte da banda disse que
não. Todos tinham emprego. Mas Dave Altham e eu concordamos”, diz Willie
Wilson. “Então precisávamos de um baixista, e Rick Wills era um colega que
costumava frequentar nossos shows e estava absolutamente disposto a ir.”
Dave Altham tocava guitarra, saxofone e teclado na Jokers Wild desde
1964. John “Willie” Wilson tinha tocado primeiro na The Newcomers, com
Gilmour e, por intermédio dele, acabou fazendo um show com outra banda de
Cambridge, The Swinging Hi-Fis, antes de assumir como baterista da Jokers. Rick
Wills era baixista de outra banda, The Soul Committee.
Contudo, antes de Marbella, Gilmour, Wills e Wilson passariam algum
tempo em Londres. “Fomos no antigo Austin Cambridge de Willie”, lembra-se
Rick Wills. “Dave arrumou um apartamento na Moscow Road, próximo a
Queensway, mas não tinha espaço para todo mundo. Então Willie e eu acabamos
vivendo no carro. Era terrível. Sobrevivíamos à base de pão e leite.” Ainda
assim, sob a tutela de Salvatore, a banda desceu a Kings Road, produzida com
calças boca de sino e casacos de lã azuis, e foi colocada no palco de um clube
noturno na Swallow Street, onde atraiu imediatamente a atenção. “Éramos
jovens bem-apessoados usando calças justas, então nos destacávamos”, diz Rick.
“O chef teve um interesse especial por mim e nos perseguiu pela cozinha com
um cutelo nas mãos.”
Mas se atenção era conseguida, um contrato com uma gravadora não.
“Não acho que Jean-Paul Salvatore tivesse a menor ideia do que estava fazendo
quando nos enviou para a Espanha”, diz Willie Wilson. “Ele viu que Dave era um
cara bonitão, que cantava e tocava guitarra, e pensou em cifrões. Seu cunhado
era Tony Secunda, que fazia um bom trabalho ao empresariar The Move, e tenho
a impressão de que ele ambicionava o mesmo.”
Após recrutar Dave Altham, o quarteto partiu em sua viagem pela França
e Espanha. Quando a banda chegou a Marbella, descobriu que a prometida
acomodação na praia era um bunker que servira de abrigo antiaéreo durante a
Segunda Guerra Mundial. “Também descobrimos que o clube onde deveríamos
tocar ainda não tinha sido construído”, diz Willie. “Então eles acertaram uma
festa em um clube de golfe próximo dali e fizeram com que tocássemos para
pessoas como Douglas Fairbanks Jr. e Monica Vitti. Todos faziam parte daquela
galera de Marbella.”
Apesar de suas perigosas condições de vida, a banda, depois brincando
com o nome Bullitt (“com uma sonoridade rápida e boa, como o filme com
Steve McQueen”), passou a ficar no vindouro clube de praia Los Monteros,
tocando próximo à piscina descoberta e suportando os inevitáveis choques
elétricos.
“Por um lado, nossa situação era desesperadora, já que estávamos
dormindo em um abrigo antibombas”, diz Rick. “Mas éramos jovens, e havia
muitas mulheres extremamente bonitas por perto, então estávamos nos divertindo
bastante.” Quando a temporada acabou, a banda voltou a Cambridge, onde Dave
Altham, exausto, decidiu ficar. “Ainda fizemos outro show na Holanda, tocando
em um baile para a princesa Beatrice, hoje rainha Beatrice”, diz Willie. “A
seguir, quando Dave conseguiu estadia de dois meses em um clube chamado
Jean Jacques, em St. Etienne, Rick e eu fomos com ele. A temporada deveria ter
terminado no Natal, mas em janeiro recebemos um convite para tocar no Le
Bilbouquet, em Paris, onde ficamos os seis meses seguintes.”
Nesse ínterim, o grupo gravou fitas demo para Johnny Halliday, o “Elvis
francês”, e tocou em uma festa em Deauville, com a participação da sex symbol
Brigitte Bardot. “Eu não a reconheci”, conta Willie, “mas Dave sim. Acho que
ele foi até ela e disse: ‘Olá, eu sou David’, porque isso é exatamente o tipo de
coisa que ele fazia.”
Foi em Paris que Gilmour conheceu também Jimi Hendrix e lhe foi
confiada a responsabilidade de mostrar a cidade para ele. “Eu era um inglês em
Paris”, explicou Gilmour, “e falava francês razoavelmente bem.” Gilmour tinha
visto Hendrix tocar no clube noturno Blaises, em Londres, um ano antes e se
entusiasmara muito.
“Nós nos tornamos uma banda diferente em 1967”, explica Rick.
“Começamos a fazer covers de Hendrix e Cream, e Dave também começou a
compor. Seus pais foram até a França para sua festa de aniversário de 21 anos e
levaram uma Fender Telecaster branca. Acho que ele jamais a largou.”
Quando a van da banda foi arrombada e seus microfones roubados,
Gilmour percebeu que seria mais barato voltar a Londres e apanhar
sobressalentes do que comprar novos na França. Foi nessa visita que ele
reencontrou o Pink Floy d e um debilitado Sy d gravando “See Emily Play ”.
“Dave voltou e nos contou umas histórias sobre as bizarras músicas que
Sy d estava fazendo”, continua Willie. “Lembro-me de ele cantá-las para nós e
dizer: ‘Você não vai acreditar, mas Sy d está escrevendo uma música sobre sua
bicicleta’.”
“Naquele verão, escutamos The Piper at the Gates of Dawn e Sgt Pepper na
França”, recorda-se Gilmour. “Quando saímos de Cambridge no verão de 1966,
o Floy d ainda não tinha um contrato com a gravadora. Então, ouvi o álbum.
Achei maravilhoso e, sim, fiquei maluco de inveja.”
Na mesma época da estreia do Floy d, em agosto de 1967, o Bullitt havia se
tornado Flowers, para capturar o espírito de paz e amor da época. De nada
adiantou. “Foi quando tudo ficou realmente apertado; às vezes não tínhamos
nenhum dinheiro”, diz Willie. Para poupar, os três dividiam o mesmo quarto de
hotel, mas Gilmour ficou doente. “Dave raramente adoecia, mas no final estava
tão mal que não conseguia mais trabalhar.”
“Aguentamos o máximo possível, mas tivemos de voltar quando ficamos
totalmente duros”, afirma Rick. O golpe de misericórdia foi quando Gilmour deu
entrada no hospital. “Dave estava anêmico e com pneumonia porque não estava
comendo. Não tínhamos dinheiro para isso. Eu fiquei tremendamente magro e
Dave não estava muito melhor.”
“Saímos sem pagar do hotel onde havíamos nos hospedado, já que Dave
estava doente demais”, diz Willie. “Em sua defesa, devo dizer que Dave retornou
lá cinco anos depois, após ter ganhado dinheiro com o Pink Floy d, encontrou o
hotel e o casal que tinha cuidado dele quando estava doente, e os reembolsou.”
Em uma guinada final, a desalentada banda foi obrigada a empurrar a van
quebrada até a balsa, em Dover. Rick e Willie foram direto para Cambridge;
Gilmour optou por ficar em Londres. “Voltar a Cambridge teria sido admitir a
derrota.”
Gilmour acabou dividindo com Emo um apartamento na Calverton Road,
em Fulham, antes de eles encontrarem outro mais ajeitado, em Victoria. Gilmour
conseguiu emprego de motorista de van para os designers Ossie Clarke e Alice
Pollock, que trabalhavam para a butique Quorum. Emo passou um curto período
em um emprego bem remunerado, rebitando cintos de couro na loja da butique,
em Kings Road. “Dave Gilmour nunca falava muita coisa”, lembrou-se depois a
mulher de Clarke, a designer Celia Birtwell. “Ele apenas costumava estar por
perto. Dava um pouco nos nervos.”
As experiências de Gilmour na França haviam apenas fortalecido suas
resoluções. Ele ainda estava disposto a começar outra banda. Em novembro, foi
ao Roy al Albert Hall assistir ao Pink Floy d abrir para Jimi Hendrix. Poucas
semanas depois, apareceu na Roy al College of Art onde a banda estava tocando
com Bonzo Dog Doo Dah Band. Com vários egressos de Cambridge matriculados
na faculdade, aquilo acabou quase se tornando um show em que todos se sentiam
em casa. Mas era óbvio para qualquer um que prestasse atenção de que havia
algo errado. “Eles estavam tocando muito mal”, admitiu Gilmour.
“Incrivelmente indisciplinados.”
“Eu me lembro de ter visto Sy d tocar, ou melhor, não tocar, ou ainda tocar
algo totalmente inapropriado naquele show”, diz Nigel Lesmoir-Gordon. “Disse a
Susie Gawler-Wright: ‘Que diabos está acontecendo?’, e ela respondeu: ‘Não
sabemos. Sy d está muito estranho’.”
No que logo se tornaria um padrão grupal de confusão e falta de
comunicação, Nick Mason lembra-se de ter abordado Gilmour após o show na
faculdade e perguntar: “Se disséssemos que estamos procurando outro guitarrista,
você estaria interessado?”. Ainda assim, Nigel tem certeza de que o grupo pediu
a ele que ligasse para Gilmour e perguntasse sobre o trabalho, mas “Dave
aparentemente não se lembra disso”. Emo, entretanto, afirma que foi Waters
quem ligou para Gilmour no apartamento deles, na Victoria. Entrevistado em
1973, Gilmour explicou: “Eu conhecia todos os caras da banda e eles queriam se
livrar de Sy d. Fui abordado de forma discreta, de antemão. Tudo foi exposto de
forma bem estranha”.
A gota d’água havia sido o show “Christmas on Earth Continued”, em
Kensington Oly mpia. Barrett estava lá apenas de corpo presente, parecendo
completamente desconectado de tudo ao seu redor.
Muito antes de seu declínio, Sy d se debatia com seu papel de guitar hero
tradicional. Mas foi o fato de ele não ser um clone de Jimmy Page ou Eric
Clapton que despertou o interesse de Peter Jenner e Andrew King. Aqueles que
eram próximos a Barrett na época acreditavam que ele tinha muita ciência de
suas limitações. Sy d expressara alguma insegurança sobre sua técnica em uma
carta para a antiga namorada Libby Gausden, três anos antes, até mesmo
mencionando a vontade de recrutar David Gilmour – na carta, chamado pelo
apelido “Fred” –, mas lamentando o fato de Gilmour ter sua própria banda.
Entretanto, desde que Bob Klose havia saído, a ideia do Floy d de contratar
outro guitarrista nunca havia sido mencionada. No show na faculdade, em 1967,
o já falecido Tony Joliffe, um contemporâneo de Cambridge que era guitarrista
do conjunto The Swinging Hi-Fis e, de vez em quando, dirigia a van do Pink
Floy d, foi convidado a subir no palco e tocar. “Tony era um guitarrista de blues
maravilhoso, e todo mundo ficou pedindo a Sy d para que o deixasse dar uma
canja”, lembra-se Emo. “Roger, Nick e Rick queriam ver como ele era. Tony fez
sua parte, e ele era incrível. Mas acho que Sy d não o queria ali, já que tinha
consciência de que Tony tocava muito melhor.”
Apesar de tudo, quaisquer que fossem os desejos de Sy d, Gilmour foi
contratado como guitarrista adicional com a promessa de receber 30 libras por
semana. Uma jam de apresentações foi marcada no estúdio dois do Abbey Road.
“Andrew [King] e eu nunca tínhamos encontrado Dave antes”, diz Peter Jenner.
“Queríamos ver se ele daria conta do recado. Ele fez uma versão maravilhosa de
Jimi Hendrix, e ficou claro para nós que ele era um ótimo músico, que era
exatamente o que eles queriam na época – alguém capaz de cobrir Sy d no
palco.” A New Musical Express enviou um fotógrafo ao apartamento da Victoria
para tirar uma foto do novo guitarrista do Floy d.
Gilmour insistiu em mais uma mudança. “Dave finalmente percebeu que
já que era ele quem estava pagando o aluguel, talvez devesse ser a pessoa a
dormir na cama e eu no sofá”, ri Emo. “Levou três meses para que ele se desse
conta daquilo.”
Apesar de ser bizarro, Barrett já tinha proposto uma mudança na formação
do Pink Floy d antes. Em uma reunião no escritório de Blackhill, ele sugeriu que
contratassem, nas palavras de Roger Waters, “dois doidos que ele tinha conhecido
em algum lugar; um deles tocava banjo, o outro, saxofone”. Posteriormente,
Nick Mason escreveria que Barrett via Gilmour como “um intruso”, mas o
comportamento imprevisível de Sy d durante a primeira semana de ensaios no
salão de uma escola em West London convenceu a todos de que a presença de
Gilmour era, de fato, necessária. Barrett passou algumas horas tentando ensinar à
banda uma nova música chamada “Have You Got It Yet”. Cada vez que os outros
chegavam ao título, no refrão, Sy d mudava a música, tornando-a o equivalente
musical de uma escadaria de Escher, na qual ninguém jamais chegava ao topo.
“Na verdade, achei que havia algo de brilhante nela, como alguma comédia
inteligente”, disse Roger Waters. “Mas apenas disse: ‘Ah, já entendi agora’, e fui
embora.”
Imagens publicitárias foram feitas com o quinteto Floy d. Em uma foto,
quase é possível ver Sy d desmaiando ao fundo. Em outra, enquanto o resto da
formação veste jaquetas de camurça e elegantes echarpes, cobrindo todo o
grupo, um Barrett fantasmagórico com os olhos escuros encara o horizonte, por
baixo de um tufo de cabelos desgrenhados, como se tivesse surgido de dentro de
uma das garrafas de ácido dos Lesmoir-Gordon.
“A luz em seus olhos estava lentamente se apagando”, lembra Emo. “Ele
adquiriu aquelas olheiras escuras, e não dava para saber se era maquiagem, falta
de sono ou ambos.”
Um punhado de shows foi agendado para janeiro de 1968, começando em
Birmingham, na Universidade de Aston. “De vez em quando, Sy d cantava um
pouco, mas às vezes não”, afirma Gilmour. “Minhas instruções incluíam fazer as
bases e deixar Sy d tocar o que ele quisesse.”
Tim Renwick, na época em uma banda chamada Wages of Sin, trombou
com Gilmour na Denmark Street. “Ele começou a me contar o quanto era
estranho estar cobrindo Sy d e o comportamento imprevisível dele no palco.
Certas noites, Sy d simplesmente não tocava nada – estava fora de órbita.”
“Assisti a dois shows que eles fizeram com cinco integrantes”, diz Emo,
que na época vivia um raro período de emprego contínuo como roadie do Floy d
(por 15 libras por semana). “No começo, Dave só tocava o que era necessário.
Ele aprendeu suas partes e copiava o que Sy d costumava fazer. Mas dava para
perceber que Sy d não entendia o que estava acontecendo. Ele estava tão próximo
de Dave, a poucos centímetros de seu rosto, que, se Dave fosse uma pessoa
agressiva, o teria chutado para fora de seu caminho, mas dava para ver a
expressão em seu rosto que dizia ‘socorro!’. Sy d ficou assim na frente dele,
depois começou a circundá-lo, talvez para verificar se Dave era um objeto
tridimensional. Se era real. Era como se Sy d estivesse pensando: ‘Estou sonhando
isso?’.”
Com outros compromissos agendados, o grupo teve a ideia de manter Sy d
a bordo como compositor. “Nossa intenção era adotar a fórmula dos Beach
Boy s”, explica Nick Mason, “na qual Brian Wilson se reunia com a banda no
palco quando queria. Queríamos muito preservar Sy d no Pink Floy d de uma
forma ou de outra.”
Em 1968, o compositor problemático dos Beach Boy s tinha se aposentado
dos shows ao vivo, embora ainda escrevesse muitas das canções do grupo. “Sy d
não protestou contra essa ideia”, conta Peter Jenner. “Mas no palco ele havia
ficado tão isolado que isso tudo foi ocorrendo ao seu redor. Mas acho que essa
proposta durou só uma semana.”
“Acho que Roger não curtiu a ideia”, insiste Andrew King. “Porque ele
curtia escrever as músicas também.”
Barrett não era o único com problemas. “Na verdade, saí no meio de um
dos primeiros ensaios”, relata Gilmour. “Roger havia se tornado tão
insuportavelmente terrível – de uma forma que mais tarde eu até me
acostumaria – que me fez sair da sala. Não me recordo quanto tempo fiquei fora.
Por fim, voltei. Mas acho que a banda não tinha decidido exatamente o que eu
tinha que fazer ou como fazer.”
Foi no caminho para um show na Universidade de Southampton, em 26 de
janeiro de 1968, que a decisão de não chamar Sy d foi tomada. “Alguém
perguntou: ‘Vamos pegar Sy d?’. E alguém, provavelmente Roger, disse que não.
Que não deveríamos nos dar ao trabalho”, prossegue Gilmour. “Ele era nosso
amigo, mas na maior parte do tempo queríamos estrangulá-lo”, admite Waters.
Experimentando certo alívio ao poder tocar ao vivo sem ter que se
preocupar sobre o que seu frontman faria ou não, o grupo decidiu se apresentar
na noite seguinte sem Sy d também. Richard Wright, que ainda vivia em
Richmond Hill com Barrett, recebeu a péssima incumbência de mentir para seu
colega de quarto. “Tive que dizer coisas como ‘Sy d, vou sair para comprar um
maço de cigarros’, e só retornar no dia seguinte”.
“Sy d ainda costumava aparecer, mesmo quando eles não o apanhavam”,
diz Emo. “Ele provavelmente ainda tinha o itinerário, porque teve um show em
que, ao chegarmos para fazer a montagem, ele já estava lá, sentado no palco
esperando. Por fim, caiu a ficha de que havia outro cara tocando.”
Anos depois, Richard Wright afirmou que David Gilmour não havia sido a
única escolha deles. “Quando Sy d saiu, chegamos a pedir que Jeff Beck se
juntasse à banda, mas ele recusou.” Outros rebatem dizendo que a banda era
tímida demais para ter feito tal convite a Beck, e que ele não seria aceito “sob a
alegação de não saber cantar”.
Anthony Stern também cita outro caso após um encontro com Peter Jenner
na Drum City, uma loja de música no Piccadilly, em Londres. “Eu tocava
trompete e estava envolvido com jazz”, diz Stern. “Mas Peter me disse: ‘Olha,
Sy d está realmente ficando para trás. Por que você não assume como segunda
guitarra do Pink Floy d? Você é de Cambridge e conhece toda a banda...’. De
forma espontânea, recusei, dizendo: ‘Ah, não; sou agora diretor de cinema’.”
A falta de fé dos empresários não ajudou Gilmour, que é assumidamente
inseguro. “Lutamos conscientemente para manter Sy d na banda”, concorda
Peter Jenner. “A ideia de Roger tornar-se o principal compositor não me passava
pela cabeça. Mas eu achava que Rick poderia ser bastante útil e nos
perguntávamos se ele e Sy d permaneceriam juntos.”
Wright partilhava dos receios do empresário. “Peter e Andrew achavam
que Sy d e eu éramos os cérebros musicais do grupo e que formaríamos uma
banda paralela”, ele contou depois à revista Mojo. “E, acredite em mim, eu teria
saído com ele se achasse que Sy d teria condições de fazê-lo.”
Apesar do ceticismo do grupo, Jenner e King ainda acreditavam que
Barrett era a galinha dos ovos de ouro da banda e pensavam em estabelecê-lo
como artista solo. Financeiramente, Blackhill ainda estava lutando, com o Pink
Floy d tendo dívidas em torno de 17 mil libras. No final de 1967, a companhia
começou a empresariar o jovem cantor e compositor Marc Feld, então sob o
pseudônimo de Marc Bolan, e seu grupo Ty rannosaurus Rex. Feld tinha assinado
com Blackhill porque eles tomavam conta de seu ídolo, Sy d Barrett, embora
ainda fosse levar alguns anos para ele se tornar um genuíno astro do rock por
direito próprio. Em um empreendimento, Jenner também queria investir 50 mil
libras do Arts Council, supostamente para custear uma apressada ópera rock,
estrelando o DJ underground da BBC, John Peel, como narrador. Quando os
tabloides ouviram falar da proposta, trouxeram de volta as manchetes do ano
anterior que afirmavam que o som do Pink Floy d era o equivalente a visões com
LSD, o que era o bastante para rejeitar o pedido. O Arts Council concordou.
Sem o conhecimento da banda, a Morrison Agency já estava em
funcionamento. “Bry an era bastante astuto”, diz Jenner. “Ele foi o cara que nos
disse: ‘Se um músico um dia lhe pedir dinheiro, diga sim, e faça com que ele
assine um contrato publicitário. Você pode pagar a qualquer músico 25 libras por
um contrato’. E Bry an tinha muitos contratos publicitários.”
Em março de 1968, Jenner e King desfizeram a parceria com o Pink
Floy d, deixando o grupo livre para fechar um novo contrato com Bry an
Morrison. Morrison iria mais tarde passar o trabalho para Steve O’Rourke, um dos
caras sinistros que Joe Boy d tinha encontrado um ano antes. Apesar dos receios
iniciais, Boy d, Jenner e King haviam preparado o caminho para ambos,
O’Rourke e o agente de Morrison, Tony Howard. Jenner relata: “Sabendo quem
estava envolvido, senti-me confiante de que cuidariam bem do Floy d”.
Steve O’Rourke, o novo empresário do Floy d, com 26 anos, era filho de um
pescador irlandês e tinha estudado contabilidade. Transferiu-se para a indústria
musical no final da adolescência, contratado mais tarde por Morrison, após um
período trabalhando como vendedor de ração para animais. Foi um trabalho que
O’Rourke citaria como um distintivo de honra, dizendo para a banda que ele
provava com frequência amostras de seus produtos para demonstrar o seu valor
nutricional aos clientes, declarando: “Se é bom o bastante para mim, com certeza
é bom o bastante para Rover”. O’Rourke também fez uma pequena aparição no
documentário de Bob Dy lan, Don’t Look Back, o que contava um ponto a seu
favor. Entretanto, mais tarde, o compromisso que O’Rourke tinha com a ideia de
que era possível vender qualquer coisa se revelaria uma enorme dificuldade em
seu relacionamento com o questionador Roger Waters.
“Steve era bem mais duro que Peter e eu”, admite Andrew King. “E eu
tinha inveja dele. Ele consertou alguns grandes erros que cometemos em nossa
relação contratual com a EMI. Ele tinha olho-vivo para a principal oportunidade
e usou isso em seu favor. Steve tinha um cliente – a banda – e nada iria impedi-lo
de fazer o que era melhor para todos. Eles não poderiam ter encontrado
empresário melhor.”
“Era sempre um acordo verbal entre o Pink Floy d e Steve”, diz outro
confidente do grupo. “O acordo era feito com um aperto de mãos. Sempre achei
isso uma jogada inteligente por parte da banda. De algum modo, fez com que
Steve trabalhasse ainda mais firme.”
Em 6 de abril, a saída de Sy d foi anunciada oficialmente. Uma semana
depois, o Pink Floy d lançou um single, “It Would Be So Nice”, com vocais de
Richard Wright, em um primeiro esforço de sua nova formação. Um arranjo
ousado e sub-Kinks (que depois Waters descreveria como “lixo completo”),
incluía nas letras uma referência ao jornal Evening Standard, o que contrariou as
regras da BBC. Feliz de adquirir alguma publicidade, a banda contatou o jornal e
concordou em mudar a letra ofensiva. Mas nem mesmo uma pequena
controvérsia salvou a música de mal arranhar as paradas.
Em Cambridge, as notícias da nova formação do Floy d geraram emoções
adversas. A irmã de Barrett, Rosemary, tinha ficado estarrecida com o rápido
declínio do irmão e culpava a indústria musical por induzi-lo ao uso de drogas.
Depois ela afirmaria que, após “See Emily Play ”, achou que a música dele
havia se tornado dolorosa demais para ser ouvida.
Bob Klose, que após sair da banda se concentrou nos estudos, deu boas-
vindas à mudança. “Sy d era o combustível, mas Dave era a chama que
queimava com constância”, ele diz. “Sabia que Roger Waters tinha o impulso
criativo, mas uma grande banda precisa de um grande músico. Você precisa de
alguém que possa cantar, tocar e fazer todas aquelas coisas musicais, além dos
grandes conceitos.”
Para os antigos colegas da banda de Gilmour, as novidades sobre seu
recrutamento não foram surpresa.
“Eu estava em casa, me recuperando da viagem à França, quando escutei
as novidades”, diz Rick Wills. “Fiquei desapontado, mas era um passo lógico. Na
vez seguinte em que vi Dave, ele havia retornado a Cambridge após alguns
shows, e tinha 80 libras na carteira – e isso foi quando 80 libras ainda era bastante
grana. Ele estava na loja de música de Ken Stevens – cabelo comprido, jaqueta
de veludo, botas da Gohill, em Camden Town – comprando um par de fones de
ouvido bem caro que se plugava diretamente na guitarra e, na época, havia
adquirido também uma Fender Strat. Pensei: ‘Meu Deus, você fica perfeito com
isso!’.”
No palco, contudo, Gilmour, com sua roupa brilhante e sua Fender Strat
pendurada, ainda era um substituto de seu predecessor, cantando corajosamente
as letras extravagantes e replicando suas linhas de guitarra. Um lote de vídeos
burlescos feitos pela banda naquele ano para uma TV belga capturou a confusa
situação do grupo. Waters imita os vocais de Barrett em “Apples and Oranges” e
“The Scarecrow”. Wright mimetiza pela metade “See Emily Play ”, parecendo
mortalmente envergonhado, enquanto Waters o ofusca ao jogar críquete
imaginário e empunhar seu baixo como uma metralhadora. Em cada um dos
vídeos, Gilmour passeia pelas laterais, belo e esbelto, mas sem parecer fazer
parte da turma ainda.
Após o fechamento do UFO, Middle Earth, em Covent Garden, tornou-se o
novo ponto de encontro underground. Jeff Dexter era um dos DJs residentes do
clube. “Colocamos o Floy d para tocar no Middle Earth”, ele se lembra. “Achei a
nova formação brilhante. Naquela época, muita gente achava que a ideia de
mostrar que você estava dando um tempo era cool. Mas penso que Dave era,
arrisco dizer, bem mais profissional.”
Conforme explica Storm Thorgerson, “É preciso lembrar que Sy d não
tocava bem guitarra. David sim. Sy d tinha uma voz atrativa, mas Dave tinha uma
grande voz.”
O profissionalismo de Gilmour certamente lhe valeu na noite em que Sy d
apareceu no Middle Earth e ficou o show inteiro encarando-o em frente ao palco.
O verdadeiro teste para o grupo e seu novo recruta seria no estúdio. O Pink
Floy d reuniu-se com Norman Smith no Abbey Road. Eles já haviam passado por
várias sessões com Sy d e tinham na gaveta uma música composta por ele,
“Jugband Blues”, gravada pouco antes do Natal. Sy d solicitara que uma banda do
Exército de Salvação tocasse na faixa e o formidável Smith sabia exatamente
onde encontrar uma, embora os rumores sejam de que, ao ver os músicos
uniformizados, Barrett simplesmente os instruiu a tocar qualquer coisa. As
contribuições deles deram à música uma qualidade ainda mais insana. “Acho
que a faixa estava tocando em seus fones de ouvido, mas a banda de metais
simplesmente decidiu ignorá-la”, diz Peter Jenner. Afinal, “Jugband Blues” foi
incluída no novo álbum, mas não as outras músicas de Barrett, “Vegetable Man”
ou “Scream Thy Last Scream”. Waters vetou a inclusão delas sob a alegação de
serem “sombrias demais”.
O baixista tinha sido especialmente prolífico em produzir três canções de
sua autoria: “Let There Be More Light”, uma prima do psicodelismo que falava
sobre alienígenas pousando em Fens, cujo nome aludia ao amigo do Floy d, Pip
Carter; “Corporal Clegg”, a primeira de muitos protestos sobre a futilidade da
guerra; e “Set the Controls for the Heart of the Sun”, uma canção estremecedora
e lânguida que, para desespero da banda, os críticos iriam posteriormente rotular
como “rock espacial”. Wright escreveu e fez os vocais principais de “See-Saw” e
“Remember a Day ”, esta uma leve fatia de pop psicodélico, feita para The Piper
at the Gates of Dawn.
Ainda rígido por suas experiências com Sy d, Norman Smith ficou
impressionado com seu substituto. “Com Dave Gilmour, a história era outra. Bem
mais fácil”, afirmou. Mas, se por um lado, Gilmour foi um companheiro de
trabalho mais cooperativo, por outro, a banda em geral estava mais teimosa do
que nunca na perseguição de suas ideias experimentais, uma abordagem que
deixava o produtor perplexo.
“Até hoje não entendo aquela música”, admite Smith. “Mas o que percebi
é que eles começaram a gravar suas próprias fitas em casa, o que en-corajei, já
que sempre achei que a longo prazo eles próprios deveriam se produzir.”
Smith afastou-se do projeto, mostrando à banda como usar o estúdio,
enquanto oferecia conselhos e, em “Remember a Day ”, assumiu a bateria, uma
vez que Mason não conseguia reproduzir o sentimento necessário. Mas a atitude
de Smith gerou um choque. “Norman desistiu no segundo álbum”, ressente-se
Richard Wright. “Ele só ficava dizendo coisas como: ‘Vocês não podem fazer
vinte minutos desse barulho ridículo’.”
Peter Jenner acredita que a insatisfação da banda vinha do fato de que
“Norman estava se tornando ‘Hurricane’ Smith, ele próprio um astro pop, e talvez
não sentisse a necessidade de produzir o Pink Floy d”.
Na verdade, a carreira pop de “Hurricane” Smith não decolaria até o
começo dos anos 1970, mas o barulho em questão provavelmente se referia à
faixa-título do álbum. Dividida em três movimentos e preenchida com uma
cacofonia de pianos martelados e percussões desordenadas, que conduzia ao
coda final e fora do tom, ela foi o primeiro fruto da decisão de Waters de “levar
as coisas além e ser experimental”.
Para o novo recruta do Pink Floy d, a experiência foi intimidadora e bizarra:
algumas versões das músicas já tinham sido gravadas com Sy d, David mal
contribuiu com as composições, e suas habilidades com harmonia vocal, que
eram o seu forte na Jokers Wild, não foram requisitadas. “Eu não me sentia
como um membro”, Gilmour disse depois. “Era mais como um forasteiro dentro
daquilo tudo.”
A presença de Sy d Barrett no álbum – chamado “A Saucerful of Secrets” –
é assunto de muita especulação. Ele supostamente tocou guitarra em “See-Saw”,
“Remember a Day ” e “Jugband Blues”, e Gilmour acredita que aparece em
algum lugar ao fundo em “Set the Controls”. A última faixa, “Jugband Blues”,
com seu arranjo de metais misterioso e swingado, é a única a ter os vocais de
Barrett. Como um fantasma, ele ressoa no verso final: What exactly is a dream...
and what exactly is a joke?4
“Jamais poderíamos escrever como Sy d”, diz Wright. “Não tínhamos
imaginação para criar letras como aquelas. Reconheço que algumas de minhas
músicas, como ‘Remember a Day ’, eram ruins, mas outras como ‘Corporal
Clegg’, que era da autoria de Roger, são tão ruins quanto.”
“‘Corporal Clegg’ era uma boa música”, contraria Roger. “Tínhamos que
seguir em frente. Uma vez que se está em uma banda de rock, não dá mais para
parar. Isso significaria voltar para a arquitetura.”
A obstinação de Waters fica evidente em todo o álbum. Planejando os
movimentos na faixa-título, mas incapaz de ler música, ele e Nick Mason
montaram a canção criando seus próprios símbolos, o que despertou o
comentário de Gilmour de que a música foi mapeada “como um diagrama de
arquitetura”.
O álbum sente a falta de Barrett e, em vez de impressionar, uma de suas
faixas mais fracas, “See-Saw”, foi originalmente chamada pela banda de “The
Most Boring Song I’ve Ever Heard Bar Two”. O verdadeiro legado do disco hoje
é a sombria influência de “Let There Be More Light” e “Set the Controls for the
Heart of the Sun” sobre todas aquelas bandas cerebrais dos anos 1970 que se
seguiram ao surgimento do Floy d.
Lançado em junho daquele ano [1968], o disco provocou reações diversas
àquela última criação da banda. “Desista de usá-lo como música ambiente para
uma festa”, avisou o Record Mirror em uma avaliação otimista, enquanto o New
Musical Express considerou a faixa-título “longa e chata, e com pouco que
justifique sua direção monótona”.
“Fiquei surpreso quando Saucerful foi duramente criticado pela imprensa”,
admitiu Mason. “Achei que ele continha algumas boas novas ideias.”
Mas nem todos foram duros com o novo álbum do Floy d. O DJ John Peel
foi arrebatado pela performance do grupo da faixa-título no Midsummer High
Weekend, um festival que ocorreu no Hy de Park, em Londres, um dia depois de
o álbum ter sido lançado. Peel viu o show de um bote flutuando no Serpentine e
anunciou na revista Disc que “foi como uma experiência religiosa... eles
pareciam preencher o céu e todas as coisas”. Suas longas divagações
garantiram-lhe um lugar na coluna Pseuds Corner, da Private Eye.
O Midsummer High Weekend foi o primeiro de três festivais no Hy de Park,
pavimentando o caminho para shows gratuitos no parque com os Rolling Stones e
o Blind Faith. Seus organizadores eram a equipe da Blackhill Enterprises, que se
saíram melhor com a Roy al Parks Commission do que com o Arts Council. O
Floy d tocou junto com Roy Harper, Jethro Tull e a grande esperança de
Blackhill, o conjunto Ty rannosaurus Rex. “O Hy de Park em 1968 foi
maravilhoso, porque nos lembrou de nossas raízes”, afirma Nick Mason. “Por
mas ilegítimo que possa ter sido, foi um lembrete de que ainda fazíamos parte
daquela coisa toda, que àquela altura tinha se tornado um grande emprendimento
comercial. Então nos deu credibilidade.” Em um lançamento extraoficial para o
Floy d sem Sy d, ambos os hits do grupo, “Arnold Lay ne” e “See Emily Play ”,
foram deliberadamente deixados de fora do repertório naquele dia.

Enquanto o Pink Floy d testava seu novo som, seu ex-vocalista estava em
um limbo profissional. Peter Jenner havia agendado sessões para Sy d no Abbey
Road, mas elas resultaram em muita confusão. O comportamento singular de
Barrett no passado o tornou persona non grata no estúdio. O apartamento da
família de King na Richmond Hill havia se mostrado um ambiente mais sadio
após Cromwell Road, mas em seu papel involuntário de profeta louco ele logo
tinha discípulos batendo à sua porta.
No outono de 1967, os Lesmoir-Gordon haviam se mudado para um lugar
a um quilômetro de distância da Cromwell Road, em Egerton Court, um
quarteirão cheio de mansões, bem de frente para a estação de metrô de South
Kensington, próximo à Brompton Road. O diretor de cinema Roman Polanski
ficara tão impressionado com a decoração estilo anos 1930 do prédio e com suas
escadarias em caracol que incluiu ambos em seu filme de 1965, Repulsa ao sexo.
David Gale, Dave Henderson, Aubrey ‘Po’ Powell, Ponji Robinson e Storm
Thorgerson logo alugariam quartos em Egerton Court, com sua localização ideal
próxima do Roy al College of Art, onde alguns deles estudavam.
Nigel Lesmoir-Gordon estava trabalhando como editor para o futuro
diretor de cinema, Hugh Hudson, que na época fazia comerciais, mas já era
responsável pelos créditos de abertura dos filmes de James Bond. “O
apartamento tornou-se ponto de encontro para um grupo muito artístico”,
lembra-se Po. “Mick e Marianne costumavam aparecer para tomar ácido com
Nigel – todos ficavam assistindo o reflexo de cristais rodopiando nas paredes.
Donovan aparecia de vez em quando e todos usavam roupas de grife e tinham
uma aparência bem groovy. Fomos os hippies originais da Kings Road.”
“Nigel e Jenny pegaram o maior quarto da Egerton Court”, lembra-se um
visitante que frequentava a casa, Emo. “David Gale tinha o menor. Na verdade,
era tão pequeno que tinha uma cama suspensa, para sobrar espaço para
trabalhar. Storm ficava em um quarto que tinha uns 7,5 metros de comprimento e
um teto incrivelmente alto. E ele pintou as paredes de laranja brilhante e os
batentes das janelas de vermelho. Era um completo show de horrores, mas ele
dizia: ‘É extremo e é como eu gosto’.”
“Eu era um estudante que negociava de tudo, de casos amorosos a acordos
ilegais, e supostamente trabalhava na faculdade”, lembra-se Storm. “Não estava
no meu melhor estado emocional.” Matthew Scurfield, outro residente, diz que,
“para Storm, havia muita conversa fiada e dissecação do cosmo e do Universo.”
Entre o final de 1967 e o começo de 1968, os ocupantes de Egerton Court
continuaram seu consumo estoico de narcóticos. Mas, talvez de forma inevitável,
algo tinha que ceder. “Fiquei três anos dormindo no chão do quarto do meu irmão
lá”, diz Matthew Scurfield, que fez sua primeira viagem de LSD no apartamento.
“Foi lá que conheci Nigel e Jenny. Muitas coisas que foram ditas sobre Egerton
Court são verdade. Não é exagero dizer que havia muito ácido circulando por lá.
Usávamos em altas doses porque ninguém sabia o que estava fazendo. Mas não
era apenas um bando de pessoas deitadas pelo local e consumindo. Éramos todos
muito existenciais. Então, a parte frontal do cérebro e o intelecto estavam
bastante atentos ao que acontecia.”
“Era normal que nos divertíssemos bastante com ácido”, diz Po. “Lembro-
me de rir de mim mesmo por oito horas e vagar por pubs enquanto estava
viajando, e de tomar muita cerveja. Mas um dos efeitos acumulativos do ácido é
que ele abre sua mente para vários pontos sensíveis e, após um período, esses
pontos sensíveis não vão mais embora. O que as pessoas se referem como
‘flashbacks de ácido’ são na verdade sua mente e o sistema nervoso se abrindo a
certas sensibilidades às quais, sob circunstâncias normais, não se abririam. Todos
começaram a se sentir muito crus. Como costumávamos fumar maconha todos
os dias, ela também começou a ampliar demais nossa sensibilidade. Então, de
repente, você estava fumando um baseado e aquilo fazia com que se sentisse
paranoico. Os efeitos estavam se fazendo sentir para todo mundo. A graça havia
acabado e todos se sentiam no limite.”
Quando Nigel e Jenny deixaram Egerton Court para uma viagem ao
exterior, Sy d e Lindsay pegaram o quarto deles. “Isso foi o começo de um
pesadelo completo para o resto dos moradores”, diz Po. “Porque, àquela altura,
Sy d já não estava mais funcionando muito bem. Ele podia ser encantador, mas
também podia ser ansioso, arredio e agressivo.”
“Costumava escutar barulhos altos e gritos vindo do quarto deles. Sabia o
que estava acontecendo”, lembra-se David Gale. “Sy d começava a provocar
Lindsay e logo a coisa ficava bem sombria.”
“Havia todas aquelas histórias sobre ele batendo nela”, afirma Po.
“Supostamente, ele a acertou com sua guitarra e a queimou com pontas de
cigarro, mas nunca vi nada disso rolando. Contudo, escutava aquela gritaria
furiosa e batia na porta. Certa noite, Sy d abriu e saiu, usando calças de veludo
vermelhas e nada mais. Achei que fosse me bater. Disse-lhe para parar, pois
estava nos assustando. Houve muitas discussões na cozinha na manhã seguinte e
comecei a trancar minha porta à noite, o que jamais havia feito antes.”
Emo e Matthew Scurfield estavam juntos uma noite quando escutaram
gritos vindos do quarto de Sy d e Lindsay. “Matthew entrou, já que dava para
ouvir que Sy d batia a cabeça de Lindsay no chão, e Sy d o agrediu”, diz Emo.
“Matthew saiu sangrando, então entrei e apanhei Lindsay, e Sy d, ao ver a
expressão em meu rosto, se afastou. Era terrível ver alguém se comportando
daquela maneira. Acho que ele não tinha ideia do que estava fazendo.”
“Lindsay se trancava no banheiro e Sy d mandava a gente se foder quando
tentávamos intervir”, diz Matthew. “No final, pensei: Foda-se! Não quero mais
ser seu colega. Mas era bizarro, porque algumas vezes ele podia agir de maneira
completamente normal. Igual quando você era criança na escola e via uma briga
no parquinho durante o intervalo e, vinte minutos depois, via os mesmos
moleques na sala de aula, totalmente normais, como se nada tivesse acontecido.
Na época, Sy d ainda pensava em sua música. Lembro-me de ter visto ele na
Egerton Court, fazendo experiências com um relógio, colocando-o submerso na
água e gravando o som que produzia. Mas então, no minuto seguinte, ele mudava
tudo de novo.”
Entrevistado em 1988, o futuro crítico e comentarista Jonathan Meades
falou sobre uma visita que fez ao amigo Harry Dodson no apartamento quando
era adolescente. “Sy d era uma criatura estranha, exótica e famosa na época, que
calhava de viver no mesmo apartamento que aquelas pessoas, as quais estavam,
até certo ponto, fazendo intrigas com ele, profissional e privadamente”, ele se
lembra. “Fui até lá e havia um barulho terrível. Parecia canos batendo, e falei: ‘o
que é isso?’, e ele [Po], meio que rindo, disse: ‘Isso é Sy d tendo uma viagem
ruim. Colocamos ele dentro do armário de louças’.” Meades diz hoje: “Devo ter
ido três vezes a Egerton. Sempre me lembro daquele livro de Martin Amis, Dead
babies, no qual o autor descreve esse tipo de grupo displicente de drogados.
Aquela galera de Cambridge fez com que eu pensasse neles, especialmente
personagens extraordinários como Emo. Todos tinham um entusiasmo bem
maior com as coisas que gostavam de fazer do que eu. Qualquer senso de
autopreservação parecia estar ausente daquele pessoal”.
“Vou contar o que aconteceu”, explica Po. “Não acho que Sy d ainda
estivesse tomando ácido, mas ele estava fumando muita erva, e costumava ficar
paranoico. O que Jonty Meades chamou de armário de louças, era na verdade o
banheiro. Não havia armário de louças. O banheiro era o armário – sem janelas
e apenas com uma lâmpada sem lustre. Um dia, Sy d estava andando pelo
corredor e, a seguir, o escutei gritar: ‘Me deixem sair! Me deixem sair!’. De
alguma maneira ele se trancou no banheiro com a luz apagada e ficou
desorientado. Provavelmente estava chapado demais e entrou em pânico. Levou
vinte minutos para que eu conseguisse lhe explicar como abrir a fechadura. Jonty
estava lá e perguntou o que havia acontecido. Acho que disse que ele havia se
trancado. Quando Sy d saiu, estava ofegante e coberto de suor.”
O amigo de Meades, Harry Dodson, se lembra de ter encontrado Sy d
apenas algumas vezes e que ele “parecia ausente e inacessível a qualquer
comunicação normal”.
Os casos românticos pioram todos os problemas relacionados ao estrelato
pop e uso de drogas. “Há indícios de que as mulheres eram problemas tão
grandes quanto drogas”, comenta David Gale. “Fora as namoradas, Sy d tinha
muitas groupies esquisitas que frequentavam a casa. Algumas se especializaram
em fazer camisas exóticas para astros de rock e então os agarravam – faziam um
bom trabalho se conseguiam chegar até eles.”
“A certa altura ele estava usando batom, vestindo saltos altos e acreditando
ter tendências homossexuais”, David Gilmour contou a um escritor anos depois.
“Lembro de todo tipo de coisa estranha acontecendo.”
Conforme atesta Jenny Fabian, a atitude de Sy d com relação ao sexo
parecia ser tão distraída quanto era nas demais áreas de sua vida. “Na época que
tive minha ligação com Sy d, ele já tinha desembestado”, ela contou ao escritor
Mark Pay tress em 2004. “Todo mundo transava em tudo quanto era lugar
naquela época. Mas Sy d não era o tipo de cara que flertava. Não diria que ele
era um louco sexual; ele certamente não era predatório. Se você estivesse lá e
fosse legal, havia um sorriso indicativo de que você era amigável o suficiente
para ficar. Mas não ia nada além disso.”
Para aqueles que conheceram Sy d na escola de arte em Cambridge, a
mudança de seu comportamento era especialmente perturbadora. O rapaz feliz
de três anos atrás estava ausente agora. John Watkins tinha visto seu amigo
tocando pela última vez na escola de arte, em 1966, durante a festa de Natal.
Uma noite, dois anos depois, ele encontrou David Gilmour nos bastidores de um
show do Floy d. “Perguntei como Sy d estava e Dave disse: ‘Um pouco estranho’.
Peguei os telefones de ambos e liguei para Sy d uma semana depois, mas ele
tinha desaparecido por completo dentro de si. Provavelmente sabia quem eu era,
mas não conseguia chegar a lugar algum com ele.”
Entretanto, no verão de 1968, Sy d não foi o único a viver as consequências
do abuso de LSD. “Nosso grupo havia se dividido, com metade virando
espiritualistas e metade visitando psiquiatras, e eu incluído no segundo grupo”, diz
David Gale.
Naquele ano, os Lesmoir-Gordon seguiram o caminho de outros colegas
antes deles e desapareceram na Índia, na trilha de Sant Mat. Enquanto isso,
Matthew Scurfield e David Gale começaram a fazer sessões com o celebrado
R.D. Laing. Um pouco antes, Roger Waters afirma ter levado Sy d a uma sessão
com Laing, mas diz que Barrett se recusou a sair do carro. David Gale tentou
repetir a visita alguns meses depois. Ele se lembra: “Telefonei para Ronnie Laing
de Egerton Court, para o benefício de todos ali, porque tínhamos chegado a um
ponto em que era preciso dar uma basta, apesar da nossa absurda frieza, típica
dos anos 1970, de ‘não interromper a viagem de outro cara’. Eu disse a Laing que
era amigo de Sy d Barrett e que ele se beneficiaria de sessões de psicoterapia.
Laing disse que não veria ninguém que não viesse por vontade própria.” Após
prometer a Laing que Sy d compareceria, Gale chamou um táxi. “Quando
chegou, dissemos: ‘Sy d, conseguimos marcar uma hora para você com R. D.
Laing’ – que era considerado o Elvis da psicoterapia, mas Sy d apenas disse não, e
não havia mais nada que pudéssemos fazer.”
“Quando você é jovem e seu amigo sai dos eixos, é difícil de lidar”, diz
Thorgerson. “Não entendíamos nada de análise. De qualquer modo, metade de
nós era meio maluca e, se não fosse, tinha sérios problemas emocionais e as
próprias crises com que lidar.”
Assim como Sy d, John ‘Ponji’ Robinson estava entre aqueles que caíram na
sarjeta. Ponji se submeteria a uma extraordinária forma de psicoterapia que
envolvia o uso de LSD com seu terapeuta. Infelizmente, no final ele cometeria
suicídio.

Em julho de 1968, quando o Pink Floy d embarcava para sua segunda turnê
nos Estados Unidos, Barrett deixou Egerton Court. Lindsay já tinha ido embora,
encontrando um lugar seguro no novo lar de Storm Thorgerson, em Hampstead,
após uma explosão particularmente violenta. Nos anos vindouros, nas raras
ocasiões em que foi entrevistada, Lindsay negou qualquer violência de Barrett
contra ela. Ela sairia da vida de Sy d por completo no final dos anos 1960,
casando-se e constituindo família.
Barrett, por sua vez, dirigiu seu Austin Mini de volta a Cambridge,
presumidamente fazendo tour pela Grã-Bretanha, ao longo da qual apareceu sem
avisar em vários shows. Ele voltaria a Londres esporadicamente, dormindo no
chão da casa de velhos amigos, incluindo o apartamento de Anthony Stern, em
Battersea, de onde surgiram rumores que ele estava experimentando heroína.
“Você via o humor dele declinando conforme a noite se aproximava”, lembra-se
Stern. “Então ele ia para o lavabo e voltava com o humor renovado. Não acho
que fosse cocaína, que não havia naquela época. A questão se Sy d provou
heroína é delicada, mas na época tudo era experimentado.”
Quando Sy d se foi, os Lesmoir-Gordon voltaram para seu antigo quarto em
Egerton Court e fizeram uma descoberta. “Encontrei um desenho colorido que
Sy d havia deixado no quarto”, lembra-se Jenny. “Era a imagem de uma cabeça
humana, com um trem entrando por um lado e saindo pelo outro, e no topo
estavam escritas as palavras ‘isso é estranho’.”
Durante os meses seguintes, Sy d apareceria ocasionalmente no novo
escritório de Blackhill, na Princedale Road, em Holland Park. Juliette Gale estava
trabalhando no mesmo prédio, gerenciando uma agência de modelos, Black Boy
(depois Black Boy And Blondelle), a primeira a representar modelos negras.
Time Out, a nova revista underground de Londres, também havia alugado um
escritório no local. “Eu estava na Time Out lançada no verão de 1968”, diz o
futuro DJ da BBC, Bob Harris. “Tínhamos um escritório no mesmo prédio que
Blackhill e a namorada de Richard Wright, Juliette. Já assistira ao Sy d com o
Floy d no UFO muitas vezes, mas, sempre que o via agora, ele estava comatoso
na recepção, encostado em um canto, com Juliette dando de ombros. Era algo
terrivelmente triste.”
Jenner e King lutaram para ficar de olho no músico, mas até mesmo os
dois caíram na desconfiança dele. “Quando saiu da banda, havia muitas pessoas
que ofereciam refeição a Sy d uma noite por semana”, recorda-se Andrew King.
“Então ele vinha comer conosco, já que conhecia minha mulher desde o tempo
da escola de artes em Cambridge, que frequentaram juntos. Acho que ele se
sentia mais seguro com ela do que comigo. Suponho que Sy d me via como parte
dos ‘negócios’. A última vez que ele apareceu em casa para jantar foi uma das
últimas que o vi.”
A antiga banda de Sy d se ajustava com cautela aos seus novos
empresários. Antes de empreender sua segunda turnê nos Estados Unidos, Bry an
Morrison e Steve O’Rourke foram ver a banda, dizendo que ela tinha que assinar
outro contrato com a agência, como formalidade para a temporada no exterior.
Waters foi relutante e sugeriu que eles assinassem um contrato com vigência
apenas durante a turnê. Um dia depois, Morrison vendeu a empresa para a
NEMS Enterprises, de Brian Epstein. Steve O’Rourke foi efetivamente “vendido”
para a NEMS como parte do acordo e, conforme diz Waters, “jamais viu um
centavo disso”.
A segunda turnê do Floy d nos Estados Unidos começou de forma quase tão
terrível quanto a primeira, com os vistos de trabalho forçando os shows a serem
adiados. Os concertos ocorriam em clubes underground como o The Scene, em
Nova York, que pertencia a Steve Paul, e o Detroit Grande Ballroom. Levados de
ônibus até os bastidores desses eventos, o Floy d pegava os momentos finais de
sets de companheiros britânicos como The Troggs antes de se preparar para
entrar no palco. Em alguns lugares, eles brigavam pela atenção do público em
meio a performances pesadas de bandas locais, como Blue Cheer e Steppenwolf.
No meio do caminho, o dinheiro acabou, deixando o grupo preso em Seattle até
que seu representante nos Estados Unidos pudesse pagar a conta do hotel.
“Parecia que só podíamos tocar aos finais de semana”, disse Roger Waters.
“Então, quando não era fim de semana, ficávamos presos em algum lugar, como
o Mohawk Motor Inn, no subúrbio de Detroit, onde era possível conseguir um
quarto de oito dólares por noite. Ficávamos horas sentados em frente a alguma
piscina horrorosa, sem dinheiro para ir a lugar algum.”
Entretanto, em Nova York, onde a banda ficou no notório Chelsea Hotel,
Waters sentiu-se tentado a tomar LSD mais uma vez, a primeira desde aquelas
férias na Grécia, em 1966. Enquanto estava viajando, saiu para comprar comida
e acabou congelado no meio da 8a Avenida, incapaz de se mover. Depois, ele
disse que aquela foi sua última experiência com a droga.
Mesmo com a saída de Sy d, Waters ainda se sentia inclinado a mostrar sua
raiva no palco, criando seu ato teatral de atacar com grande satisfação o gongo
que ficava suspenso sobre a bateria de Mason, durante a execução de “A
Saucerful of Secrets”.
“Rogers fazia coisas bem estranhas no palco”, lembra-se uma testemunha
da época. “Ele era tão alto que passava uma imagem muito forte. E havia
também a forma como ele se vestia...”
Roger se exibia em confortáveis calças curtas vermelhas, adornadas com
tranças nas bainhas. Nos Estados Unidos, ele adotou um coldre no estilo caubói
que prendia à cintura com um pedaço de corda, onde costumava guardar seus
cigarros. “A vestimenta hippie não tinha muitos limites”, diz um amigo da banda,
“mas a gente achava que Roger às vezes extrapolava.”
Quaisquer que fossem seus percalços com o figurino, Waters claramente
ajudou a dirigir a banda. Assistindo à performance do grupo no JFK Stadium, na
Filadélfia, estava o futuro escritor da Rolling Stone, David Fricke. Mais tarde, uma
terrível tempestade com fortes trovoadas levou ao cancelamento da atração
principal, o The Who, mas a nova banda inglesa chamou sua atenção. “De onde
eu estava sentado,via os pequenos bonequinhos se movendo”, ele se lembra.
“Contudo, a música do Floy d era poderosa o bastante para viajar pelo ar.”
Mas o entusiasmo de David Fricke ainda precisava ser estendido aos seus
futuros patrões. Contorcendo-se no show ao vivo, a Rolling Stone também se
sentiu confusa quanto ao novo disco. “O Pink Floy d está firmemente ancorado
em um mundo diatônico, sem nenhum desvio dessa norma, uma questão de
efeito em vez de convicção musical”, reclamou o crítico Jim Miller.
Em setembro, a banda voltou a tocar diante de uma multidão mais
partidária, revisitando o antigo lugar de Gilmour, Le Bilbouquet, em Paris, e seu
novo lar, o clube Middle Earth, em Covent Garden.
De forma lenta, porém constante, o Pink Floy d estava mudando, mas não
apenas musicalmente. Mais cedo naquele ano, eles tocaram no First International
European Pop Festival, em Roma, junto com The Move e The Nice, os mesmos
daquela primeira turnê com Hendrix. Davy O’List, do The Nice, que substituiu
Sy d naquela ocasião, apareceu na suíte do hotel do Floy d. “Fiquei chocado ao ver
David Gilmour regalando-se em uma cama de casal e segurando uma garrafa
de uísque”, ri O’List. “Foi a primeira vez que vi um membro do Pink Floy d com
um drinque. Apesar do que estava ocorrendo com Sy d e as drogas, o resto deles
parecia muito correto na turnê que fizemos com Hendrix.”
Com o desafio de substituir Sy d e encarar o baixista, David Gilmour era
igualmente parcial em fumar um cigarro. Mais tarde, quando perguntado por um
jornal universitário canadense se ele já havia usado drogas enquanto tocava, a
resposta do guitarrista foi maravilhosamente obtusa: “Às vezes. Geralmente. Mas
não muito”.
Um avião Gy psy Moth e as roupas da Primeira Guerra Mundial decerto
pareciam autênticos. Em pé ao lado do biplano, o Pink Floy d tinha trocado seus
trajes da Kings Road por roupas de voo engomadas e óculos de proteção; apenas
seus cabelos denunciavam que era 1968, e não 1916. Era outubro, e a banda
estava sendo filmada para um clipe promocional bastante literal para
acompanhar seu novo single, “Point Me at the Sky ”. Sem que a banda e a EMI
soubessem, seria o último single deles lançado no Reino Unido por 21 anos.
Infelizmente, tal qual “Apples and Oranges” e “It Would Be So Nice”, o resultado
produzido por Norman Smith mostrava a insuperável luta do grupo em rejeitar
imposições comerciais. Ainda pior, o refrão soava preocupantemente parecido
com a música dos Beatles, “Lucy in the Sky with Diamonds”.
Implacável diante do desempenho da música nas paradas, os músicos do
Pink Floy d apenas saborearam a chance de se vestir como aviadores e voar em
um Gy psy Moth.
“Jamais senti que a banda estava condenada quando esses singles
fracassaram”, diz Nick Mason. “Otimismo cego, acredito. Acho que nós apenas
pensávamos que estávamos certos e todo mundo estava errado. Éramos uma das
primeiras bandas a se beneficiar da liberdade que os Beatles tinham dado. Depois
de Sgt. Pepper, todos tinham muito mais liberdade.”
Se a EMI fora gentil em esquecer o fracasso dos singles do Pink Floy d nas
paradas, a banda ainda tinha que considerar a atitude do selo com relação a A
Saucerful of Secrets, um álbum que mal acompanhara as vendas de Sgt. Pepper.
Roger Waters resumiu a abordagem da EMI: “Ok, isso é ótimo... Mas agora
vocês têm que voltar a fazer discos de verdade”.
No ano seguinte, eles já estavam falando com a Melody Maker sobre um
novo álbum duplo, feito de composições individuais e conjuntas. Contudo, uma
indicação da direção que eles estavam seguindo já estava gravada no lado B de
“Point Me at the Sky ”, em uma versão preliminar da canção chamada “Careful
With That Axe Eugene”. Gradualmente expandida além de seus dois minutos
iniciais, ela se juntaria a “Set the Controls for the Heart of the Sun” como outro
período experimental para as selvagens ambições do Pink Floy d nos anos 1970:
uma melodia lenta, efeitos sombrios e uma evasão completa da estrutura pop
musical.
“Era música abstrata, pouco orientada ao formato de canção”, lembra-se
Phil Manzanera, futuro guitarrista da Roxy Music, na época um ávido fã do
Floy d. “Eles estavam fazendo coisas com os sons, divertindo-se com as tradições
da musique concrète e da Oficina Radiofônica. É preciso lembrar que muitas
pessoas ficavam largadas escutando aquele negócio. Era uma experiência de
arrepiar.”
Para completar essa experiência, A Saucerful of Secrets havia sido lançado
em uma capa totalmente não convencional. Assim como os colegas da banda
que estavam na Roy al College of Art haviam desenhado aviadores e cartazes,
agora eles contribuíram com o design da capa para o novo álbum do grupo.
Storm Thorgerson e Aubrey ‘Po’ Powell haviam formado uma parceria, embora
mais acidental do que concreta.
“Storm tinha uma amiga que trabalhava em uma editora”, lembra-se Po.
“Ela nos apresentou às pessoas que cuidavam das capas da Penguim, uma
editora que queria fazer parte da nova cena hip. Tínhamos acabado de descobrir
uma coisa chamada filme infravermelho e Storm disse que deveriam utilizá-lo.
Eram capas de livros de faroeste; então fotografamos David Gale, Dave
Henderson, Nigel e Jenny – todo mundo da Egerton Court – em Richmond Park,
vestidos como caubóis. Parecia o filme No tempo das diligências em viagem de
ácido. Apresentamos à Penguim, que adorou e nos deu 40 libras por capa – que
era o bastante para que sobrevivêssemos o verão inteiro. Acabamos fazendo dez
capas. Acho que Roger Waters era bastante amigo de Storm e sugeriu que
fizéssemos a capa para A Saucerful of Secrets. Fizemos experiências em salas
escuras e montamos alguns esboços e páginas brutas.” O design sugerido – uma
pequena fotografia da banda em Richmond Park cercada por redemoinhos
cósmicos – tinha a intenção de “dar ao álbum uma sensação surreal de ácido”.
“Àquela altura, íamos nos batizar de Consciousness Incorporated, um nome
bem groovy para a época”, explica Po, “mas não podíamos nos chamar
Incorporated, porque era um termo americano para empresa limitada. Ao ir a
Egerton Court um dia, vimos escrito do lado de fora da porta: ‘Hipgnosis’.
Ficamos meio putos por terem grafitado a nossa porta, mas achamos que era um
belo nome – hip e gnóstico. Nunca encontramos quem escreveu na porta, mas
sempre achamos que foi Sy d. Adotamos o nome Hipgnosis e mandamos fazer
um cartão que dizia ‘fotos, design, obras de arte, etc’, e terminava com as
palavras ‘singularidades, groovies, doninhas e arminhos’. Não me pergunte por
quê.” A dupla recebeu 110 libras por seus esforços, e A Saucerful of Secrets foi o
arauto que anunciava o começo de sua relação profissional com o Pink Floy d.

Contudo, antes que o Floy d pudesse mergulhar em seu próprio universo


musical, havia o puxão gravitacional de seu antigo cantor para ser negociado. Em
janeiro de 1969, Sy d estava de volta a Londres, parecendo mais calmo, e se
estabeleceu em um novo apartamento com três quartos em Wetherby Mansions,
um grande quarteirão que ficava na Earls Court Square, bem próximo a Old
Brompton Road. Seus companheiros de apartamento eram um rapaz chamado
Jules, que logo se mudaria, e o artista Duggie Fields, ex-estudante da Regent
Street Poly e residente na Cromwell Road, que era visto por aqueles que
conheciam Sy d como uma calma influência.
“Ele parecia bem mais feliz ao ter saído da banda, motivo pelo qual
concordei em dividir um apartamento com ele”, diz Fields. “Sy d ainda recebia
dinheiro do Pink Floy d. Não era muito, mas tirava a pressão de ter que acordar
cedo para ir trabalhar. Ele parecia estar confuso sobre o que fazer.”
Depois de Lindsay, Sy d estava envolvido com Gilly Staples, outra modelo
da butique Quorum. Também falava de fazer outro disco e contatou Malcolm
Jones, chefão da nova subsidiária da EMI, a Harvest. Jones tivera a ideia de um
selo dedicado à música underground. Com o sucesso do Floy d como referência,
a Harvest logo teria sucesso com o Deep Purple e Roy Harper, junto com outros
párias de Blackhill, incluindo a Edgar Broughton Band.
Dedicado a fazer álbuns em vez de singles de sucesso, a Harvest se tornaria
sinônimo de música progressiva na década seguinte. Mais importante, Jones era
fã de Sy d Barrett. Norman Smith estava comprometido com o Pink Floy d, então
Sy d pediu a Jones que produzisse algumas sessões, com a intenção de revisitar
algumas das canções que havia gravado com Peter Jenner (das quais apenas
“Golden Hair” e “Late Night” apareceriam no álbum concluído, The Madcap
Laughs) e gravar outras que ele alegava ter escrito.
“No começo, era apenas para ver se Sy d tinha algo que valia a pena ser
gravado”, lembra-se Peter Mew, que foi o engenheiro das primeiras sessões no
Oly mpic Studios. “Ele sentou-se, cantou alguns versos, depois parou e divagou
um pouco, antes de começar alguma outra coisa. Dava para ver que havia a
essência de algo realmente interessante ali, mas ele não parecia ser capaz de
juntar tudo para terminar o que quer que fosse. Mesmo chapados, os músicos
têm um pressentimento do que querem fazer. Pode ser que seja algo ruim e que
eles toquem de forma grosseira, mas Sy d não parecia ser capaz de se recompor
para cantar uma música do começo ao fim, e também era incapaz de analisar
criticamente o que havia tocado e, então, fazer outro take.”
Depois, Barrett chamou o antigo colega de David Gilmour, Willie Wilson, e
o baterista Jerry Shirley, que mais tarde faria parte do Humble Pie, para tocar
em “Here I Go” e “No Man’s Land”. “Sy d começou a gravar aquelas músicas e
eu o segui na bateria”, diz Willie, que tocava com uma banda chamada Bitter
Sweet. “O problema é que a música nunca era a mesma duas vezes. Então Jerry
Shirley tentava colocar um baixo em cima, mas ele também não conseguia
segui-la, pois nunca havia duas versões iguais.”
Jones agendou mais tempo de estúdio, trabalhando em “Terrapin” e “It’s
No Good Try ing”. Desse ponto em diante, as sessões ficaram mais
problemáticas. Barrett apareceu no estúdio com uma gravação terrível de um
motor de motocicleta que ele queria incluir na faixa. Depois, convidou seus
antigos colegas do The Soft Machine para tocar em uma canção, mas ignorou as
perguntas deles sobre qual era o tom da música, antes de sair do estúdio.
Jeff Jarratt foi contratado para ser o engenheiro de som de algumas
sessões, mas estava aturdido com o grau de mudanças em Sy d desde The Piper
at the Gates of Dawn. “Foi algo trágico. Num minuto havia aquele cara que era
uma força criativa e, no seguinte, ele era um vegetal.”
De acordo com Malcolm Jones, a EMI nunca pediu a suspensão das
sessões de Madcap, mas Barrett disse ao produtor que ele queria que seus antigos
colegas de banda o ajudassem nas sessões finais. Apesar de sua atitude com
Gilmour no Middle Earth no ano anterior, Sy d agora estava em contato próximo
com seu sucessor. Gilmour havia se mudado para um apartamento em Richmond
Mansions, também na Earls Court Square. Era difícil ignorá-lo, já que a cozinha
de Sy d e Duggie dava uma vista perfeita para o novo lar do guitarrista.
“O que eu lembro é que a EMI ia encerrar o álbum e engavetá-lo”, disse
Gilmour. “E acho que Roger e eu nos oferecemos para resgatar o projeto, se nos
dessem mais tempo. Recebemos três dias e era bastante difícil conseguir que
qualquer coisa fosse feita. Sy d estava num estado deplorável no estúdio, caindo
pelos cantos. Demos o melhor de nós.”
“Isso foi próximo da última vez que Sy d e eu nos falamos”, disse Po. “Foi
antes ou depois de seu primeiro álbum solo, não consigo me lembrar, mas fomos
todos ao Oly mpic Studios. Lá estava Dave Gilmour, Nick Mason, Sy d, eu e mais
umas duas pessoas. Não lembro quem estava no baixo, mas não era Roger.
Tocamos ‘Back Door Man’ infinitamente, por horas a fio. Eu estava até tocando
guitarra. Era algo feito para tentar recuperar Sy d e colocá-lo em um lugar
criativo, mas ficou óbvio após várias horas que simplesmente não iria acontecer.
Ele ficava derrubando a palheta, sem saber o que estava acontecendo...”
Com seu álbum quase completo, Sy d de repente desistiu de Londres e
partiu no encalço de um grupo de amigos de Cambridge até Ibiza. “Nós o vimos
de longe na praça da cidade, em San Fernando”, recorda-se Emo. “Ninguém
sabia que ele vinha. Alguém disse: ‘Espere um pouco, não é Sy d?’. Ele estava ali
parado, com suas roupas de astro do rock e botas Gohill, e o pôr do sol queimando
atrás dele. Trazia duas sacolas, uma estava lotada com roupas imundas e a outra
tinha em torno de 5 mil libras, caindo pelas bordas.” Quando o pessoal foi para
Formentera, Sy d os seguiu. “Numa hora ele estava sorrindo e brincando, mas, a
seguir, não falava com ninguém.”
Há fotografias da viagem: Barrett, radiante sob tufos de cabelo
despenteado, contrastando com a paisagem do Mediterrâneo atrás, vestindo
calças justas e camisa de cetim. Mais tarde, todo queimado de sol por se recusar
a usar protetor solar, Sy d voltou a Londres desorientado, enquanto Gilmour e
Waters faziam seu melhor para arrumar o álbum.

Além da pressão de completar o disco de seu amigo, os solucionadores de


problemas do Pink Floy d já haviam começado a trabalhar no que viria a ser o
álbum seguinte da banda. De algum modo, durante um agitado 1969, Mason,
Waters e Wright encontrariam tempo para se casar com Lindy Rutter, Judy Trim
e Juliette Gale, respectivamente.
Entretanto, em março de 1969, quando Barrett se preparava para iniciar
The Madcap Laughs, o Pink Floy d já tinha começado a gravar uma sequência
imediata para A Saucerful of Secrets em um rompante frenético de nove dias. O
diretor francês de cinema Barbet Schroeder havia contratado o grupo para
compor a trilha sonora de seu novo filme, More. A EMI concordou em lançar o
disco, mas era uma comissão privada, então o Floy d não pôde usar o Abbey
Road e agendou sessões no Py e Studios.
A disposição da EMI em deixar a banda fazer a trilha do filme, e não um
“disco de verdade” após seus últimos três singles terem fracassado, parece
surpreendente vista no século XXI. Contudo, o conceito do Floy d como
compositor de trilhas sonoras não era um grande salto. Em seus dias em Stanhope
Gardens, a banda havia acompanhado os experimentos de cenografia de Mike
Leonard e, em dezembro de 1967, apareceu tocando junto com o show de luzes
de Leonard em uma edição do seriado Tomorrow’s World, da BBC.
Em 1968, logo após a saída de Sy d, eles fizeram música incidental para um
filme britânico de baixo orçamento chamado The committee, com o cantor da
Manfred Mann, Paul Jones, embora o longa jamais tenha sido lançado
oficialmente.
“Fazer música para filmes era um caminho que pensamos que poderíamos
seguir no futuro”, disse Gilmour. “Não se tratava de querer deixar de ser uma
banda de rock, só era mais um exercício.” Isso sem mencionar uma potencial
rede de segurança, caso a banda de rock não funcionasse mais.
Barbet Schroeder, filho de um diplomata suíço, era um cineasta de segunda
linha que começara sua carreira como assistente do diretor Jean-Luc Godard. O
roteiro de More era centrado nas desventuras de um caronista que sucumbe ao
vício da heroína após encontrar uma bela junkie. Com cenas que mostravam
consumo de drogas, um bongô selvagem sendo tocado e os seios nus de sua
estrela loira, Mimsi Farmer, é um filme que talvez só pudesse ser feito na década
de 1960.
“Eu era um grande fã dos dois primeiros discos do Floy d”, diz Barbet
Schroeder. “Eu achava a coisa mais extraordinária que já havia escutado, e
queria trabalhar com eles. Fui para Londres e levei uma prévia de More para
lhes mostrar. Não queria a típica música de filmes – feita sob medida e gravada
com a imagem em tela grande. Não acreditava em música feita para filmes.
Queria que aquela fosse a música que os personagens estivessem escutando. Em
uma festa, a música vinha de um alto-falante em uma sala, então gravamos para
soar como se estivesse tocando na sala.”
“Ele não queria uma trilha sonora que ficasse de fundo no filme”, lembrou
Waters. “Queria que fosse literal. Então, se o rádio fosse ligado no carro, por
exemplo, queria que algo saísse dele. Queria que ela se relacionasse exatamente
com o que acontecia no filme. Eu ficaria sentado ao lado do estúdio, escrevendo
letras enquanto estávamos fazendo as faixas de apoio. Era só uma questão de
escrever oito ou nove músicas com seu instrumental.”
“Roger foi a grande força criativa”, disse Schroeder. “Lembro-me dessas
duas semanas incrivelmente atarefadas. O engenheiro de som não acreditava na
velocidade e criatividade da empreitada.”
Das faixas instrumentais, “Quicksilver” e “Main Theme” exploravam a
mesma música abstrata que encantara tanto o fã Phil Manzanera em A Saucerful
of Secrets. “Green is the Colour” é um delicado devaneio acústico; o órgão
cósmico enquadra “Cirrus Minor” perfeitamente na opção que diz “rock
espacial”; enquanto “Cy mbaline”, cantada por Gilmour, é quase uma balada
pop. A maior quebra com a tradição veio com “The Nile Song” e “Ibiza Bar”,
onde Gilmour finalmente é solto da coleira e Mason dá um desempenho em seu
bumbo à maneira de seus ídolos Ginger Baker e Keith Moon.
Hipgnosis escolhe uma imagem estática para a capa. Nada de colagem
cósmica desta vez, apenas o protagonista do filme correndo em frente a um
moinho de vento em Ibiza. A foto foi tingida com um tratamento de quarto escuro
que lhe deu a nebulosa experiência de uma viagem de LSD.
More foi lançado no festival de Cannes, em maio de 1969, mas afundou
sem deixar vestígios, com a abundante presença de sexo e drogas negando-lhe
um lançamento apropriado no Reino Unido. De forma inesperada para o grupo,
que o considerava um “álbum para cobrir lacunas”, a trilha sonora chegou ao Top
10 em junho. Entretanto, como David Gimour explicou depois, a “EMI achou
que estava na hora de cortarmos todo o nonsense esquisito e mandar ver”.
Contudo, nonsense esquisito havia se tornado a moeda corrente do Pink
Floy d durante os shows ao vivo, tanto quanto nos discos. Embora a relutância de
Sy d de tocar a mesma coisa duas vezes tenha enfurecido seus companheiros de
banda, eles, por sua vez, exploravam agora um tipo de caos controlado, ao
mesmo tempo em que cumpriam a visão de Roger de transformar os concertos
do Pink Floy d em verdadeiros eventos. “Era mais do que apenas assistir a banda
ficar na frente de 600 watts de alto-falantes da Marshall”, disse Richard Wright
depois. “Era um show de entretenimento.”
Em junho de 1969, o desejo de Waters de oferecer um espetáculo chegou
ao topo com “The Final Lunacy ”, no Roy al Albert Hall de Londres. Embora
casas menores, como a Fishmonger’s Arms, ao Norte de Londres, ainda fossem
predominantes na turnê do Floy d, a Albert Hall tinha espaço suficiente para
acomodar suas maiores ideias até então. Já havia algum tempo, o grupo vinha
tocando segmentos de The Massed Gadgets of the Auximines, uma suíte dividida
em duas seções principais conhecidas como “The Man” e “The Journey ”.
A peça jamais seria gravada em sua totalidade, mas várias de suas partes
separadas foram registradas nos álbuns More, Ummagumma e Relics.
A suíte estreou na Roy al Festival Hall, em abril de 1969, e expandiu dois
meses depois para “The Final Lunacy ”. Efeitos sonoros gravados, assim como a
própria performance da banda, foram distribuídos por 270 graus em toda a casa
por seu aparelho de som personalizado, o Azimuth Coordinator. Em uma grande
peça de arte performática, uma mesa foi construída no palco durante o show, na
qual a equipe sentava e bebia chá, enquanto escutava um rádio transistor
aleatoriamente afinado e amplificado pelos alto-falantes. Roger Waters repetiria
o mesmo truque mais tarde em suas turnês solo, jogando cartas com alguns
membros de sua banda durante uma longa passagem instrumental.
Ao deixar de lado qualquer apreensão que possa ter sentido quanto ao
álbum, o produtor Norman Smith foi conduzido em um pódio móvel com rodas
no Albert Hall para reger os instrumentistas do Ealing Central Amateur Choir e
da Roy al Philharmonic Orchestra durante A Saucerful of Secrets. Richard Wright
tocou o órgão de igreja da Albert Hall (“Com muitas dificuldades, já que havia
um atraso enorme entre o pressionar das teclas e o som que saía”, lembra-se
Waters), um dos membros da equipe vestiu uma fantasia de gorila no palco, um
par de canhões foi disparado (Waters: “Os mesmos que foram utilizados para
1812 Overture – do cacete”) e uma bomba de fumaça explodiu, ecoando por
muito tempo no hall, algo que David Gilmour se lembrou com deleite ao tocar lá
com sua banda solo, em 2006.
O guitarrista e amigo do Floy d, Tim Renwick, assistiu à performance do
público. “É preciso lembrar que havia muitos rumores circulando. Era tudo ‘arte
escolar’, porém feita com coração. Mas, quando se conversava com ele, mesmo
na época, Roger sempre tinha essa coisa de querer fazer algo mais do que um
simples show de rock. Ele queria uma grande apresentação.”

“Houve um período nos anos 1960 em que a fama e o dinheiro eram


irrelevantes para a vida das pessoas”, explica Duggie Fields. “Tudo tinha a ver
com criatividade.” Para o Pink Floy d, aquele período tinha terminado. Seus “sons
esquisitos”, para citar uma crítica da época, podem ter excluído seus singles das
paradas, mas, com um novo tipo de comprador de discos surgindo, a EMI via o
grupo como uma fábrica de dinheiro em potencial.
“Lembro-me de ver Mick Jagger e Keith Richards uma vez fazendo
planejamentos e falando de dinheiro”, diz Nigel Lesmoir-Gordon. “Isso foi algo
que jamais fiz nos anos 1960. Jenny perguntou a Roger se ele queria ser rico e
famoso, e ele virou-se imediatamente e disse: ‘Claro que sim!’.”
“Não tinha ideia de que um dia escreveria alguma coisa”, Waters revelou
anos depois. “Sempre me disseram na escola que eu era absolutamente inútil em
tudo. Assumi responsabilidades no Floy d porque parecia que ninguém mais o
faria. Sei que posso ter uma personalidade opressiva por causa de minhas ideias e
esquemas, mas de certa forma isso facilitou que os outros me seguissem.”
Contudo, tornar-se rico e famoso permanecendo fiel à sua visão se
mostraria algo capcioso. Lançado em novembro de 1969, o prometido álbum
duplo do Floy d, Ummagumma, parecia outro projeto para cobrir lacunas, e não
um concerto levado adiante. O primeiro disco foi constituído de gravações ao
vivo registradas em dois shows, no Manchester College of Commerce e no
Mother’s, a resposta de Midlands ao Middle Earth de Londres. O segundo disco
trazia cinco composições solo; duas de Waters e uma de cada um de seus
colegas. As gravações ao vivo de “Astronomy Domine”, a refeita “Careful With
That Axe Eugene”, “Set the Controls for the Heart of the Sun” e “A Saucerful of
Secrets” ofereciam uma máquina do tempo do Pink Floy d no final dos anos 1960.
Na época, eles haviam se tornado o que Nick Mason disse ser “uma banda de
rock de verdade”. E isso ficou claro.
Mas a despeito da grande visão, as canções solo não funcionavam tão bem.
“Alguém sugeriu – provavelmente Roger – de que deveríamos ter uns dez
minutos solo no outro disco”, disse Gilmour. “Então todos tentaram fazer suas
próprias coisas, o que quer que elas fossem.”
O engenheiro Peter Mew recorda-se da tomada de decisões ao longo do
processo: “Minhas lembranças são de que todos se reuniram no estúdio no
primeiro dia com Norman Smith, que perguntou: ‘Vocês têm novas canções?’. E
eles responderam: ‘Não!’. Depois disso, decidiu-se que cada um teria um quarto
do álbum. Não havia um plano maior. Acho que isso ficou definido logo no
primeiro dia.”
A contribuição de Richard Wright foi um concerto de piano em quatro
partes chamado “Sy sy phus” (sic). Tido pelo seu compositor como pretensioso
posteriormente, o piano como carro-chefe identificava Wright como a fonte de
grande parte da influência de música gótica no Pink Floy d. O título foi tirado do
mito grego de Sísifo, uma pobre alma enviada ao Hades e condenada a empurrar
para sempre uma gigantesca rocha colina acima, apenas para que ela rolasse de
volta assim que atingisse o topo. Uma analogia, alguns podem sugerir, para o
inseguro tecladista.
“Perturbar o público além de qualquer racionalização não é minha ideia de
uma boa balada”, disse Nick Mason, quando perguntado sobre os riscos de tocar
com Sy d Barrett. Com isso em mente, talvez, Mason concebeu um show
percussivo próprio, “The Grand Vizier’s Garden Party ”, com flautas tocadas por
sua mulher Lindy. A composição de Gilmour, “The Narrow Way ”, era parte
acústica, parte elétrica, na qual ele tocou todos os instrumentos, incluindo bateria.
Parte dela já tinha sido apresentada em Top Gear, o show de John Peel na BBC,
com o título “Baby Shuffle in D Major”. Mas Gilmour teve dificuldades com a
letra. “Lembro-me de telefonar para Roger e implorar para que ele escrevesse
algo para mim”, ele admite. “Mas ele disse: ‘Não, faça você mesmo’, e desligou,
o que provavelmente foi a maneira de ele me ajudar a encontrar minha própria
direção. Isso meio que me faz adulá-lo agora.”
Waters não padecia de tal insegurança e fez duas canções solo, “Several
Species of Small Furry Animals Gathered Together in a Cave and Grooving with
a Pict” e “Grantchester Meadows”. A última era um elogio gentil a um esboço
pitoresco do rio Cam, e a faixa mais convincente do álbum. A anterior traz
Waters balbuciando com um sotaque escocês sobre vários efeitos sonoros, como
se os Goons5 tivessem recebido permissão de se amotinar dentro do Abbey
Road.
“Teria sido melhor se nós tivéssemos saído, feito nossas coisas, nos reunido
e discutido-as, para que as pessoas pudessem ter feito comentários sobre elas”,
Waters admitiu para a Disc and Music Echo. “Não acho que seja positivo
trabalhar em isolamento total.”
“Todas aquelas faixas acabaram sendo concretizadas dentro do seu
potencial pleno”, acredita Peter Mew. “Se partirmos do ponto de vista de que
ninguém sabia o que estava fazendo, de forma que você desenvolve o projeto à
medida que ele aparece, é muito difícil saber onde tudo irá parar. ‘Grantchester
Meadows’ é provavelmente a canção mais adequada, mas mesmo ela termina
com uma mosca sendo golpeada, então não dá para levar muito a sério. Acho
que eles estavam explorando os limites da tecnologia naquele disco. Há vários
pequenos efeitos sonoros – reverb, double speed –, coisas boas, considerando as
condições tecnológicas da época.”
Ummagumma foi gravado sem planejamento, com sessões encaixadas em
meio à agenda de shows da banda. E, em retrospecto, isso fica claro. Entretanto,
dois sólidos anos tocando em qualquer recanto hippie do país haviam
compensado. Ummagumma deu ao Floy d e à EMI o quinto disco mais vendido da
Harvest e as melhores resenhas de sua carreira até então: “Um genuíno álbum
de rock progressivo”, disse a Record Mirror.
O título em si é motivo de muita especulação. Com frequência, diz-se ser
“gíria de Cambridge”. É Emo quem afirma: “Foi uma palavra que criei para
‘estar largado’, como em ‘vou para casa agora para ficar ummagumma’. O Floy d
achou que eu tinha escutado em algum lugar antes, mas ela saiu inteiramente da
minha cabeça.”
A foto da capa foi tirada na casa dos pais de Libby January, o palco do
show com a Jokers Wild e Tea Set anos antes. É a última tentativa da banda de
fazer uma capa com a tradicional imagem do astro pop posando, com Gilmour
descalço posicionado na frente, junto com imagens desaparecendo no infinito no
espelho à sua direita. Os roadies principais, Alan Sty les e Pete Watts, apareciam
na contracapa com o equipamento da banda disposto, por sugestão de Nick
Mason, na forma de um porta-aviões militar, um verdadeiro kit de brinquedo
para garotos. Judy é retratada segurando um copo de vinho branco, enquanto
Roger a olha apaixonadamente.
Nos anos vindouros, embora tenha tentado permanecer fiel a alguns de
seus esforços iniciais, Ummagumma não foi tão bem classificado pelos próprios
membros da banda.
“Minha visão é que A Saucerful of Secrets havia apontado o caminho, mas
nós o ignoramos e seguimos em frente, fazendo Ummagumma”, admitiu Mason,
“o que provou que éramos muito melhores trabalhando juntos do que
individualmente.”
“Éramos muito bons improvisando, mas não conseguíamos traduzir isso
para a gravação de um disco”, afirma Gilmour.
O próximo passo, então, seria fazer mais improvisos, não no Py e ou no
Abbey Road Studios, em Londres, mas em uma locação mais exótica, em Roma.
O diretor italiano Michelangelo Antonioni havia visto o Pink Floy d tocando na
festa de lançamento da International Times, na Roundhouse, em 1966. No final de
1969, ele os abordou para compor a música de seu próximo filme, Zabriskie
point. Refletindo a atmosfera política da época, o filme segue a façanha de um
estudante rebelde que rouba um avião, voa para o Vale da Morte, na Califórnia, e
faz sexo aos montes com a obrigatória garota hippie que encontra ao longo do
caminho. Ele acaba morto pela polícia; ela explode uma mansão, como protesto,
presumidamente contra os valores burgueses americanos. Até aí, tudo bem...
Antonioni pagou para a banda se hospedar no opulento Hotel Massimo
D’Azeglio, em Roma, então o Floy d ficou à sua disposição. “Foi um inferno”,
recorda-se Waters. Após a banda consumir tanta comida e vinho grátis quanto
seu estômago permitiu, o trabalho começou à noite em um estúdio ali perto, com
Antonioni presente, mas com frequência cochilando conforme a noite avançava.
No dia seguinte, Roger levou ao diretor as gravações finais para sua aprovação.
“Estava sempre errado, de forma consistente”, explicou Waters. “Havia sempre
algo que impedia que estivesse perfeito. Você mudava o que ele achava que
estava errado e ainda assim ele continuava descontente.”
O filme foi bombardeado e a trilha sonora concluída, lançada no ano
seguinte, incluía apenas três músicas do Floy d, “Heart Beat, Pig Meat” – que
fazia uso do som de um coração batendo, uma ideia posteriormente revisitada
em Dark Side of the Moon –, um número com leves influências country
chamado “Crumbling Land” e uma releitura de “Careful With That Axe
Eugene”, chamada “Come in Number 51, Your Time is Up”. O restante da trilha
foi preenchida com contribuições do The Grateful Dead e The Kaleidoscope,
entre outros. Uma das canções do Floy d que Antonioni desprezou foi uma
composição de Richard Wright para piano, chamada “Violent Sequence”,
gravada para acompanhar a filmagem de verdadeiros motins estudantis. Mais
tarde, ela iria reaparecer como “Us and Them”, em Dark Side of the Moon.
Como Nick Mason admitiria, “estávamos seguindo uma política na banda de
nunca jogar nada fora”.
4 “O que exatamente é um sonho… e o que exatamente é uma piada?” (N. T.)
5 Antigo programa cômico de rádio produzido pela BBC que trazia Peter Sellers
como uma das atrações. (N. T.)
CAPÍTULO CINCO OS ESPAÇOS ENTRE AMIGOS

“Sempre pensei em voltar àquele lugar onde você pode beber chá e
sentar no tapete.”
Syd Barrett

S y d havia pintado o chão de laranja e púrpura. Em seu estado mental confuso,


havia começado pela porta e, literalmente, pintado até se fechar em um canto.
Também não havia limpado o chão antes e simplesmente espalhou a tinta sobre
bilhetes de ônibus jogados, palitos de fósforos e guimbas de cigarro. Mas isso era
o de menos. Sy d estava esperando para ser fotografado para a capa de seu
primeiro álbum solo pelo amigo Mick Rock. Os dois haviam feito uma viagem de
ácido na noite anterior. Fizeram desenhos, escutaram música e, como Rock se
lembra, passaram a maior parte do tempo rindo. Era certo que Sy d havia se
esforçado. Como se fosse uma mancha na decoração, ele tinha tirado a mobília
de seu quarto na Wetherby Mansions, vestido sua melhor camisa amarela, calças
de poás da Hung On You – trocadas depois por uma de veludo da Granny Takes –
e um casaco estilo 1940 emprestado por seu colega de apartamento, Duggie
Fields, para dar um toque de vagabundo chique, e colocado um vaso de flores
sobre o assoalho. Como toque final, tinha chamado sua mais recente colega de
quarto, e às vezes de cama, Iggy, para delinear suas pálpebras com kohl e
aparecer nua atrás dele.
The Madcap Laughs foi lançado em janeiro de 1970, com a imagem de
Barrett e sua vida doméstica na capa e um vislumbre do que a Melody Maker
chamou de “desordem e loucura representando a mente de Barrett derramando
a música que há lá dentro”.
Para aqueles habituados ao rock intergaláctico de The Piper at the Gates of
Dawn, esta era uma experiência estranhamente pé no chão: apenas a ocasional
voz vacilante de Sy d, o dedilhar frequentemente desconexo de sua guitarra, e o
som de um baixista e baterista escarpado ao fundo. Barrett soava familiar e
caprichoso em “Terrapin”, mas psicologicamente ferido em “Dark Globe”. Em
“She Took a Long Cold Look”, dava para escutá-lo virando as páginas de seu livro
de canções, e em “If It’s In You” ele até para a música e começa de novo.
Escutando agora, a impressão é de que tudo foi juntado com fita e cola. O
produtor original Malcolm Jones estremeceu ao ver o disco concluído,
especialmente por causa dos erros: “Achei que era desnecessário e falta de tato
lançar aquilo”. No começo, Waters e Gilmour defenderam a decisão de incluir
tudo. “Queríamos injetar certa honestidade naquilo”, explicou o guitarrista.
“Queríamos explicar o que estava acontecendo.” Na verdade, talvez eles
quisessem chocar ambos, Sy d e público, após a experiência daquelas torturantes
sessões de gravação. Conforme Gilmour afirmou depois: “Ficamos com aquele
sentimento de frustração de ‘olha, cara, é a porra da sua carreira; por que você
não mexe a bunda e faz alguma coisa?’”.
Quando The Madcap Laughs foi lançado, a vida de Sy d em Wetherby
Mansions era às vezes tão desordenada quanto sua música sugeria. A misteriosa
Iggy nua ao fundo seria para sempre imortalizada na capa do disco. Mas mesmo
hoje ninguém parece ser capaz de dizer quem ela era ou de onde viera.
Conhecida como “Iggy, a esquimó”, a arrebatadora modelo morena tinha sido
fotografada para um número de 1966 da New Musical Express com um grupo de
hippies igualmente bonitos, demonstrando a dança maluca “The Bend”. Ela era
conhecida de Anthony Stern e, de acordo com Duggie Fields, chegou até
Wetherby Mansions sem um centavo, precisando de um lugar para ficar.
Anthony Stern ainda tem um pedaço de filme de Iggy dançando na Russell
Square de Londres, “e ela está usando roupas que poderiam ter sido feitas
ontem”. O DJ Jeff Dexter recorda-se que alguns anos antes de se enrolar com
Barrett, Iggy era presença constante nas noites de seu clube, o Orchid Ballroom,
em Purley, sul de Londres. Uma figura jovial cujo verdadeiro nome e seu atual
paradeiro parecem destinados a permanecer desconhecidos.
“Não tenho a menor ideia de quem era Iggy ou qual seu verdadeiro
nome”, diz Duggie agora. “Ela nunca foi namorada de Sy d. Eles só ficavam
juntos de vez em quando. Era uma garota muito bonita. Certa vez a vi saindo do
ônibus 31 usando um vestido dourado, estilo anos 1940, bem no meio do dia. O
vestido tinha uma cauda que se movia enquanto ela descia as escadas, expondo o
fato de que ela não estava usando calcinha... Eu a vi pouco tempo depois de Sy d
sair do apartamento, e ela parecia mais uma Sloane Ranger.1 Escutei dizer que
ela tinha se envolvido com um dos cultos religiosos que estavam em voga na
época.”
Alguns meses depois de se mudar para Wetherby Mansions, após o período
com a modelo da Quorum, Gilly Staples, Sy d tinha começado um
relacionamento com outra pretensa modelo, Gala Pinion. Gala tinha se mudado
para Londres com Aubrey ‘Po’ Powell e conseguido um trabalho na Chelsea
Drug Store. Para complicar a questão, ela era uma das amigas mais próximas de
Lindsay Corner. Quando Sy d e a colega original de Duggie se mudaram, Gala
chegou.
“Conheço Gala desde que tinha 14 anos”, diz Po. “Ela e Lindsay eram
muito amigas, então fiquei surpreso quando aconteceu, e suspeito que isso causou
muitos aborrecimentos. Acho que Gala pensou que podia colocar Sy d nos eixos.
Ela queria tomar conta dele, mas a verdade é que Sy d precisava de ajuda
profissional.”
Como David Gale, Emo e outros que vieram antes, Duggie testemunhou as
brutais mudanças de humor de Sy d. “Havia muito melodrama”, ele diz. “Eu o
tinha visto sendo violento com Gilly e aconteceu mais de uma vez com Gala.
Eles tinham explosões dramáticas e brigas físicas. Aí, claro, Sy d podia mudar em
um instante e voltar a ser encantador.”
Em um período de poucos meses, o comportamento de Sy d mais uma vez
deu sinais de deterioração. Para evitá-lo, Fields começou a ficar em seu quarto,
pintando. Deixado sem supervisão, o quarto de Sy d tornou-se cada vez mais
fétido, e ele se recusava a abrir as janelas ou mesmo as cortinas. Permitiu que
dois malucos, o casal Greta e Rusty, se mudassem para a sala de estar do
apartamento, após tê-los deixado dormindo um período no hall de entrada.
Sue Kingsford passava regularmente no flat. “Na casa de Duggie, Sy d foi
ficando cada vez mais esquisito. Ele ficava horas sem falar. Todos assistiram ao
pouso na lua lá (em julho de 1969). Acho que pensamos ser uma conspiração dos
americanos. Sy d, claro, não abriu a boca.”
Sue estava entre aqueles que Sy d com frequência procurava para
conseguir drogas. “Eu tinha conhecido um químico em Cambridge que me
escreveu uma receita para 60 Mandrax por mês”, ela admite. “Sy d costumava
me encher o saco por causa deles. Eu falava: ‘Tudo bem, vou te dar um’, mas ele
dizia: ‘Qual é? Sei que você consegue mais que isso’. Ele estava tomando coisas
indiscriminadamente. Não estava tomando uma única coisa, mas meia dúzia
delas. Era como se estivesse tentando sair o tempo todo, tentando sair de dentro
de si mesmo.”
Nome comercial da substância metaqualona, prescrita como pílulas para
dormir, Mandrax tornou-se a droga favorita dos hipocondríacos de Londres. Após
lutar contra a tentação inicial de cair no sono, em geral ao tomar muito café ou
chá, os usuários que conseguiam ficar conscientes durante os primeiros trinta
minutos acabavam entrando em um fortuito transe acordado.
“Mandrax estava em todos os lugares”, admite Fields. “Tomo mundo
tomava. O colega de apartamento de Dave Gilmour caiu da sacada em
Richmond Mansions porque havia tomado. Por incrível que pareça, ele não se
feriu.” Emo complementa: “Havia embaixo uma camada macia de grama”.
Jenny Fabian também visitou Sy d no apartamento e ficou chocada com
seu declínio. Ela conta que ele mal a reconhecera. Ela também tomou Mandrax
com ele. “Você entra em um mundo estranho, nebuloso e confuso, no qual tudo é
confortável”, ela diz. “É um lugar bem legal para se estar e dá para entender por
que Sy d queria estar lá, o motivo de ele bombardear as células de seu cérebro
com ácido.” Entretanto, como Duggie, ela também testemunhou vários
momentos de lucidez em meio ao caos induzido pelas drogas. “De vez em
quando ele soltava um comentário incrivelmente pertinente, que fazia a gente
perceber que ele talvez fosse o mais são de todos nós.”
“Conheci pessoas que tomaram mais drogas do que Sy d e foram vítimas
muito piores do que ele”, insiste Fields. “Fora isso, nos círculos em que
andávamos, loucura era considerada aceitável socialmente. Havia algo de
romântico em relação a perturbações mentais, da mesma forma que havia com
drogas. Ainda acho que, tratando-se de Sy d, isso foi parte da coisa toda. Sempre
senti que, mais do que tudo, ele havia entrado em depressão. Ficava
constantemente dizendo ‘tenho que montar outra banda...’, mas não conseguia ter
direcionamento para tanto. Sem nenhum planejamento, ele ficava deitado na
cama achando que poderia fazer qualquer coisa que quisesse no mundo. Porém,
quando tomava uma decisão, aquilo limitava suas possibilidades.”
Sy d até voltou a pintar, ou a falar sobre pintura, “mas ele jamais terminava
coisa alguma, nunca chegava a produzir um trabalho completo”, diz Duggie. Foi
durante esses feitiços silenciosos que Sy d teria uma dolorosa consciência das
circunstâncias. “Jamais tive uma conversa com Sy d sobre ser um astro pop
quando ele era um astro pop”, conta Fields. “Mas tivemos uma conversa
significativa sobre isso depois. Sy d me disse: ‘Sou um astro pop fracassado’.
Então ele se voltou para mim: ‘Mas o que você é? Você tem 23 anos e sequer é
famoso. Pelo menos eu já fui’.”
Por conta de seu estado mental, a decisão da EMI de colocá-lo de volta ao
estúdio de gravações parecia um inacreditável salto de fé. Entretanto, The
Madcap Laughs tinha vendido em torno de 5 mil cópias em apenas dois meses.
Sy d estava gravando mais uma vez em fevereiro de 1970, com David Gilmour
como produtor e Jerry Shirley tocando bateria. O processo seria tão árduo e
desconexo quanto antes. Gilmour tentou gravar os músicos antes e fazer com que
Sy d seguisse as faixas depois. Quando isso se mostrou difícil, ele gravou Barrett
antes e colocou os demais instrumentistas depois. A possibilidade de Sy d trabalhar
simultaneamente com outros músicos estava fora de questão.
Montadas ao longo de cinco meses durante aquele ano, algumas das faixas
do álbum, posteriormente chamado Barrett, mostravam sinais do antigo brilho de
Sy d, incluindo “Baby Lemonade”, “Dominoes” e “Gigolo Aunt”. Outras, como
“Rats” e “Wolfpack”, convenciam em sua própria loucura. Richard Wright
adicionou teclados muito benvindos ao disco, ajudando Gilmour a direcionar o
antigo amigo durante os processos de gravação. “Na época, tentávamos apenas
ajudar Sy d da forma que podíamos”, Wright se lembra. “Não estávamos
preocupados em tirar o melhor som de guitarra. Devíamos esquecer isso.”
Duggie Fields, curioso, apareceu nas sessões. “Sy d estava perdido e
precisava que lhe dissessem o que fazer”, ele se lembra. “Ele estava fora de si,
mas não dava para saber se ele estava bagunçando tudo de propósito, porque ele
fazia jogos mentais com as pessoas.”
“Ele raramente tomava consciência do que lhe era dito, ou repetia da
mesma forma o que fizera antes”, explicou Gilmour. “Ele jamais se comunicava
nem demonstrava se as coisas estavam boas ou ruins.” Certa noite, o guitarrista
deu uma carona para Sy d até sua casa. Deixado em frente à porta de entrada,
ele se virou para Gilmour e mostrou um leve sinal de gratidão. “Ele virou para
mim e disse ‘obrigado’, muito timidamente – foi a única vez em que algo assim
aconteceu.”

Uma gravação da BBC confirmou as alegações de Duggie Fields de que às


vezes Sy d podia estar perfeitamente lúcido. Feita no começo das sessões para o
show de John Peel, Top Gear, encontrou Barrett em incomum boa forma. Mas
um breve retorno para uma performance ao vivo naquele verão, na The Music
and Fashion Festival, em Kensington, o deixou extremamente nervoso. “Não
consigo me lembrar por que fizemos aquilo”, admitiu Gilmour, que tocou baixo,
com Jerry Shirley na bateria. Promovido por Bry an Morrison, o evento que teve
seis dias de duração também incluiu os acólitos de Sy d, Ty rannosaurus Rex, e o
ídolo de Barrett, Bo Diddley.
Sy d se saiu bem o suficiente, mas passou o mais rápido possível por seu
repertório de quatro músicas e desapareceu do palco assim que o último acorde
foi tocado.
Infelizmente, apesar de todos os momentos de lucidez de Barrett, havia
ainda muitos outros de enorme confusão. Certa vez, Sy d apareceu na nova casa
de Wright, em Bay swater, achando que ainda era parte do Pink Floy d e que eles
tinham um show para fazer naquela noite. Outra tarde, trombando por acaso com
Roger Waters na loja de departamentos Harrods, Sy d saiu correndo do local em
pânico, derrubando sua mochila. Waters a recolheu e viu que ela estava cheia de
guloseimas para crianças. Por um capricho, Sy d trocou seu Austin Mini
vermelho por um Pontiac Parisienne Convertible dos anos 1950 com o
percussionista do T-Rex, Mickey Finn, que o havia adquirido em uma rifa. O
carro permaneceria sem uso, parado na frente da Wetherby Mansions, lotado de
multas por estacionar em local proibido, até que Barrett o deu a um transeunte
desconhecido em troca de um pacote de cigarros. Pensando bem, pode ter sido
melhor.
“Quando ele se desconectava da realidade, você não iria querer estar no
carro com ele”, lembra Emo. “Ele logo perdia toda a concentração, parava de
dirigir e simplesmente saía do carro. Certa vez, enquanto dirigia, parou no meio
da estrada e começou a mexer em seus cadarços. Ou então ele saía do carro e
desaparecia, deixando você sozinho para lidar com todos os motoristas irados
parados atrás. Era como se ele simplesmente esquecesse que estava dirigindo.”
Desesperado com o comportamento de Sy d, Duggie mudou-se para ficar
com outro colega, mas logo voltou ao perceber que o comportamento de seu
novo colega era ainda mais errático. Em poucos meses, Sy d voltaria para
Cambridge. Gala foi logo depois, voltando para a casa dos pais em Ely. Foi
Duggie quem teve que mandar embora as diversas groupies e os drogados que
tinham se amontoado dentro do apartamento.
Barrett voltou a Hills Road, nº 183. Sua mãe ainda alugava cômodos vazios
para inquilinos, e Sy d sentiu que seu antigo quarto e os pontos para fumar erva na
frente da casa o deixariam próximo demais dos estranhos que estavam morando
em sua casa. Então ele se mudou para o porão. Acessível somente por uma porta
no hall de entrada, tratava-se de um buraco oculto no formato de L, com uma
pequena janela que dava para o gramado do jardim dos fundos; um local grande
o bastante para caber um colchão, a coleção de discos de Sy d e seus livros.
“Então, Gala me ligou para contar as novidades”, ri Duggie. “Ela e Sy d
tinham ficado noivos e ele ia se tornar médico.” Nada resultaria disso. Gala
começou a trabalhar como governanta para o baterista Jerry Shirley. Sy d, com
ciúmes, acusou-a de estar tendo um caso. O noivado acabou, embora não antes
que o casal tivesse ganhado um monte de presentes de vários colegas. Um dia,
Sy d, de cabeça baixa, levou Gala até o porão, onde estavam todos os presentes.
“Gala me contou que foi algo como no filme Grandes esperanças”, lembra-se
Sue Kingsford. “Como Miss Havisham. Acho que ela sentiu um pouco de medo.”
Libby Gausden, já casada e com um bebê, visitou Sy d e Gala no porão. A
mãe de Libby ainda tinha contato próximo com Win, e ele havia pedido para ver
o filho de Libby. Ela se lembra do fato com tristeza. “Sy d havia desaparecido,
desaparecido por completo. Chegou a pensar que o bebê era seu filho. Estava
com aquela linda garota, Gala, e recordo-me da expressão em seu rosto do tipo
‘oh, Deus...’.” Pouco tempo depois, Gala também iria embora.
Quando não estavam servindo de babá para seu ex-frontman, Waters e
Gilmour ainda tinham seus trabalhos diários. As vendas de Ummagumma
confirmaram para a EMI que havia mercado para o que o grupo chamava de
“nossa merda estranha”. Enquanto isso, a Morrison Agency mantinha o Floy d na
estrada, apresentando-o para seus fiéis, principalmente na Alemanha, França,
Holanda e Bélgica. A agenda de shows do Floy d incluía visitas periódicas a locais
como o Paradiso, em Amsterdã, um teatro pintado de forma psicodélica que se
espelhou no Fillmore West, na Califórnia. “Acho que eles pegaram rapidamente
o que estávamos fazendo”, diz Nick Mason. “Faziam com que nos sentíssemos
muito benvindos.”
De volta ao lar, eles ainda tocavam no refeitório de qualquer universidade,
salão de baile ou ponto de encontro para hippies que os aceitassem. Em setembro
de 1969, o Floy d dividiu a cena com Free, The Nice e Roy Harper no Rugby
Rag’s Blues Festival, em Warwickshire. O evento foi organizado pelo antigo
empresário que cuidava da turnê dos Rolling Stones, Sam Jonas Cutler, que um
ano antes havia apresentado Nick Mason a seu amigo, o músico e poeta Ron
Geesin.
Nascido em Ay rshire, Escócia, Geesin tocava violino e banjo, e começou
sua carreira musical em 1961, com a banda de jazz The Downtown Sy ncopators.
Morava em Notting Hill, havia gravado com John Peel e chegou a tocar com o
Pink Floy d no The 14-Hour Technicolor Dream, em 1967, época em que lançou
seu próprio álbum, A Raise of Eyebrows. “Eu mal tinha escutado qualquer canção
do Pink Floy d”, ele conta agora, “e quando o fiz a descrevi como um ‘passeio
astral’.”
Em 1969, Ron e sua mulher, Frankie, tinham ficado amigos de Nick e
Lindy Mason. Geesin estava gravando música incidental para anúncios de
televisão e documentários. Em outubro, Mason o apresentou a Roger Waters.
Depois, os dois agendaram um jogo de golfe, durante o qual Waters demonstrou
sua veia competitiva. Geesin apontou depois: “Eu era um pouco melhor que ele
na época”. Deste ponto em diante, Ron foi atraído para a órbita do Pink Floy d,
também passando algum tempo com Rick e Juliette. “Rick tinha um interesse
especial por jazz moderno e eu curtia jazz clássico. Ficamos várias noites com
ele e Juliette, jantando, escutando música, mas sempre que a maconha
começava a rolar ficávamos de fora. Sempre fui um cara que curtia cerveja.”
Waters e Geesin colaboraram pela primeira vez para a trilha sonora de um
documentário, The body. Baseado no livro homônimo do escritor Anthony Smith,
o filme era uma glorificada lição de biologia, narrado pelos atores Frank Finlay e
Vanessa Redgrave. John Peel tinha recomendado Geesin para o produtor do
longa, Tony Garrett. Ao perceber que Garrett queria canções específicas e
também música de fundo, Geesin chamou Waters para ajudá-lo. “Nick Mason
era um camarada muito legal e um bom amigo”, disse Ron, “mas não tinha
aquele faro maníaco para fazer algo maluco e torná-lo uma peça de arte; era
fácil perceber que Roger era a força criativa por trás do Pink Floy d.” Os dois
trabalharam separadamente em sua música; Geesin em sua “cela acolchoada”,
em Notting Hill, Waters em sua casa, em Islington, e mais tarde no Island Studios,
em Londres.
As composições para violoncelo, violino e piano de Geesin dividiram
espaço com quatro números cantados por Waters e alguns efeitos sonoros feitos
em colaboração. No grande espírito de reciclagem do Floy d, muitas das ideias
apresentadas em The body reapareceriam em seus próprios discos, incluindo o
uso de backing vocals femininos e a repetição do trecho breathe, breathe in the
air, do álbum Dark Side of the Moon. Foi inevitável que o resto do Pink Floy d se
juntasse a eles no estúdio para dar uma canja não creditada na faixa “Give Birth
to a Smile”.
Assim, não foi surpresa quando Waters chamou Geesin para colaborar no
próximo álbum de estúdio da banda. Depois de The Massed Gadgets of the
Auximines, a banda ainda estava tomada pela ideia de uma única e longa
composição, dividida em movimentos individuais. No começo dos anos 1970,
eles lançaram uma peça chamada na época “The Amazing Pudding”, para a
qual Gilmour havia sido o catalisador original, criando uma sequência de acordes
na guitarra que o lembrava do tema musical que Elmer Bernstein fizera para o
faroeste de 1960, Sete homens e um destino.
A presença de um coral e músicos de orquestra durante “The Final
Lunacy ”, na Roy al Albert Hall, havia despertado o interesse de Waters em fazer
o mesmo em um disco do Pink Floy d. Por volta de 1970, muitos grupos de rock
cobiçavam o status intelectual de músicos eruditos, o que colocou em voga a
ideia de tocar junto com orquestras. The Nice, The Moody Blues e Deep Purple
(outras grandes esperanças da EMI e da Harvest) tinham todos se arriscado, com
resultados variados. Agora, seria a vez do Pink Floy d.
A introdução de Gilmour prefaciava mais de vinte minutos de música.
“Soava como o tema de um faroeste ruim”, recordou-se Waters, quando
entrevistado em 1976. “Quase como um pastiche. Motivo pelo qual pensamos
que seria uma boa ideia cobri-la com metais, cordas e corais.” Waters pediu a
ajuda de Ron Geesin antes que a banda iniciasse outra turnê pelos Estados
Unidos.
“Eles foram para os Estados Unidos e me deixaram mandando ver”, diz
Ron hoje. “Entregaram-me uma faixa de referência e eu escrevi uma trilha para
coral e metais, sentado em meu estúdio de cuecas, naquele inacreditável calor do
verão de 1970. Tudo o que tinha era uma mixagem bruta do que eles já haviam
agrupado e editado juntos, mas com problemas, porque as velocidades não
encaixavam.” Waters e Mason jamais foram músicos muito virtuosos, e
gravaram a faixa em apenas um take, forçados por uma nova regra da EMI que
racionava as fitas distribuídas, o que limitava o uso de muitos takes. Como a faixa
tinha em torno de vinte minutos de duração, isso resultou em variações de
andamento. Mason explicou a questão de forma seca: “Ela carecia da precisão
de tempo do metrônomo, que teria tornado a vida de todo mundo bem mais
fácil”.
À exceção de Waters, a banda havia expressado apenas esboços de ideias
para Geesin antes de sair em turnê. “Pelo que me lembro, Rick veio ao meu
estúdio uma manhã e passou algumas frases, mas isso foi tudo. Ainda tenho todas
as anotações em papel daqueles encontros com a banda, e não há nota alguma de
meu encontro com Rick. Quanto a Dave, ainda tenho uma anotação na qual
pontuei suas sugestões para um tema e, no lado oposto, o tema que acabei
criando.”
Ao voltar dos Estados Unidos, a banda foi presenteada com a trilha e
agendada no Abbey Road. Dessa vez, Norman Smith seria creditado no álbum
apenas como produtor executivo. “Uma forma elegante de dizer que ele não fez
coisa alguma”, esclareceu Gilmour. “Eu lhes disse que já era hora de eles
próprios se produzirem”, defende-se Smith hoje, “e que deveriam me chamar
caso ficassem empacados. Recebi apenas um telefonema para aquele álbum,
então estava claro que eles tinham condições de tomar conta de si mesmos.”
Entretanto, um dos trabalhos de Norman foi agendar os músicos eruditos. Mas
havia problemas. Mason disse a Geesin que a primeira batida do compasso
estava fora da contagem, o que tornava praticamente intocável para os músicos
contratados.
“Eu não era um regente”, admite Ron. “Cometi o erro de dar mais crédito
aos instrumentistas eruditos do que eles mereciam. Vinha trabalhando com os
músicos de ponta da New Philharmonic Orchestra em alguns comerciais de TV,
e eles sempre davam algumas ideias sobre a trilha. Os músicos da EMI eram de
qualidade, mas se você lhes fizesse uma pergunta, eles diziam ‘você é quem
sabe’, ‘o que você quer aqui?’, ‘não entendi!’. Um dos trompetistas era
particularmente bocudo. Comecei a ficar perturbado e pensei: puta merda, ralei
a bunda fazendo este trabalho e ele merece ser feito de forma apropriada. No
fim, quando parti para cima dele, me tiraram da sala.”
O substituto de Geesin foi John Aldiss, um regente altamente experiente e
ex-aluno do King’s College Cambridge, cujo coral já tinha somado alguns vocais
etéreos ao épico do Floy d.
“Por mim, tudo bem”, diz Ron. “Exceto que a forma com que tinha
visualizado a peça era bem mais percussiva e firme. Eu curtia muito jazz negro,
como Mingus e Ellington, e minha trilha refletia isso. Mas John Aldiss não
conhecia nada de jazz, então a forma com que ele os fez tocar ficou um pouco
suave.”
Apesar dos problemas de andamento e das sessões com músicos
arrogantes, a faixa-título Atom Heart Mother, dividida em seis títulos, se saiu
melhor que o esperado. A abertura orquestrada, “Father’s Shout”, conforme
Waters sugeriu, inspira a imagem de se fumar um cigarro em amplas planícies
ou planaltos ao som de cavalos relinchando. Mas a coisa toda se arrasta em vez
de galopar. A segunda seção, “Breasty Milk”, é melhor, com o coral
complementando o órgão de Wright e o solo de guitarra chorosa de Gilmour. É o
guitarrista quem salva “Funky Dung” de viver o seu título; seu staccatto cheio e
riffs lentos são quase um tolo prenúncio da música instrumental de Dark Side of
the Moon, “Any Colour You Like”, antes que o coral retorne com um bizarro
cântico no estilo gregoriano. “Mind Your Throats Please”, segundo Waters,
sugere uma mecha de cabelo caindo sobre o rosto, cigarro queimando entre os
dedos, debruçado sobre o console no Abbey Road, arrancando o máximo de
efeitos sonoros possível, incluindo o barulho de uma colisão de carros, depois
reprisada em Dark Side of the Moon. A última, “Remergence”, reúne todas as
linhas anteriores na moda de um coda clássico, com metais e cordas frenéticos e
a bateria de Nick Mason rareando até a linha de chegada.
Um homem de negócios inquisidor bisbilhotando durante as sessões caiu na
piada de Waters quando o baixista e Geesin esconderam um gravador debaixo da
mesa e tocaram um disco arranhado em 78 RPM nos alto-falantes do estúdio,
dizendo-lhe que era “o material novo”. Na verdade, as opiniões sobre o disco
novo ficaram divididas.
“Não era como eu tinha imaginado, mas foi um bom resultado”, diz Geesin
agora. “Eu queria mais firmeza, mas o Floy d parecia sempre precisar daquela
dose de leveza em sua música, mesmo quando tinha que ser pesado.”
No meio da década de 1970, Waters e Wright estavam expressando
publicamente seu descontentamento com o álbum, enquanto nos anos 1990,
Gilmour diria: “provavelmente foi nosso ponto mais baixo artisticamente”. Mas,
como Geesin sugere, “isso aconteceu talvez porque Dave foi quem menos se
envolveu com a obra”.
Malhado incansavelmente por críticos musicais preguiçosos como sendo
rock progressivo em sua pior forma, Atom Heart Mother é menos autoindulgente
que sua reputação indica. Enquanto os pioneiros em rock progressivo da Harvest,
The Moody Blues e Barclay James Harvest, fariam carreiras inteiras a partir de
rock orquestrado, o Floy d apenas flertou brevemente com o gênero. “Acho
significativo o fato de eu ter levado todos da banda, exceto Roger, para assistir
Parsifal, de Wagner, no Covent Garden”, diz Ron, “e eles caíram no sono.”
A segunda metade do disco exige menos ainda do ouvinte, embora, como
diz Geesin, “eram apenas esboços que foram traçados juntos”. A composição
solo de Roger Waters, “If”, parecia retomar de onde “Grantchester Meadows”
havia parado em Ummagumma. Os vocais de Waters soam incrivelmente
visionários (“luxuosos e ingleses”, como ele próprio descreveria depois seu
trabalho), enquanto ele anuncia elegantes melodias. As letras são menos
pastorais, endereçando alguns temas que logo se tornariam familiares, como a
ameaça da loucura que seria explorada detalhadamente em Dark Side of the
Moon e The Wall. Enquanto isso, as letras choram a perda de uma amizade e
fazem referência a “the spaces between friends”,2 o que alguns interpretam
como uma menção a Sy d Barrett. Sy d apareceu no estúdio sem avisar durante as
gravações, junto com um antigo colega de Cambridge, Geoff Mottlow, mas, de
acordo com Ron Geesin, “ele destrambelhou novamente tão rápido quanto
entrara nos eixos”.
Quando questionado durante uma entrevista em 2004 sobre o recente livro
que Nick Mason escrevera sobre a banda, Roger Waters expressou surpresa sobre
a “ausência de sexo”. O que nos leva à música de Richard Wright, “Summer
’68”, que fala sobre a segunda turnê da banda aos Estados Unidos, na qual o
compositor discorre sobre o vazio espiritual que se segue após um encontro com
uma groupie. Real ou imaginário? “No verão de 1968, havia groupies em todos os
lugares”, disse Wright, anos depois. “Elas vinham e cuidavam da gente como se
fossem criadas pessoais, lavavam nossa roupa, dormiam com a gente e nos
deixavam com uma dose de gonorreia.” A canção era uma benvinda exploração
sobre as emoções humanas após quatro anos de música interplanetária e
psicodelismo caprichoso.
A contribuição de Gilmour, “Fat Old Sun”, também é bastante pé no chão,
traindo a influência hippie da nova cena na Costa Oeste, de Crosby, Stills e Nash,
mesmo que o inequívoco tom inglês da letra, com seus “sinos distantes” e
“grama recém-cortada”, sugira noites bucólicas de verão em Mill Pond, em
Cambridge, em vez de em um rancho hippie em Laurel Cany on.
Apenas “Alan’s Psy chedelic Breakfast”, a canção de encerramento
creditada ao grupo (na verdade, um trabalho de Nick Mason), parece ligada à
antiga tradição do Floy d do uso gratuito de efeitos sonoros. Com piano suave e
guitarra em destaque, a peça desvela um som de dar água na boca do chefe dos
roadies do Floy d, Alan Sty les, preparando café com cereais, torradas, ovos,
bacon e café, somado ao barulho amplificado de morder, mastigar e engolir
(fitas das sessões começam normalmente com algo como “ovos fritando take
um”, seguido por um espantado “epa!”). Vários intervalos e tonalidades no estilo
anglicano oriental passam pelos canais estéreos (I like marmalade...) antes que a
faixa feche com um som hipnótico de uma torneira gotejando, gravado na
cozinha de Nick Mason. Diversão inofensiva, mas a graça se estende por quase
treze minutos. Depois, Gilmour a descreveria como “a coisa mais largada que
ele já fez na vida”. Apesar disso, ela foi tocada ao vivo e tornou o roadie titular
um pequeno astro.
Alan Sty les era um nativo de Cambridge que costumava conduzir barcos
no rio Cam. Seu longo cabelo e jeans apertado desmentiam o fato de que, na
verdade, era bem mais velho que os integrantes da banda. Alan estivera na
Marinha Mercante e tornou-se instrutor enquanto prestava o Serviço Nacional, na
Alemanha. Músico realizado ao seu próprio modo, ele tinha tocado saxofone na
banda de Cambridge Phuzz, junto com o futuro saxofonista do Pink Floy d, Dick
Parry.
“Alan era uma figura”, recordou-se Nick Mason, em 1973. “Mas ele
queria tanto ser um grande astro que tínhamos medo de pedir para ele coisas
como carregar o equipamento. No final, tivemos que despedi-lo.”
Sty les optou por ficar nos Estados Unidos durante a turnê com o Pink Floy d.
Ele desistiu totalmente da indústria musical e acabou construindo seu próprio
barco para morar, atracado em São Francisco. Ele ainda vive na Califórnia.

A nova composição do grupo já havia sido incluída no novo repertório da


banda a partir de junho daquele ano, cerca de quatro meses antes do lançamento
do álbum. Chamada ainda de “The Amazing Pudding”, foi tocada completa no
Bath Festival of Blues and Progressive Music, em Shepton Mallet, um festival de
três dias que também incluiu Led Zeppelin e Fairport Convention. O evento foi
marcado por intermináveis congestionamentos e falta de comida. É um
testamento da resistência do fã de rock dos anos 1970, que ainda estava presente
quando a banda entrou no palco, com cinco horas de atraso, por volta das três da
manhã. Ainda mais extraordinário é que o John Aldiss Choir e a Philip Jones
Brass Ensemble também aguentaram até o fim para se juntar ao grupo.
No público, estava o produtor da BBC, Jeff Griffin. Quando Blackhill
agendou seu segundo festival grátis no Hy de Park, em julho, o Floy d foi
anunciado como atração, junto com Kevin Ay ers e a Edgar Broughton Band.
Steve O’Rourke concordou com o pedido de Griffin para ter uma sessão Floy d in
concert, alguns dias antes da apresentação no Hy de Park, o que dobraria também
a necessidade de ensaios para o show. “Quando Steve me disse que eles
precisavam de um naipe de doze metais e um coral com vinte cantores, quase
tive uma síncope”, lembra-se Griffin. “Em primeiro lugar, havia o custo e, em
segundo, a viabilidade técnica de gravar tudo em algum lugar como o Paris
Theatre.” Ainda assim, Jeff conseguiu o dinheiro e John Peel produziu o show.
“Mas ainda havia o problema de a peça não ter um nome”, diz Griffin.
“John saiu para comprar jornal e acho que foi Roger que estava olhando por
cima do seu ombro. Peely ficava dizendo: ‘Vamos lá, qual o nome dessa música?
Aposto que você encontrará algo no jornal’. E lá, no Evening Standard, havia
uma história sobre uma mulher que tinha recebido um marca-passo movido a
energia atômica. Roger falou: ‘É isso – Atom Heart Mother’. O que não tinha
absolutamente nada a ver com a música em si. Nós dissemos: ‘Por quê?’ E a
banda respondia: ‘Por que não?’.”
No Hy de Park e no Paris Theatre, o Floy d abriu sua apresentação com
“Embry o”, uma faixa com mais de dez minutos de duração que até hoje ainda
não foi lançada oficialmente. No Hy de Park, o som das crianças dando
risadinhas e batendo papo ecoava pelo parque, o que causava olhares confusos
em meio à multidão, até que todos percebessem que o som estava vindo, na
verdade, do teclado de Richard Wright. Sua canção de 23 minutos, “Atom Heart
Mother”, encerrando o show, tocada completa, com coral e metais, deixou uma
impressão duradoura em Ron Geesin. “Fui embora aos prantos”, admite. “A
performance dos metais foi terrível.” Descobriu-se depois, em um acidente
possivelmente por acaso, que um dos tocadores de tuba tinha sofrido a indignação
de ter uma lata de cerveja derrubada em seu instrumento.
O Floy d retornou para a América duas vezes naquele ano, enfrentando os
habituais contratempos com a alfândega que atrapalhavam suas visitas ao país.
Em New Orleans, o caminhão que a banda havia alugado foi roubado com todo
seu equipamento. Steve O’Rourke teve de subornar a polícia local para garantir
seu retorno. Cantores de corais e músicos eruditos foram contratados em
separado para os shows na Costa Leste e Oeste a um custo enorme, tudo para
ajudar a reproduzir “Atom Heart Mother” em sua plenitude. Nem todo mundo
ficou impressionado. John Mendelsohn, do LA Times, fez uma crítica bastante
negativa sobre o show da banda no Santa Monica Civic Center: “Em suma, uma
pessoa mal pode deixar de se perguntar por que os quatro componentes humanos
do Pink Floy d se preocupam em subir no palco, quando os efeitos são mais
interessantes do que eles próprios”.
O compositor Leonard Bernstein foi ao show de Nova York, mas ficou,
como David Gilmour revelou, entediado com a última composição do Floy d. Por
outro lado, a música teve alguns defensores célebres. O diretor Stanley Kubrick
abordou o grupo com a ideia de utilizar “Atom Heart Mother” em seu vindouro
filme, Laranja mecânica. Embora a ideia tenha tocado as pretensões artísticas do
Floy d, Roger vetou o plano quando descobriu que Kubrick queria ter liberdade
para editar a música e enquadrá-la no filme.
Apesar dos contratempos que a banda teve com o álbum, incluindo ela
própria, nada disso impactou seu sucesso. Lançado em outubro de 1970, a Sounds
aplaudiu sua atmosfera rica e gentil; a Beat Instrumental chamou-o de um “disco
totalmente fantástico, que eleva o Floy d a outro patamar”. Mas a Rolling Stone,
que nunca foi agradada com facilidade pelo Pink Floy d, declarou que a segunda
parte em particular era “folk inglês em seu pior momento”. Entretanto, Atom
Heart Mother superou Ummagumma e deu ao Floy d seu primeiro álbum número
1 no Reino Unido e um respeitável número 55 nas paradas norte-americanas.
Com três álbuns no Top 10, a situação financeira do Pink Floy d havia
melhorado. “Agora nossos royalties nos sustentavam”, Nick Mason disse a um
jornalista. “Por anos pagamos dívidas enormes. Nossos roy alties e todo o resto
estavam sendo usados para pagar os custos de produção. A banda ainda não faz
dinheiro, mas ao menos não estamos lutando para pagar dívidas.”
Para Gilmour, já não era sem tempo. “Nove meses após eu me juntar ao
Pink Floy d, começamos a retirar 30 libras por semana. Pela primeira vez,
ganhávamos mais que nossos roadies. Dinheiro é a maior pressão que existe em
cima das pessoas. Mesmo que você o tenha, existe a pressão de não saber se
deveria tê-lo. Ele pode se tornar um problema moral.”
Fora a música, o álbum em si se tornaria um ponto de discussão para
críticos e fãs. A equipe da Hipgnosis escolhera a imagem mais obtusa e
irrelevante que se poderia imaginar e a coisa mais longe possível da psicodelia:
uma vaca. Lulubelle III, para dar nome ao animal, foi fotografada em um
campo em Hertfordshire. Como Storm Thorgerson disse depois, foi “perfeito,
porque era tão animal”. A dupla apresentou a imagem para Roger Waters, que,
conforme se lembra Aubrey ‘Po’ Powell, “explodiu em gargalhadas e adorou”. A
banda insistiu que a imagem permanecesse inalterada pelo nome do grupo e do
álbum. “Gostaria de ter uma gravação da minha reunião com o diretor da EMI”,
diz Storm. “Ele ficou absolutamente apoplético quando viu a capa.”
A EMI pode ter sido reticente, mas na manhã do lançamento do álbum,
eles juntaram um rebanho de vacas no shopping center em prol dos fotógrafos
que lá estavam reunidos.

Atom Heart Mother viria a ser a única colaboração de Ron Geesin com o
Pink Floy d. Ele partilha um crédito de escritor na faixa-título, mas, para a
surpresa de alguns, não recebeu coautoria pelo álbum. “Depois, considerei o
crédito que faltava como sendo um típico exemplo da grande máquina de moer e
o pequeno pedaço de carne.”
Como um dos poucos de fora a serem convidados para colaborar com o
Pink Floy d, Geesin rapidamente notou a pressão que as quatro peças de carne
sofriam, e o surgimento das disputas de poder entre elas. “Na época em que
trabalhei com eles, a banda era pressionada o tempo todo pela EMI e Steve
O’Rourke. Steve era um cara da pesada. Eu o conhecia desde antes do Floy d
porque ele cuidava de muitas bandas de jazz na agência em que trabalhávamos.
Minha impressão é que o Floy d estava sendo queimado, motivo pelo qual
provavelmente Roger queria trabalhar com mais alguém de fora.”
“Nick e eu nos dávamos muito bem”, ele prossegue. “Rick não fazia muito
esforço, e dava para ver que isso viria a se tornar um problema para ele depois.
Dave era um cara quieto. Acho que ele tinha desconfianças de mim, pois me
conhecia muito pouco, então era bem cauteloso. Eu tinha mais proximidade com
Roger, de quem gostava bastante, mas ele podia ser bem abrasivo com os que
estavam à sua volta. Mas a maior parte de artistas de valor cria atrito em torno de
si de uma forma ou de outra. É o atrito necessário para criar o calor da
criatividade. É necessário, mas alguém sempre sairá ferido – esposas, amantes,
filhos ou outras pessoas no palco. Eu era um amigo próximo de Roger até que ele
se virou e mordeu quase todo mundo.”
Em uma entrevista naquele ano, Waters foi estranhamente cândido em
relação à sua imagem ameaçadora. “Tenho medo das outras pessoas”, admitiu.
“Se baixar as defesas, alguém monta em cima de você. Pego a mim mesmo
montando em outras pessoas o tempo todo e depois me arrependo disso.”
Àquela altura, o grupo estava se adaptando ao fato de que, como coloca
Nick Mason, “Roger podia ser assustador”. Eles seguiram a sugestão de Steve
O’Rourke de permanecerem levemente isolados da gravadora, mas acabaram
parecendo ainda mais reservados durante o processo de gravações. Em 1970,
Malcolm Jones renunciou àsua posição na Harvest e foi substituído por Dave
Croker, que logo percebeu que trabalhar com o Pink Floy d significava que lhe
dissessem o que fazer somente quando o grupo se decidisse. “Steve e o grupo
planejavam tudo em detalhes com bastante antecedência”, disse Croker.
“Qualquer conflito que tivessem já havia terminado muito antes de o grupo
entrar em contato com o mundo externo. Toda a discussão era feita em
privacidade.”
Porém, Nick Mason parecia menos confiante de que a lavagem de roupa
suja da banda ocorria a portas fechadas. “Era frequente que nos
comportássemos de forma terrível”, ele escreveu em 2004. Ao ir a jantares com
executivos da gravadora e promotores, a banda dominava o centro da mesa e
“bania todo mundo que não conhecíamos”, disse. “Jantares em grupo eram o
ponto central para nossas brigas, decisões políticas e piadas em geral.”
Anos depois, Mason admitiu para a imprensa que os relacionamentos
dentro da banda eram parecidos com “fazer parte de uma pequena unidade do
exército ou escola preparatória, porque podíamos oscilar facilmente do amor ao
ódio”.
“Nunca era dois contra dois. Era sempre três contra um”, ele disse ao
repórter da revista Sounds, Steve Peacock. “Às vezes era algo absurdo de se
assistir. Brincadeiras se tornavam provocações e bullying. Podíamos ser bem
desprezíveis.”
Para Mason, havia menos a ser disputado. Além de ser o amigo mais
próximo de Waters na banda, ele escreveu poucas músicas de sua autoria e,
portanto, nunca precisou lutar contra Roger e os demais para ter seu material nos
álbuns do Floy d. Para Gilmour e Wright, o baixista era mais que um problema.
Wright, que chegou a ser visto pelo gerenciamento do Floy d como o compositor
mais forte da banda após a saída de Sy d Barrett, havia sido completamente
eclipsado pelo prolífico Waters. Some-se a isso o fato de que os dois nunca se
deram bem de verdade. “Eu tinha um choque de personalidade com Roger
Waters mesmo na Regent Street Poly ”, diz Wright. “Não escolhemos ser amigos,
mesmo naquela época. Sendo o tipo de pessoa que é, Roger tentava te irritar e
fazer com que você ruísse.”
Gilmour podia parecer reservado, mas era incrivelmente teimoso, um
traço que se manifestaria em sua plenitude quando Waters lutou para dividir a
banda nos anos 1980. Em 1970, entretanto, o guitarrista ainda dava de ombros ao
seu “status de novato” e lutava para se estabelecer como compositor.
“Roger não faz mais em termos de música do que o resto de nós”, ele
afirmou em uma entrevista na época do Atom Heart Mother. Mas anos depois,
ele diria que “Roger era o homem das ideias e o motivador, e ajudava a
empurrar as coisas para a frente.”
Para Waters, os outros eram o problema. “Havia sempre uma grande briga
entre os músicos e os arquitetos”, admitiu. “Nick e eu éramos relegados a esta
posição inferior de sermos arquitetos, olhados com desdém por Rick e Dave, que
eram os músicos.”
Ron Geesin lembra-se com vivacidade das brigas de seu antigo amigo:
“Roger resmungava a maior parte do tempo quando o conheci. Ele expressava
insatisfação frequente por causa da acomodação do grupo quanto à manifestação
de suas ideias. Eu só dizia ‘Deixe para lá!’. Mas, claro, ele estava preso a isso.
Sabia quais eram seus interesses. Por isso, Roger só saiu do Pink Floy d quando
teve condições para se manter”.
Em agosto, durante as gravações de Atom Heart Mother, a banda voou para
o sul da França para tocar em alguns festivais. Eles montaram acampamento em
uma grande casa de campo, próxima a St. Tropez, junto de Steve O’Rourke, Pete
Watts, Alan Sty les e as respectivas mulheres e os filhos. Viver em tal
proximidade, contudo, intensificou as tensões.
“Todas as esposas do Floy d tinham personalidade forte”, recorda-se Peter
Jenner. “Juliette Wright era uma cozinheira durona, sensível e pé no chão. Nick e
Lindy Mason eram o casal mais convencional. Eles praticamente foram
apaixonados desde a infância. Ela própria era instrumentista e, como Nick, tinha
um impecável background de classe média. Judy Trim era muito legal, mas era
cantora de trot.3 Sempre achei Roger bastante influenciado por suas mulheres, e
Judy o mantinha debaixo de sua asa e no cabresto. Ela o conhecia desde antes do
Floy d, e tinha sua própria vida e carreira, o que era ótimo, porque não precisava
engolir nada da merda dele.”
Havia outro aspecto no relacionamento de Roger e Judy que o baixista iria
posteriormente discutir em entrevistas, citando uma atitude de sua mãe. “Ela
achava que seria muito mal se eu encontrasse uma boa garota de família e me
casasse quando ainda fosse jovem”, ele revelou em 1980. “Ela especificamente
me encorajou a procurar meninas mais sujas.” Em vez disso, Roger se casara
com seu amor de infância.
Foi em St. Tropez que Mason e Waters brigaram, quando Lindy e Judy
discutiram com o baixista após ele ter admitido infidelidade alguns anos antes,
depois de um show no Texas. Quando Mason entrou, Waters deu uma desculpa
sob a alegação de que o baterista também carregava culpa, mas não tinha
confessado sua própria indiscrição.
Fora os shows e punhaladas na vida a dois, a viagem tinha mais uma
motivação. Mais cedo naquele ano, o Floy d fora abordado pelo coreógrafo
Roland Petit para escrever uma peça para sua companhia de dança, o Ballet de
Marseille. Petit queria montar uma produção baseada no romance épico de
Marcel Proust, Em busca do tempo perdido. Como Lindy Mason era bailarina,
Nick estava bem ciente das credenciais de Petit. A ideia imediatamente os
motivou. “Os franceses têm uma abordagem mais intelectual, mais emocional
das artes”, Mason disse de forma entusiasmada à imprensa naquele ano. Após
uma reunião inicial em Paris, Roger comprou os primeiros vinte volumes
completos de Proust e sugeriu que a banda começasse a ler, antes de ele próprio
desistir ainda no primeiro volume – e David Gilmour deu para trás após dezoito
páginas. O resultado viria a ser cinco performances em Marselha, em novembro
de 1972, e uma temporada em Paris, alguns meses depois. Na França, as tensões
também estavam altas fora da banda, na casa de campo compartilhada.
Várias das datas dos festivais propostas foram canceladas devido a
problemas com as autoridades locais por causa de segurança, ou após confrontos
de amotinados contra a polícia. Quando os promotores abortaram um festival
aberto planejado para agosto em Heidelberg, na Alemanha, o Pink Floy d voltou
para casa.
Gilmour fez um desvio pelo Festival da Ilha de Wight, onde Jimi Hendrix
iria tocar naquela que seria a sua última apresentação no Reino Unido. O
principal roadie e engenheiro de som do Floy d, Pete Watts, foi contratado para
cuidar do som. Mas com Watts nervoso e, de acordo com os boatos, chapado
demais para fazer o trabalho, Gilmour assumiu seu lugar, sem que Hendrix
soubesse que ele era o jovem guitarrista que o acompanhara dois anos antes por
toda Paris. Menos de um mês depois, Hendrix estaria morto.
A colaboração do Pink Floy d com Roland Petit seria apenas um dos
diversos projetos nunca gravados, levados a cabo durante o primeiro ano da nova
década. Uma trilha sonora proposta para um novo desenho animado, Rollo (feito
pelo ilustrador de Yellow submarine, dos Beatles, Alan Aldridge), foi muito
noticiada na imprensa, mas cancelada após um piloto ter sido feito e o dinheiro
acabado. O próximo encontro do grupo com um cineasta seria mais
recompensador que a batida de cabeças anterior com Michelangelo Antonioni,
em Zabriskie point.
Na turnê pela Austrália, em 1971, a banda conheceu o cineasta e surfista
devoto George Greenough. Crystal voyager, seu documentário celebrando o
passado nacional, estava implorando por uma trilha sonora adequada. O grand
finale do filme incluiria filmagens de um surfista com uma câmera presa ao
corpo, acompanhado por uma nova canção do Floy d, uma música com 23
minutos de duração chamada “Echoes”. Depois as cenas seriam usadas pela
banda como projeção de fundo nos shows ao vivo – “Echoes”, como se viu, se
mostraria um marco no desenvolvimento musical do conjunto.
“Estávamos procurando algo”, disse Gilmour. “Durante todo aquele
período com Ummagumma e Atom Heart Mother, queríamos descobrir. ‘Echoes’
foi o ponto em que encontramos nosso foco.”
Entretanto, a chegada da canção não foi tanto um momento de epifania,
mas uma sequência em que a banda finalmente conseguiu criar algo digno no
meio do que Gilmour chamou de “biblioteca de lixos”. As gravações do álbum
seguinte do Pink Floy d, que se chamaria Meddle, começaram no estúdio dois do
Abbey Road, em janeiro de 1971. Quando eles descobriram que o produtor dos
Beatles, George Martin, tinha instalado uma mesa de 62 canais em seu próprio
Air Studios, o Floy d levou suas fitas gravadas em oito pistas para lá. O operador
John Leckie, que havia trabalhado em algumas das sessões do álbum de Barrett,
foi convocado com Pete Bown para cuidar das gravações, antes da mixagem
final, no Morgan Studios, em Hampstead. As ideias iniciais do Floy d eram bem
mais vanguardistas do que o disco concluído sugeria.
“Eles ficaram dias trabalhando no que as pessoas chamam agora de álbum
Household Objects”, lembra-se Leckie. Household Objects jamais seria lançado,
mas dizem que o conjunto gravou por volta de vinte minutos de música, utilizando
o som de objetos cotidianos: elásticos de borracha, copos de vinho, isqueiros.
“Eles criavam acordes a partir da gravação de garrafas de cerveja, jornais
sendo rasgados para dar ritmo e uma lata de aerosol para obter chiado agudo.
Era uma proposta de Nick Mason, mas todos se envolveram. O problema é que
aquilo não chegava a lugar algum.” A ideia foi abandonada após uma semana e
mandada para a “biblioteca de lixos”, de onde seria, de qualquer modo, retirada
três anos depois.
Household Objects não foi a única indulgência da banda. Uma ideia da
época envolvia cada um dos quatro membros tocando individualmente o que
quisessem, contanto que estivessem no mesmo tom. O resultado seria registrado
em fita, sem que nenhum escutasse o que seus companheiros haviam feito antes.
“Horrível, absolutamente horrível”, disse Gilmour.
Pelo menos um engenheiro do Abbey Road no começo dos anos 1970 se
lembra de como as sessões do Pink Floy d tinham “a reputação de ser
extenuantes”. “Eles levam a eternidade para fazer qualquer coisa”, dizia. Com
carta branca da EMI, o grupo tripudiou em cima da paciência da companhia,
com os bolsos cheios e o pensamento prevalecente de que bandas de rock tinham
de ser levadas tão a sério quanto compositores eruditos.
Entretanto, apesar desses começos desanimadores, havia certa ordem
sendo criada a partir do caos.
“As fitas que levamos ao Air estavam repletas de pequenas ideias – um
pouco de guitarra malandra, um pouco de piano, alguns efeitos sonoros”, lembra-
se Leckie. “Todas eram chamadas de ‘Nada’, ‘Nada um’, ‘Nada dois’ e assim por
diante. Então, as primeiras semanas foram somente para juntar todas essas
pequenas coisinhas. Mas eles saíam com frequência para tocar, então você
despia o estúdio, eles colocavam tudo na van e seguiam para algum grande
concerto; depois voltavam e montavam tudo de novo.”
O lado positivo desse processo fragmentado é que dava oportunidade para
que a banda testasse ideias no palco. “Echoes”, então ainda chamada “Return of
the Son of Nothing”, via a luz do dia e sentia a pulsação do público.
“Quando eles voltavam, estavam em forma, porque a tinham tocado ao
vivo”, recorda-se Leckie. “Ela foi concebida como uma coisa grande, com
diferentes andamentos. Então foi gravada dessa maneira.”
Recuperada dos diversos “nadas”, havia uma ideia de Richard Wright.
Uma única nota era tocada no piano e passada por um alto-falante Leslie, um
recurso normalmente usado com um órgão Hammond, contendo uma sirene
rotativa, que impulsionava o som. A nota – como o sibilo sombrio de um sonar –
anunciava o começo de “Echoes”. Deste ponto, outros “nadas” colocados juntos
– uma melancólica frase de guitarra, o grito assustador de pedais sonoros, a
atmosfera do desfecho final – chegavam à música concluída.
“Também fizemos isso com dois gravadores”, diz John. “Você pega duas
máquinas, uma de cada lado da sala e passa a fita em uma. Então a leva para a
outra, grava na primeira, e toca mais uma vez na segunda. O que ocorre é um
atraso. O final de “Echoes”, quando as vozes aumentam, é um fragmento desta
técnica.”
“Echoes” tinha estrutura, um senso maior de propósito e uma melodia mais
forte do que qualquer um dos épicos anteriores do Floy d. Mesmo se o processo
de juntar tudo tenha sido trabalhoso.
“Havia períodos de longos silêncios e fastio”, admite Leckie. “Eles eram
jovens elegantes de Cambridge, afinal, e não eram nada bobos. Queriam que
tudo fosse feito da forma correta. Eram bastante críticos com o timbre, com a
afinação e com o que cada um deles estava tocando. Sempre fuçavam no
equipamento, tentando fazer com que as coisas soassem melhor. Roger e Dave
eram, sem dúvida, os líderes. Eram os que diziam a todos o que queriam. Rick
Wright sentava-se no fundo e não falava nada por dias, mas o seu piano, quando
atacado, era sempre um ponto alto das sessões.”
Ao falar com a imprensa antes do lançamento de Meddle, Waters foi
visceral na crítica que fez sobre a atual situação da banda. “Estou entediado com
a maior parte das coisas que tocamos.” Acima de tudo, ele estava determinado a
tirar a música do Floy d do rótulo de “rock espacial”. Na turnê americana, na qual
os seguidores da banda, mergulhados no imaginário cósmico musical, pediam
que eles tocassem algumas músicas antigas favoritas como “Astronomy
Domine” e até “See Emily Play ”, Waters responderia com as palavras ácidas:
“Vocês devem estar brincando!”.
Waters havia sido arrebatado pela crueza e candor do álbum lançado no
ano anterior, da Plastic Ono Band, de John Lennon, um disco inspirado na terapia
do grito primal à qual Lennon havia sido submetido a fim de superar alguns
problemas de sua infância. Parte do expurgo do Floy d envolveria Roger
escrevendo letras que ligavam o grupo ao mundo real, mesmo se eles não
pudessem espelhar a abrasividade da música da Plastic Ono Band, e ainda
tivessem que confiar no que Ron Geesin chamou de “um pouco suave”.
Entrevistado em 2004, Waters revelou que a inspiração para a letra de
“Echoes” veio do senso de falta de conexão que ele experimentou durante seus
primeiros anos vivendo em Londres, que se seguiram à turbulenta saída de Sy d
da banda. Waters e sua futura mulher, Judy Trim, tinham se mudado para um flat
em Shepherds Bush, na parte oeste de Londres. Uma janela do apartamento dava
vista à movimentada Goldhawk Road, onde o casal via uma procissão de pessoas
indo para o trabalho pela manhã e retornando à noite. As letras descrevem os
estranhos passando pelas ruas e, conforme ele explicou, “tudo se refere a fazer
conexões com outras pessoas; sobre o potencial que os seres humanos têm de
reconhecer a humanidade uns dos outros”. Ironicamente, apesar da distância
gélida que se desenvolveria entre alguns dos músicos, o tema da comunicação,
de chegar um ao outro, seria a base para onde a banda retornaria de forma
obsessiva.
Enquanto “Echoes” ocupava a segunda metade do álbum, a primeira
continha cinco novas canções. Duas delas, “A Pillow of Winds” e “Fearless”,
foram creditadas a Waters e Gilmour, o que significava a primeira colaboração
de ambos desde o single de 1968, “Point Me at the Sky ”. Ambas as canções
parecem peso-leve e entram em forte contraste com todo o rock ácido do
movimento Sturm und Drang de apenas três anos antes. “A Pillow of Winds” era
uma adorável barulheira acústica (seu título supostamente tirado do jogo de
tabuleiro mah jong, do qual a banda era entusiasta), cantada de forma suave por
Gilmour, e sugeria seu protagonista vivendo uma viagem induzida por cânhamo.
“Fearless” (de acordo com John Leckie, “o destaque do primeiro lado”)
fazia uso parecido de violões, mas a letra de Roger sobre encarar as adversidades
a despeito das probabilidades a tornava mais agressiva. As guitarras
eventualmente desaparecem para ser substituídas pelas vozes combinadas do
‘Kop Choir’ do Liverpool FC para o refrão de “You’ll Never Walk Alone”; uma
brincadeira interna feita com o baixista, que na época era fã do Arsenal FC.
A composição solo de Waters, “San Tropez”, era uma excursão cadenciada
com pegada de jazz e Wright tocando seu instrumento no estilo piano bar, com
seu escritor saudando as alegrias de beber champanhe durante a ceia e fazendo
muito pouco naquele hotspot da França.
Se “San Tropez” soava delicada, “Seamus” era positivamente
inconsequente. Os créditos da canção foram divididos igualmente entre os quatro.
Aqui, Gilmour canta blues e toca gaita, pontuado pelos uivos e latidos de um
collie chamado Seamus, que pertencia ao frontman do Humble Pie, Steve
Marriott. (Gilmour tomava conta do cachorro enquanto Marriott estava em
turnê.) Como Leckie admite, “foi bem engraçado quando Dave tocou a gaita e o
cachorro começou a uivar, mas devo admitir que fiquei surpreso ao escutar isso
no álbum concluído”.

A maior parte de Meddle foi um convite a comparações, não com os


competidores cerebrais do Floy d, como Yes ou King Crimson, mas com os sons
mais gentis da The Band ou Crosby, Stills, Nash e Young. Apenas a abertura
instrumental, “One of These Day s”, parecia ligada ao antigo Pink Floy d. Com
seu riff de baixo sinistro, efeitos sonoros no estilo de workshops radiofônicos da
BBC e Nick Mason sussurrando as palavras one of these days I’m going to cut you
into little pieces,4 ela soava como uma versão pop progressiva e vampiresca do
tema do seriado Doctor Who misturado com “Telstar”, do The Tornados.
Se, como Roger Waters certa vez afirmou, “Atom Heart Mother foi o
começo do fim”, então Meddle foi o início de algo completamente novo.
Diferente de Ummagumma ou grande parte de Atom Heart Mother, ele soava
como o trabalho de um conjunto, e não o de quatro pessoas trabalhando
individualmente, mas batalhando juntas para escapar das sombras do vocalista
que havia partido. Meddle soava como o futuro do Pink Floy d.
Integrado a este futuro, contudo, estaria o desejo de Roger Waters de fazer
um grande show. Embora canhões, pétalas de flores e roadies fantasiados de
gorilas já fizessem parte dos shows do Pink Floy d, a performance da banda no
Cry stal Palace Bowl de Londres, em maio de 1971, foi a mais grandiosa até
então. Ao dar um tempo nas sessões de Meddle, a banda chacoalhou o público
chapado de seu torpor com um sistema de som quadrifônico, explodindo bombas
de fumaça, e um gigantesco polvo inflável escondido em um lago na frente do
palco, que aparecia durante o grand finale de “A Saucerful of Secrets”. Um final
espetacular para o show, mesmo que o efeito tenha sido levemente estragado
pela visão de um roadie remando na água para soltar os tentáculos da fera e
trazê-la para a plena vista da multidão.
Embora Waters reclamasse de que os “músicos da banda”, ou seja, Wright
e Gilmour, se opunham a “qualquer coisa teatral”, havia um entendimento tácito
entre os quatro de que, na falta de um frontman com sex appeal, como Robert
Plant ou Mick Jagger, era melhor que eles encontrassem outras formas visuais de
atrair a atenção do público. “Nos anos 1970, as pessoas vinham escutar a música
e ver o show”, disse Richard Wright. “Elas não vinham me ver, ou a Dave e
Roger. Não éramos pessoas convencionais do rock-n’-roll, desesperadas para ser
celebridade. Não nos importávamos de não estar nos holofotes.”
Em 1971, os colegas britânicos do Led Zeppelin ficaram famosos por suas
atividades fora do palco, com contas astronômicas de hotéis, histórias hercúleas
sobre uso de drogas e groupies que eram utilizadas nos shows. Para o Pink Floy d,
álcool e narcóticos eram assimilados e, como todas as bandas de rock inglesas,
eles atraíam a atenção das groupies, apesar de Rogers ter dito na época que,
“diferente da maioria das bandas, nós não estamos de verdade nessa onda de
farrear em turnê”.
Mas, como todas as bandas em turnê, eles tinham horas de tédio para
contornar. Jogos de gamão, Banco Imobiliário e o já mencionado mah jong
estavam entre as atividades favoritas depois do show, especialmente para o
espírito competitivo de Roger. Mas, ainda assim, havia rompantes de
comportamentos típicos do rock-n’-roll. Lembrando-se da vez em que Gilmour
pegou emprestada a motocicleta de um fã e dirigiu até um restaurante em
Phoenix, Arizona, para o completo desinteresse dos presentes que jantavam, Nick
Mason falou: “Isso nos lembrou por que não costumávamos fazer esse tipo de
coisa”.
De volta ao lar, as noitadas comunitárias de três anos atrás eram coisa do
passado. Cada membro da banda havia seguido o rumo para a vida doméstica.
Em 1968, Roger e Judy se mudaram de Shepherds Bush e compraram uma casa
no valor de 8 mil libras na New North Road, em Islington, na época, uma rua
principal que ligava a Essex Road ao sul, em direção a Hoxton. Era um lugar
considerado pouco comum para um artista de uma banda de rock tornar seu lar.
O antigo colega de quarto de Sy d, David Gale, então começando sua própria
companhia de teatro, mudou-se depois para uma casa do outro lado da rua.
Waters recuperou algumas de suas habilidades de arquiteto e fez ele
próprio parte do trabalho de reforma. A decoração era impecável, com chão de
madeira e mobília minimalista na qual seu casal de gatos birmaneses podia vagar
livremente. A edícula do jardim de Roger e Judy tornou-se o local de trabalho de
ambos. Metade servia como estúdio para Waters, enquanto a outra metade foi
entregue para que Judy trabalhasse com sua roda de cerâmica. Ávida para
firmar sua independência, Judy ainda lecionava em período integral na Dame
Alice Owen School, em Islington, cujos alunos ficaram aparentemente atônitos
ao descobrir que ela era mulher de um membro do Pink Floy d. No começo
Waters comprou um Jaguar, até que seus princípios socialistas levaram a melhor
e ele o trocou por um Austin Mini.
Nick Mason não partilhava das dúvidas de seu colega. Um Lotus Elan
estaria entre os diversos carros esportes que acabariam parados na frente da casa
que ele dividia com Lindy, na St. Augustine’s Road, em Camden. Rick e Juliette
Wright e seus dois jovens rebentos, a filha Gala e o filho Jamie, estabeleceram
seu lar a alguns quilômetros de Nick e Roger, na Leinster Gardens, em
Bay swater.
David Gilmour era então o único membro solteiro do Pink Floy d. Desde
que se juntara ao grupo, ele curtira sua liberdade no apartamento em Richmond
Mansions. Durante uma rara pausa na agenda da banda, Gilmour foi ao
Marrocos de férias com sua namorada, a modelo da Quorum Jenny Roth.
Contudo, com o início da nova década, seus dias de solteiro estavam contados. No
final do ano, ele havia saído do apartamento em Richmond Mansions e comprado
uma propriedade, uma fazenda abandonada, com estábulo e celeiro, próximo de
Roy den, em Essex. Cheia de esculturas de madeira, cercas baixas e uma grande
escadaria em caracol, a casa oferecia uma mudança benvinda de cenário para o
guitarrista, que disse naquele ano a um entrevistador: “Sou um garoto do campo
em meu coração”.
Ao sair em turnê após sua primeira compra, Gilmour deixou Emo
hospedado para tomar conta do lugar. Sem eletricidade ou aquecimento, mas
com o barulho matutino de um galinheiro próximo e as enormes janelas sem
cortinas que se abriam naquela área rural deserta, a casa não era o melhor dos
lugares para dormir depois de uma noite de excessos. Mas, apesar do status de
solteiro de Gilmour, logo a fazenda se beneficiaria de um toque feminino.

No meio da turnê americana de 1970, o guitarrista conheceu uma loira


arrebatadora nos bastidores de um show em Ann Arbor, Michigan. Virginia
Hasenbein, conhecida por todos como Ginger, era uma modelo de 20 anos da
Filadélfia, garota propaganda da marca Leichner e também parte de um grupo
de dançarinas de patins. Ginger tinha um relacionamento com o mesmo cara
(“um doce empresário”, ela se lembra) desde os 16 anos. Após conhecer
Gilmour no show do Floy d, encontrou-o novamente em uma festa naquela
semana. Dessa vez, ela contou depois, Gilmour pediu que Waters distraísse o
namorado dela e se apresentou de forma apropriada. Para todos os efeitos, os
dois se sentiram imediatamente atraídos um pelo outro, e Ginger voou para Nova
York para se encontrar com o guitarrista dias depois.
“Antes de cada show, ele colocava uma pequena cadeira próxima aos
amplificadores e eu me sentava ali”, Ginger disse ao jornal Mail on Sunday, em
2004. “David saía do palco e nos beijávamos. Nunca parávamos de nos beijar.”
“Ela se parecia com um anjo e David se apaixonou”, recorda-se um
confidente. “Ginger fazia parte de um show de patins na época e costumavam
chamá-la de ‘Sonho de rodas’. Acho que havia uma conversa de que ela também
ia estrelar um filme. Levou só duas semanas para que ela abrisse mão de tudo –
sua carreira, família, sua casa – e fosse com ele para a Inglaterra. Steve
O’Rourke deu uma baita força para ajudar que isso desse certo.”
De volta à Inglaterra, o casal pegou o Jaguar de Gilmour e cruzou o país,
dirigindo até Atenas, antes de tomar um barco em Rodes, onde passaram o
feriado na nova casa de campo que O’Rourke havia comprado, em Lindos.
Quando retornou à Inglaterra, o casal começou a reformar a fazenda em
Essex. Nos anos que se seguiram, Gilmour instalaria um estúdio caseiro e uma
piscina (que ele mesmo cavou), além de comprar uma bicicleta com a qual
podia andar pelas trilhas. Um cavalo aposentado que puxava um carrinho de
cerveja deu uso ao estábulo, enquanto o antigo veículo de transporte comunitário
do Floy d, um Packard oito cilindros, foi guardado no celeiro. Depois, um distraído
Emo deixaria a bicicleta fora, na chuva, e o cavalo comeria o selim. Mas até
então a vida era boa.

Apesar de parecer estranho, o Pink Floy d faria dois álbuns em 1971.


Naquele ano, a EMI lançou Relics, uma compilação com onze faixas para seu
selo de baixo orçamento, Starline/Music For Pleasure. Com o subtítulo A Bizarre
Collection of Antiques and Curios, continha os hits “Arnold Lay ne” e “See Emily
Play ”, junto com as canções de pouco sucesso “Careful With That Axe Eugene”,
“Interstellar Overdrive”, e as esquecidas do lado B, incluindo a charmosa música
de Richard Wright, “Paintbox”, que depois ele diria ser pavorosa. Relics também
trazia uma composição inédita, “Biding My Time”, uma sobra de 1969
abandonada da suíte “The Man, The Journey ”, que tinha a rara distinção de
incluir um solo de trombone de Wright, uma homenagem aos seus dias como fã
de jazz da época dos chapéus-coco, feita no começo dos anos 1960.
O esboço da capa de Relics no estilo do cartunista Heath Robinson seria a
única incursão de Nick Mason na arte dos álbuns, evidência de que aqueles três
anos debruçado em uma mesa de desenho na Regent Street Poly não foram um
desperdício completo. A despeito de ter sido lançado por conta de obrigações
contratuais, Relics se tornaria um item precioso para os fãs do Floy d posteriores a
Dark Side of the Moon, que queriam conhecer a banda em sua fase sessentista,
sem ter que esvaziar a carteira para comprar todos os álbuns anteriores.
Relics seria considerado o culpado por ter tirado parte das vendas do disco
seguinte do Floy d. Ainda assim, Meddle foi lançado em torno de seis meses
depois, em novembro. Sua imagem abstrata, um close de uma orelha humana
submersa, é a capa do Floy d de que Storm Thorgerson menos gosta. Parte da
responsabilidade pode ser atribuída à banda que apresentou ideias brutas durante
uma turnê no Japão. “A banda sempre diz que Atom Heart Mother era uma capa
melhor do que um disco”, diz Thorgerson, “mas acho que Meddle é um disco
bem melhor do que a capa.” A foto da banda no encarte seria a última do grupo a
aparecer em um disco original do Floy d até 1987, com o lançamento de A
Momentary Lapse of Reason. O desfile de fungos faciais e camisetas cavadas
provavam que a banda era completamente indistinguível de seu público, o que,
claro, era exatamente a forma que eles gostavam.
Apesar de completar seu álbum mais forte desde The Piper at the Gates of
Dawn, a natureza incansável da banda fazia com que eles se distraíssem
facilmente por outros projetos. Adrian Maben, um jovem diretor francês,
abordara David Gilmour e Steve O’Rourke no começo daquele ano, propondo um
filme no qual o Pink Floy d fizesse a música para imagens de pinturas de René
Magritte, Jean Tinguely e Giorgio de Chirico, entre outros. “Eu pensava
ingenuamente que seria possível combinar boa arte com a música do Pink
Floy d”, disse Maben. A banda recusou educadamente.
Naquele verão, Maben, passando férias na Itália, fez uma visita a um
anfiteatro de dois mil anos de idade em Pompeia, ao pé do monte Vesúvio. Após
perder seu passaporte durante a visita, Maben convenceu o segurança a deixá-lo
voltar ao anfiteatro para procurá-lo. Sozinho na arena deserta à luz mórbida do
crepúsculo, ele foi aturdido pelas linhas fantasmagóricas do ambiente e sua
fabulosa acústica natural, que amplificava o som de insetos e morcegos e, quem
sabe, outros entes voadores por entre as ruínas.
Maben conseguiu alguns fundos de um produtor alemão, Reiner Moritz, e
marcou outra reunião com a banda, dessa vez para propor a ideia de um filme de
rock que poderia ser, em suas palavras, “um anti-Woodstock’”, uma reação ao
celebrado longa-metragem do diretor Michael Wadleigh sobre o festival de 1968.
Help!, o filme que Richard Lester havia feito sobre os Beatles, e a película de D.
A. Pennebaker sobre Dy lan, Don’t Look Back, tinham seguido o mesmo veio.
Maben, por sua vez, queria que o Pink Floy d tocasse no anfiteatro vazio, só para a
equipe de filmagem e um punhado de roadies.
“Não era preciso haver um grande público para a banda ser vista como
extremamente bem-sucedida – filmes de rock já tinham virado um clichê”,
explica Maben. “Qual teria sido o motivo de fazer esse mesmo tipo de filme com
o Floy d?”
A banda se animou com a ideia e concordou em pagar metade dos custos,
mas mantendo controle sobre o produto final, uma decisão da qual se
arrependeriam depois.
No começo de outubro, o Pink Floy d voou para Pompeia para começar as
filmagens, com uma equipe reduzida liderada por Pete Watts e Alan Sty les. Com
mais shows marcados no Reino Unido, eles trabalhavam com uma agenda
apertada. Não havia, como resmungou Nick Mason, “noites de descanso para
provar a culinária local e sua carta de vinhos”. Ao contrário, a banda passou os
três primeiros dias incapaz de fazer qualquer coisa, porque não havia energia
elétrica. Quando a força foi finalmente ligada, ela era insuficiente para dar conta
do equipamento de som e luz. Por fim, um cabo foi conectado à prefeitura,
correndo pelas ruas até o anfiteatro, com um roadie de guarda para se certificar
de que não fosse desconectado.
Uma das exigências do Floy d foi de que Maben os filmasse e gravasse
tocando ao vivo. Não haveria playback. A banda tocou versões de suas faixas
mais recentes, “Echoes” e “One of These Day s”, junto com uma ressuscitada
“A Saucerful of Secrets”.
Em cenário real, tocando com o sol do Mediterrâneo ao fundo e para um
público misto de cameramen, roadies e alguns garotos locais que conseguiram
entrar, a filmagem oferece um revelador vislumbre do Pink Floy d pré-superstar
da era pós-Sy d. A nova “Echoes” se iguala ao anfiteatro com perfeição: uma
performance lânguida e sem pressa, entrecortada com imagens das esculturas e
gárgulas que os cercam para dar dramaticidade. Depois, quando a canção
divaga, a banda é mostrada passando pelas piscinas de lava borbulhante e
fumegante nas rochas sulfurosas do monte Vesúvio – todos de cartola e camisetas
pintadas com gravatas – como quatro reis hippies transportados para uma
paisagem pré-histórica.
A banda tocou “A Saucerful of Secrets” a pedido de Adrian Maben, já que
ele queria filmar Waters reprisando seu antigo truque de atacar o gongo no meio
da canção. Filmada com a luz do sol da manhã, Gilmour, descalço, se acocora na
areia, tocando slides extraterrestres com sua Stratocaster, enquanto Mason faz
uma levada padrão e Wright martela figuras rotatórias no teclado em
homenagem a seu antigo herói da década de 1960, Stockhausen. Enquanto isso, o
mestre de cerimônias Waters detona um conjunto de pratos, antes de ir ao gongo
e golpeá-lo alegremente com uma marreta. Ele se parece menos com um
músico e mais com um esportista marcando o ponto final do jogo. Permanece ali
a imagem mais bela de cada um deles no começo da década de 1970.

Após apenas três dias de filmagens, a banda retornou à Inglaterra para um


show na Universidade de Bradford. Quando o produtor de cinema alemão Reiner
Moritz não pôde pagar a conta de hotel deles, Maben ficou preso no hotel até que
lhe fosse enviado dinheiro. Ele também tinha outra preocupação urgente: ainda
havia lacunas no filme, as quais esperava que o Floy d concordasse em preencher
posteriormente.
Em dezembro, a banda se juntou a Maben em Paris, no estúdio Studio
Europasinor, para mixar a filmagem de Pompeia e gravar mais algumas coisas.
Eles foram filmados em um palco vazio, tocando “Set the Controls for the Heart
of the Sun”, “Careful With That Axe Eugene” e uma versão da novidade do
Meddle, a faixa “Seamus”, chamada dessa vez de “Mademoiselle Nobs”, em
homenagem à cadela Nobs, da raça afghan hound, persuadida a uivar com a
gaita de Gilmour.
Maben também filmou entrevistas especiais em Paris, que ficaram de fora
da edição original, mas vieram à tona na edição do diretor em 2002. O humor
barulhento do grupo estava em plena fluidez enquanto Maben, fora da câmera,
tentava conduzir a entrevista. O Floy d, comendo ostras e virando garrafas de
cerveja, se esquivava a cada pergunta. Waters, com olhinhos brilhando como
pérolas de travessuras, é o mais evasivo do grupo.
“Você está feliz com a filmagem?”, pergunta Maben a certa altura.
“O que você quer dizer com feliz?”, rebate o baixista, soprando anéis de
fumaça.“Bem, você acha que ela é interessante?” – é a pergunta seguinte.
Há uma pausa longa e excruciante.
“O que você quer dizer com interessante?”, responde Roger, zombando.
“Eles tiravam sarro de mim o tempo todo”, admite Maben. “Acho que
Roger era o mais inquieto dos quatro. Embora Peter Watts, o roadie, tenha dito
para mim que Sy d Barrett era cem vezes pior.”
Assisti-la agora nos dá um cândido vislumbre da dinâmica da banda. O
grupo tinha desenvolvido um senso de humor telepático e uma propensão para
piadas e muita competição, tal qual qualquer grupo de homens que fica tempo
demais na companhia uns dos outros ao longo de três anos. Entretanto, seus
respectivos papéis eram ordenadamente encerrados. Waters é o líder e principal
atormentador; Gilmour lhe dá apoio, quase emparelhando no nível de sarcasmo;
Mason faz algumas tentativas de conciliação (“Adrian... Adrian... sua tentativa de
extrair uma conversa desse pessoal está fadada ao fracasso”), mas não consegue
ajudar a desencorajar Waters; Wright sorri enfastiado e tenta dar respostas
diretas às perguntas. De fundo, um roadie do Floy d, Chris Adamson, diverte-se
com a tão familiar demonstração. Quando Maben tenta envolver Adamson na
entrevista, Mason interfere, rápido como um raio: “Ele não é importante; não
gaste filme com ele. Como dizem os franceses, ‘ele não é apenas um roadie?’.”
Em meio a gargalhadas altas, parece que Gilmour ainda tenta responder.
Uma versão de sessenta minutos de Live at Pompeii iria estrear no Festival
Internacional de Filme de Edimburgo, em 1972, recebendo críticas diversas.
Contudo, não era o produto acabado. Maben ainda se encontraria com a banda
mais uma vez no ano seguinte para fazer mais gravações que, sem que ela
soubesse, daria ao filme ainda mais importância.
Enquanto isso, embora não tenha chegado ao primeiro lugar como Atom
Heart Mother, Meddle ainda alcançou uma saudável terceira posição. De forma
frustrante, não foi tão bem nos Estados Unidos, ficando na posição 70, o que
levou depois a uma séria revisão no relacionamento da banda com o selo
americano Capitol.
Apesar da carreira fraca nos Estados Unidos, Meddle deu ao grupo várias
boas resenhas, com a Rolling Stone aplaudindo “o surgimento de David Gilmour
como a força que molda o grupo”. Em seu lar, a imprensa musical estava
dividida. A Sounds aplaudiu “Echoes” como uma das mais “completas canções
que o Pink Floy d já havia feito”. A revista rival, Melody Maker, ficou menos
impressionada. O editor Michael Watts, fã da banda de longa data, repreendeu “o
lamacento Meddle” com seus “vocais fracos e trabalhos instrumentais que são
certamente antiquados”.
Um mês depois, Watts recebeu um pacote na redação da Melody Maker.
Desembrulhou o que pensava ser um presente de Natal de alguma gravadora
grata e deu de cara com uma brilhante caixa de madeira vermelha, a tampa
presa com um trinco. Watts abriu o fecho e pulou para trás quando uma luva de
boxe saltou de dentro, por pouco não atingindo seu rosto. Era um presente de
Natal do Pink Floy d.

Para Sy d Barrett, o começo de uma nova década marcaria o início de sua


lenta retirada da indústria musical. Seu segundo álbum solo, Barrett, saiu no fim
de 1970, com uma embalagem cheia de insetos desenhados por ele mesmo em
seus dias na escola de arte. “Sy d Barrett é capaz de coisas bem maiores do que
isso”, afirmou a Disc and Music Echo. Sy d concordou meio a contragosto a
promover o disco, aparecendo em fotografias na Melody Maker. Ele disse na
entrevista, relutante e distraído: “Nunca cheguei a provar que estava errado,
apenas preciso provar que estou certo”.
No verão de 1971, Mick Rock conseguiu um encontro, tirando fotos e
entrevistando Barrett no jardim da Hills Road para a revista Rolling Stone,
enquanto a mãe coruja de Sy d os abastecia com chá e bolo. Nas imagens, o
vocalista aparece sorrindo e relaxado, mais próximo de sua antiga versão de
astro pop, e novamente com os cabelos longos. Entretanto, a entrevista é
carregada de frases que traem sua mente confusa (“tenho uma cabeça muito
irregular”) e uma incerteza atroz sobre o que o futuro lhe guardava. “Estou
trilhando o caminho ao contrário”, ele admitiu com pesar. “Em sua maior parte,
apenas desperdicei meu tempo.”
Sy d apareceria em Londres naquele verão para visitar Mick e sua mulher
na época, Sheila, no apartamento deles em Shepherds Bush. Chegou à porta sem
aviso, fumando maconha, e então desapareceu novamente, retornando meses
depois.
Em janeiro daquele ano, Sy d esteve entre os convidados no casamento de
seu antigo colega de apartamento, Seamus O’Connell, em Cambridge. Ele
apareceu com Roger Waters, comportou-se de forma impecável, e até mesmo
sumiu para um pub após a cerimônia com a mãe de Seamus. De volta a
Cambridge, Peter Wy nne-Willson, que agora havia se tornado um satsangi,5
apanhou Sy d na casa de sua mãe e o levou ao local de encontro da Sant Mat.
“Haveria algumas pessoas ali que ele conhecia, e achamos que poderia gostar”,
lembra-se Peter. “Mas ele ficou arisco muito rapidamente e saiu. Foi a última vez
que vi Sy d. Fiquei com a impressão de que ele realmente não curtia ver pessoas
que o lembrassem daqueles dias.”
Barrett talvez quisesse se distanciar de seus contemporâneos do Pink Floy d,
mas no final do ano ele teve um reencontro com uma antiga namorada. Jenny
Spires estava de volta a Cambridge e vivendo com seu novo parceiro, um músico
chamado Jack Monck. Sy d sentia-se seguro perto de Jenny e, em janeiro de
1972, ela o levou para assistir a um show na King’s College Cellars. Monck tocava
baixo para um bluesman americano, Eddie ‘Guitar’ Burns. Na bateria, estava John
Alder, chamado de Twink, que integrara uma das bandas regulares do UFO, a
Tomorrow. Ele e Barrett já tinham se visto antes em diversas ocasiões em
Londres. “Achei que ele estava bem”, lembrou-se Twink. “Foi uma relação
calorosa, nada de más vibrações.”
Naquela noite na King’s College Cellars, Barrett pegou uma guitarra
emprestada, subiu no palco com Monck e Twink, e tocou vários blues
improvisados como aquecimento para a apresentação da atração principal. Na
noite seguinte, Barrett juntou-se à dupla para uma canja na Cambridge Corn
Exchange. Eles usaram o nome The Last Minute Put Together Boogie Band e
ensaiaram algumas das músicas de Sy d mais cedo naquele dia. Juntou-se ao trio
naquela noite o guitarrista americano Bruce Paine e Fred Frith, que
acompanhava o guitarrista inglês de jazz rock, Henry Cow. Infelizmente, Barrett
foi incapaz de se lembrar das mudanças de acordes de suas antigas canções,
optando por tocar repetidamente o riff de uma versão da música do Yardbirds,
“Smokestack Lightnin”.
Incansáveis, Twink e Monck perseveraram, aparecendo alguns dias depois
na Hills Road para conversar com Sy d sobre montar uma banda. Barrett
concordou e o trio começou a ensaiar e até a trabalhar nas canções próprias
“Octopus” e “Golden Hair”, antes que os chamassem para um show na
Cambridge Corn Exchange, com a MC5 como banda de apoio – os roqueiros que
no final dos anos 1960 fizeram fama com “Kick Out the Jams”.
Em 5 de fevereiro de 1972, Barrett, Twink e Monck adotaram o nome Stars
e fizeram sua estreia em um show de fim de tarde na lanchonete Dandelion.
Alguns presentes se lembram de o show ter sido um pouco caótico e que a
musicalidade de Barrett ficava aquém da atuação de seus companheiros, mas o
grupo pareceu satisfeito com seu desempenho.
Stars tocou novamente no Dandelion e também fez um show aberto de
última hora na Market Square de Cambridge. A única fotografia conhecida de
Barrett nesses shows mostra seus cabelos na altura dos ombros e o rosto
obscurecido por uma pesada barba negra; irreconhecível diante da imagem de
tempos anteriores de astro pop, e indistinguível de qualquer um dos outros caras
cabeludos e barbados com quem aparece tocando. Drogas, aparentemente,
estavam ausentes.
Nenhum de seus colegas de banda nem sequer se lembra de ver Sy d
fumando um baseado, quanto mais tomando alguma coisa mais forte. Embora
seu comportamento geral fosse distraído e ele parecesse um pouco frágil, Sy d
não era, nas palavras de uma testemunha, “mais peculiar do que muitas pessoas
que havia por ali, porém era preciso ficar esperto para acompanhar as estranhas
tangentes que ele apanhava em uma conversa”.
Foi uma impressão partilhada pelo crítico de rock, Nick Kent, que tinha
visto Barrett se revelando no palco pela primeira vez em 1967. Na época, Kent
escrevia para o jornal underground Frendz. A redação do jornal na Portobello
Road, em Notting Hill, ficava em cima de um local para ensaios, onde ele
encontrava Sy d e alguns dos membros da Star. “Isso foi no começo de 1972, o
sonho hippie estava morrendo e havia uma horrível dose de casualidades, como
na situação de Sy d por abuso de ácido, então ele se encaixava perfeitamente”,
explica Kent. “Todos os dias, pessoas que haviam tido uma má experiência
vinham ao escritório para tentar falar sobre suas visões de mundo. Na verdade,
Sy d não era tão ruim quanto a maior parte dessa gente.” Contudo, Kent também
teve algumas conversas tangenciais com Barrett. “Havia um jovem meio hippie
naquele dia que lhe perguntou: ‘Tem escrito músicas novas, Sy d?’. E Barrett
respondeu: ‘Sinto muito, mas eu não falo francês’.”
De volta a Cambridge, a aparência de banda de garagem da Corn
Exchange não servia mais para o novo grupo de Sy d. Conforme se espalhava a
notícia de que Barrett estava tocando ao vivo novamente, ingressos para o show
do dia 24 de fevereiro se esgotaram rapidamente. A casa foi lotada com devotos
de Sy d que viajaram até Cambridge. Infelizmente, como precursores do punk
rock, o incendiário MC5 estava fadado a dificultar a vida de qualquer artista que
tocasse depois deles. No começo, Barrett mostrou-se disposto. Ele tinha raspado a
barba e comprado um novo par de calças de veludo. Testemunhas recordam-se
de uma apresentação que incluía as músicas próprias de Sy d “Golden Hair” e
“Octopus”, além de “Lucifer Sam”, do Pink Floy d. No palco, contudo, o Stars foi
prejudicado por problemas sonoros, enquanto Barrett cortou o dedo em uma das
cordas e começou a sangrar. Quando o amplificador de Jack Monck pifou no
meio do show, Sy d começou a se retirar do palco, parecendo, mais uma vez, agir
como se estivesse em outro lugar.
Ainda determinado, o Stars tocou novamente na Corn Exchange, apenas
dois dias depois, junto com a banda de rock progressivo Nektar. Mick Brockett na
época estava atuando como engenheiro de luz para o Nektar e já tinha visto o
Pink Floy d quando trabalhava na Roundhouse. Brockett, que mantinha um diário
naquela período, descreveu o show com uma palavra: “patético”.
“Fiquei muito desapontado”, ele se lembra hoje. “Sy d e Twink
bombardearam nossos ouvidos, até mesmo nos bastidores, com sequências de
acordes dissonantes, gritos e berros, sem nenhum conteúdo musical.”
Seria o último show do Stars. Dias depois, a Melody Maker fez uma crítica
pobre do primeiro show na Corn Exchange, redigida pelo escritor e aficionado
por Sy d, Roy Hollingsworth. “Ele mudava de andamento a todo instante; as
tonalidades e acordes não tinham sentido algum”, ele escreveu. “Os dedos de sua
mão esquerda encontravam as trastes como se fossem estranhas. Eles criavam
acordes, os reformavam e então se perdiam de novo. Foi como assistir a alguém
juntar pedaços de memórias que tinham sofrido severos traumas pós-guerra...”
No público da primeira noite também estava Clive Welham, o baterista da
primeira banda de Barrett. “Sy d nem parecia estar lá, ficava sem fazer nada,
olhando ao redor. Era como se se perguntasse o que estava acontecendo”,
lembra-se Clive. “Saí mais cedo do show. Estava quase chorando. Não suportava
vê-lo daquela maneira.”
“Foi um show desastroso”, falou Twink. Barrett apareceu na sua porta, com
uma cópia da crítica da Melody Maker na mesma manhã que saiu. “Sy d ficou
realmente incomodado com aquilo. Ele disse que não queria mais tocar.” O Stars
estava acabado.
Barrett conteve sua raiva até retornar a Hills Road. Retórico e delirante, ele
quebrou seus móveis antes de ir para seu quarto no porão. Uma vez lá, começou
a bater a cabeça compassadamente contra o teto.

1 Termo inglês que se refere a jovens de classe média alta que adotam estilo que
os distingue pela discrição e elegância. (N. T.)
2 “o espaço entre amigos”. (N. T.)
3 Estilo de música coreana. (N. T.)
4 “Um dia desses te pico em pedacinhos.” (N. T.)
5 Seguidor de Swaminaray an, a figura central do hinduísmo moderno. (N. T.)
CAPÍTULO SEIS CARRO NOVO, CAVIAR

“Você tem de ser competitivo, agressivo e egocêntrico – todas as coisas


que farão de você um verdadeiro astro.”
Roger Waters

No cavernoso hall da Earls Court, em Londres, a exibição era o assunto favorito


à medida que o evento se aproximava. Enquanto as pessoas se acotovelavam
entre as barracas de comida inflacionadas, bancas de merchandising com as
últimas criações artísticas empilhadas de Storm Thorgerson, o designer do Floy d,
e bares vendendo cerveja morna em copos de plástico, a pergunta que ecoava
em todos os lugares era: eles vão tocar Dark Side of the Moon ou não?
Era outubro de 1994 e o Pink Floy d estava em turnê desde abril. Em dado
momento de julho, em algum ponto do Meio-oeste americano, o Pink Floy d
começou a tocar na íntegra seu álbum que teve 35 milhões de cópias vendidas,
durante a segunda parte do show. Desde então, isso vinha sendo repetido de
forma randômica durante a turnê que passou por Roterdã, Basileia, Hannover e
Roma. Londres teria sorte. Seis dos 14 shows feitos na Earls Court incluirão Dark
Side of the Moon completo.
A dissertação de Roger Waters sobre a condição da raça humana já havia
completado 21 anos de idade. Waters se foi, mas seus antigos colegas e uma
equipe contratada iriam reproduzir seus melhores 41 minutos nessa noite, fazendo
voltar os anos para tantos membros do público que tinham idade suficiente para
se lembrar da primeira vez que os escutaram, e também para milhares de jovens
que os haviam conhecido mais recentemente. Eles começam e terminam com o
som de um coração humano batendo, e atravessam uma gama de emoções e
experiências, explorando medo, fracasso, ganância e insanidade, apresentados
com perfeição para a plateia – em êxtase – no estádio.

Tudo tinha sido bem diferente em 1972.


“Em razão de vários problemas mecânicos e elétricos, não podemos
continuar fazendo isso, então faremos algo diferente...”
Roger Waters fez seu anúncio por volta de vinte minutos da primeira
performance da nova peça do Pink Floy d no The Dome, em Brighton, no dia 20
de janeiro. O plano tinha sido abrir o show com seu último trabalho em
progresso, ainda não gravado, mas supostamente chamado Dark Side of the
Moon. Na luta para tocar no tempo de uma fita com efeitos especiais, o
equipamento da banda começou a se comportar de forma estranha, e eles
encalharam nos primeiros compassos de uma música que dali a um ano seria
conhecida como “Money ”, e que iria ajudar a tornar o Pink Floy d uma das
maiores bandas do planeta.
Na verdade, o problema não era a natureza complicada da nova música da
banda. Assim como em Pompeia, uma grande quantidade de equipamentos de
som e luz foi conectada a uma mesma fonte de força. Algo tinha que ceder.
Frustrado, Waters e Gilmour saíram do palco. Após uma breve pausa, voltaram
para fazer os compassos de abertura de “Atom Heart Mother”.
Infelizmente, conforme Nick Mason admitiu depois quando discutia a
mentalidade geral da banda, “nós tínhamos medo de morrer de tédio”.
Naquela fatídica noite, o concerto de rock sinfônico datado de 1969,
apresentado com tudo exceto a orquestra, soou velho e sem brilho. De um modo
estranho, a banda tinha ficado sem gás e perdido o rumo novamente.
Na mesma noite, em Cambridge, Sy d Barrett estava tocando no palco da
King’s College Cellars com os músicos que constituiriam sua nova banda, Stars.
Entretanto, a aventura musical planejada por seu antigo grupo não podia ser mais
distante do que o blues em doze compassos que Barrett fazia.
A frustração de Nick Mason com grande parte do material que o grupo
tinha era partilhada por seus colegas. Roger Waters, em especial, foi perspicaz
em explorar a direção que o conjunto tinha tomado com “Echoes” e criar outro,
chamado “Poema épico sonoro”, dirigido por um tema similar.
Apesar da distração que o título Dark Side of the Moon fornecia, ainda
havia um desejo arrebatador de se desvencilhar daquela imagem de “rock
espacial”, escrever sobre pessoas de verdade, emoções reais e vida real.
Dark Side of the Moon (o artigo definitivo The só apareceria na
reimpressão de 2003) começou da mesma forma que a maior parte dos álbuns
do Pink Floy d: com a banda brincando em um estúdio por horas para ver se
conseguia criar algo que valesse a pena. Em 29 de novembro de 1971, tendo
acabado uma excursão pela América do Norte, o grupo agendou cinco dias no
Decca Studios, em West Hampstead, a mesma casa em que David Gilmour
outrora fizera seu teste com a Jokers Wild. Antes disso, eles tiveram uma reunião
na casa de Nick Mason, em Camden, onde Roger Waters lançou uma ideia.
“Eu me lembro de estar sentado na cozinha, olhando para o jardim e dizer:
‘Ei, caras, acho que tenho uma resposta’”, ele se recorda. Waters descreveu sua
visão de uma peça musical “sobre as pressões, dificuldades e questões que
aparecem na vida de uma pessoa e geram ansiedade”.
“Recordo-me de Roger dizer que ele queria escrevê-la de forma
absolutamente direta e clara”, diz Gilmour. “Dizer pela primeira vez exatamente
o que queria e sair daquele padrão psicodélico e esquisito, e dos gorjeios
misteriosos.”
“Essa sempre foi minha luta no Pink Floy d”, diz Waters. “Tentar arrastá-lo
de volta das fronteiras do espaço, chutando e berrando, sair daquela
extravagância em que Sy d estava, para algo que, no meu entendimento, era
muito mais político e filosófico.”
Agora um homem casado de 23 anos de idade, o baixista ainda lutava com
diversos temas com os quais tinha dificuldade de lidar desde a adolescência. No
topo de tudo estava a crença convicta de sua mãe, passada para ele desde muito
jovem, de que era necessário ter “uma educação decente, um trabalho decente,
porque você vai querer ter uma família e precisa estar preparado...”. Roger
admite que chegou a acreditar que parou naquele estágio de se preparar, até que
a realidade o atingiu: “Eu não me preparava para coisa alguma – fiquei bem no
meio de tudo, onde sempre estivera. Puta merda, era isso!”.
Com o encorajamento de Waters, os quatro compilaram efetivamente uma
lista de todas as coisas que os perturbavam no palco e em suas vidas. Elas iam do
tédio e do perigo de viagens aéreas ao medo de crescer e envelhecer; passando
pelos problemas de religiões organizadas à violência, ganância e, a mais
pungente na vida de seu antigo cantor, insanidade.
Outros conceitos encontrariam espaço na mistura lírica conforme o
trabalho progredia, mas por ora eles precisavam de músicas. No Decca Studios,
a banda retomou algumas ideias que tinham sido descartadas em álbuns
anteriores. Revisitaram uma suave peça feita para piano por Richard Wright que
tinha sido, de forma intrigante, rejeitada pelo diretor Michelangelo Antonioni
para a trilha sonora de Zabriskie Point, dois anos antes. Ela tomaria forma nos
meses seguintes e se tornaria “Us and Them”. Outra composição do tecladista
aventada seria “The Great Gig in the Sky ”. Waters trouxe algumas demos brutas
de casa – apenas sua voz e um violão – que seriam as bases para “Money ” e
“Time”. A tendência de tagarelar da banda reapareceu com o baixista reciclando
o trecho breathe, breathe in the air..., de “Give Birth to a Smile”, uma faixa da
trilha sonora de The Body, como ponto de partida para a canção que seria
“Breathe”.
Progressos no material novo congelaram novamente em dezembro,
quando o Floy d voou a Paris para ser filmado mais uma vez para o Live at
Pompeii. Contudo, eles recomeçaram as gravações no Abbey Road Studios ao
longo de janeiro e fevereiro de 1972, com sessões quebradas por ensaios e
encontros para compor nos estúdios dos Rolling Stones, em Bermondsey, sul de
Londres. Com datas de shows agendadas por toda a Inglaterra em fevereiro, a
banda estava determinada a ter algo novo para tocar, nem que fosse para
dispersar seu próprio tédio.
Embora o show na Brighton Dome tivesse ido mal, ao menos o Floy d teve
a oportunidade de lançar seu material novo. Alguns dos efeitos especiais
gravados que iriam fazer parte do álbum concluído já eram usados. A canção de
abertura, “Breathe”, ainda em estágio de composição, adquiriu o uso distintivo e
doce do pedal que caracteriza a versão acabada. “On the Run”, na época
chamada de “Travel Sequence”, continha sete minutos de jazz rock, com
Gilmour e Wright brincando, bem diferente da versão orientada pelos
sintetizadores que entrou no disco. Em outro lugar, Wright aveludava as linhas
para uma hesitante versão de “Time” e um protótipo de “The Great Gig in the
Sky ”, na época chamada “Mortality Sequence”, que incluía uma sessão narrada
com fragmentos da Carta de São Paulo aos Coríntios, entrecortada por um
monólogo de Malcolm Muggeridge, jornalista e cristão escolástico, então notório
por seu envolvimento na organização do Festival of Light, um grupo de pressão
dedicado à defesa dos valores cristãos. Uma colega de Muggeridge no Festival of
Light, a ativista cristã Mary Whitehouse, também sentiria todo o peso da ira de
Roger Waters em uma canção posterior do Pink Floy d.
Testar uma média de quarenta minutos de material novo no palco foi um
desafio para a banda e seu público. Mas o rock estava desesperado para ser
levado a sério como forma de arte. Portanto, foi um pulo bem menor do que
parece ser agora. Os shows do Floy d eram com frequência encontros
sedentários, com boa parte do público deitada e envolta na doce névoa de um
grande número de cigarros ilegais. Waters explica: “Queríamos que o público
escutasse de fato. E depois, eu ficava terrivelmente perturbado quando eles não o
faziam”.
A série de shows em fevereiro continuou por todo o país, com Dark Side of
the Moon sendo tocado em sua totalidade, da mesma forma que havia sido, pela
primeira vez, no Portsmouth Guildhall. Ainda havia obstáculos a superar: a
Coventry ’s Locarno Ballroom os viu desvelar seu magnum opus à meia-noite,
após uma apresentação que agradou à plateia do showman Chuck Berry, enquanto
um show na Manchester Free Trade Hall foi abandonado depois de apenas uma
música e meia, por falta de energia. O verdadeiro teste do fervor da banda
aconteceria em quatro noites no final do mês no Rainbow Theatre – a estreia em
Londres do que estava sendo chamado de “Dark Side of the Moon: A Piece for
Assorted Lunatics”.
A banda também fez grande esforço para garantir que o som e a luz
melhor que tudo. No começo do ano, eles haviam adquirido um novo PA
customizado, completo com quatro canais e som quadrifônico de 360 graus; um
aparelho bem distante daquele de 1967, quando o som do Azimuth Coordinator
era comandado por Richard Wright pelos quatro cantos da casa de show a partir
de um dispositivo sobre seu órgão Hammond. Neste caso, também queriam ter a
melhor das aparências, o que significava abandonar os manjados jeans e
camiseta do Floy d (em geral, o jeans era o mesmo, mas de vez em quando uma
camiseta diferente aparecia nos shows), mais o desenvolvimento de um
equipamento de luz primoroso, operado pelo novo membro da equipe, Arthur
Max, um jovem americano que a banda encontrara pela primeira vez dois anos
antes, como engenheiro de luz do Fillmore West, em São Francisco. A fama de
Max o precedia como o homem que havia trabalhado três dias sem parar
operando os holofotes do Festival de Woodstock.
Com casa cheia todas as noites, a banda abriu os shows no Rainbow com
Dark Side of the Moon, seguida de “One of These Day s”, do Meddle, e fechava
com um bis de “Echoes”. Sem perdão, eles não se rendiam aos pedidos da
multidão por “Set the Controls for the Heart of the Sun” e “Careful With That
Axe Eugene”. A mensagem era clara: o antigo Floy d morreu; vida longa ao novo
Floy d. Contudo, um fantasma passageiro, um aparentemente elegante – Sy d
Barrett –, foi visto em meio ao público em um dos shows. A Melody Maker,
cautelosa após o incidente da caixa com luva de boxe no Natal de 1971, delirou
com os “relâmpagos flamejantes, poeira brilhante soprada pelo vento e uma
viagem ao lado escuro da lua”. Derek Jewell, do Sunday Times, parte da nova
geração de críticos da Fleet Street determinados a levar o rock a sério, caiu em
um devaneio sobre “música sobreposta com um labirinto de fitas extras que faz
os ouvidos tilintarem”, antes de finalmente declarar: “O Floy d é o dramaturgo
supremo”.
Em algum ponto entre os desastrosos shows do Brighton Dome e os
vitoriosos do Rainbow, Roger Waters escrevera uma parte crucial da nova
música, um dramático grand finale chamado “Eclipse”. “Acho que cheguei ao
show com a música no bolso”, Waters contou ao escritor John Harris. “Eu disse
algo como: ‘Aqui, pessoal, escrevi o final’.”
Durante um breve período, Eclipse foi o título do álbum. A banda foi
obrigada a mudar o nome quando se descobriu que os roqueiros folk da Medicine
Head tinham lançado um disco chamado Dark Side of the Moon. Quando a
poeira assentou e as vendas do álbum acabaram sendo modestas, o Floy d voltou
para o nome original. Como Gilmour explicou na época, “o disco deles não
vendeu bem, então pensamos, que se dane...”.
A única mosca na sopa foram as notícias de que um pirata do Rainbow
Theatre estava sendo vendido em lojas de disco inescrupulosas do país. De
acordo com algumas fontes, teriam sido feitas cem mil cópias com a nova pièce
de résistance da banda ainda a um ano de ser lançada.
Hoje, a decisão de abandonar temporariamente a gravação do disco e
fazer outro álbum com material novo pode parecer estarrecedora. Barbet
Schroeder, o diretor de cinema francês com quem o Floy d havia gravado a trilha
sonora de More, voltou a procurar a banda.
A última criação em celulose de Schroeder, A colina sagrada, precisava de
música. O Floy d concordou em pegar um voo até o Strawberry Studios, na
Château d’Hérouville, nos arredores de Paris. O estúdio seria imortalizado no
título do álbum de Elton John daquele ano, Honky Chateau.
Em duas incomuns semanas focadas exclusivamente nas gravações, o
Floy d quebrou sua tradição de jams intermináveis. Munidos de cronômetros,
canetas, papel e um corte bruto do filme, eles assistiram e marcaram as
sequências individuais. Fizeram dez músicas em catorze dias, apesar de voarem
para uma turnê no Japão bem no meio do trabalho. Como Nick Mason admitiu
depois, “não tínhamos escopo para autoindulgência”.
Gilmour, que mais tarde alegaria em uma rara explosão de entusiasmo que
adorou o álbum final, também se ateve à disciplina. “Foi jogo rápido. Sentamos
na sala, escrevemos, gravamos, como linha de produção. É bom trabalhar sob
condições restritas de tempo e tentar ir ao encontro das necessidades de outra
pessoa.”
A colina é outra busca espiritual no estilo de More. A protagonista Viviane
(interpretada pela mulher de Schroeder, Bulle Ogier) é casada com um
diplomata francês e visita a ilha de Papua-Nova Guiné em busca de penas raras
de pássaros para vender na sua butique, em Paris. Ela se distrai com o explorador
hippie Olivier e se junta a ele em busca de um vale místico (marcado em um
mapa com as palavras “obscurecido pelas nuvens”). Após ambos encontrarem
um povo indígena, ela enterra suas obsessões materialistas e a maior parte de
suas roupas e, de algum modo, renasce. A tribo Mapuga da Nova Guiné que
aparece no filme também fez uma participação vocal em “Absolutely Curtains”,
a faixa que encerra a trilha sonora do Pink Floy d. As preocupações do filme
parecem enraizadas em uma época diferente, mas na verdade não diferem tanto
do sucesso de Holly wood feito em 2000, A praia: trata-se essencialmente do
empenho de ocidentais superficiais em sua busca por Shangri-lá.
O foco e a excitação gerados pelo progresso de Dark Side of the Moon
aparece na trilha sonora que, por fim, foi chamada de Obscured by Clouds. O
grupo não estava mais “morrendo de tédio”, e isso era claro. Em primeiro lugar,
o álbum fez uso pleno da mais recente aquisição de Richard Wright, um
sintetizador VCS3, um aparelho da equipe por trás do Radiophonic Workshop, da
BBC, que também seria colocado em uso em Dark Side of the Moon. Em
segundo, a maior parte das faixas foi creditada a dois ou mais membros da banda
(uma atitude democrática pouco comum, à luz das futuras brigas referentes à
autoria das canções). Por fim, com nenhuma faixa mais longa do que cinco
minutos e meio, pode-se notar um raro senso de economia musical.
A faixa-título instrumental era uma fanfarra sinistra direcionada pelo
sintetizador que sugeria a reunião de nuvens de tempestades e foi adotada como
introdução durante a sequência de shows. A próxima, “When You’re In”,
construída em torno de figuras de guitarra e teclado com sonoridade heroica,
também instrumental, funcionou no conjunto. O título foi retirado de uma
pegadinha usada pelo roadie do Floy d, Chris Adamson.
Adamson, talvez revivendo o bandido que come ovos interpretado por Paul
Newman no filme de 1967, Rebeldia indomável, tinha animado a todos no Honky
Chateau um dia ao se propor um desafio e apostar que podia comer um saco de
batatas cruas de uma única vez. As apostas foram feitas e Adamson começou a
fatiar os vegetais e temperá-los com sal. “Para lhe dar o valor devido, ele
conseguiu comer dois quilos e meio antes de dizer ‘foda--se’”, conta Roger
Waters. “Elas são cheias de fécula; aquilo certamente o teria matado se ele
tivesse conseguido comer tudo.” Adamson apareceria depois em Dark Side of the
Moon, falando a famosa frase: “I’ve been mad for fucking y ears.6”
Das faixas cantadas em Obscured by Clouds, “Burning Bridges” foi a que
chegou primeiro, uma boa criação de Waters e Wright, com veia similar às
canções “Pillow of Winds’, do Meddle, e “Breathe”, do Dark Side of the Moon.
Em outro lugar, o piano reflexivo e a voz de Wright em “Stay ” sugeriam a
mórbida sensação de “barata no cinzeiro” do álbum de estreia de Steely Dan,
Can’t Buy a Thrill, lançado no mesmo ano. Em uma entrevista na New Musical
Express naquele verão, o tecladista disse que Your Saving Grace, um álbum de
1969 do guitarrista californiano Steve Miller, era um de seus discos preferidos.
Assim, quatro das faixas cantadas, “Childhood’s End”, “The Gold It’s in the…”,
“Wot’s… Uh the Deal” e “Free Four”, tinham um pé dentro do blues, country e
rock folk. Para uma banda que há três anos soava como a quintessência inglesa, o
Pink Floy d havia adquirido uma curiosa cadência americana. “Wot’s… Uh the
Deal” foi reprisada na turnê do álbum solo de David Gilmour de 2006,
confirmando seu status de uma das grandes canções perdidas do Pink Floy d. As
guitarras acústicas sugerem uma jam em frente ao Topanga Cany on, com Neil
Young e Stephen Stills assistindo, soprando anéis de fumaça de baseado. Wright
também toca um maravilhoso e subestimado solo, somando crédito à
competência do produtor John Leckie, que observou que o piano dele costumava
ser destaque em qualquer sessão de gravações do Floy d.
Em contraste, a guitarra elétrica de Gilmour explode em “The Gold It’s in
the...”, em meio à letra simplista, antes de se tornar um longo e chorado solo que
teria deixado o igualmente explosivo Steve Miller orgulhoso.
A composição própria de Roger Waters, “Free Four”, é a maior surpresa do
disco. A letra explora o que rapidamente se tornaria terreno familiar para o
baixista, incluindo uma referência à morte de seu pai na Segunda Guerra
Mundial. “Tudo isso estava presente em ‘Free Four’, que foi de onde vieram The
Wall e The Final Cut”, disse Waters. Contudo, apesar da seriedade do tema, as
letras eram subjugadas a um riff de guitarra suave que, em parte, soa como
David Gilmour brincando de Marc Bolan.
Apesar de sua letra sombria, o riff de “Free Four” foi perfeito para as
rádios americanas de FM. O Floy d ainda se recusava estoicamente a lançar
singles no Reino Unido, mas abriu uma exceção para os Estados Unidos. “Free
Four” obteve sucesso suficiente por lá para se tornar um pequeno hit. Obscured
by Clouds teve lançamento mundial em junho de 1972 e chegou ao número 46
nos Estados Unidos, tornando-se o primeiro disco do Pink Floy d a entrar para o
Top 50 americano.
Mesmo com uma estética cinematográfica arrebatadora, o filme A colina
sagrada, não foi muito bem (e até garantiu um lugar no compêndio de 1986 de
Os piores filmes do mundo). Mas, para seu diretor, Barbet Schroeder, a trilha
sonora contou um ponto a favor para a banda. “Acho que o Pink Floy d se
surpreendeu por ter sido capaz de fazer um disco tão bom em apenas duas
semanas. Talvez eles não devessem ter demorado tanto no estúdio em todas
aquelas outras faixas.”
“Essa é uma coisa chata: perceber que a diferença entre algo que
demoramos duas semanas para fazer e algo que levamos nove meses não é
assim tão grande”, admite Nick Mason. “Quero dizer, a coisa que levamos nove
meses não é 36 vezes melhor.”
O design da capa também não era muito bom. Cortesia da Hipgnosis, trazia
uma imagem pesada e borrada do filme, com um dos personagens obscurecido
por folhagens, buscando alcançar frutas dos galhos de uma árvore. Storm
Thorgerson e Aubrey ‘Po’ Powell escolheram a imagem após assistirem a
numerosos slides de 35 mm do filme, em busca de algo, qualquer coisa, que
servisse como capa. Quando um slide em particular emperrou no projetor, a
imagem ficou borrada.
“De repente, diante de nossos olhos, a qualidade fora de foco imbuiu uma
imagem comum de qualidades mais transcendentais”, escreveu Thorgerson em
seu livro Mind over matter. “Ou foi o que dissemos a Barbet.”
“Eles (a banda) sabiam que tinham outro álbum do Pink Floy d vindo em
breve e não queriam que Obscured by Clouds roubasse o show”, ri Schroeder.
“Então se certificaram de que a capa não tivesse muito apelo. Achei aquilo
bastante divertido.” Uma afirmação que hoje Thorgerson nega com veemência.
Embora o Pink Floy d tenha dado algumas declarações confusas de que
Obscured by Clouds não é propriamente uma obra de peso da banda, mas apenas
uma “coleção de músicas”, o disco rapidamente chegou ao número 6 na
Inglaterra. Nos Estados Unidos, a revista Circus aplaudiu seus últimos esforços:
“O Pink Floy d pode decolar de forma bizarra de uma extremidade do espectro
musical para outra e tirar músicas do bolso do colete”. Na Inglaterra, a sempre
fiel Disc and Music Echo ainda trazia as mesmas metáforas de ficção científica:
“Explosões na cabeça com supernovas aurais sintetizadas de algum canto sinistro
e escuro do sistema solar”.

Na semana em que Obscured by Clouds foi lançado, o Floy d estava


ocupado com outra tarefa de um mês de duração no Abbey Road, gravando
mais “supernovas aurais” que iriam constituir seu próximo álbum. O Abbey
Road finalmente instalou as mesas de 16 canais que não tinham ficado prontas a
tempo para o Meddle. O Floy d produziria a si próprio, mas juntou-se à banda no
estúdio o engenheiro Alan Parsons. O jovem de 23 anos já trabalhava como
engenheiro-assistente no Abbey Road, dos Beatles, o que o levara a um papel
similar no disco solo de Paul McCartney. Agora um engenheiro com um salário
de 35 libras por semana, Parsons havia ganhado experiência como operador de
mesa em algumas sessões do Ummagumma e também mixado sessões do Atom
Heart Mother. Já estava acostumado com a forma de trabalhar do Floy d.
“Eles chegavam ao estúdio sem a menor ideia do que iam fazer e apenas
começavam a improvisar”, diz Alan hoje. “Mas o período de improvisação havia
se tornado definitivamente mais estruturado na época do Dark Side of the Moon,
principalmente porque eles vinham tocando esse disco ao vivo. Não precisavam
ficar burilando demais as composições. Foi uma excelente peça musical que eu
vi ganhando vida.”
Gravações básicas para “Us and Them”, “Money ”, “Time” e “The Great
Gig in the Sky ” seriam completadas ao longo das oito semanas seguintes. De
acordo com Parsons, a ética de trabalho da banda dependia das distrações que os
cercavam, a começar pelo programa surreal de comédia da BBC2, Monty
Python’s Flying Circus, e partidas de futebol televisionadas, pois Waters era fã
convicto do Arsenal FC.
Com a banda distraída, Parsons tinha liberdade para produzir mixagens
brutas do que quer que eles estivessem trabalhando, e somar suas próprias ideias.
“Eu fazia parte de um novo tipo de engenheiro que não se importava de fazer
críticas ou dar sugestões que seriam normalmente feitas pelo produtor... Você
pode dizer que eu deveria ter mantido minha boca fechada. E às vezes eu
mantinha, mas outras, não.”
Uma das sugestões do engenheiro foi relacionada à composição de Richard
Wright, “The Great Gig in the Sky ”, na época ainda sendo chamada de “‘The
Religious Section” ou “The Mortality Sequence”. Ao vivo, ela era tocada no
Hammond e incrementada com efeitos sonoros de palavras gravadas. Wright
usou um grande piano no estúdio um do Abbey Road, achando que o grupo o
acompanhava no estúdio dois, logo ao lado. Em vez disso, eles puseram uma fita
deles próprios gravada uma semana antes, surpreendendo-o na porta quando o
take terminou. Apesar da pegadinha, quando a banda escutou a versão no piano,
percebeu que ela era bem superior ao que vinham tocando ao vivo e foi,
conforme Parsons afirmou depois, “uma das melhores coisas que Rick Wright já
fez”. Contudo, o engenheiro ainda tinha uma sensação ranzinza de que a música
precisava de um elemento a mais e, em um capricho, procurou alguns diálogos
de astronautas no espaço, tiradas de arquivos de gravações da NASA. “Acho que
fiz aquilo enquanto eles estavam assistindo aos jogos de futebol”, ele conta. Mas
rapidamente foi alvo da desaprovação do Floy d. “Achei que funcionou muito
bem... Eles não gostaram.”
“Us and Them” já tinha sido moldada durante os shows, mas levaria mais
alguns meses antes que a banda incluísse seu magnífico solo de saxofone. Dessa
vez, a qualidade etérea da canção e seu andamento lento foram enfatizados pelo
pequeno delay que ocorre o tempo todo, alimentando o som em idas e vindas.
Sem os flangers ou samplers modernos para fazer o trabalho por eles, a banda e
Parsons confiaram em seu próprio senso de timing e experiência. Quando tocada
ao vivo, “Time” tinha soado lenta demais e inacabada. No estúdio, Gilmour
inseriu um vocal bem mais assertivo e o que viria a ser um dos solos de guitarra
mais excitantes do disco.
“Money ” também apresentou um desafio. No show ao vivo, a canção
vinha acompanhada de uma fita em loop, criada por Waters em seu estúdio
caseiro. Roger tinha pegado um dos potes de cerâmica de sua mulher e, com um
gravador de mão, capturado o ruído de moedas jogadas dentro dele. Para
produzir o mesmo som no disco, o loop precisava ser regravado. A banda havia
decidido que o álbum seria lançado em quadrifonia, assim como estéreo; uma
complicação a mais que traria consequências negativas quando o disco saísse, já
que poucos consumidores tinham sistemas quadrifônicos para tocá-lo. A meta,
então, era fazer com que os efeitos sonoros essencialmente “circundassem” a
sala. Isso significava que cada um dos sons que eles queriam incluir – as moedas,
a caixa registradora, o dinheiro (na verdade, apenas papel) sendo rasgado –
precisava ser gravado em pistas diferentes.
A solução veio com cinco fitas individuais ao redor do estúdio, presas
firmemente com pedestais de microfones posicionados com cuidado para evitar
que elas fossem mastigadas pelas máquinas. Como Nick Mason recordou-se
depois, “foi tudo muito Heath Robinson”. Hoje isso pode ser conseguido no
estúdio em questão de poucos segundos com o simples pressionar de um botão.
Musicalmente, “Money ” foi uma quebra ainda maior com a tradição do Floy d.
O riff em 7/4 provou-se um desafio para Nick Mason (“era incrivelmente
difícil tocar junto”), e o andamento varia mesmo no álbum terminado. A
incomum sensação funky também a tornou até então a música do Floy d que mais
se aproximava das tradições negras. “Estudantes brancos descolados entrando no
funk” foi a descrição de Gilmour sobre a canção. Além de incendiar a melodia
com um solo de guitarra incrível, Gilmour também se sentiu livre para empregar
algumas de suas influências R&B e soul da época do Jokers Wild, em especial
Booker T & The MGs.
Como seu predecessor, John Leckie, que foi engenheiro do álbum Meddle,
Parsons logo descobriu que a banda raramente dava sinais de entusiasmo,
mesmo quando as coisas estavam indo bem. “Tudo era sempre muito controlado,
muito sereno. Após um solo de guitarra espetacular, Roger virava-se para nós e
dizia algo como, ‘olha, acho que com esse aí conseguiremos emplacar algo’.”

Com mais uma turnê americana pendente, o Floy d tirou a maior parte do
verão de folga; juntos, um grupo formado por Gilmour, Waters, Wright (Nick
Mason ficou para trás, já que Lindy estava grávida do primeiro filho do casal),
Steve O’Rourke, namoradas, esposas, colegas de drogas e parceiros de trabalho
zarpou para Lindos. Lá, alugaram um bote, pousaram em uma casa de campo,
tomaram banho de sol, beberam, fumaram, jogaram infinitas partidas de gamão
e travaram discussões com as convidadas Germaine Greer, autora do recente
livro feminista, A mulher eunuco, e a artista Caroline Coon, uma contemporânea
da época do clube UFO, que tinha montado o fundo de caridade Release no
começo dos anos 1960.
“Eu estava em êxtase por finalmente tirar algumas semanas de folga
naquele verão”, diz Caroline. “Mas acabei na fortaleza do Pink Floy d, em Lindos.
Eu vinha de um ambiente de classe alta, mas tinha sido expulsa de casa aos 18
anos, e estava absolutamente pobre. Tive uma discussão terrível com Roger
Waters. Falava sobre como havia necessidade de os ricos darem dinheiro aos
pobres, e como bandas de rock deviam fazer mais shows beneficentes. Roger
disse algo horrivelmente mordaz, comentando que o motivo de o país estar em
declínio – com os sindicatos em greve – era a preguiça da classe trabalhadora.
Eu o contradisse e ele devolveu algum comentário presunçoso.”
Sem que soubesse na época, a riqueza pessoal de Roger Waters estava para
crescer de forma imensurável. Apesar do bálsamo nas cercanias de Lindos, os
negócios não podiam esperar. A falta de progresso do Floy d nos Estados Unidos
já vinha sendo motivo de descontentamento havia um bom tempo. A banda tinha
contrato com a parceira e subsidiária da EMI, Capitol, mas estava definhando na
Tower Records, um braço que lidava principalmente com jazz e folk, mas sem o
sinal distintivo da Harvest Records no Reino Unido. O Floy d tinha mais um
álbum, Dark Side of the Moon, para entregar em seu contrato com a Capitol e,
durante o verão de 1972, estava no mercado em busca de um novo acordo.
Jeff Dexter, antigo DJ do Middle Earth, empresariava a dupla de rock-folk
America e dividia um escritório com Steve O’Rourke, que também estava em
Lindos com o Floy d e seus amigos. O disco de estreia do America tinha sido
lançado naquele ano pela Warners, e a proximidade de Jeff Dexter com os
empresários do Pink Floy d era tal que ele ajudou a colocar na jogada o novo
presidente da empresa, Joe Smith. O chefe da Atlantic Records, Ahmet Ertegün,
que já assinara com o Led Zeppelin para o selo, apertou o cerco. Ambos os lados
tinham ciência do sucesso da banda fora dos Estados Unidos e, com a Atlantic e
Warners se fundindo para virar o grupo WEA, acreditava-se que eles poderiam
fazer com que a banda entrasse para valer no país.
Enquanto isso, a Capitol tinha nomeado um novo presidente, ex-aluno das
universidades de Délhi e Oxford, Bhaskar Menon, que estava determinado a
suspender o registro de resultados ruins com o Floy d.
“Steve O’Rourke entrou na jogada”, diz Dexter hoje. “Ele queria que todos
soubessem dos negócios em andamento. Entre Joe, Ahmet e Bhaskar Menon,
Steve promoveu um tipo de leilão por alguns meses... havia só um telefone na
casa inteira, e ele ficava a um quilômetro de distância da praia. Tínhamos um
apelido para o cara que tomava conta da mesinha do telefone. Nós o
chamávamos de Yani Ring Ring. Sempre que recebíamos uma chamada, Yani
ficava em pé no quintal e gritava de lá para onde quer que estivéssemos deitados
na praia... Claro, eu ficava indo e voltando o dia inteiro, atendendo as chamadas
telefônicas, as deles e as minhas. Um dia, estávamos na praia, e veio uma
chamada para Steve, de Ertegün. Steve disse: ‘Olha, Jeff, você tem que falar
com eles por mim. Fale com Ahmet e mande ele se foder’. Ahmet e Joe Smith
acharam que iam conseguir o Pink Floy d.”
Foi um exemplo bombástico da tenaz defesa que O’Rourke imprimia à
banda. Mas suas atitudes tiveram consequências. “Às vezes me pergunto o que
fez com que o Floy d mantivesse Steve”, questiona Storm Thorgerson. “Mais
tarde, Roger o condenou. Ele era muito útil para o grupo. Infelizmente, as
negociatas que foram úteis com as gravadoras ou qualquer outro que quisesse
abusar do Floy d não eram assim tão positivas quando voltadas para as pessoas
mais próximas e queridas. Ele não precisava ser fanfarrão comigo, mas era.
Steve mostrou qualidades, senão eles não o teriam mantido, mas tais qualidades
não precisavam ser sempre utilizadas dentro do círculo corporativo de amigos.”
No final, nem Ahmet Ertegün nem Joe Smith assinaria com o Pink Floy d.
Com 14 datas agendadas na América do Norte, multiplicavam-se as
oportunidades para divulgar o novo álbum para o público. Alan Parsons havia
agora sido recrutado para tomar conta do som dos PAs, iniciando uma tendência
no Floy d de ter seus engenheiros de som excursionando com a banda. Estimulada
pelo sucesso de Obscured by Clouds, a popularidade do grupo começou a crescer
nos Estados Unidos. Em setembro, eles foram agendados no festival aberto
Holly wood Bowl. Bem maior que as casas para 12 mil lugares onde tocavam
normalmente, o show não esgotou, mas foi um espetacular mostruário tanto para
seu novo trabalho quanto para seu mais arrebatador show de luzes até então.
“Contratamos quatro daqueles holofotes usados em pré-estreia de cinema”,
disse Gilmour. “Nós os colocamos no backstage apontados para o céu, criando
uma pirâmide sobre o palco.” Em dois anos, a banda levaria a ideia da pirâmide
de luz a outro nível.
De volta à Inglaterra, eles lotaram o Wembley Empire Pool em um show
beneficente para as entidades War on Want e Save the Children, inundando o
palco com gelo seco, lançando bombas de luz e ateando fogo ao amado gongo de
Roger Waters em um grand finale para “Set the Controls for the Heart of the
Sun”. Ao fazer a resenha do show, a Sounds aclamou uma “impecável
demonstração do que é a música psicodélica”.
O show em Wembley interrompeu outra explosão de atividade no Abbey
Road, conforme a banda progredia com as músicas que não tinham abordado
durante o verão. Duas peças instrumentais, “The Travel Section” (originalmente
chamada de “The Travel Sequence” e depois intitulada “On the Run”) e “Any
Colour You Like”, foram gravadas. A primeira ainda era uma jam convencional e
iria passar por uma transformação radical antes que o álbum estivesse concluído.
“Any Colour You Like” fazia a ponte necessária entre “Us and Them” e a
penúltima “Brain Damage”, mas não era crucial para a narrativa do álbum.
“Costumávamos fazer jams longas no palco”, contou Gilmour. “Intermináveis,
diriam alguns, e provavelmente com razão... Mas foi de algo assim que essa
música nasceu.” Uma jam em dois acordes, dominada por Gilmour e Wright, o
guitarrista tocou em um par de alto-falantes Leslie com o propósito expresso de
capturar o mesmo som que Eric Clapton conseguira chegar com a música do
Cream, “Badge”.
Em “Brain Damage”, Waters fez seu primeiro vocal principal do álbum
(“para cantar, ele era muito tímido”, disse Gilmour, “então tentávamos
encorajá-lo”). Se a voz de Waters não era tão forte quanto a de seu colega de
banda, ele teve o benefício de ser apoiado por quatro cantoras, contratadas para
as sessões. A compositora inglesa Lesley Duncan já tinha cantado para Dave
Clark Five e Donovan, e vira suas próprias canções serem gravadas por Elton
John e Olivia Newton-John. Liza Strike era outra prolífica cantora de estúdio que
aparecera no álbum de Elton John de 1971, Madman Across the Water. Barry St
John era mais uma das backing vocals de Elton. Americana e morando em
Londres, ela também tinha cantado no primeiro álbum solo de Daevid Allen,
fundador do Soft Machine.
Para completar o quarteto havia Doris Troy, nascida em Nova York que
vinha gravando desde o final da década de 1960, após ter sido descoberta por
James Brown. Ela lançou um álbum solo pelo selo dos Beatles, Apple, em 1970, e
tinha feito os backing vocals das músicas dos Rolling Stones, Let It Bleed. Um
talento formidável com igual presença, Doris atuava com constância no Abbey
Road e tentava esconder sua inabilidade de ler música ao jogar para o lado
qualquer partitura que fosse colocada na sua frente durante a sessão, dizendo:
“Tire isso daqui. Não preciso dela!”.
Além de “Brain Damage”, o quarteto marcou presença em “Us And
Them”, “Time” e no momento dramático de fechamento do álbum, “Eclipse”,
que tinha um convincente estilo gospel improvisado. “Dave Gilmour estava
comandando a sessão”, contou Liza Strike ao escritor John Harris. “Ele sabia
exatamente o que queria. Mesmo quando estávamos improvisando, ele me dizia
o que cantar.”
Gilmour também foi importantíssimo para a contratação do saxofonista
Dick Parry para as sessões de junho. Dick era músico de jazz e conhecido do
circuito de clubes de Cambridge (“parte da máfia de Cambridge”, de acordo
com Nick Mason). Ele e Gilmour tinham tocado com frequência durante as
sessões noturnas aos domingos no Dorothy Ballroom, na década de 1960.
Contudo, o recrutamento de Parry foi baseado em algo que ia além de seu
talento musical. “Não conhecíamos ninguém”, admitiu Rogers. “Éramos muito
insulares em vários aspectos. Realmente não sabíamos como chegar a um
saxofonista. E pode ser tedioso trazer aqueles músicos de estúdio profissionais.
Um pouco intimidador.”
Parry fez um solo gentil em “Us and Them”, pontuando os versos e
refrãos, embora não se intrometesse com o resto do instrumental. Em “Money ”,
ele veio mais pesado, igualando o solo áspero de Gilmour com uma explosão de
metal que cumpriu a instrução rudimentar que recebera da banda de tocar algo
como o saxofonista em desenho animado que apareceu ao lado do tema musical
para os anúncios de Pearl and Dean nos cinemas da época.
Sem se deixar abater por ter sua ideia anterior para “The Great Gig in the
Sky ” rejeitada, Alan Parsons encontrou uma resposta mais positiva para sua onda
cerebral seguinte. Pouco antes de começar a trabalhar em Dark Side of the
Moon, Parsons havia feito uma gravação para demonstrar os efeitos do som
quadrifônico, reunindo vários sons de relógios. “Fiz as gravações em uma antiga
relojoaria não muito longe do estúdio”, ele contou. “Saí com um gravador portátil
e fiz com que o dono da loja parasse todos os relógios para gravar um de cada
vez. Depois juntei todos no Abbey Road.”
Os carrilhões, campainhas e alarmes seriam então costurados no começo
de “Time”. Seguindo o explosivo barulho, garantia de sacudir até o mais chapado
dos ouvintes de seu torpor, veio outro som novo. Assim como a banda tinha usado
instrumentos deixados no Abbey Road em The Piper at the Gates of Dawn, um
conjunto de rototoms descoberto no estúdio acabou sendo incluído em “Time”.
Eram tambores individuais e timbres variáveis que podiam ser afinados em uma
tonalidade específica. Contra a guitarra de Gilmour e o piano de Wright, Mason
mandou uma sequência de batidas nesses tambores afinados, aumentando a
tensão por mais de dois minutos antes que o primeiro verso começasse.
No final do mês, com mais trabalho no álbum ainda a ser feito, a banda
estava de volta à estrada. Afinal, havia um balé para ser executado.

A colaboração do Pink Floy d com o Ballet de Marseille finalmente tinha


dado frutos, após doze meses de idas e vindas. O Floy d fez cinco shows na Salle
Valliers, em Marselha, em novembro de 1972, antes de levar o show para o
Palais de Sports, em Paris, em janeiro do ano seguinte. O programa incluía três
sessões, “Allumez Les Etoiles” (Light the Stars), um balé inspirado na Revolução
Russa, com música de Mussorgsky e Prokofiev; “La Rose Malade” (The Sick
Rose), baseado no poema homônimo de William Blake; e, finalmente, a prosaica
“The Pink Floy d Ballet”, durante a qual a banda tocava “Echoes”, “One of These
Day s”, “Careful With That Axe Eugene”, “Obscured by Clouds” e “When
You’re In”. As coreografias de Roland Petit incluíam dois astros do Ballet de
Marseille, Rudy Bry ans e Danièle Jossi; esta aparentemente arrastada pelo palco
em um espacate, para o estarrecimento da imprensa especializada em rock,
pouco habituada a tamanho atletismo.
Houve erros inevitáveis. Em Marselha, uma versão alongada de “One of
These Day s” resultou nos dançarinos completando a coreografia muitos minutos
antes de a música terminar, o que gerou uma hesitante saída do palco com o
Floy d ainda mandando ver. Como precaução, a banda pediu que um dos seus
puxa-sacos se sentasse próximo a Richard Wright quando ele estivesse em seu
solo de piano e segurasse cartões com o número de compassos escritos. Ele foi
instruído a mostrar um novo cartão a cada quatro compassos, permitindo
efetivamente que a banda soubesse em que ponto estava da música. Na maioria
das noites, os fãs de rock reunidos não estavam a fim de esperar calados dois atos
de balé antes que a atração principal começasse, e gritavam e vaiavam, pedindo
a entrada do Floy d.
“Era fantasticamente ofensivo”, reclamou Nick Mason na época. “Roland
(Petit) fez o que era uma velha rotina do Floy d – ele apenas saiu e discursou
diante do público, pedindo que eles fossem tomar um drinque até que chegasse a
hora de ver o que queriam.” Como a colaboração entre banda e orquestra de
Atom Heart Mother, o caso de amor mútuo entre rock pesado tocado por
cabeludos e balé clássico fazia sentido na época e, como Nick Mason confessou
depois, “apelava para certo intelectualismo esnobe dentro de nós”.
Roland Petit tentou fazer com que a banda se comprometesse com outros
projetos parecidos. Planos para levar o show ao Canadá foram paralisados
quando o governo se recusou a permitir o uso de bandeiras vermelhas comunistas
em “Allumez Les Etoiles”. Depois, o astro da dança Rudolf Nurey ev e o diretor
de cinema Roman Polanski acabaram se envolvendo nos esquemas de Petit.
Houve um almoço intoxicante na casa de Polanski, em Richmond, com Mason,
Waters e Steve O’Rourke. Vários temas foram aventados: Proust (de novo),
Frankenstein, Noites da Arábia. Depois, Roger Waters lembra-se de ver Polanski
e Nurey ev tomando sol no jardim, completamente pelados. Como Waters falou
posteriormente, “foi uma piada completa, porque ninguém tinha a menor ideia
do que queria fazer”. Gilmour completa: “No final, a realidade de todas essas
pessoas pulando à nossa volta de roupas íntimas não era algo com que queríamos
nos relacionar a longo prazo”.
Na segunda semana de janeiro de 1973, o Floy d estava de volta ao Abbey
Road para o empurrão final em Dark Side of the Moon. Uma das primeiras
canções que eles voltaram a mexer foi “Travel Sequence”. Ao vivo, ela tinha
sido uma jam de guitarra sem forma, algumas vezes chegando a durar até sete
minutos. A banda recorreu ao seu novo brinquedo, o sintetizador VCS3, para
conseguir inspiração. Peter Zinovieff, que já tinha trabalhado no Radiophonic
Workshop da BBC, tinha construído a máquina e guardado seu primeiro modelo
num abrigo que tinha em seu jardim, no sul de Londres. “Visitei sua casa e ele
tinha aquela máquina cobrindo toda a parede, do chão ao teto, centenas de
componentes, massas de cabos”, recordou-se David Gilmour.
A banda tinha comprado uma versão menor do sintetizador e levado para a
França durante as sessões de Obscured by Clouds. Eles não conseguiam descobrir
por conta própria como obter notas de verdade dele ou como fazê-lo funcionar
como um teclado. “Ninguém nos ensinou”, disse Gilmour. Por isso, sua presença
pode ser escutada no álbum confinada em sua maior parte a uma sequência de
sons góticos.
Alguns meses depois, uma versão compacta do VCS3, a Sy nthi A, chegou
ao Abbey Road. O VCS3 original foi usado em “Breathe”, enquanto o Sy nthi A
apareceu em “Brain Damage”, “Time”, “Any Colour You Like” e, mais
importante, “Travel Sequence”. Waters e Gilmour programaram uma sequência
de oito notas na máquina contra a qual a banda adicionou um mêlée de chimbais
tocados ao contrário, guitarras com slide, um órgão Farfisa e o som
fantasmagórico dos passos do assistente de Alan Parsons, Peter James. Uma
explosão retirada da biblioteca de efeitos sonoros do Abbey Road completou a
peça. O som maluco do sintetizador se tornou o destaque da faixa, que agora
seria renomeada para “On the Run”. Ela diferia de tudo o que o Floy d já tinha
gravado antes.
Nesse ínterim, Adrian Maben procurou o grupo mais uma vez. “Fui pescar
com Roger Waters”, disse Maben, “e discutimos vagamente a ideia de fazer uma
versão estendida de Live at Pompeii. A banda estava para embarcar em uma
nova gravação. De algum modo, Roger conseguiu persuadir os outros membros
do grupo e, após alguns meses de chamadas telefônicas, hesitações e
cancelamentos, fui convidado para filmar certos momentos das gravações de
Dark Side of the Moon.”
A filmagem das sessões de janeiro de 1973 se tornaria tão marcante quanto
as próprias cenas feitas em Pompeia. No espaço de apenas doze meses, o Pink
Floy d passara por uma mudança significativa. O material gravado da banda
trabalhando no Abbey Road contém certo charme no estilo máquina do tempo.
Destaque para os incontáveis cigarros fumados, um lembrete de quando fumar
ainda era permitido no local de trabalho, ou o pulôver de Richard Wright saído
diretamente do Natal de 1972, isso sem mencionar a massaroca de cabos e fios
que cercava um estúdio na era pré-digital. Wright toca a sequência do piano em
“Us and Them”, Gilmour é visto detonando um solo de guitarra para “Brain
Damage” (“onde estaria o rock-n’-roll sem feedback?”, ele diz para a técnica),
enquanto Waters é filmado manuseando o Sy nthi A em “On the Run”.
Contudo, as cenas mais duradouras foram aquelas feitas na cantina de
visual arcaico do Abbey Road. Os quatro são vistos sentados no que poderia ter
sido uma mesa de jantar de um internato, preparando-se para uma típica
overdose de carboidratos, em meados da década de 1970. O pedido de Nick
Mason – “quero ovos, salsichas, batatas e feijões... e chá.” – deixa a filmagem
tão datada quanto seu bigode estilo Zapata.
Entre mordidas e bocadas, Roger Waters sobe nos tamancos para desafiar
a alegação – feita fora da câmera por uma pessoa desconhecida – de que um
amplo conhecimento musical não é uma qualificação essencial para um produtor
de discos. O empresário do Floy d, Steve O’Rourke, é mencionado. O tom de
Waters se torna fabulosamente arrogante: “Steve sabe tudo sobre rock-n’-roll,
mas ele não tem ideia de coisas como equipamento, assim como sabe muito
pouco – em termos técnicos – sobre a música”. A certa altura, a mesma voz
desconhecida graceja: “Todos sabem que você é o Deus Todo-Poderoso, Roger.”
Assim como ocorrera em Paris um ano antes, o baixista é quem domina a
cena. Na extremidade da mesa, Wright mastiga, ignorando amplamente a
discussão; Mason pede a um criado que sirva uma fatia de torta de maçã (“sem
casca”), e Gilmour se concentra em sua própria refeição, oferecendo um sorriso
ruminante para a câmera.
A banda, exceto por Wright, é entrevistada individualmente e está
levemente mais acessível do que em Paris, embora Gilmour dê um jeito de
escapar de uma pergunta sobre drogas. “Ainda acho que muitas pessoas nos
veem como um grupo orientado para as drogas... Claro que não somos...” Ele
sorri de forma tola. “Confie em nós.”
“Fico um pouco embaraçado por causa daquele jovem em Live at
Pompeii”, disse Gilmour, em 2006. “Acho tudo excruciante, porque ele era
pretensioso e ingênuo.”
Para um álbum que passou para a posteridade com a fama de ser um disco
“chapadão”, nenhum dos envolvidos em Dark Side of the Moon se lembra de ter
ocorrido qualquer uso significativo de drogas durante as gravações. Álcool foi
oficialmente banido no Abbey Road, mas isso não impediu que a banda tivesse
um bar, um balde de gelo e um estoque de Southern Comfort na geladeira.
Cocaína começaria a ser usada na turnê subsequente, mas, para todos os
efeitos, ela estava ausente no estúdio – havia apenas o ocasional baseado.
“Algumas das imagens feitas na cantina da EMI são realmente divertidas”,
disse Waters depois. “Dá para ver que estávamos doidos pra caralho. Dave e eu,
completamente fora de órbita. Eu passava por uma fase na qual parei de fumar,
então enrolava um baseado todas as manhãs. Fiquei fora de mim por alguns anos,
fingindo que não fumava mais cigarros.”
Das três entrevistas, é o resoluto e sóbrio Nick Mason que oferece o
momento de maior honestidade. “Infelizmente, nós marcamos uma época.
Corremos o risco de nos tornar uma relíquia do passado. Para algumas pessoas,
representamos a infância delas: 1967, o underground de Londres, o concerto
aberto no Hy de Park...”

As novas letras eram desenvolvidas em paralelo com os temas por trás


delas, partindo do conceito abstrato inicial de Waters que ponderava sobre as
pressões da vida moderna, que haviam se tornado mais específicas agora. A
condenação do perigo bélico em “Us and Them” parece indiscutivelmente ligada
à Guerra do Vietnã, que na época ainda ocupava as manchetes, e aos políticos
americanos infiltrados no escândalo de Watergate, em 1972. A canção também,
inevitavelmente, tocava no destino de seu pai.
“Time” era ainda mais explícita, passando por esperanças e sonhos jamais
cumpridos, além de conter outra referência direta à infância de Waters, sem
saber em que momento a vida real começaria. A denúncia que a canção faz da
raça dos ratos também foi um aceno para a manada, formada por trabalhadores
humanos, que Waters e Judy costumavam observar todos os dias de seu
apartamento na Shepherds Bush, e base da inspiração para a canção “Echoes”.
Lampejo similar veio de uma mensagem pichada em uma parede da estação de
metrô próximo deles, no final dos anos 1960.
“Se você pegasse o metrô em Goldhawk Road, havia aquele grafite
inspirador”, recorda-se Waters. “Ele dizia: ‘Acorde, vá trabalhar, faça seu
serviço, volte para casa, vá dormir, acorde, vá trabalhar...’. A mensagem na
parede parecia continuar para sempre e, conforme o trem acelerava, qualquer
um passava por ela cada vez mais rápido, até que – bang! – você entrava
repentinamente em um túnel.”
Enquanto Waters não poderia ter tornado suas preocupações – medo,
morte, violência – mais pertinentes e distantes dos antigos voos cósmicos de
antes, ainda havia um tema importante que ligava a nova música à de outrora.
Um dia, sentado na cantina do Abbey Road, Waters repentinamente sentiu a si
próprio, em suas palavras, “retroceder”. O som das pessoas ao seu lado se tornou
indistinto e tudo o que via parecia diminuir de tamanho. Ele não estava chapado.
Após se levantar da mesa, foi até o estúdio e esperou que aqueles sentimentos se
acalmassem. Depois, diria que pensou estar ficando louco, à beira de um colapso
nervoso. Os paralelos com Sy d Barrett eram inevitáveis.
O tema da loucura havia se tornado central no novo álbum, ainda mais
explícito no fechamento “Brain Damage” e “Eclipse”. “Quando digo I’ll see you
on the dark side of the moon,7 o que quero dizer é, ‘se você sentir que está
sozinho... que parece louco porque todas as coisas são loucas, você não está
sozinho’”, explicou Waters. “Há certa camaradagem envolvida na ideia de
pessoas que estão prontas para caminhar sozinhas em lugares escuros. Alguns de
nós estão dispostos a se abrir para todas essas possibilidades. Você não está só!”
“A mãe de Sy d culpou-me completamente por causa da doença dele”,
disse Waters anos após o ocorrido. “Eu deveria tê-lo tirado dos lugares horrorosos
de Londres que destruíram seu cérebro com drogas.” (Uma sugestão refutada
por Libby Gausden: “Eu não acho que Win o culpe por coisa alguma. Acho que
Sy d teria saído dos trilhos bem antes se não tivesse sido por Roger Waters”.)
Embora tentasse se desvencilhar do fantasma de Barrett em público e se
distanciar daquela fase, “Brain Damage” parecia falar sobre a experiência de
Barrett e o dilema “ele é louco ou não?”, que frustrara tanto o grupo. Dessa vez,
contudo, Waters havia escrito um final mais feliz para a história. Os exultantes
vocais gospel em “Eclipse” e a penúltima linha, everything under the sun is in
tune,8 sugeria que todos nós podemos ser loucos, mas que ainda há esperança.
Durante as sessões finais do álbum, Waters teve outra onda cerebral.
Apesar de as canções já estarem quase completas, ele sugeriu gravar trechos de
discursos para serem tecidos nas canções, ligando a narrativa e se relacionando
com as letras. Ele compilou uma série de questões ligadas à morte, violência e
insanidade, e as escreveu em papéis separados. Eles estavam virados para baixo
em um balcão do estúdio três. Cada pessoa era, então, convidada a virar um
cartão, responder a pergunta, depois virar o segundo e responder a próxima, que
teria ligação com a primeira. Por exemplo: “Quando foi a última vez que você
foi violento?”. Em seguida: “Você estava em seu direito?”.
Entrevistados em potencial foram procurados pelo Abbey Road. Do círculo
de roadies mais próximo da banda vieram o campeão comedor de batatas, Chris
Adamson, Peter Watts e sua mulher Patricia (cujo apelido era Puddie), o roadie
Bobby Richardson, chamado de “Liverpool Bobby ”, e outro ocasional membro
da equipe do Floy d, Roger ‘the Hat’ Manifold. Fazendo uma busca no prédio,
Waters também chamou Gerry O’Driscoll, um irlandês de meia-idade que
trabalhava como zelador, assim como Paul e Linda McCartney e o guitarrista
Henry McCulloch, que, com o Wings, estava gravando o álbum Red Rose
Speedway no mesmo estúdio.
Alan Parsons também foi convidado a participar, mas ao ser perguntado
sobre o que achava que era Dark Side of the Moon, ele afirmou ser incapaz de
dar uma resposta interessante, e teve sua contribuição cortada. O estranho é que
o mesmo destino recairia sobre Paul e Linda. Waters estava procurando
comentários pontuais, cândidos e espontâneos. O ex-Beatle e sua mulher foram
muito cautelosos, e ansiosos para transformar aquilo em uma performance.
Como Waters reclamaria depois, “ele estava tentando ser engraçado, que não era
o que buscávamos”.
As respostas a perguntas como “você tem medo de morrer?” e “você já
chegou a imaginar que poderia enlouquecer?” trouxe contribuições bem mais
reveladoras, que tinham mais a ver no contexto do álbum. A faixa de abertura,
“Speak to Me”, faz uma colagem de sons vindos de outros lugares do álbum –
relógios, moedas – colocados sobre uma estranha e expansiva batida de um
coração. Mas seus elementos mais arrebatadores são a risada ensandecida de
Peter Watts e os pronunciamentos de Chris Adamson e Gerry O’Driscoll: “I’ve
been mad for fucking y ears – absolutely y ears” 9 e “I’ve alway s been mad, I
know I’ve been mad, like most of us have...”.10
Fragmentos similares de discurso pululavam agora pelo resto do álbum.
Waters tinha perdido os cartões de perguntas quando estava gravando Roger the
Hat e foi forçado a iludi-lo. As respostas do roadie foram divertidas, cândidas, e
estão entre as mais memoráveis do disco. Ele pode ser ouvido lembrando-se de
um longo episódio de raiva envolvendo um motorista em Londres ao responder
quando tinha sido a última vez que fora violento.
“Se você lhes der um choque rápido e curto, eles não vão repetir”, ele
explica. “Quero dizer, ele saiu de fininho, porque eu teria lhe dado uma surra...”
A frase foi posta ao lado dos gentis teclados de Wright em “Us and Them”.
Em outro ponto, no groove já em fade de “Money ”, Puddie e Henry McCulloch
estavam entre os que justificavam a última vez que tinham atingido alguém.
Puddie, a única mulher entrevistada, é enfática: “Aquele velhote estava
implorando por um hematoma”. McCulloch dá uma explicação ainda mais
simples: “Por que uma pessoa faz qualquer coisa? Quem sabe? Eu estava bem
bêbado na ocasião”. Gerry O’Driscoll seria a última voz a ser ouvida no álbum,
com seu sotaque irlandês pontuado entre os compassos de encerramento de
“Eclipse”: “Não há lado escuro da lua. Na verdade, tudo é escuro”.
A busca de Waters por “vozes humanas honestas” funcionou com
perfeição.
Na filmagem de Adrian Maben em Paris, seis meses antes, em um raro
momento de candor, a banda tinha admitido ter conflitos. “Nós nos entendemos
muito bem”, explica Richard Wright. “Somos bastante tolerantes uns com os
outros, mas há muitas coisas não ditas... às vezes... eu sinto...”. Neste exato
momento, o tecladista olha com pesar para a câmera. “Como vocês superam os
momentos difíceis?”, pergunta Maben. “Não sei como. Mas superamos.”
“Nossa relação de trabalho ainda era boa durante a criação de Dark Side”,
Gilmour contou depois para a revista Mojo. “Em Dark Side, assim como em
todos os nossos discos, tivemos grandes discussões sobre como ele deveria ser,
mas elas eram crenças apaixonadas naquilo que estávamos fazendo.” Neste
caso, as crenças apaixonadas, mas conflitantes, de Gilmour e Waters sobre como
o álbum deveria, de fato, soar. Nick Mason recordou-se depois: “Certas vezes,
três mixagens diferentes chegaram a ser feitas por indivíduos diferentes – um
sistema que, no passado, costumava resolver os problemas, já que um consenso
normalmente nascia em direção a uma mix em particular. Mas mesmo isso não
estava funcionando”.
“Discutimos tanto que se sugeriu pedir uma terceira opinião”, explicou
Gilmour. O guitarrista era a favor de um som mais caloroso (“queria que fosse
grande e pantanoso”) e preferia que os segmentos falados aparecessem de
forma mais sutil na mixagem. Essa também era a preferência de Wright. Roger
ainda estava escravo do som de John Lennon e seu disco com a Plastic Ono
Band, e era a favor de uma mix mais limpa e seca, com os segmentos falados
mais dominantes. Essa também era a opinião de Nick Mason.
A banda decidiu trazer um mediador de fora, ou “árbitro”, como Gilmour
confirmou depois. “Chris Thomas veio para as mixagens”, ele disse. “Seu papel
era, essencialmente, acabar com as discussões entre mim e Roger.” Thomas era
amigo de Steve O’Rourke, trabalhado como assistente do produtor George Martin
no disco dos Beatles, White Album, e tinha acabado de produzir o álbum Paris
1919, de John Cale.
“A banda sentia que precisava de um par de ouvidos novos”, disse Thomas
em 2003. “Alguém capaz de dizer ‘podemos colocar mais compressão nas
guitarras?’ ou ‘vamos colocar mais eco aqui?’.”
O tempo pode ter curado algumas feridas, mas quando Parsons fala sobre
a decisão de chamar Thomas naquele estágio avançado do álbum, escolhe suas
palavras com cuidado. “Não estou certo se havia um grande conflito sobre a
maneira com que o disco deveria ser mixado. Como engenheiro, eu teria
preferido que minha voz tivesse sido tão ouvida quanto as demais. Mas Chris fez
com que sua própria voz fosse escutada. No final das contas, estávamos lidando
com sutilezas àquela altura. Chris não fez com que o álbum se tornasse uma coisa
completamente diferente do que era.”
Durante essas últimas semanas, contudo, Thomas se envolveria com a
decisão de adicionar guitarras extras em “Money ”, reduziria o número de
guitarras em “Us and Them” e aplicaria os toques finais à fanfarra de 60
segundos, “Speak to Me”. “The Great Gig in the Sky ” também foi escrutinada.
Embora a banda tivesse feito a opção por um piano no lugar da versão no órgão,
ainda havia algo faltando. O arquivo de efeitos sonoros da NASA de Alan Parsons
fora rejeitado, mas algum tipo de voz era necessário. Parsons decidiu chamar a
cantora de estúdio Clare Torry.
“Havia um colega que trabalhava no Abbey Road chamado Dennis”, diz
Clare hoje. “Dennis pagava todos os músicos. Ele deu meu número a Alan. Mas
quando ele me telefonou, eu disse que não podia fazer. Eu nem sequer sabia qual
era o trabalho. Era sexta-feira à noite e disse que estava trabalhando. Mas foi
mentira, porque eu estava indo com meu namorado na época assistir ao Chuck
Berry no Hammersmith Odeon, e não queria perder aquilo. Sugeri domingo à
noite e eles concordaram. Perguntei para quem seria e Alan respondeu que era o
Pink Floy d. Eu disse ‘Tá!’. Não era grande fã da banda.”
Torry, cantora e compositora de estúdio, era presença constante no Abbey
Road e já havia cantado em diversos discos em sessões de covers, nas quais
sucessos populares da época eram regravados por diferentes músicos anônimos.
Parsons ouvira um álbum daqueles e decidiu chamá-la, em vez de alguma outra
backing vocal já presente no álbum.
No dia 21 de janeiro, domingo, Clare apareceu no Abbey Road. “Eles
explicaram que o álbum era sobre nascimento, todas as merdas que você passa
na vida, e então a morte. Achei que era algo pretensioso. Claro, não lhes disse
isso, e engoli as palavras. Acho um disco maravilhoso. Tocaram a faixa para
mim, mas quando perguntei o que queriam fazer, eles pareciam não saber.”
Gilmour estava no comando da sessão e, após rejeitar os primeiros vocais
improvisados – “um monte de oooh, aaah babys” –, Torry começou a fazer notas
mais longas, nenhuma palavra em específico, apenas lamentações gerais ou,
como ela descreve hoje, “gritos felinos”.
“Dissemos a ela que cantasse de forma aberta, depois tranquila”, lembra-
se Gilmour. “Acho que fizemos quatro mixagens até a versão orgásmica que
conhecemos e adoramos.”
“Nós dissemos ‘apenas manda ver’”, afirmou Richard Wright. “Pedimos
que ela fosse lá e improvisasse. Pense na morte, pense no horror. Foi o que ela
fez, e gravou aquele maravilhoso vocal.”
“No passado, Rick disse: ‘Clare ficou realmente envergonhada após ter
gravado as vozes’”, conta Torry. “Ele está certo. Fiquei envergonhada, mas isso
foi porque quando entrei na técnica após cantar não houve feedback algum.
Achei que eles tinham odiado. Em todas as outras sessões que havia feito, sempre
recebi algum feedback, mesmo se fosse ‘meu Deus, isso foi pavoroso’.”
Somente anos depois, quando Clare leu uma entrevista com a companheira
que fez os backing vocals de Dark Side of the Moon, Lesley Duncan, descobriu
que não estava sozinha nessa. “Soube exatamente do que Lesley estava falando.
Ninguém disse nada a ela também. Havia um sentimento de ‘mal posso esperar
para dar o fora daqui’. De repente, percebi que o Pink Floy d era assim com todo
mundo.”
O resultado final daquela noite foi uma performance vocal arrebatadora,
conjurando sexo, medo, morte; todas as partes componentes do álbum. Para
Clare, contudo, tinha sido apenas outra sessão de estúdio. Sem estar totalmente
convencida de que seus “gritos felinos” iriam entrar no álbum concluído, ela
recebeu um cachê de 30 libras de Dennis e voltou para casa a tempo de jantar
com o namorado.
O crédito final de Chris Thomas no álbum seria de “mixagem
supervisionada por...”. Tal qual o crédito de Alan Parsons, os papéis de
engenheiro e produtor haviam ficado borrados, às vezes para o desgosto dos
envolvidos. “Trabalhei por horas intermináveis, certificando-me de que jamais
perderia uma sessão”, disse Parsons. “Queria que minha contribuição fosse
especial. Queria que tudo fosse feito da forma correta.” Até hoje, ele nunca mais
ganhou nada com o Dark Side of the Moon além do pagamento que recebeu na
época.
“De vez em quando fico bravo por ter ganhado pouco dinheiro com o
álbum, ou dinheiro nenhum. Mas isso é aplacado pelo fato de que ele fez
maravilhas por minha carreira.” Depois, Parsons receberia um Grammy Award
por seu trabalho como engenheiro do Dark Side of the Moon.
“Alan Parsons, sem sombra de dúvida, fez mais do que simplesmente ser o
engenheiro de som daquele disco”, disse Nick Mason. “Tivemos uma sorte
enorme por tê-lo ali. Alan foi definitivamente um engenheiro/produtor.”
“Alan foi um engenheiro muito bom”, responde David Gilmour. “Mas nós
teríamos chegado lá com qualquer bom engenheiro operando os botões e
alavancas.”
Apesar de inicialmente a banda ter concordado em permitir que Chris
Thomas fizesse a mixagem do álbum sozinho, Waters, incapaz de parar a si
próprio, foi ao estúdio logo no primeiro dia de mix. Quando Gilmour descobriu,
apareceu lá no segundo dia. A partir de então, os dois sentariam um de cada lado
de Thomas, expressando seus próprios sentimentos e divergências. Como
Gilmour insistiria depois, “por sorte Chris tinha mais simpatia pelo meu ponto de
vista do que pelo de Roger”. De forma diplomática, Chris Thomas declarou que
“não havia diferença de opiniões entre eles nem houve palpites que foram
deixados de fora”.
Entretanto, qualquer que fosse a guerra musical que estivesse ou não
acontecendo entre o baixista e o guitarrista, Roger Waters ficou convencido do
valor do álbum. “Quando terminamos o disco, tive uma sensação muito forte de
que tínhamos feito algo muito, muito especial.” Ele tocou uma cópia do álbum
recém-concluído para sua mulher, Judy. Ela escutou em silêncio. Então, assim
que terminou, ela desatou a chorar. “Tomei aquilo como um sinal muito positivo.”
Um mês após o disco estar completo, a EMI agendou uma recepção para a
imprensa no London Planetarium, em Baker Street. Como membro da equipe da
EMI, o engenheiro Alan Parsons foi encarregado da produção do evento. Quando
a companhia, por incapacidade ou descaso, desistiu de instalar um sistema de
som quadrifônico a tempo, a banda tentou cancelar o evento. Quando isso se
mostrou impossível, optaram por boicotá-lo. Os escritores e convidados foram
reunidos para coquetéis às 20 horas, para serem confrontados com pôsteres em
tamanho real de Gilmour, Waters e Mason na recepção do Planetarium. De
acordo com a imprensa na época, Richard Wright foi o único membro do Floy d
a aparecer, embora tenha afirmado depois que não se lembrava de nada daquilo:
“Se eu fui ou não?... Não tenho certeza. Acho que sim”.
“Achei uma grosseria o fato de eles não aparecerem”, diz Parsons. “Mas
era um caso de ‘nós somos o Pink Floy d e queremos que as coisas sejam do
nosso jeito’.” Logo depois, após ter o primeiro acesso ao álbum, a Melody Maker
descreveu parte das músicas na primeira metade do trabalho como
“diabolicamente desinteressantes”, enquanto contava como vários convidados
brincavam de fazer projeções de sombras nas paredes do Planetarium assim que
as luzes se apagaram.
Havia, contudo, outro fator subjacente para o Floy d não ter comparecido:
seu relacionamento, ou melhor, a falta dele, com a imprensa musical.
O laço acolhedor que existia entre diversos grupos de rock e os críticos em
meados dos anos 1970 não se aplicava ao Pink Floy d. Em 1973, a banda daria
entrevistas, mas apenas raramente, e às vezes pareceria estar lá obrigada.
“Não estávamos entre os preferidos dos jornalistas musicais, uma vez que
nenhum de nós trabalhou para cultivar um relacionamento com eles”, admitiu
Nick Mason que, apesar de tudo, provou ser mais amigável com a imprensa do
que seus colegas de banda na época.
“Roger me contou uma vez que, durante uma excursão nos Estados Unidos,
eles contrataram uma pessoa especificamente para negar qualquer pedido de
entrevistas ou talk-shows”, lembra-se Adrian Maben. “Isso era a qualidade Pol
Pot do Floy d. Permanecer sem serem vistos, enigmáticos; sem deixar que
ninguém soubesse quem eles eram.”
A mesma qualidade enigmática permearia a arte da capa de Dark Side of
the Moon. A ideia original para o que hoje é uma das capas mais
instantaneamente reconhecíveis de todos os tempos foi conjurada por Storm e Po
na Hipgnosis, durante uma de suas sessões noturnas semanais de brainstorm.
“Ficávamos acordados até as quatro da manhã, trabalhando em ideias para
depois vendê--las à banda”, diz Po. Entretanto, suas criações para os dois últimos
álbuns do Floy d, Obscured by Clouds e Meddle, não estavam entre as melhores.
A dupla havia escutado parte do disco novo e visto algumas letras. “Então
tínhamos algum entendimento do ponto onde estava a cabeça de Roger”, diz Po.
“Rick Wright sugeriu que fizéssemos algo simples, elegante e gráfico, em
vez de fotográfico”, explicou Thorgerson. Em uma sessão noturna, Storm
mostrou ao seu parceiro a fotografia de um prisma colocado sobre uma partitura
musical, que ele encontrara em um livro de fotografias de segunda mão. “Era
uma fotografia em preto e branco”, lembra-se Po, “mas tinha um feixe de luz
colorido projetado através dele para dar um efeito de arco-íris.” Thorgerson
também viu uma foto parecida em um livro didático de física. O designer gráfico
deles, George Hardie, criou uma linha desenhada a partir de um prisma, mas em
branco com um fundo preto, que então foi aerografada para que as impressoras
da EMI conseguissem reproduzi-la.
Em contraste com Ummagumma e Atom Heart Mother, o design de Dark
Side of the Moon era clínico e quase frio. De acordo com a banda, várias
alternativas e ideias também foram propostas, mas a única que qualquer um
conseguia se lembrar era de um design baseado no personagem da Marvel
Comics, o Surfista Prateado. Todas as ideias foram apresentadas à banda no
Abbey Road, durante as sessões finais de gravação, mas não houve competição.
“Assim que a vimos, acho que todo mundo pensou: ‘É essa aí!’”, disse
Waters.
“Levou em torno de dois minutos”, ri Po. “Eles disseram ‘é isso!’, e então
voltaram para gravar o disco.”
Quando a EMI concordou em produzir uma capa no formato gatefold,11
Waters sugeriu que as cores continuassem dentro, ampliadas pela imagem de um
coração batendo, semelhante ao bipe de um oscilador de hospital. Então,
Thorgerson decidiu adicionar um segundo prisma na contracapa. Não haveria,
claro, menção ao nome da banda ou ao título do álbum na capa externa.
Claramente inspirada, a Hipgnosis propôs algumas artes adicionais, como um
adesivo com um desenho animado das pirâmides de Gizé, no Egito, e dois
pôsteres: um com uma imagem infravermelha das pirâmides; o outro com
fotografias individuais dos membros da banda tocando ao vivo, sobrepostas em
uma imagem quase abstrata com uma camada rosa, tirada do grupo no palco.
Foram usadas, entretanto, duas fotos de Roger, embora, quem sabe, apenas para
propósitos de design.
A sugestão original da Hipgnosis de colocar tudo – pôsteres, adesivos e
álbum – em uma caixa foi recusada pela EMI por ser cara demais. Entretanto,
em um tributo à generosidade da gravadora e às admiráveis habilidades de
obtenção de recursos da Hipgnosis, Storm and Po receberam uma verba para ir
até o Egito e fotografar pirâmides eles próprios. Infelizmente, Po foi acometido,
em suas próprias palavras, “pela pior caganeira que alguém pode ter na vida”, e
teve que ficar no hotel, enquanto Storm fazia as fotos.
“Eu também me caguei de medo em fazê-las”, lembra-se Thorgerson.
“Chamei um táxi às duas da manhã para me levar até as pirâmides. Estava uma
noite maravilhosa e clara, e a lua estava linda. Então estou lá fotografando e, às
quatro da matina, aparecem umas figuras – soldados armados. Pensei: É isso aí;
jovem fotógrafo morre de forma estranha em uma terra distante; claro, eles
eram amistosos na verdade, e só queriam um pouco de bakshish, uma graninha
para darem o fora.”
O belo design da capa feito pela Hipgnosis foi um presente para as vitrines
das lojas de discos. Com o gatefold aberto e a capa e a contracapa igualadas, o
prisma e o espectro continuavam para o infinito. “Foi um conceito brilhante”,
disse Gilmour. “Recordo-me da primeira vez que o vi, preso na vitrine de uma
loja. Achei que maravilhoso.”
Um display que estava na vitrine de uma loja alertou Clare Torry para a
possibilidade de seu vocal, feito havia poucos meses, ter entrado no vinil. “Havia
uma loja de discos perto do pub Chelsea Potter, na Kings Road, e lá estava um
display na vitrine com um prisma. Lembro-me de ter pensado: ‘foi esse negócio
aí que eu fiz?’. Entrei, tirei a capa de dentro do plástico protetor e abri o disco.
Claro que era. Meu nome estava nele. E, além de tudo, eles tinham escrito
certo… Comprei um, levei para casa e coloquei para meu namorado escutar.
Fiquei pasma quando ouvi ‘The Great Gig in the Sky ’. Achei que haviam usado
apenas alguns compassos do que cantei. Não esperava que fossem usar o negócio
inteiro.”
Resenhas de Dark Side of the Moon contradisseram a crença de que todos
os críticos se opunham à banda. Apesar de algumas bufadas durante o playback
no Planetarium, a Melody Maker insistia agora em dizer que era “o melhor disco
do Pink Floy d desde Ummagumma” e que o “lado dois é perfeito”. A New Musical
Express foi ainda mais efusiva: “A aventura mais artística e monumental do
Floy d”. Nos Estados Unidos, onde a banda já estava em turnê quando o álbum foi
lançado, o crítico da Rolling Stone, Loy d Grossman (que teria uma carreira de
sucesso como chefe e apresentador na televisão britânica), aplaudia a “grandeza
que excede o mero melodrama musical e raramente é alcançada no rock; Dark
Side of the Moon é um relâmpago”. Em outro ponto da resenha, contudo,
Grossman sugeriu que “The Great Gig in the Sky ” deveria ter sido engavetada.
Foi a canção do álbum que mais polarizou opiniões. “Algumas pessoas a
adoraram, outras detestaram. É esse tipo de música”, admite Clare. A revista Q
certa vez perguntou a David Gilmour se, quando escutava “The Great Gig in the
Sky ”, ele já pensara alguma vez: “Ei, cale a boca!”. Ele respondeu: “Às vezes.
Às vezes, não. Às vezes, sim”.

A Inglaterra enfrentava uma situação difícil em 1973, registrando suas


taxas mais altas de desemprego em anos, e com o IRA logo levando seu conflito
com o governo ao solo inglês. Dark Side of the Moon também parecia espelhar os
tumultos à sua volta.
“Um disco cruel para tempos cruéis”, como colocou um observador, se
bem que com a promessa de algo melhor no horizonte. Como diversos trabalhos
futuros de Roger Waters, ele batia, moía e perturbava o ouvinte, mas também o
segurava e reafirmava que tudo ficaria bem no final. Era uma experiência triste,
porém edificante.
A mensagem filosófica de Waters também encontrou espaço entre os
críticos, com a New Musical Express destacando os temas “loucura, morte por
excesso de trabalho e separação de classes”. Mesmo agora, contudo, quando
questionado sobre o álbum em suas várias edições de aniversário, cada um dos
membros da banda tem expressado interpretações levemente diferentes de seu
conteúdo. “Mas ele expressa emoções que acho que todos nós tínhamos na
época”, disse Wright.
O que Wright e especialmente Gilmour trouxeram para a visão pessoal de
Waters foi a musicalidade. Apesar de suas discordâncias, esses dois a
adocicaram com arranjos inspirados. Não havia nada daquelas formas livres
escutadas em A Saucerful of Secrets; até mesmo as jams instrumentais do álbum
mostravam uma rara economia e foco. Tratava-se de rock intelectual com um
apelo mais amplo também para os incultos.
Para os antigos empresários da banda, Andrew King e Peter Jenner,
escutar o disco foi uma experiência estranha. “Eu o coloquei para tocar e
imediatamente percebi algumas influências”, diz King. “Um dos compositores
favoritos de Rick era Stockhausen, e você podia escutar um pouco daquilo ali. O
álbum inteiro traz muito estudo e consciência do que vinha ocorrendo de
vanguarda na Europa, especialmente em coisas como ‘On the Run’. Mas Roger
sintetizou-a de forma que faria sentido em um grupo pop. Eles tornaram digerível
para o grande público.”
“Depois que Sy d saiu, para mim eles não tiveram mais excitação
musical”, admite Jenner. “E recordo-me de realmente descer a lenha em Dark
Side, porque ainda o comparava com o que eles tinham feito com Sy d. Eu sentia
o que se pode chamar de dissabor cultural. Por quê? Porque tinha apostado no
cavalo errado. Uma vez que superei isso, comecei a apreciar o que eles estavam
fazendo. Apenas precisava ajustar minha visão e aceitar o que o Pink Floy d tinha
se tornado. Que agora ele era a cria de Roger.”
Pela primeira vez em um disco do Pink Floy d, Roger Waters tinha, por
vontade própria, escrito todas as letras, uma decisão que não fora contestada,
mas isso não deixaria de ter repercussões.
Dos cinco créditos entre as dez faixas que Richard Wright recebe no disco,
ao menos um sugere uma contribuição musical maior do que a história às vezes
permite. Sua coautoria com Waters, “Us and Them”, continuaria a favorita de
ambos no disco por muito tempo depois que a relação da dupla degringolasse.
“Dark Side of the Moon contém a melhor canção que o Floy d já escreveu”,
Wright disse à escritora Carol Clerk. “Ainda que Roger e eu não fôssemos
grandes amigos, havia uma ótima relação de trabalho. Até hoje, acho triste
termos perdido aquilo.”
Nick Mason ganhou dois créditos, um de coautor junto com Waters e
Gilmour para a instrumental “Any Colour You Like”, e um trabalho solo para a
fanfarra de abertura “Speak to Me”. Estranhamente, o nome de Gilmour foi
listado em apenas quatro das canções, e sempre em conjunto com um ou mais
membros da banda. Entretanto, sua presença está em todo o álbum: assumindo a
maior quantidade de vocais principais, mantendo presença dominante de sua
guitarra e, por fim, conseguindo uma aproximação maior do tipo de som que ele
queria na mixagem final.
“Não fiz a minha parte quando estávamos escrevendo Dark Side of the
Moon”, Gilmour contou ao escritor Phil Sutcliffe. “Passei por uma fase ruim.
Não acho que tenha contribuído com a composição da forma que gostaria, daí os
créditos.” Gilmour culparia a “preguiça” por sua falta de canções.
Roger Waters tinha uma visão mais sanguinária: “Ele não tem muitas
ideias. É um ótimo guitarrista, mas não é um compositor de verdade. Por mais
que Dave seja consciente e trabalhe duro, ele nunca escreveria alguma coisa de
fato”.
Para Waters, a decisão de alocar alguns créditos de composição no espírito
democrático da banda voltaria para assombrá-lo.

Por melhor que poderia ser, ainda havia a questão de fazer o novo álbum
vender. Pelo menos nos Estados Unidos. Em 1971, Bhaskar Menon tinha se
mudado para Los Angeles para assumir o cargo de presidente da Capitol
Records. Menon fora nomeado para resolver o problema do baixo desempenho
do selo, cortando imediatamente sua lista de artistas e se concentrando naquilo
que acreditava ter futuro.
Menon era fã do Pink Floy d, mas também entendia que os Estados Unidos
não entraram em sua onda. “Faixas extremamente longas, ruminações
filosóficas e alguns temas demasiado ingleses – tudo isso ficava fora do radar do
Top 40 das rádios americanas”, ele conta hoje. “Os Estados Unidos ainda
estavam saindo do período de música pop da era Eisenhower. A rádio FM, ainda
em desenvolvimento, era quase tida como uma sociedade underground, como
uma loja que vendesse drogas ilegais.”
Bhaskar percebeu que os departamentos de marketing e promoção da
Capitol não estavam tão familiarizados com a música da banda quanto o público
e, em alguns casos, se intimidavam com o sucesso que ela fazia no exterior. “O
selo lutava para se ajustar aos mercados pós-Glen Campbell e Beach Boy s”, ele
diz. “Eles simplesmente não o entendiam.”
Dark Side of the Moon era o último álbum do Pink Floy d em contrato com
a Capitol. Apesar do acordo proposto pela Warners e Atlantic, o qual Steve
O’Rourke rejeitou em Lindos, a banda tinha concordado em assinar com a
Columbia nos Estados Unidos, com um rumor de que o adiantamento seria de um
milhão de libras. O presidente do selo, Clive Davis, era uma presença forte na
indústria e tinha assinado com Janis Joplin e Santana, e depois contrataria Bruce
Springsteen (eventualmente, Davis sairia de cena assim que o Pink Floy d
assinasse o contrato, mas acabou removido do cargo após descobrirem que ele
havia pago o bar mitzvah do filho com dinheiro da Columbia). Apesar disso,
Bhaskar Menon voou para a França em 1972 para assistir ao show do Pink Floy d
com o Ballet de Marseille e falar de negócios com Steve O’Rourke.
O grupo e seu empresário não haviam contado a Menon que o Pink Floy d
não renovaria seu contrato com a Capitol. “Na nossa maneira de ser de não
estabelecer confrontos, simplesmente esquecemos de mencionar aquilo”,
escreveu Nick Mason depois. Entretanto, Bhaskar garante que já sabia de tudo.
“Eu tinha ciência do que estava acontecendo com a Columbia, mas não via muito
valor em partilhar aquela informação com o Pink Floy d.”
Somados aos problemas de Menon, Steve O’Rourke também tentava liberar
a banda de seu contrato, o que permitiria ao Pink Floy d ser dono efetivo de Dark
Side of the Moon e poder vendê-lo à Columbia. O’Rourke acreditava que a Capitol
concordaria em troca de um acordo de longo prazo com a banda por territórios
fora da América do Norte. Menon propôs uma aposta. “Apostei com Steve meu
relógio Casio contra seu valiosíssimo Rolex que ele jamais conseguiria dividir o
império da EMI”, Menon ri. “Eu queria garantir que o momento que tivemos
com Obscured by Clouds continuasse. Certas pessoas poderiam ter dito: ‘Por que
gastar sua energia com isso?’. Mas não era em cima dos meus interesses ou dos
acionistas da Capitol que seguia em frente. Eu queria aquele álbum.” Uma
reunião que varou noite seguiu-se em um bar argelino decadente e um
restaurante próximo ao hotel da banda, em Marselha. “Afinal, fechei um acordo
para o álbum pouco antes de o sol nascer”, diz Menon, “resgatando Steve da
perda de seu valioso relógio e eu de ter que comprar outro Casio no free shop.”
Por já ter tirado várias bandas de sua lista, Menon estava livre para destinar
recursos ao departamento promocional da Capitol que estava por trás do novo
álbum do Floy d. Sua diligência e crença no disco que ele alega “ser tão
importante quanto o Sgt Pepper” compensaram. Dark Side of the Moon alcançou
o primeiro lugar nas paradas dos Estados Unidos. O disco chegou ao segundo
lugar na Inglaterra, número 1 na França e Bélgica, e número 3 na Austrália, com
colocações similares no Brasil, na Alemanha e na Espanha.
De volta à estrada nos Estados Unidos, em março, uniu-se à banda o
saxofonista Dick Parry e três backing vocals, as irmãs Phy lliss e Mary Ann
Lindsey, e Nawasa Crowder, todas vindas de turnês com o compositor e pianista
americano Leon Russell. O DJ Jeff Dexter juntou-se ao pessoal em Nova York e
encontrou a banda e sua equipe de alto astral. Enquanto as esposas faziam
compras procurando antiguidades, Gilmour e Waters travavam altas partidas de
gamão. Em meio a tudo, foram a um jantar em sua homenagem no luxuoso Four
Seasons Restaurant.
“Era um daqueles negócios típicos de buffets”, recorda-se Jeff Dexter.
“Um dos garçons colocou uma colher cheia de caviar no prato de Dave Gilmour.
Ele perguntou se podia repetir e lhe disseram: ‘Acho que não, senhor’. Àquela
altura, alguém da gravadora se intrometeu: ‘Se o cavalheiro quer mais, então lhe
deem o quanto quiser’. Dave pegou a concha e se serviu. Então se virou para
mim e disse: ‘Se eu posso bancar isso, eles podem bancar isso também’.”
No Radio City Music Hall de Nova York, a entrada do Pink Floy d em cena
se deu por volta de uma da manhã, e foi tão portentosa e dramática quanto seu
novo álbum exigia. Uma plataforma elevada os transportava ao nível do palco,
onde eles se materializavam como divindades hippies desalinhadas, com fumaça
colorida ao redor dos pés, luzes ardentes e um sistema quadrifônico com vinte
alto-falantes retransmitindo os vibrantes batimentos cardíacos e relógios
histéricos de Dark Side of the Moon para um público arrebatado. Jeff Dexter diz:
“Foi um dos maiores shows de todos os tempos”.
Uma recepção feita tarde da noite no hotel culminaria com Jeff e o mago
das luzes do Floy d, Arthur Max, andando de elevador “vestindo roupas de
comunistas chineses, lendo em voz alta a obra do líder Mao, O livro vermelho”.
De volta à Inglaterra, os heróis conquistadores esgotaram duas noites no
Earls Court, em Londres. Assim como nos Estados Unidos, eles bombardearam o
público com luzes cegantes, gongos em chamas e quantidades industriais de gelo
seco, fazendo com que um crítico comparasse o palco com uma “explosão
macbethiana”. Dessa vez, a backing vocal do Dark Side of the Moon, Liza Strike e
sua colega cantora Vicki Brown fizeram o acompanhamento. Clare Torry
recebeu dois ingressos em cortesia para o show, mas achou uma experiência
emocional demais. “Acabei chorando quando eles tocaram ‘The Great Gig in the
Sky ’. Eu achava que ela era minha e que era eu quem merecia estar lá. Aquilo
me machucou muito por anos.”
Torry voltaria a participar da canção com o Pink Floy d, incluindo uma
performance de destaque em Knebworth Park, em 1990. Depois, ela alegaria
que merecia créditos de composição pela música. Em 2005, o caso foi
finalmente julgado em seu favor, embora ela seja proibida de revelar qualquer
detalhe monetário sobre o acordo. Desse ponto em diante, “The Great Gig in the
Sky ” passou a ser creditada a Richard Wright e Clare Torry.
A visita do Floy d ao lar seria breve. Havia mais datas agendadas nos
Estados Unidos no mês de junho. Depois de emplacar um álbum como número 1
na América e ficar em evidência, ter um hit de sucesso os levaria a um estágio
completamente novo. Embora “Free Four”, de Obscured by Clouds, tivesse sido
lançada nos Estados Unidos como um single, a banda não queria fazer o mesmo
com nenhuma outra canção de Dark Side of the Moon. Bhaskar Menon pensava
diferente. O sucesso do álbum os tinha tornado uma cause célèbre para o público
sério dos Estados Unidos, mas um Top 40 hit permitiria que eles alcançassem o
coração do país e um tipo diferente de compradores de discos, todos de uma vez.
“A canção escolhida foi ‘Money ’. Era a opção óbvia. Embora eu tenha
trabalhado firme para persuadir o grupo e Steve O’Rourke de que era a coisa
certa a ser feita”, diz Menon.
“No começo, eles não concordaram, porque a fórmula de compasso era
muito incomum”, recorda-se Jeff Dexter. “Eu a toquei na Roundhouse e pude ver
o quanto ela funcionava bem. Dava para perceber que seria um single
monstruoso. Mas acho que na época o Pink Floy d estava procurando copiar o Led
Zeppelin, que estava vendendo toneladas de discos sem ter que passar por toda
aquela merda com o rádio.”
Para a banda em si, a memória de seu último single, o desastroso “Point
Me at the Sky ”, de 1968, ainda estava muito recente. “Decidimos que, se o
público não queria comprar nossos singles, não os faríamos mais”, diz Nick
Mason. “Não achávamos que aconteceria alguma coisa com ‘Money ’. E, de
repente, aconteceu”, admitiu Richard Wright.
Uma versão mais curta da música, com a palavra “bullshit” editada para
apaziguar programadores de rádios hipócritas, foi lançada nos Estados Unidos em
7 de maio. No final do mês seguinte, ela tinha subido para o número 26. Com a
cobertura do Top 40 das rádios americanas, ela foi levada aos lares de pessoas
que não compravam discos e não eram fãs do Floy d. E assim a canção
finalmente chegou ao número 13. A letra provocativa, na qual uma banda de
rock-n’-roll que estava prestes a ficar muito rica cantava sobre ganância e
egoísmo, trazia a guitarra aguda de Gilmour, o saxofone igualmente gritante de
Dick Parry e o andamento torto, porém contagiante, num ritmo funk – tudo
ajudou para que a música se tornasse fantástica ao ser tocada na rádio.
Não demorou muito para tamanha onda carregar a banda. Em junho, o
Pink Floy d voltou aos Estados Unidos para onze datas, indo de Nova Jersey até a
Flórida. Na noite de abertura, no Union City Roosevelt Stadium, eles quebraram
todos os recordes de bilheteria. Em Detroit, Ohio e Kentucky, a maior parte dos
ingressos para o shows se esgotou, e a reação do público era a mesma em todos
os lugares que tocavam. Onde antes o fiel fã do Floy d se sentaria, contemplando
os vinte minutos de viagem mental de “Echoes”, agora havia jovens barulhentos
e animados e, conforme Gilmour explicou resmungando, “prontos para o
boogie”.
“Em todos os lugares em que tocávamos, de repente, nos víamos
confrontados com um público que só queria escutar o grande sucesso”, disse o
guitarrista. Eles queriam dançar, beber cerveja e se divertir. E queriam escutar
‘Money ’. “Era só isso que ouvíamos durante todo o show, até que finalmente
fossem atendidos: ‘Money ’... toquem ‘Money ’...”
O impensável tinha acontecido: os membros do Pink Floy d, agora eram
astros pop. A partir daí, só poderia ir ladeira abaixo.

6 Eu fui louco por muitos anos. (N. T.)


7 “Eu o verei no lado escuro da lua.” (N.T.)
8 “Tudo sob o sol está afinado.” (N. T.)
9 “Fui louco por malditos anos, anos mesmo.” (N. T.)
10 “Sempre fui louco, sei que sou louco, como a maioria de nós.” (N. T.)
11 Caixa de vinil que se abria como um livro. (N. T.)
CAPÍTULO SETE DIRIGINDO O TREM DA ALEGRIA

“Foi por isso que fiquei no grupo: me preocupava com os outros – o que
seria deles?”
Roger Waters

Em uma sala privada no clube londrino exclusivo para sócios, The Groucho,
Richard Wright mostra os modos gentis de um professor de escola pública
aposentado. Ele tem aquele ar ausente que se esperaria encontrar em alguém
que passou a vida adulta em uma instituição de ensino. Você meio que espera ver
pó de giz em seus cotovelos. É 1996, e o tecladista do Pink Floy d está com 54
anos. O garoto propaganda das camisas psicodélicas de 1967 que só perdia para
Sy d Barrett se foi, assim como seu visual barbudo de 1972 no Live at Pompeii. O
cabelo de Wright já está completamente branco, e apesar de seus jeans e botas
não serem de grife, você suspeita que o casaco pendurado nas costas de uma
cadeira próxima é de alta classe e além de suas posses.
Na conversa, ele parecia nervoso, constrangido, reticente e contido. Wright
estava lá para falar sobre seu novo disco solo, que em poucos meses iria
desaparecer completamente do radar de todos, exceto do mais dedicado fã do
Pink Floy d. Contudo, é um álbum cheio de tiques auriculares e momentos de
familiaridade que faz com que você busque nos confins de sua mente a canção
do Pink Floy d que ele o faz recordar.
Quando você pergunta a Wright qual álbum do Floy d ele considera o
melhor, já sabe a resposta. Agora de volta ao grupo como membro em tempo
integral, ele não se importa em se inscrever na linha partidária de David
Gilmour: o novo Floy d está no mesmo nível do antigo. Os gostos de Wright são
estritamente voltados para a velha guarda.
“Dark Side of the Moon e Wish You Were Here”, ele responde. “Mas se eu
fosse forçado a escolher um, Wish You Were Here.”
“Ou Wish You Weren’t Here”, como Roger Waters certa vez o chamou,
lembrando-se de forma maldosa da atmosfera no estúdio quando ele foi feito. O
Pink Floy d tinha terminado 1973 tocando em um concerto beneficente para o
baterista do Soft Machine, Robert Wy att, que havia quebrado a coluna após cair
de uma janela, mas antes do Natal, eles se reuniram no Abbey Road e
começaram a brincar de novo com o projeto Household Objects, na gaveta
desde 1971. A posição número 1 do Dark Side of the Moon e o single de sucesso
“Money ” foram o começo do que Nick Mason chamaria depois de “a política da
terra queimada do Floy d”, mas contrariamente eles tinham voltado para tentar
fazer música a partir dos copos de vinho, serras, rolos de fita adesiva e baldes
com água.
“Eu me lembro de um elástico sendo alongado entre dois objetos para criar
um som de baixo, com palitos de fósforo usados como trastes”, diz o engenheiro
Alan Parsons. “Na verdade, sempre fiquei desapontado por aquilo nunca ter dado
em nada.”
De fato, era uma tática de atraso, um ardil para fazer com que a banda
sentisse que estava criando alguma coisa, mas sem ter que escrever novas
canções de verdade. Contudo, algo foi recuperado das sessões: o som agudo
produzido por um dedo na borda de um copo de cristal tornou-se o ponto de
partida de uma das canções de mais sucesso do Floy d.
No decorrer de 1974, o grupo se dispersou para passar um tempo com suas
famílias ou para testar a vida musical fora da esfera do Floy d. Nick Mason
produziu um álbum para os roqueiros folk do Principal Edwards Magic Theatre,
antes de fazer o mesmo pelo disco de Robert Wy att, Rock Bottom, e seu hit de
sucesso, um cover do The Monkees, “I’m a Believer”. David Gilmour produziu a
banda Unicorn, de Cambridge, entre outras tarefas ocasionais como tocar
guitarra para o conjunto de Tim Renwick e Willie Wilson, Sutherland Brothers
and Quiver. Foi por meio do Unicorn que Gilmour conheceu uma cantora e
compositora adolescente desconhecida, Kate Bush, que gravava suas demos em
um estúdio caseiro.
Gilmour mudou-se para uma casa na cidade, em Notting Hill, Mason foi
morar em Highgate, alguns quilômetros acima da estrada de Camden, e Wright
comprou uma casa de campo em Roy ston, perto de Cambridge, onde instalou
seu novo estúdio, The Old Rectory, que se tornaria o preferido de muitas bandas
locais. O tecladista do Floy d até chegou a participar de um show beneficente
para a Associação de Pais e Mestres do vilarejo vizinho Therfield. Foi um evento
que viu o cocriador de Atom Heart Mother, Ron Geesin, tocando um tema
improvisado com uma cadeira dobrável e um pedaço de cano. “O pessoal do
vilarejo que compareceu ficou totalmente assombrado”, lembra-se um colega
dos músicos.
As festas na casa de Wright eram generosas e hedonistas. “Teve uma
época em que ir à casa de Rick e Juliette era muito divertido”, recorda-se Jeff
Dexter. “Acho que no aniversário de 30 anos de Rick eu fiz uma viagem do tipo
Kesey. Teve também um concurso de beleza naquela noite, com alguns cross-
dressers usando roupas brilhantes e levando tudo muito a sério. Um colega doidão
achou que seria uma boa ideia que eles caíssem na piscina, então jogamos
muitos deles na água.”
O portfólio de propriedades do Floy d iria se expandir ainda mais ao longo
dos dois anos seguintes: Wright e Gilmour compraram casas de campo em
Rodes, e Mason adquiriu um lugar no sul da França. Enquanto isso, Waters
comprou uma casa de campo em Volos, na costa da Grécia, que rapidamente se
tornou o projeto do coração de sua mulher.
“Tive de aceitar, àquela altura, que havia me tornado capitalista”, admitiu
Waters em 2004. “Não podia mais fingir que era um socialista de verdade.” Ele
salvou sua consciência esquerdista ao doar um percentual dos ganhos para
instituições de caridade.
A banda também adquiriu apartamentos em McGregor Road, Ladbroke
Grove. Gilmour permitiu que o administrador do Floy d, Peter Watts, vivesse em
sua propriedade lá após ele ter deixado de trabalhar para a banda. Iain ‘Emo’
Moore também frequentaria apartamentos de propriedade da banda durante os
anos 1970. “O Floy d deixava que pessoas conhecidas suas que estivessem em
dificuldade vivessem naqueles apartamentos por um aluguel bem barato. Eles
costumavam ser alugados ou emprestados”, recorda-se um visitante. “Eles
tinham aqueles princípios socialistas escrupulosos e realmente acreditavam que
aquilo era a coisa certa a ser feita, principalmente o Waters.”
Peter Watts tinha sido o mais antigo membro da equipe do Floy d, tendo se
juntado à banda seis meses antes de David Gilmour. Infelizmente, seu uso de
drogas o tornara um risco. Watts era repetidamente demitido por delitos como
usar Mandrax enquanto dirigia o carro da banda, mas sempre era recontratado.
O grupo pagou um curso de reabilitação para ele, mas sem efeitos duradouros.
Watts foi despedido em 1974 e morreu em agosto de 1976, no apartamento de
Gilmour, na McGregor Road. Sua filha, Naomi, se tornaria uma modelo e atriz
famosa.

O Pink Floy d passou a primeira metade do ano em um estado geral de


inércia. “Estávamos todos mentalmente incapacitados”, brincou Waters na
época. “Estávamos completamente exaustos por um motivo ou outro.” Tendo
alcançado o sucesso que eles tanto esperavam com Dark Side of the Moon, a
banda ponderava sobre a inevitável questão: O que fazer agora? Como Waters
explicaria depois, “todas as coisas que você queria quando começa uma banda
tinham acontecido; tudo tinha se tornado verdade”. Além da música, havia
também esposas e namoradas para serem agradadas. Ginger morava com David
Gilmour havia quatro anos e queria se casar. Enquanto isso, o relacionamento de
Waters com Judy estava em declínio.
Ninguém se sentia particularmente inspirado quando a banda se
reencontrou em um estúdio soturno e sem janelas, na Kings Cross. Eles
começaram a trabalhar em três canções novas. A primeira, “Shine On”, iria
incorporar depois o som do copo de vinho do Household Objects, mas veio de
quatro distintas notas na guitarra, costuradas por Gilmour. A segunda, “Raving and
Drooling”, tinha um caráter mais duro e um riff pulsante similar àquele que havia
direcionado “One of These Day s”. A terceira, “Gotta Be Crazy ”, era ainda mais
sombria. Essas não eram canções pop para aqueles fãs que tinham embarcado
na onda da banda por meio do single “Money ”.
Waters tinha escrito as letras das três. A primeira era, pelo menos em parte,
inspirada em Sy d Barrett. As outras duas expuseram sua misantropia máxima,
cuspindo veneno para as maquinações corporativas da indústria musical e a
mentalidade mentecapta do novo público que a banda tinha agora. “Gotta Be
Crazy ” até mesmo trazia o verso You’ve got to keep everyone buying this shit.1
“Raving and Drooling” e “Shine On” (que depois adquiriria seu título
completo “Shine On You Crazy Diamond”) fariam parte do repertório do Floy d
durante a turnê na França naquele verão. No continente, a banda se meteu em
outros problemas. Dois anos antes, eles haviam feito um contrato com a Gini,
uma empresa francesa de bebidas, que lhes pagou muito bem para aparecerem
em um anúncio da companhia. A foto foi tirada no Marrocos, para ser usada
apenas na França. “Em um surto de loucura, todos concordaram em fazer”, disse
Nick Mason. “Pensamos que iríamos ganhar toneladas de dinheiro, o que, é claro,
não aconteceu. Queríamos, então, que eles subsidiassem a turnê, de forma que
pudéssemos reduzir o preço dos ingressos, mas, no final, ninguém conseguia dizer
se os ingressos estavam mais baratos ou não.” Novamente em dívida com seus
princípios, Waters insistiu em que a banda doasse o dinheiro para caridade. Na
França, o grupo descobriu mais uma cláusula no contrato: eles tinham de ser
seguidos por um grupo de modelos contratadas pela Gini para promover o que
Gilmour chamou de “aquela bosta de drinque”. Com o patrocínio da turnê inédito
na época, a façanha promocional do Floy d foi recebida com desconfiança.
Waters escreveria uma música, a ainda inédita “Bitter Love”, lamentando o
episódio inteiro.
As datas na França também serviram de ensaio para uma turnê britânica
maior, planejada para mais tarde naquele ano. A banda tinha adquirido um telão
circular de 12 metros para ser colocado no fundo do palco, no qual eles podiam
projetar filmes e imagens. Filmagens da película do surfista George Greenough,
Crystal voyager, já tinham sido usadas em “The Great Gig in the Sky ”, junto com
a sequência animada de Ian Eames para “Time”. Eames tinha sido descoberto
pela banda quando criou uma sequência promocional animada semelhante para
acompanhar o vídeo em “One of These Day s” durante o show musical da BBC,
The Old Grey Whistle Test. Agora, a banda queria uma biblioteca completa de
imagens. Roger Waters e Arthur Max trabalharam em um estúdio de edição no
Soho, em Londres, montando uma ordem de exibição e identificando os
“períodos mortos” do show e como preenchê-los.
Uma das primeiras pessoas que eles contataram foi o cartunista e cineasta
Gerald Scarfe. “Nick Mason tinha me telefonado anos antes e dito que o grupo
havia visto um filme para a BBC chamado Long Drawn-Out Trip”, disse Scarfe.
Ele tinha feito a animação em Los Angeles, em 1971, “um desenho que era uma
torrente de consciência”, que incluiu tantas imagens quantas ele conseguiu
pensar, todas relacionadas aos Estados Unidos. Essa colagem de Jimi Hendrix,
John Way ne e Mickey Mouse tinha fascinado Waters e Mason. “Fui convidado
para fazer algo para eles na época, mas por algum motivo nunca deu certo. Nick
me ligou de novo e tive uma reunião na sua casa. Eles queriam que eu criasse
algumas imagens para serem exibidas na turnê. Me deram uma pilha de álbuns
do Floy d para escutar.”
As animações de Scarfe incluíam uma figura humana que se dissolvia em
areia e um monstro robótico para a canção que se tornaria “Welcome to the
Machine” em 1975. Antes disso, seus desenhos seriam usados no programa
criado pela Hipgnosis para a turnê de 1974. Chamado de “Super, All-Action
Official Music Programme for Boy s and Girls”, o programa era um pastiche dos
quadrinhos pulp americanos, com cada membro do grupo recriado como heróis
de ação, incluindo Gilmour como o destemido motoqueiro chamado “Dave
Derring”.
Escutar Dark Side of the Moon pela primeira vez também inspirou outro
cineasta, o antigo confederado de Cambridge, Anthony Stern. Desde 1967, Stern
tinha bolado repetidamente ideias cinematográficas para o que ele e Sy d Barrett
chamaram de “The Rose-Tinted Monocle”. “Recuperei toda a filmagem e ela
funcionava perfeitamente bem para Dark Side of the Moon”, diz Anthony. Com o
projetor emprestado de David Gilmour, ele visitou cada membro da banda e
exibiu seu filme, com a proposta de utilizar Dark Side of the Moon como trilha
sonora.
“Eles sabiam que Sy d tinha se envolvido com as raízes do filme e, em um
nível puramente estético e criativo, todos deram seu aval. Eles disseram: ‘Claro
que você pode usar Dark Side of the Moon para isso’”, contou Anthony, sorrindo.
“Voltei para casa em êxtase. Tinha levado umas duas semanas para ver todos
eles. Roger, apesar de seu imenso ego, foi incrivelmente amigável, caloroso e
ficou entusiasmado com a ideia de eu usar sua música de uma forma abstrata e
não comercial. Acho que aquilo tinha apelo para ele.”
Em pouco tempo, contudo, o projeto naufragaria. “A coisa degringolou
quando fui ver Steve O’Rourke. Mostrei o filme para ele. Ele assistiu de forma
impassível e finalmente disse: ‘Anthony, simplesmente não entendi. Esse não é o
tipo de imagem que vejo associado ao Pink Floy d... vejo jatos decolando... vejo
arranha-céus em Nova York...’.”

Entrevistado dois anos antes, Richard Wright tinha expressado um medo de


que o Floy d se tornasse “escravo de si próprio”. “Às vezes, eu olho para aqueles
caminhões e toneladas de equipamentos e penso, meu Deus, tudo o que faço é
tocar um órgão”, disse. A divisão do Pink Floy d cresceu ainda mais desde então.
Manter o arsenal de som e luzes requeria um exército de estagiários e
técnicos. Em 1974, os papéis principais caíam sobre Mick Kluczy nski, um
escocês atarracado de origem polonesa, que tinha se juntado ao seu antigo amigo
Chris Adamson para ajudar a tomar conta do som como parte do chamado
“Esquadrão da Prisão”. Como Adamson e seu amigo comedor de batatas, Roger
Waters depois se lembrou de ver Kluczy nski consumir 28 ovos fritos em uma
aposta, antes de vomitar tudo. O baixista também desafiou Kluczy nski a beber
meio litro de uísque durante um dia de folga em uma turnê nos Estados Unidos.
Em outro show, Robbie Williams estava a bordo como técnico estagiário.
Williams foi notado por ter, nas palavras de um colega de equipe, “uma voz
muito profunda e grave”, o que o tinha proibido de ser um dos entrevistados para
Dark Side of the Moon. Depois, a tropa cresceu com o novo recruta, Phil Tay lor,
que viria a se tornar técnico de guitarra de David Gilmour por muito tempo.
Kluczy nski e Williams também iriam fundar suas próprias empresas e continuar
a trabalhar com o Floy d até a década de 1990.
Junto com Dick Parry, o Floy d agora tinha as backing vocals Venetta Fields
e Carlena Williams, conhecidas como The Blackberries.
A turnê começou em 4 de novembro com duas datas no Usher Hall, em
Edimburgo. O show incluiria cinco peças: “Shine On You Crazy Diamond”,
“Raving and Drooling”, “You Gotta Be Crazy ”, Dark Side of the Moon e um bis
de “Echoes”. O visual extravagante começaria com Dark Side of the Moon. Para
“Speak to Me”, uma imagem da lua foi projetada na enorme tela circular,
ficando cada vez maior a cada batida do coração, até preencher a tela inteira.
“On the Run” seria ilustrada por uma aeronave pousando e sirenes de polícia,
seguidas de filmagens aéreas de uma cidade e várias explosões. Relógios
flutuando no ar acompanhavam “Time” e o magnífico surfista George
Greenough apareceu em “The Great Gig in the Sky ”, após uma rápida exibição
de jatos Lear e notas bancárias voando na tela durante “Money ”.
A logística de uma produção tão grande trouxe outro conjunto de
problemas. “O equipamento era pouco confiável”, recorda-se Wright. “O filme
quebrava ou o projetor emperrava. Havia muitos erros e tentativas de acertar o
tempo da música. Ficávamos o tempo todo irritados com os técnicos.” Uma
crítica na New Musical Express sobre a noite de abertura reclamava do mal
funcionamento do sistema de som, excesso de feedback e a “terrível cantoria de
David Gilmour no material novo”.
A recusa do Floy d de fazer o jogo da mídia é mais bem resumida na
recente explicação de Gilmour. “Uma vez que percebemos que podíamos vender
discos e ingressos sem ter que falar com a imprensa, optamos por isso.” Chris
Charlesworth, da Melody Maker, deixou de lado a recusa da banda em lhe dar
um ingresso para o show de Edimburgo e comprou o seu de um cambista, e
acabou jantando com o conjunto após o show. No dia seguinte, ele arrumou uma
entrevista com Richard Wright, para o descontentamento do resto do grupo,
especialmente Roger Waters, que ainda estava atormentado com um comentário
feito pelo tecladista à imprensa, no qual insinuava que as letras do Floy d não
eram tão importantes.
As observações de Wright no artigo da Melody Maker sugeriam uma
atitude muito insular, mesmo para os padrões do Floy d: “Eu não escuto o que está
tocando nas rádios. Não assisto a Top of the Pops. Não assisto a The Old Grey
Whistle Test. Nem ao menos sei como a indústria do rock está indo…”.
Um choque ainda maior para Charlesworth foi saber como a banda
escolhia seus hotéis: era indispensável estar perto de cursos de golfe decentes.
“Eu me lembro de ter ficado pasmo ao saber que Waters jogava golfe”, ele
escreveu. “Parecia o mais improvável passatempo para um homem cujas
preocupações líricas eram voos espaciais, insanidade e morte.” Assim como
golfe, Waters também era um bom jogador de squash, com Gilmour sendo seu
desafiador mais próximo dentro da banda.
Em suas memórias, Nick Mason (o pior jogador de squash do grupo, de
acordo com alguns) foi admiravelmente franco sobre os problemas que afligiam
o Floy d. “Parecíamos estar mais interessados em agendar quadras de squash do
que aperfeiçoar nossas apresentações. Demonstrávamos uma clara falta de
compromisso com a concentração que era necessária.”
Depois do glamour e da ostentação da Radio City Hall, em Nova York, uma
volta pelos teatros provincianos da Bretanha em um novembro frio deve ter sido
pouco excitante. Enquanto isso, no mundo real, o IRA explodira um pub em
Birmingham algumas semanas antes de a banda estar na cidade, despertando
paranoia e mal-estar geral. Dentro do círculo do Floy d, havia incerteza sobre o
novo material, frustrações com seu próprio desempenho e também o de outros, e
uma consciência de que o aspecto visual do show estava se tornando mais
importante que o musical.
No começo de 1974, o projecionista de cinema Pete Revell respondeu a
um anúncio na Melody Maker e acabou sendo entrevistado por Arthur Max para
o trabalho de projecionista na equipe da banda. (“Fiquei chocado ao descobrir
que era para o Pink Floy d, já que o anúncio era o menor e o mais barato.”)
“Sempre havia uma vibração em torno de Roger”, diz Revell agora. “Todo
mundo sentiu isso naquela turnê, dentro e fora da banda. David era um
verdadeiro cavalheiro e Rick ficava quieto em seu próprio mundo silencioso, mas
Roger só olhava para o próprio traseiro.” Nick Mason também era querido,
embora Revell se lembre de que o pedido do baterista para que alguém lhe
comprasse uma chave de canhão de meia polegada fora ignorado. A equipe
passou o dia no pub, se perguntando por que Mason precisava de uma chave de
canhão de meia polegada para sua bateria. Depois, a ficha caiu quando o
baterista apareceu no hotel com seu novo brinquedo, uma Ferrari usada.
Problemas com a equipe também causaram impacto. A nova mesa de
mixagem adquirida pela banda mostrou-se uma fera temperamental, e o
engenheiro de som Rufus Cartwright foi despedido após poucas apresentações. A
ordem foi restaurada por seu substituto, Brian Humphries, que tinha trabalhado no
Py e Studios e como engenheiro de som na trilha sonora de More. Mas Arthur
Max, o brilhante mago das luzes da banda, também ficou com os dias contados
quando a atmosfera rabugenta cobrou seu preço.
Todos os dias eles eram confrontados com novas histórias sobre discussões
de Max com membros da equipe e funcionários das casas. “Eu saí duas vezes –
mandei ele enfiar o emprego no rabo”, lembra-se Pete Revell sobre os atritos
(normalmente envolvendo Arthur). “Eles mandaram Steve O’Rourke até minha
casa para pedir que eu voltasse.”
O último show do Pink Floy d com Max seria no Sophia Gardens Pavilion,
em Cardiff. Foi substituído pelo seu vice, o mais flexível Graeme Fleming. Após
a estreia de Fleming no Liverpool Empire, Waters informaria a equipe que
aquele havia sido o melhor show da turnê. “O pessoal de Liverpool achou que
tinha algo a ver com eles”, diz Revell, “mas na verdade foi porque todos pararam
de brigar.” O designer de luz do Floy d iria, posteriormente, seguir uma carreira
brilhante em Holly wood como diretor de arte de filmes, sendo indicado ao Oscar
por seu trabalho com o diretor Ridley Scott no sucesso de bilheteria Gladiador.
O certo equilíbrio restaurado na época do show no Liverpool Empire não
livrou a banda de receber sua mais feroz crítica na imprensa musical. O número
23 de novembro da revista New Musical Express trouxe uma resenha detalhada
do show da banda no Empire Pool de Wembley, uma semana antes, feita pelo
crítico principal, Nick Kent.
Nela, Kent castiga o Pink Floy d por sua letargia musical (“o Floy d, como
sempre, deixa a música se alongar para durar duas vezes mais do que deveria”),
sua indiferença para com o público (“eles vagam pelo palco como quatro
trabalhadores braçais que acabaram de fazer uma pausa para o chá”) e pela
clara hipocrisia nas últimas letras de Waters: “Eu não consigo pensar em outro
grupo que vive uma existência mais desesperadamente burguesa na privacidade
de seus lares”. Sua ressalva de abertura foi especialmente afiada sobre David
Gilmour: “Seu cabelo parecia imundo no palco, ancorado por um excesso de gel
no couro cabeludo que reduzia gradualmente na altura dos ombros com um
espetacular festejo de pontas duplas”. Um comentário que fez com que as
descontraídas cantoras americanas Venetta Fields e Carlena Williams se
divertissem, já que ambas adoravam desafiar a fleuma britânica de seus
membros.
“A coisa do cabelo foi um golpe sujo de minha parte”, admite Nick Kent
hoje. “Mas ainda defendo o que escrevi. A atitude do Floy d aquela noite foi do
tipo ‘que bosta, acho que temos que fazer isso agora’, como se fosse trabalho
demais. Eles realmente me lembraram trabalhadores braçais cavando na beira
de uma estrada. Como se fosse um trabalho que eram obrigados a fazer.
Encontrei Rick Wright depois daquele artigo e ele, na verdade, me agradeceu.
Disse que não havia gostado do que eu escrevera, mas ao mesmo tempo aquilo
estimulou um tipo de discussão interna entre o grupo, pois eles haviam se tornado
muito distantes uns dos outros. Ele disse que aquilo fez com que se unissem.”
O colega de Kent, Pete Erskine, entrevistou um furioso David Gilmour
algumas semanas depois (em um raro exemplo de sociabilidade entre o Pink
Floy d e um crítico de rock, Erskine, que foi construtor e carpinteiro por um
tempo, e acabaria vivendo em um dos apartamentos que a banda possuía, na
McGregor Road). Naturalmente, Gilmour defendeu a posição da banda. Kent
tinha se ressentido com uma frase da canção nova “Gotta Be Crazy ” – Gotta
keep everyone buying this shit – acreditando que ela esnobava os fãs da banda.
Mas Gilmour afirmou que a letra de Waters se direcionava tanto para a banda
quanto para o público. “Sou cínico quanto à nossa posição”, ele disse. “Não acho
que qualquer pessoa em nosso nível mereça adulação sobre-humana.” Gilmour
explicou que a boa avaliação do jornalista do Sunday Times, Derek Jewell,
também os tinha irritado, já que aquele havia sido “provavelmente o pior show
de toda a turnê”. Contudo, o guitarrista não conseguiu manter uma defesa sólida
contra todas as investidas, admitindo que havia preguiça no grupo e confessando
que Dark Side of the Moon os havia “aprisionado criativamente”. Em sua
privacidade, Roger Waters viu-se reconhecendo mais do que pequenas verdades
nas observações de Nick Kent. Sempre com medo da complacência, ele tinha
um senso incômodo de que algo precisava mudar.
No final de dezembro, Waters estava dedicando algumas das apresentações
de “Shine On You Crazy Diamond” para Sy dney Barrett. Enquanto isso, a
EMI/Capitol havia relançado os dois primeiros álbuns da banda, The Piper at the
Gates of Dawn e A Saucerful of Secrets, em um LP duplo chamado A Nice Pair.
O pacote da Hipgnosis incluía várias imagens relacionadas ao título do álbum e
frases similares, incluindo a nip in the air e a kettle of fish. Entretanto, uma
tentativa de incluir uma fotografia do boxeador Floy d Patterson foi descartada
quando ele exigiu 5 mil dólares.
Patterson foi substituído por uma imagem do time de futebol do Pink Floy d,
na qual os quatro membros mais Steve O’Rourke, Arthur Max (antes de ser
despedido) e o próprio dono da Hipgnosis, Storm Thorgerson, podem ser vistos
posando. Gilmour depois se lembrou de uma derrota particularmente sangrenta
nas mãos dos marxistas do norte de Londres, na qual o guitarrista quase arrancou
metade de sua língua em uma mordida. Para o título, A Nice Pair, a Hipgnosis
buscou várias ideias literais, incluindo um par de seios nus e uma fotografia do
bobo da corte Emo usando um par dos “cosmonóculos” de Peter Wy nne-Willson.
Os buracos nos dentes de Emo, visíveis na imagem, logo seriam retificados
graças à generosidade de seu amigo David Gilmour.
“Dave me mandou ao seu dentista quatro vezes”, conta Emo. “O primeiro
conjunto novo de dentes que recebi se foi quando apanhei em um pub um dia
depois, na Kings Road, e Dave teve que pagar o tratamento de novo.” A bondade
de Gilmour se estenderia a outros da fraternidade de Cambridge, pagando para o
ex-roadie Pip Carter uma reabilitação das drogas e, ao longo dos anos, ajudando
silenciosamente com pagamentos de hipoteca e impostos aos amigos que se
encontravam em situação financeira difícil.
Em 1974, Sy d Barrett saiu novamente de seu esconderijo em Cambridge.
Um ano antes, vários meses após a debandada do Stars, Barrett tinha sido visto
tocando guitarra junto com o antigo baixista do Cream, Jack Bruce, no hall de
uma igreja em Cambridge. Os royalties da compilação do Pink Floy d, Relics,
tinham começado a entrar e Barrett mudou-se para Londres novamente. Após
um período no Park Lane Hilton, ele assinou um contrato para arrendar dois
apartamentos em Chelsea Cloisters, próximo da Sloane Square. Ele preencheu o
primeiro apartamento do sexto andar com guitarras, amplificadores e outras
posses, enquanto vivia em um apartamento de dois quartos no nono.
Em abril de 1974, Nick Kent tinha escrito um artigo sobre Barrett na New
Musical Express, entrevistando antigos amigos, incluindo David Gilmour, e
juntando a gama de anedotas feitas sobre o antigo cantor do Floy d, muitas das
quais depois se tornariam lendárias: o caso do Mandrax no cabelo; o descontrole
emocional na televisão americana...
“Tony Secunda, que costumava empresariar The Move, me contou a
história de Sy d esfregando Mandrax no cabelo”, diz Kent. “Então, mais alguém
me contou o mesmo fato. Como costuma ser o caso de fofocas, parecia-me que
setenta por cento dessas histórias eram, de fato, verdadeiras.” Tais histórias
também incluíam as versões de que “Barrett podia ou não ter trabalhado em uma
fábrica, como jardineiro, tentou se matricular em um curso de arquitetura,
cultivava cogumelos em seu porão, tinha virado um vagabundo, passou duas
semanas tocando em Nova York, tentou se tornar roadie do Pink Floy d...”.
Sete meses antes de sua resenha mordaz na NME, Kent se encontrou com
David Gilmour para uma entrevista. “Conversamos em um pub em Covent
Garden, e ele foi totalmente cândido sobre a situação de Sy d e não tentou
amenizá-la. Estava com uma garota americana, Ginger, que não parava de
cutucá-lo e de interromper a entrevista, querendo ir a um restaurante, dizendo
‘Quanto tempo isso vai durar, Dave?’. E ele só ficou lá por 45 minutos.”
Gilmour falou que alguns dos problemas de Sy d advinham da morte de seu
pai e que “sua mãe sempre o mimou, dizendo que ele seria algum tipo de gênio”.
Sabiamente alfinetou a aura de misticismo que cercava Barrett. “Ele funciona
em um plano de lógica completamente diferente, e algumas pessoas dirão: ‘bom,
cara, ele está em um plano cósmico mais elevado’, mas basicamente há algo de
muito errado.”
Em seu artigo, Kent mencionou que Barrett estava vivendo agora em
Chelsea e frequentemente visitava a Morrison Agency. Bry an Morrison era
proprietário da Lupus Music, a empresa que tomava conta dos royalties de
Barrett. Kent também mencionou que a EMI gostaria de levar Barrett de volta ao
estúdio. Entre julho e agosto daquele ano, Sy d voltou ao Abbey Road em várias
ocasiões, por ordem de Bry an Morrison.
O engenheiro John Leckie, então trabalhando com o cantor e compositor
Roy Harper, estava presente quando Pete Jenner apareceu com Sy d. “O plano
era que Sy d lançasse outro álbum solo”, disse Leckie. “Ele iria fazer o disco
gravando diferentes coisas a cada dia – piano em um dia, bateria no outro, depois
baixo. Lembro que ele apareceu com várias guitarras diferentes. Mas nunca
chegamos a tanto. Acho que na verdade chegamos até o piano.”
“A ideia era que Barrett gravasse o que quisesse, e que Jenner escutasse as
fitas e tirasse o que tivesse algum valor, para acrescentar baixo e bateria.” Um
punhado de esboços surgiu. Mas as sessões foram desastrosas. Sy d não tinha
escrito nenhuma canção nova e, de acordo com um observador, apareceu um
dia sem cordas na sua guitarra.
“Bry an Morrison estava lá, sempre com um cigarro na mão e suas roupas
de gala. Ele era um cara grande que jogava polo com o príncipe Charles”,
prossegue Leckie. “Morrison ficava pressionando Sy d – ‘Vamos lá, Sy d, vamos
lá, faça alguma coisa’ –, mas não adiantava. Ele não tinha nada para mostrar.”
A ansiedade de Morrison pode ter sido exacerbada por outro incidente
envolvendo Sy d na mesma época. Barrett apareceu na Lupus Music e exigiu um
cheque referente a royalties. Quando lhe disseram que ele tinha estado lá no dia
anterior e recebido seu cheque, Sy d começou a gritar. Morrison saiu de seu
escritório para repreendê-lo e Barrett mordeu o dedo de Bry an, fazendo jorrar
sangue.
Na Chelsea Cloisters, Barrett comprou um enorme conjunto de som e
televisão em cores, caros equipamentos hi-fi e muitas roupas, cuja maior parte
acabou escondida no apartamento do sexto andar e raramente era tocada. Seu
lugar preferido tornou-se o Marlborough Arms da vizinhança, onde se sentava
sozinho, polindo garrafas de Guinness. Após alguns meses, retirou-se de volta
para dentro de si, cortou o cabelo de novo, engordou bastante e doou suas posses
aos porteiros da Chelsea Cloisters. Pelo menos uma testemunha ocular se lembra
de ter visto Barrett na Sloane Square usando um vestido feminino por debaixo do
casaco.
“Depois que meu artigo saiu, continuei a encontrar pessoas que conheciam
Sy d dos dias de Cambridge”, diz Nick Kent. “Sempre tinha alguém que dizia ‘eu
fui namorada dele por dois meses’ ou ‘fui roadie de um de seus grupos’, e todos
falavam sobre o tanto que ele mudara fisicamente.”
John Whiteley, ocasional colega de apartamento de Sy d da Earlham Street,
quase dez anos antes, estava entre aqueles que o viram em Londres naquele ano.
“Eu o vi na Kings Road”, diz Whiteley. “Foi impressionante, porque ele tinha sido
um jovem muito bonito. Agora, estava acima do peso e tinha raspado a cabeça,
mas ainda andava nas pontas dos pés, da forma como sempre fez. Fiquei do outro
lado da rua. Não consegui falar com ele.”
As impressões de Whiteley foram confirmadas por outros. As visões logo
tinham uma familiaridade deprimente: o homem careca e inchado, vestindo
camisa havaiana ou casacos grandes, vagando pela Earls Court ou South
Kensington, sempre caminhando da mesma forma, nas pontas dos pés.
Storm Thorgerson e Aubrey Powell também encontrariam Sy d naquele
ano. Algumas semanas após o artigo na NME, a EMI relançou os dois álbuns solo
de Barrett em um LP duplo. Storm e Po foram até Chelsea Cloisters para tentar
tirar novas fotos de Sy d para o encarte do álbum, e bateram na porta de seu
apartamento. “Finalmente, ele nos disse por detrás da porta: ‘Quem está aí?’.
Falei: ‘É Storm e Po. Podemos entrar para bater um papo?’. E ele apenas
respondeu: ‘Vão embora!’. Foi a última vez que falei com ele”, contou Po.
“Uma parte de mim ficou zangada”, admite Storm. “Pensei: vá se foder,
vou dar o fora. Lá estava eu batendo na porta de um cara que eu conhecia desde
os 14 anos e ele não me deixou entrar.”
A confissão de David Gilmour na NME de que Dark Side of the Moon tinha
deixado a banda “aprisionada criativamente” ainda era pertinente quando o
Floy d se reuniu no Abbey Road, em janeiro de1975.
“Depois do Dark Side ficamos todos patinando”, disse Gilmour anos mais
tarde. “Eu queria que o álbum seguinte fosse mais musical. Sempre achei que o
papel de Roger como um letrista tão genial no último álbum fora tamanho, que
havia ofuscado a música.”
Waters queria fazer outro álbum temático, dessa vez lidando com a ideia de
ausência emocional; o conceito de as pessoas estarem presentes, sem realmente
estar, no qual as reflexões dele sobre a indústria musical e também o estado
mental geral da banda poderiam ser filtrados. Gilmour apenas queria gravar
faixas que eles já tinham escrito e evitar outro grande conceito. Por seu lado,
Wright lutava contra as ideias de Waters, já que ele simplesmente não partilhava
das preocupações do baixista com os males da indústria musical. “A visão de
Roger não era necessariamente a minha visão”, ele disse.
Nick Mason resumiu depois a mentalidade coletiva do grupo: “Roger estava
ficando rabugento. Todos estávamos envelhecendo, havia muito mais drama
entre nós. As pessoas chegavam atrasadas no estúdio, faziam pressão sobre mim
para deixar a bateria mais precisa e com menos floreios”. Na época, ele foi mais
cândido, ao dizer para o DJ Nicky Horne, da Capital Radio: “Eu realmente não
queria estar ali. Mas não tinha especificamente a ver com o que acontecia na
banda. Tenho dificuldade em fechar a mente para o que quer que esteja me
incomodando. Mas meu alarme e o desânimo se manifestaram em um completo
rigor mortis”. Com problemas em seu casamento, a mente de Mason
simplesmente não estava no trabalho. “Alguns dos rapazes precisavam ser
continuamente persuadidos ao longo de cada bit”, brincou Waters na época. Na
verdade, foi o mais próximo que o Pink Floy d chegou de mais uma baixa.
Posteriormente, Mason diria que cada um de seus companheiros de banda
abordou individualmente Steve O’Rourke para discutir sua saída.
Apesar do mal-estar, certo progresso foi feito. Entre janeiro e o começo de
março, o álbum que viria a ser Wish You Were Here começou a tomar forma.
“Shine On You Crazy Diamond” tinha sido expandida agora para em torno de
vinte minutos e incorporava passagens instrumentais, backing vocals das The
Blackberries e um solo de saxofone de Dick Parry. John Leckie supervisionou as
primeiras sessões da canção, até que o engenheiro do Floy d, Brian Humphries,
assumiu (o Abbey Road concordou em usar um engenheiro externo, “mas só
porque era o Pink Floy d”). O trabalho de Humphries tinha sido oferecido
originalmente para Alan Parsons. “Eles me ofereceram 10 mil libras por ano
para me tornar engenheiro de som permanente”, conta Parsons. “Mas eu
também queria royalties sobre o próximo álbum, e Steve O’Rourke disse não.”
Parsons também estava para começar a trabalhar em sua própria música,
The Alan Parsons Project. “Já era um projeto em andamento. Acho que, se
tivessem me oferecido o trabalho um pouco antes, eu teria aceitado.”
“Shine On You Crazy Diamond” veio inspirada em parte pela frustração de
Waters com a especulação sem fim sobre Sy d Barrett na imprensa. “Nunca li
um artigo inteligente sobre Sy d Barrett em nenhuma revista. Nunca”, ele
reclamou, em 1976. “Escrevi, e reescrevi, e reescrevi, e reescrevi aquela letra,
porque queria que ela fosse o mais próximo possível do que sentia. Há um
sentimento genuíno naquela canção. Aquele tipo de melancolia indefinível,
inevitável, sobre o desaparecimento de Sy d. Ele se retirara para um lugar tão
distante que não estava mais ali.”
O plano inicial era colocar a peça em um lado inteiro do disco, como
“Echoes” em Meddle, deixando “Raving and Drooling” e “Gotta Be Crazy ” do
outro. Essa era a opção preferida de Gilmour. Mas teria sido a escolha fácil, e
Waters não estava a fim de fazer coisas fáceis. Em vez disso, ele sugeriu dividir
“Shine On...” em duas e colocá-la no final do disco. “Raving and Drooling” e
“Gotta Be Crazy ” seriam agora deixadas de lado para um futuro disco do Floy d,
com o baixista decidido a escrever músicas que tivessem a mesma ausência que
inspirara “Shine on...”. Ele apenas tinha que olhar para alguns de seus colegas de
banda para se inspirar. “Ninguém estava realmente olhando nos olhos do outro.
Era tudo muito mecânico”, recordou-se depois.
Waters escreveu duas novas canções, “Welcome to the Machine” e “Have
a Cigar”, e, em parceria com Gilmour, “Wish You Were Here”. As canções
seriam trabalhadas em estágios e, em um segundo rompante de atividades no
Abbey Road, naquele verão. “Welcome to the Machine” era uma dissertação
desoladora sobre a condição humana e, em um nível mais pessoal – talvez uma
banda de rock-n’-roll –, sobre aqueles que passavam a vida em busca de um
sonho, somente para descobrir que a máquina funciona a base de ilusões e muito
pouco além disso. “As pessoas são bastante vulneráveis à própria cegueira, à
própria ganância e à própria necessidade de serem amadas”, explicou Waters.
“O sucesso precisa ser uma necessidade real. É o sonho: quando você for bem-
sucedido, quando for um astro, quando tudo estiver bem, aí sim, tudo irá correr
em sua mais perfeita condição. Esse é o sonho, e todo mundo sabe que ele é
vazio. A canção fala sobre a situação do negócio no qual estou inserido.” As letras
mal disfarçam sua natureza autobiográfica. Fazer com que Gilmour cantasse, de
alguma forma, aliviou a mensagem. Mas é o sintetizador de Wright, o VCS3, que
domina, dando à música uma incessante desolação.
“Have a Cigar” prossegue com o tema, oferecendo outra zombaria
sarcástica contra a indústria musical. Mais leve que “Welcome to the Machine”,
sua levada jazz é entrecortada por vários barulhos e solos de guitarra extensos. A
letra se refere à época em que uma gravadora menor perguntou para a banda
qual deles era o Pink. O único problema é que Gilmour se sentia desconfortável
cantando as palavras de Waters, enquanto Waters convulsionava em ter que
assumir os vocais. O problema seria retificado nas sessões de gravação durante o
verão.
Por fim, a faixa-título escrita por Gilmour e Waters ganhou a mesma
qualidade típica do melhor de Dark Side of the Moon. Seu assunto principal,
contudo, era tão autoquestionável quanto o resto do álbum. O verso two lost souls
swimming in a fishbowl year after year2 poderia se referir à sensação de
deslocamento entre os membros da banda na época, mas também à ruína da
relação entre Waters e sua mulher, que foi, com certeza, parte de sua inspiração.
“É sobre as sensações que acompanham o estado de não estar presente”,
afirmou Waters. “Trabalhar e estar com pessoas que não se encontram mais ali.”
Outras sessões do álbum por todo o mês de junho foram divididas com a
temporada – com ingressos esgotados – nos Estados Unidos, mantendo a imagem
pouco amigável que tinha com a imprensa. O único anúncio que a banda fez da
turnê foi um show ao vivo transmitido de antemão para cada uma das cidades do
roteiro. A demanda foi tamanha que a Los Angeles Sports Arena vendeu todos os
67 mil ingressos em um único dia. “Raving and Drooling” e “Gotta Be Crazy ”
ainda faziam parte do repertório, somadas à extensa “Shine On You Crazy
Diamond”, “Have a Cigar”, “Echoes” e Dark Side of the Moon. Os efeitos
especiais da banda foram ampliados e incluíam um arsenal pirotécnico, assim
como modelos de aeronaves que passavam sobre o público e “caíam” durante
Dark Side of the Moon, e que faziam o homem do som, Brian Humphries, se
abaixar toda vez que voavam por sobre sua cabeça.
Enquanto isso, a marca registrada do Floy d, sua tela circular, mostrava
imagens de Gerald Scarfe criadas em vários cases antes que ele ou sua equipe de
animadores tivessem escutado qualquer música do Floy d. “Eu disse a Roger:
‘Não podemos pedir que eles façam coisa alguma, porque não há faixas’”,
lembra-se Scarfe. “Roger respondeu:‘Peça que eles façam qualquer coisa. Dou
um jeito para que tudo se encaixe depois’. Com certeza, o que fizemos se encaixa
em algumas passagens. O que era frustrante para os animadores é que eles
sabiam que poderia ter sido melhor se tivessem pegado uma acentuação da
música aqui e ali. Mas isso deu uma sensação desconexa que, de algum modo,
complementava a música ao não segui-la com perfeição.”
Essa qualidade duvidosa tinha sido a norma desde que Scarfe começara
seu relacionamento com o Pink Floy d, na turnê de 1974. “Eu fazia novos bits de
filmes conforme conseguia e simplesmente aparecia no show com uma lata
debaixo do braço. Às vezes, por causa do tráfego, não chegava lá antes de vinte
minutos para o show começar, e encontrava Roger no camarim, que me dizia:
‘Onde diabos você estava?’. Eles enredavam o filme lá e colocavam em qualquer
lugar.”
Como uma pessoa de fora entrando no círculo fechado do Floy d, Scarfe
observou os papéis individuais dos membros da banda: “Nick era o organizador, o
embaixador. Ele me abordou primeiro e me lembro de ele dizer: ‘Espere só um
pouco. Assim que começar, você perceberá que está lidando com Roger’. Rick
sempre estava em algum canto, em seu próprio mundo. Dave era fácil de lidar,
mas dava a impressão de que achava que aquilo tudo deveria ter mais a ver com
a música.”
A pièce de résistance planejada para a turnê de 1975 nos Estados Unidos
era uma pirâmide inflável desenhada para flutuar acima do palco, ancorada por
cabos, recriando o prisma na capa de Dark Side of the Moon. Waters esboçou o
design, mas a uma altura de 18 metros, quando inflada e fortalecida por uma
quantidade considerável de hélio, a pirâmide provou ser uma fera indomável.
No Three Rivers Stadium, em Pittsburgh, no dia 20 de junho, o
projecionista Pete Revell testemunhou o destino terrível da pirâmide. “Ela
costumava subir com um par de guinchos hidráulicos, mas em Three Rivers um
deles travou, porém, o outro continuou bombeando, então o negócio inteiro
inclinou-se para o lado e caiu. O fundo era como uma pele macia, mas tinha
uma estrutura de alumínio nos cantos, inflada com hélio. A coisa se desprendeu
pelo céu noturno como uma gigantesca água-viva.”
O peso da pirâmide levou-a contra a parede do estádio, arrastando as
cordas e correntes atrás de si. “Como um pião, começou, então, a girar em volta
do estacionamento”, diz Revell. “E como tinha aquela estrutura de alumínio
dentro, começou a destruir carros e postes de iluminação. Lembro que
estávamos tentando tirar todo mundo do estacionamento, mas não adiantava.
Havia umas duzentas pessoas lá com facas e garrafas arrancando pedaços dela e
guardando como suvenir, inalando o hélio e falando como o Pato Donald. Acho
que o que restou do balão caiu em um rio perto de Pittsburgh.”
Enquanto a angústia musical e marital era corrente dentro da banda, a
equipe se divertia até mais. “Eles cuidavam muito bem de nós”, diz Revell. “Mas
no final nos disseram que custávamos dinheiro demais e que não podíamos pedir
mais nada para o serviço de quarto nos hotéis. Nos Estados Unidos, estávamos
exagerando – a gente telefonava às duas da manhã e pedia ‘quatro gins e 400
cigarros, por favor’. Eles deram um fim nisso tudo.”
Revell ainda sentiria a ira de seus patrões no final da turnê americana. O
crescente uso que a banda fazia de pirotecnia acarretou problemas com os
bombeiros locais, e a equipe começou a esconder suas bombas dos
encarregados, deixando para pegá-las no último momento possível. A decisão foi
tomada para marcar o final da turnê norte-americana com um show no Ivor
Wy nne Stadium, em Hamilton, Ontário, que, para citar um projecionista, viu a
“maior, mais alta e mais fodida explosão de todos os tempos” a acompanhar a
queda dos aviões do Floy d. A explosão foi dramática e, com a apresentação
concluída, a equipe começou a desmontar o palco. “Foi quando percebi que
alguns dos silos não tinham sido usados”, diz Pete Revell. “Havia ainda quatro
bananas de dinamite, pólvora e detonadores sobrando, dos quais precisávamos
nos livrar de algum modo. Eu disse: ‘Para trás, vou acender esse negócio’. O que
não tínhamos percebido é que havia mais material naqueles silos do que fora
usado durante o show.” A explosão resultante destruiu metade da parede traseira
do estádio e janelas de algumas casas das redondezas. “Uma bomba voou pelos
ares e não tornamos a vê-la. Acima de nós havia um daqueles placares, cheios
de lâmpadas. A explosão atravessou o fundo e escancarou a frente, mandando
vidro e alumínio por todos os lados. Fiquei em estado de choque por duas horas.”
Uma vez que estava suficientemente recuperado, Revell foi enviado de
volta ao hotel da banda. “Eles puxaram uma mesa e colocaram quatro cadeiras
atrás dela, como se fossem um conselho de administração, e me senti como um
estudante mandado para a sala do diretor. Eles disseram: ‘Acho que precisamos
conversar’.”
A banda estava especialmente sensível após um problema anterior ocorrido
na França. “Um deles falou: ‘Depois de Paris, avisamos que isso nunca mais
aconteceria’. Respondi: ‘Não fiz nada em Paris’. E eles disseram: ‘Não, mas você
acabou de fazer no Canadá’.” No fim, Revell não perdeu o emprego.
Um último show na Inglaterra, no Knebworth Park, foi uma experiência
desestimulante para a banda. A arena aberta com capacidade para 40 mil
pessoas acabou abrigando quase 100 mil, quando a cerca do perímetro foi
removida. O Floy d era a banda principal, antecedida por Captain Beefheart, The
Steve Miller Band e seu antigo amigo Roy Harper; todos acabariam usando o
sistema de PA da banda naquele dia. A equipe de roadies chegou tarde para
montar o equipamento e descobriu que os geradores no backstage eram
propensos a variações de voltagem. Isso significava que os teclados de Richard
Wright ficavam entrando e saindo do tom. Uma decisão de importunar o público
no começo do show com dois caças Spitfire da Segunda Guerra Mundial não
obteve o efeito desejado, já que a equipe ainda estava fervorosamente
preparando o palco. A certa altura, durante o show, metade do PA morreu
completamente. Nos bastidores, em um acesso de irritação após ter tido suas
roupas roubadas, Roy Harper destruiu seu trailer. Roger Waters testemunhou o
incidente e o guardou na memória para usá-lo em uma futura música do Pink
Floy d.
A conexão de Harper com a banda ficou mais forte durante 1975. No
Knebworth, ele fez os vocais principais em “Have a Cigar”, reprisando seu
desempenho em uma versão gravada algumas semanas antes. Entre as datas nos
Estados Unidos, quando a banda tinha retornado à Inglaterra para a segunda fase
de atividades no Abbey Road, eles encontraram Harper em um estúdio vizinho,
gravando seu próximo álbum, HQ, com produção de John Leckie. Ele conhecia o
Pink Floy d desde o final da década de 1960, quando as duas bandas apareceram
no mesmo concerto, em Hy de Park. Um talento excêntrico e singular, Harper
também partilhava de algumas preocupações e pontos de vista de Roger Waters.
Waters vinha tendo problemas com os vocais de “Have a Cigar” já havia
algum tempo. Gilmour tinha se recusado a cantá-la, afirmando não sentir
empatia suficiente com a letra. “Roy ficava entrando e saindo do estúdio o tempo
todo”, disse Waters. “Não consigo me lembrar quem foi que sugeriu que ele
devia cantá-la – talvez tenha sido eu, talvez na esperança de que todos dissessem
‘oh, não, Rog, você deve fazê-lo’. Mas eles não disseram. Na verdade, todos
acharam uma excelente ideia.”
“Roger pode escrever músicas, mas ele jamais estará entre os top 100
melhores cantores”, disse Harper. “Ele se esforça, é um cara legal. Seja como
for, nenhum deles conseguia chegar lá. Eu simplesmente ficava ao fundo, rindo
por detrás de uma máquina. Eu falei: ‘Canto isso para você’, e alguém respondeu
‘ok’, e eu completei: ‘Por um preço’.”
Harper empregou o grau necessário de sarcasmo incrédulo na letra que
fazia referência à histeria da indústria musical, a qual se tornara a realidade da
banda após Dark Side of the Moon – uma letra que se referia a dirigir o trem da
alegria. Anos depois, quando trabalhou com o produtor Bob Ezrin em The Wall,
Waters diria a ele: “Você pode escrever o que quiser, apenas não espere um
crédito”. O nome de Harper apareceria no álbum terminado. Mas isso foi tudo.
John Leckie contou sua versão. “Roger disse: ‘Temos de nos assegurar que
você seja pago por isso’. E Roy respondeu: ‘Só me arrume um ingresso vitalício
para o Lord’s [campo de críquete]’. Ele continuou incitando Roger, mas nunca
recebeu nada. Dez anos depois, Roy escreveu uma carta para Roger e decidiu
que, devido ao sucesso de Wish You Were Here, 10 mil libras seria adequado. E
não recebeu nada.”
Roy Harper não foi o único convidado especial ou antigo amigo que
apareceu durante as sessões. Quando foi descoberto que o violinista clássico
Yehudi Menuhin e Stephane Grappelli estavam gravando um dueto no Abbey
Road, Gilmour sugeriu que Grappelli viesse e tocasse violino na sequência final
da canção “Wish You Were Here”. Grappelli discutiu sobre seu cachê, mas
concordou em fechá-lo por 300 libras. No final, a participação dele é quase
inaudível na mixagem. “Foi incrivelmente divertido, contudo, evitar suas mãos
errantes”, lembrou-se Gilmour.
Uma adição à mixagem elaborada foi um fragmento de um programa de
rádio que ligava o final de “Shine On... Part One” com o começo de “Wish You
Were Here”. Os versos de abertura da canção foram mixados de forma tal que
soaram como que saindo do rádio. Como Gilmour explicou, “tudo foi feito para
soar como se a primeira faixa fosse sugada para dentro do rádio com uma
pessoa sentada no quarto, tocando guitarra junto com o aparelho”. O programa
de rádio e a interferência foram gravados no próprio equipamento do carro de
Gilmour, enquanto alguém ligava o dial. A pequena amostra da Quarta Sinfonia
de Tchaikovsky se encaixava no início de “Wish You Were Here” perfeitamente.
Em 5 de junho, enquanto a banda se ocupava com outro dia de labuta real,
cada um deles se perguntou quem era o cara careca e acima do peso que fazia
um rebuliço no fundo do estúdio. A maioria assumiu que, se ele tinha passado
pela recepção da casa, deveria ser, para citar Nick Mason, “alguém que tivesse
ligação com os engenheiros”. Dificilmente sua presença lá permaneceria sem
ser notada. Na melhor tradição dos acontecimentos, ninguém presente naquele
dia conseguiu chegar a um acordo sobre quais as exatas circunstâncias da
chegada de Sy d Barrett ao estúdio.
“Todo mundo tem uma versão diferente da história”, diz Mason.
“Conversei com uma pessoa que achava que Sy d tinha estado no estúdio por pelo
menos três ou quatro dias; eu achei que ele estivesse lá por apenas uma hora,
mas outra pessoa garantiu que ele ficou lá a tarde inteira...” O baterista se lembra
de um “cara grande e gordo com a cabeça raspada, usando um velho e decrépito
sobretudo e carregando uma sacola de plástico de loja”. A única fotografia
conhecida de Barrett nas sessões é impressionante, mostrando-o de cabeça
raspada, com uma camisa de mangas curtas apertada e a cintura da calça na
altura do estômago. Certamente irreconhecível se comparado com o Sy d Barrett
de anos antes.
Para Roger Waters, a transformação física foi chocante. “Chorei pra
caralho”, ele disse depois. Foi Waters quem apontou Barrett para Richard Wright.
“Roger disse: ‘Você não sabe quem é aquele cara, sabe? É Sy d’, lembrou-se
Wright. “Foi um choque enorme. Ele ficava se levantando e escovando os dentes,
depois colocava a escova de lado e se sentava novamente.”
Conforme Mason, Wright e Waters, a chegada de Barrett coincidiu com
um playback de “Shine On You Crazy Diamond”. Gilmour, cuja lembrança do
evento é mais turva que a dos demais, afirma não lembrar qual música eles
trabalhavam, mas disse em uma entrevista que Sy d “apareceu por dois ou três
dias e depois não voltou mais”.
De acordo com Richard Wright, a certa altura, “Sy d se levantou e disse:
‘Tudo bem se eu colocar a guitarra?’. Mas, claro, ele não trazia nenhuma guitarra
consigo, e nós dissemos: ‘Sinto muito Sy d, a guitarra já foi feita’”.
Em 7 de julho, durante uma pausa nas sessões de Wish You Were Here,
Gilmour casou com Ginger no Epping Forest Register Office, e a saga de Sy d
deu outra virada interessante. Em uma conversa com a revista Mojo, em 2006,
Gilmour contestou as histórias de que Sy d esteve em seu casamento. No entanto,
pelo menos três convidados dizem tê-lo visto em um jantar depois do casamento,
no Abbey Road. O ex-empresário Andrew King lembra-se de Barrett “parecer o
tipo de cara que serve hambúrgueres em um bar em Kansas City ”.
O baterista do Humble Pie, Jerry Shirley, se referiu a ele como “um tipo
hare krishna gordo”. Mas, independentemente da frequência de suas visitas, não
poderia haver qualquer reconciliação. Barrett estava claramente muito doente. A
banda seguiu em frente e ele retornou para Chelsea, onde permaneceria indo e
voltando pelos seis anos seguintes.
“Ele não quer ser incomodado”, falou Bry an Morrison a um repórter
inquiridor. “Ele apenas se senta ali, sozinho, assiste à televisão o dia inteiro e
engorda.”

No final das sessões de Wish You Were Here, a Hipgnosis apresentou à


banda as ideias para a capa do álbum. Cientes do tema sobre ausência emocional
que permeava as músicas e, em alguns casos, a vida pessoal da banda, Storm
Thorgerson teve a ideia de uma capa “ausente” (leia-se escondida). Ele propôs
esconder a capa em uma embalagem de papel celofane opaco. A proposta foi
debatida durante uma refeição na cantina do Abbey Road com a banda, Steve
O’Rourke e qualquer outro que estivesse comendo ao lado deles e escutando a
conversa. A banda concordou, com a única condição feita pela gravadora de que
a embalagem de celofane incluiria um adesivo identificando o nome da banda e
do álbum. A capa escondida traria outra imagem emblemática do Floy d: dois
executivos de terno dando as mãos, com um deles pegando fogo.
Thorgerson explicou seu pensamento em uma entrevista feita para ouma
rádio na época: “O aperto de mãos foi um símbolo da completa noção de como
você se comunica com alguém, que, na verdade, está tentando lhe dizer o quanto
realmente está longe quando segura sua mão, ou seja, a quilômetros de
distância”. Para muitos, o homem em chamas foi visto como uma referência
bastante literal da noção de “se queimar” no negócio. Fotografado em um galpão
de cinema vazio de Holly wood, o executivo incendiado era Ronnie Rondell, um
dublê que arriscava frequentemente a vida em séries de televisão como As
panteras. No que se tornara uma abordagem artística familiar de camadas dentro
de camadas nas capas dos álbuns do Pink Floy d, a Hipgnosis incluiu designs
separados compreendendo o mesmo tema para a contracapa e imagens
interiores. Dessas, a foto de uma mergulhadora de ponta-cabeça com a metade
superior do corpo oculta em águas paradas era a mais arrebatadora. “Um
mergulho sem um splash? Uma ação sem vestígio? É presente ou ausente?”, disse
Thorgerson depois.
A cena ocorreu no lago Mono, na Califórnia. A mergulhadora treinada em
ioga ficou em posição estática e prendeu o fôlego embaixo da água enquanto
esperava que as ondulações no lago parassem e a fotografia fosse tirada. A
criação do designer George Hardie para o adesivo e o rótulo do selo repetia o
tema do aperto de mãos insincero, com duas mãos robóticas.
Wish You Were Here foi lançado em todo o mundo em setembro de 1975.
Mas aquela aparição em Knebworth seria o último show ao vivo do Pink Floy d
até 1977. Em uma entrevista feita para o Wish You Were Here Songbook,
publicado um mês após o lançamento do álbum, Roger Waters fez poucas
tentativas para esconder a insatisfação e o desassossego que sentia. “Sinto muito,
eu quero dar essa entrevista, mas minha mente está bagunçada...”, ele protesta a
certa altura. Depois, Waters discorre pelas dificuldades enfrentadas durante a
produção do trabalho, se recusando a preservar o tipo de união que David
Gilmour tinha trabalhado tanto para manter durante seu encontro com a NME, no
começo daquele ano.
A disposição do baixista em admitir os problemas dentro da banda tinha se
manifestado em uma sugestão, feita durante a produção do álbum, de incluir
segmentos de diálogos no estilo das entrevistas de Dark Side of the Moon. “Eu
gostaria de ter nos escutado discutindo e resolvendo as coisas durante este
álbum”, ele disse. “Gostaria de ter escutado fragmentos de conversas que
ocorreram durante as gravações.”
A ideia de Waters pode não ter sido tão rebuscada. Durante algumas datas
na turnê, Storm Thorgerson e um amigo de Waters, Nick Sedgwick,
acompanharam a banda. Também vindo de Cambridge, Sedgwick tinha andado
pelos mesmos círculos desde que era adolescente. Em meados dos anos 1970, ele
trabalhava como escritor freelancer. Nick jogava golfe com Waters e já havia
passado algum tempo com ele e Judy na Grécia. Waters convidara os dois, ele e
Storm, para acompanhar a turnê da banda e escrever o que Roger definiria
depois como “o livro definitivo sobre a experiência no Pink Floy d”.
A fotógrafa Jill Furmanovsky, uma das poucas pessoas da imprensa musical
que tinham acesso ao círculo interno do Floy d, também se juntou a eles em
algumas apresentações. “Storm pediu que eu tirasse algumas fotos de tudo”, disse
Jill. “Ele me telefonava e dizia: ‘Rápido, venha ao quarto 253 porque Dave está
jogando gamão’ ou ‘Roger está jogando golfe’.” Contudo, como a fotógrafa viria
a admitir, “com o Floy d você nunca sabia se era persona grata ou non grata.
Mesmo alguns dos membros da banda nem sempre tinham certeza se estavam
na banda ou não, quanto mais se uma fotógrafa era benvinda”.
A vibração durante a turnê foi o que Jill Furmanovsky descreve como uma
“sinistra novela”. Esse clima também se estendia além da banda, para as
mulheres e namoradas. Após um show do Floy d nos Estados Unidos, Waters ligou
de volta para sua agora distante mulher Judy, na Inglaterra. Um homem atendeu
ao telefone. O casal se divorciaria naquele ano.
Sedgwick e Thorgerson tinham registrado as turnês britânicas da banda em
1974 e escrito suas impressões. Capítulos preliminares foram distribuídos para a
banda. “Sentamos e lemos, e era fascinante”, disse Waters. “Dave leu e disse
apenas ‘y eah’. Então, alguns dias depois, ele simplesmente explodiu. Começou a
dizer coisas como:‘Se isso for verdade, então é melhor que eu não esteja na
banda’. Aquilo não batia com o que ele pensava de si mesmo e seu papel no
conjunto. O texto me descrevia como o líder. O livro inteiro acabou censurado.”
“Não acho que seja estritamente verdade dizer que foi Dave quem o
censurou”, diz Storm Thorgerson. “Acho que o livro não ter saído foi algo
circunstancial. Eles tinham que ir e fazer Wish You Were Here, Roger estava se
divorciando, e eu estava ocupado. Não demos sequência ao projeto também.
Mas ele mostra a dinâmica do grupo na época. Tenho fitas de várias discussões,
algumas brigas. Em certas ocasiões, talvez alguns deles tenham dito coisas de que
se arrependeram depois.”
Poderia ter acontecido uma complicação maior. Thorgerson também tinha
se juntado ao Pink Floy d durante a turnê americana, sem Sedgwick. “Havia
muitas mais indiscrições que ocorriam em países estrangeiros do que nas turnês
domésticas”, ele admite. “E acho que nós teríamos relatado todas no livro.”
Foi Sedgwick que conduziria a entrevista com Waters para o subsequente
Wish You Were Here Songbook. Ele permaneceria um dos confidentes mais
próximos de Waters e parceiro de golfe por muito tempo após o baixista se
separar do Pink Floy d. “Nick foi o único de nós que Roger não cortou de sua
vida”, diz outro de seus contemporâneos de Cambridge. O livro permanece,
porém, sem ser publicado.
Qualquer tumulto que a banda estivesse vivendo fez pouca diferença para a
reação que o público teve a Wish You Were Here. O álbum estreou como número
1 nos Estados Unidos e na Inglaterra, apesar da ausência de shows marcados
para promovê-lo. A Sounds foi efusiva em aclamá-lo (“anos luz melhor do que
Dark Side of the Moon”), mas outras ficaram menos impressionadas. A crítica de
Pete Erskine na New Musical Express chegou à conclusão de que, “como última e
desesperada medida para a falta de inspiração, eles finalmente sucumbiram a
reciclar os bits musicais mais óbvios de [Dark Side of the] Moon”. Não sendo um
grande fã do álbum anterior, Erskine admitiu que “onde Moon parecia sem
direção e às vezes positivamente confuso, Wish You Were Here é conciso,
altamente melódico e muito bem tocado”. A crítica para a Melody Maker de
Allan Jones foi muito mais dura: “Ele força à conclusão de que, por pelo menos
dois anos (possivelmente mais), o Floy d existiu em um estado de animação
suspensa... Wish You Were Here é uma porcaria. É simples assim”.
A crítica cruzou oceanos. Pela Rolling Stone, Ben Edmonds repreendeu a
banda por sobrepor artifícios à música e citou “Shine On You Crazy Diamond”
como uma oportunidade inepta para Waters realmente cantar sobre Sy d Barrett.
Havia um tema recorrente nas queixas: que o Floy d era muito insular,
desconectado da realidade e que as letras de Waters eram baixas e ávidas demais
para morder a mão que as alimentava. Contudo, com 900 mil pedidos adiantados
para o álbum nos Estados Unidos (o maior já feito para qualquer lançamento da
Columbia), os novos patrões americanos do Floy d mal precisavam se preocupar.
Wish You Were Here chegaria a vender seis milhões de cópias somente no
primeiro ano.
A reputação posterior desse trabalho como o álbum sério para os fãs do
Pink Floy d reside no fato de que ele destila a própria essência do som da banda
na época: aquele senso de deslocamento e emoções lutando para sair, ancorado a
uma música que soa ao mesmo tempo fria e melancólica.
“Estou feliz que as pessoas tenham policiado a tristeza”, disse Waters. “É
um disco muito triste.” Muito do crédito para esta sonoridade cabe a Richard
Wright. Seu fantasmagórico sintetizador parece dominar Wish You Were Here,
especialmente na segunda metade de “Shine On You Crazy Diamond”. Das nove
partes da canção, Wright leva crédito em oito como compositor. Não admira que
seja seu álbum favorito. Para os outros, a opinião divide-se de forma previsível.
Em 1995, Gilmour disse à revista Guitarist: “Acho que, sob certos aspectos, [Wish
You Were Here] é melhor do que Dark Side of the Moon”. Os segmentos falados
em Dark Side fizeram com que ele se perdesse em ninharias. “Houve momentos
em que não nos concentramos o suficiente no lado musical. Isso foi absorvido em
um esforço para tentar um equilíbrio melhor entre música e palavras em Wish
You Were Here.”
Waters pensava de forma diferente: “Parte dele continua... Acho que
cometemos um erro básico em não fazer arranjos de forma diferente para que
algumas das ideias não se expandissem liricamente antes que estivessem
desenvolvidas musicalmente”.
Entrevistado pouco mais de um ano após o álbum ter saído, Nick Mason
expressou surpresa do tanto que ele achava ser bom. Ele estivera com a mente
muito fora do lugar, e mal ficou de corpo presente no trabalho. Wish You Were
Here seria o primeiro álbum do Pink Floy d no qual ele não receberia nenhum
crédito. Pela primeira vez, o nome de Mason não aparecia em lugar nenhum em
um disco do Pink Floy d.

O número 35 da Britannia Row era um sobrado de três andares com


aparência imponente convertida em capela, bem próximo de Essex Road, em
Islington. O ano de 1976 seria o primeiro em que o Pink Floy d não tocaria ao
vivo. Livre para se concentrar em como gastar melhor, ou não, seu dinheiro, a
banda tinha comprado o prédio com a ideia de transformá-lo em um estúdio de
gravações e depósito. Com o grupo fora da estrada, seu arsenal de PAs e sistemas
de luz foi finalmente colocado sob um mesmo teto e à disposição para que outras
bandas o alugasse. Duas empresas foram criadas. Os membros da equipe de
roadies Mick Kluczy nski e Robbie Williams receberam o trabalho de gerenciar a
Britannia Row Audio, enquanto Graeme Fleming encabeçou a Britannia Row
Lighting. Na verdade, também era uma maneira de dar emprego para os três
enquanto a banda não estivesse excursionando.
Para o Pink Floy d, o projeto de ter seu próprio estúdio era bom para o ego
e, assim eles pensaram, para as contas bancárias. Os termos originais de seu
acordo com a EMI previa que tivessem tempo ilimitado de estúdio no Abbey
Road, em troca de um corte em seu percentual. Mas agora o trato tinha
caducado, e a banda tinha consciência de que qualquer longa viagem à
“biblioteca de lixos” seria dificultada pelo som de tique-taque do relógio no
estúdio.
O andar de cima do número 35 foi convertido em escritório, completado
com mesas de bilhar. O andar do meio tornou-se o depósito, enquanto o térreo
virou estúdio. Infelizmente, poucos contemporâneos do Floy d requereram sua
mesa de mixagem quadrifônica ou seus efeitos de luz espaciais, e as empresas só
foram autorizadas a locar equipamentos já existentes do Floy d, e não comprar
nada mais. O lado de aluguel do negócio acabou afundando, até que Robbie
Williams e seu parceiro compraram o equipamento da banda e montaram uma
produtora independente nos anos 1980.
Enquanto isso, o novo estúdio do Floy d ia bem melhor. Desenhado por
Waters, Mason e outro colega da Regent Street Poly, Jon Corpe, ele era, de
acordo com Mason “austero e moderno” ou, de acordo com Waters, “uma
maldita prisão”. O design de interior rígido podia ser desagradável, mas pelo
menos era deles. Com Brian Humphries e um novo engenheiro da casa, Nick
Griffiths, instalados, e com a equipe de roadies a postos no andar de cima, o
Britannia Row tornou-se o centro de operações do Pink Floy d e seu próprio
bunker. Mas ele tinha que se sustentar e precisava de um fluxo constante de
bandas agendando o estúdio, além de deixar o lugar livre para quando o Pink
Floy d quisesse utilizá-lo. Nesse ínterim, o sistema de contabilidade do estúdio não
era tão rigoroso quanto deveria ser. Os membros da banda estavam ganhando
grandes somas, mas gastando o mesmo tanto. “Foi como a situação da Apple
com os Beatles”, de acordo com uma pessoa envolvida.
Com o grupo fora da estrada, Nick Mason passou a primeira parte do ano
produzindo discos para Robert Wy att e os jazz rockers franceses Gong.
Entretanto, o baterista também passaria um tempo em 1976 reprisando seu papel
como embaixador residente do Pink Floy d. Nicky Horne, DJ da estação
independente de Londres, a Capital Radio, tinha um show noturno chamado Your
Mother Wouldn’t Like It, que era o programa rival para o show de John Peel, na
BBC. Horne tocava as bandas pesadas e voltadas para a produção de álbuns da
época e era fã confesso do Pink Floy d.
“Nick Mason se apresentou para mim depois de um show no
Hammersmith Odeon”, diz Nicky Horne hoje. “Não tenho ideia de quem era o
show, mas estava no andar de cima, na sala verde, quando ele veio até mim. Ele
disse ‘olá, estou com o Pink Floy d e sei que você toca bastante nossa música em
seu programa, então obrigado. Ficamos agradecidos’ – fui tomado de surpresa.”
Mason deu seu telefone a Horne e o convidou para uma rodada de chá.
“Ele morava naquele lugar em Highgate, e lembro-me de que ele tinha um
Bugatti miniatura que dirigia pelo jardim. Parecíamos garotos com seus
brinquedos divertindo-se no quintal. Então bebemos chá, tudo bem inglês, e Nick
falou sobre a imagem do Pink Floy d. Era tão incoerente que ele estivesse sendo
tão hospitaleiro, quando a banda tinha uma reputação tão grande de não dar
entrevistas e rejeitar qualquer aproximação. Ele me perguntou se eu tinha ideias
sobre como eles poderiam melhorar aquilo. Eu não estava mais no ar havia
muito tempo e era um pouco ingênuo; então, pensei, dane-se, e disse: ‘Eu
realmente gostaria de fazer a entrevista definitiva do Pink Floy d em meu
programa’. Surpreendentemente, ele concordou.”
The Pink Floyd Story, da Capital Radio, seria transmitida em seis partes por
seis semanas consecutivas, começando em dezembro de 1976. Nos meses que as
precederam, Horne teve acesso ilimitado aos quatro membros da banda, mas
com a condição de que eles teriam que aprovar cada um dos programas
previamente antes da transmissão (“normalmente, jamais faríamos isso, mas
então pensamos: ‘Foda-se, é o Pink Floy d’.”). Era um exercício de
relacionamento sem precedentes para uma banda geralmente tão avessa à
publicidade.
Nicky Horne acumulou horas de entrevistas com cada integrante da banda,
mas achou Waters o mais fascinante. Agora divorciado de Judy, Roger tinha se
mudado de Islington para uma casa em Broxash Road, perto de Clapham
Common, sul de Londres. Horne passou um dia lá.
“Fiquei surpreso porque esperava que ele fosse reticente e difícil de se
lidar, mas com Roger foi tudo muito transparente. Ele foi honesto sobre os
problemas que tiveram ao fazer Wish You Were Here e seus sentimentos por Sy d
Barrett. Tais sentimentos eram muito crus. Uma das sessões foi quase como uma
terapia. Eu disse: ‘Fale-me sobre culpa’, e ele falou por vinte minutos.”
Entre o material colocado à disposição para o programa estava a entrevista
sem edição entre Waters e Roger “The Hat” Manifold, o roadie cuja voz podia
ser ouvida em Dark Side of the Moon. As ruminações de Manifold sobre
violência, morte e os problemas de se trabalhar com músicos (“eles deviam ser
mais parecidos com pessoas normais”) foram afiados e engraçados. A certa
altura, os dois podem ser ouvidos fumando um baseado.
“Nick me deu aquela fita porque queria que eu a escutasse”, diz Horne.
“Acho que é porque ela mostra Roger sob uma luz diferente. Você percebia que,
quando ele fumava uma erva, podia sondar em todos os lugares, lá no fundo de
sua psique. Ele baixava a guarda totalmente.”
No meio do projeto, Horne percebeu que havia uma importante entrevista
ausente. “Eu queria Sy d, e Dave Gilmour me disse que ele estava morando no
Play boy Apartments, em Park Lane. Eles sabiam onde ele estava porque
mandavam os cheques de seus royalties. Então fui até lá e me disseram que ele
estava no Hilton.”
Horne descobriu o número do quarto no Hilton e fez sua abordagem. “A
porta foi aberta por um cara enorme, sem cabelos nem sobrancelhas –
completamente careca. Achei que fosse um guarda-costas ou leão de chácara.
Eu disse: ‘Dave Gilmour me mandou para falar com Sy d’. E aquele cara olhou
para mim e, com imensa dificuldade, meio que contorcendo a face, disse: ‘Sy d.
Não. Pode. Falar’, e fechou a porta. Desci e telefonei para Dave, contando o que
havia acontecido, sobre aquele cara que tinha acabado de encontrar e o que ele
dissera. Então Gilmour respondeu: ‘Não era um guarda-costas, era Sy d’. Foi
dramático vê-lo daquele jeito.”

A transmissão de The Pink Floyd Story foi programada para coincidir com
o lançamento do próximo álbum do Pink Floy d. Em abril de 1976, o Floy d
começou uma empreitada de oito meses no Britannia Row para gravar a
sequência de Wish You Were Here. Retornaram às duas canções que foram
rejeitadas para o último disco, “Raving and Drooling” e “Gotta Be Crazy ”.
Reexaminando as letras que tinha escrito quase dois anos antes, Waters acabou
rabiscando outro conceito. Se Wish You Were Here tinha sido dominado por sua
desilusão, então o álbum seguinte do Floy d o encontraria em um humor ainda
mais intransigente ecombativo.
O mundo ao seu redor raramente melhorava seu estado mental. Durante
um dos maiores e mais quentes verões registrados, a violência irrompeu no
Carnaval de Notting Hill, a celebração anual da cultura caribenha, da qual o
antigo empresário da banda, Peter Jenner, fora o primeiro tesoureiro. Policias
prenderam um batedor de carteiras perto da Portobello Road, fazendo com que
um grupo de jovens negros viesse em sua defesa. A tropa de choque encontrou
uma saudação de tijolos, garrafas e cones de trânsito. O incidente seria elogiado
na canção “White Riot” por uma nova e feroz banda de rock chamada The Clash.
O ambiente econômico e social influenciou a mudança musical da qual o
The Clash não era o único proponente. No meio da década de 1970, havia uma
crescente inquietação entre alguns críticos e fãs, que viam como uma atitude
complacente aquela das bandas de rock da superliga. A situação financeira do
Pink Floy d, sua indiferença geral e sua idade (os membros da banda estavam
agora na faixa dos 30 anos) fizeram dele um alvo para os críticos que
acreditavam que o rock deveria ser feito por bandas jovens e engajadas.
Em 1974, grupos surgiam dos dois lados do Atlântico, batalhando por um
retorno às canções curtas e pela morte do álbum conceitual. Em Nova York, os
Ramones cambaleavam pelo palco parecendo uma gangue de motoqueiros dos
anos 1960, tocando faixas que às vezes mal duravam dois minutos. Na Canvey
Island, em Essex, o Dr. Feelgood – todos com cabelos curtos e ternos apertados –
vendia a sua própria marca de R&B sujo e energético.
Não demorou muito para que outros chegassem, e a imprensa musical
começou a louvar os esforços de grupos de “punk rock” como The Clash, The
Damned e The Sex Pistols, cujas músicas de protesto não precisavam de um
sistema de PA quadrifônico para serem ouvidas de forma apropriada, e pareciam
estar a um mundo de distância da introspecção calculada do Pink Floy d. Apesar
disso, o Floy d dificilmente estava entre os piores criminosos ou os mais
criticados. Com seus álbuns gatefold, virtuosidade musical e conceitos artísticos,
Yes, Jethro Tull, Supertramp, Emerson Lake & Palmer e Genesis foram os
primeiros a ser colocados na linha de fogo.
Como os Ramones e o Dr. Feelgood, as bandas punk dispersaram o
antiquado senso de moda hippie da velha guarda. Barbas e viagens cósmicas
estavam por fora; a droga da vez era o speed (anfetamina), não marijuana. A
brevidade musical e a postura antiqualquer coisa as tornavam uma proposição
atraente aos fãs cansados de assistir a astros do rock milionários do tamanho de
palitos de fósforos, tocando na extremidade oposta de um estádio de futebol.
A equipe da Hipgnosis também entrou na linha de fogo do punk rock.
Aubrey ‘Po’ Powell estava fotografando a cantora pop Olivia Newton-John atrás
dos estúdios da Denmark Street quando escutou alguém tossindo catarro e
cuspindo de uma janela próxima. Era o cantor do Sex Pistols, Johnny Rotten (na
vida real um jovem de 20 anos, fã do Hawkwind, chamado John Ly don). A banda
e seu empresário, Malcolm McLaren, tinham se mudado para um espaço de
ensaios no mesmo prédio. Ao longo dos meses seguintes, Storm e Po iriam topar
regularmente com os aspirantes a roqueiros punks nos corredores do prédio.
Um dia, Ly don apareceu usando uma camiseta customizada do Pink Floy d.
Acima do logotipo do Floy d, ele tinha adicionado as palavras “Eu odeio”. Po se
recorda: “Eu disse: ‘Você tá tirando uma comigo?’. E ele respondeu: ‘Sim, com
você e toda aquela outra merda que vocês tocam’.” Acredite ou não, eles eram
muito educados e gentis a maior parte do tempo.
As acusações de complacência não eram infundadas. A jovem guarda de
1966 era agora a velha guarda de 1976. Um ano antes, o The Who tinha lançado
The Who By Numbers, um álbum altamente confessional no qual Pete Townshend
lamentava a própria transformação de sua banda de jovens ávidos para monstros
corporativos do rock. As letras de Townshend de outra canção do The Who,
“New Song”, criada em 1977, falam sobre fazer a mesma velha canção com
nova letra, a qual todos querem saudar – o que podia ter relação com Roger
Waters, que tinha dado voz a conceitos similares desde o sucesso de Dark Side of
the Moon. Ainda assim, enquanto Townshend lutava para se relacionar com
aqueles jovens novos astros – e acabaria se engajando com a boa vontade na
onda daquelas bandas punk que tinham crescido escutando The Who –, o Pink
Floy d permanecia indiferente. A distância crescente entre eles e seu público pode
ter perturbado Waters, mas, diferente de Townshend, ele não era dado a noitadas
de bebedeira no clube Roxy na companhia de membros do Sex Pistols. Ele vivia
resolutamente afastado.
“Quando foi o punk?”, cutucou Waters, em 1992. “Eu nem notei.”
Gilmour era mais acomodado. “Não acho que tenhamos nos sentido
alienados pelo punk, apenas não sentíamos que tinha alguma relevância em
particular para nós”, ele contou depois à NME. “Sempre fico maravilhado
quando escuto músicos ingleses, que eram grandes na era punk, dizendo que eles
adoravam tudo o que fazíamos – e isso inclui um membro do Sex Pistols! Não,
não vou contar quem é!”.
Nick Mason acabaria produzindo o segundo álbum do The Damned, Music
for Pleasure, no Britannia Row, em 1977: “Mas isso apenas porque eles queriam
que Sy d Barrett o fizesse. Obviamente, ele não estava disponível e acho que
ficaram bem desapontados de acabarem comigo”. O desejo The Damned de
criar, em suas palavras, “uma obra prima psicodélica punk” foi frustrado quando
seu baixista, Captain Sensible, caiu em si. “Nick Mason não era um cara
desagradável”, disse o Captain. “Mas lá estávamos nós, bancando a gravação
diariamente e dizendo: ‘Cacete, Nick, quase fui pego pelo cobrador de bilhetes
esta manhã’. E tudo o que ele podia dizer era: ‘Eu vim na minha Ferrari’.
Simplesmente não havia afinidade”.
Embora idade, riqueza e reputação estivessem contra ele, as preocupações
de Roger Waters – com desigualdade, preconceito, monetarismo desenfreado, o
entorpecimento do espírito humano – não haviam sido removidas do que algumas
bandas jovens estavam expressando. O álbum seguinte do Pink Floy d, Animals,
iria se harmonizar com a época mais do que qualquer um poderia esperar.
Em um rompante combinado de atividade durante toda a segunda metade
de 1976, Waters criou um novo conceito: um terrível mundo futurista no qual a
raça humana tinha sido reduzida a três subespécies: cães, porcos e ovelhas. Cada
qual tinha diferentes características desenhadas para refletir os pontos fracos e
preocupações dos seres humanos: a garra dos cães de caça; a tirania dos
despóticos porcos; e, inevitavelmente, as ovelhas estúpidas. O conceito foi pego
emprestado do romance de 1945 de George Orwell, A revolução dos bichos, no
qual a sociedade animal é uma alegoria para a União Soviética sob o regime de
Stálin. Na versão do Pink Floy d, as ovelhas acabam se amotinando para
conquistar seus opressores. Um tipo de final feliz para um conceito que nunca
realmente parece se unir tão bem quanto Dark Side of the Moon ou o próximo
disco conceitual do Floy d, The Wall.
“Em algum momento no meio das gravações, a coisa certa a fazer parecia
ser amarrar tudo”, explicou Waters. “Raving and Drooling” e “Gotta Be Crazy ”
seriam retrabalhadas no Britannia Row para se encaixar no tema do novo álbum.
A primeira se tornaria a canção “Sheep”, enquanto a segunda se tornaria “Dogs”.
Waters contribuiria com duas novas músicas, “Pigs (Three Different Ones)’” e
“Pigs On the Wing”. Mais uma vez, Waters foi o compositor dominante e o
homem das ideias.
Depois, alguns membros da banda afirmaram que a atmosfera foi melhor
do que em Wish You Were Here. Entretanto, Nick Mason disse que “Roger estava
em pleno fluxo de ideias, mas ele realmente estava mantendo Dave para baixo e
frustrando-o deliberadamente”. Parte dos problemas subsequentes entre os dois
estaria na distribuição dos royalties. Eles eram alocados por música e Gilmour
tinha crédito de coescritor em apenas uma faixa, “Dogs”, que era a canção mais
longa do álbum, tomando a maior parte do primeiro lado.
Na última hora, Waters apareceu com “Pigs on the Wing”, que ele logo
dividiu em duas, de forma que um verso abria o álbum e o segundo o fechava,
aumentando ainda mais seus royalties. Embora os outros possam ter se sentido
ofendidos por tal situação, ninguém estava levando coisas novas. Gilmour, por
sua conta, nunca foi o mais rápido ou mais prolífico dos compositores, e agora
ele tinha outra distração: Ginger tinha acabado de dar à luz a primeira filha do
casal, Alice. Nesse meio tempo, nem Mason ou Wright estavam contribuindo
com canções novas. No caso do baterista, isso ao menos era até comum, mas
considerando quantos créditos o tecladista teve em Wish You Were Here, algo
claramente tinha mudado.
“Foi em parte minha culpa, porque eu não empurrei meu material”, diz
Wright. “Ou eu fui preguiçoso demais para escrever algo. Mas Dave tinha
alguma coisa a oferecer e só conseguiu inserir um pouco do que podia ali.”
Na verdade, Wright estava distraído por problemas em seu casamento com
Juliette. Mas, para ele, as sessões de Animals também marcavam o começo do
declínio de seu relacionamento com Waters: “Animals foi um golpe. Não foi um
disco divertido de fazer, mas foi ali que Roger realmente começou a acreditar
que era o único escritor da banda. Ele acreditava ser o único motivo pelo qual a
banda ainda continuava e, obviamente, quando começou a desenvolver suas
viagens de ego, a pessoa com quem teria conflitos seria eu.”
A maioria das canções de Animals estaria entre as mais diretas e cáusticas
que Waters fizera até então. Mas se Gilmour estava, como Mason disse, sendo
“colocado para baixo” pelo baixista no que se tratava de créditos de
composições, ele compensou em sua explosiva performance. Gilmour fez alguns
de seus melhores trabalhos no álbum. Ele canta apenas uma música, a
colaboração que fez com Waters, “Dogs”, dando à letra azeda do baixista a
mesma maquiagem que “Welcome to the Machine” havia recebido, o que a
torna ainda mais afetada durante o processo. Embora o guitarrista admitisse
livremente que não partilhava da visão de mundo amarga que Waters tinha, ele
nunca deixa a máscara escorregar nesta cáustica destituição sobre corporações
famintas por dinheiro. Há algo quase insuportável na interpretação que Gilmour
dá ao verso Just another sad old man, all alone and dying of cancer....3 A canção
diminui o passo na metade, permitindo que Wright reprise os sons chorosos de
seu sintetizador usados em Wish You Were Here. Waters assume os vocais nos
versos finais, desfiando frases repetidas em um tom agudo, levemente
estrangulado (who was fitted with collar and chain).4 A natureza dessas palavras
levou a algumas comparações com o texto beatnik definitivo, lançado por volta
de dez anos antes, o poema de Allen Ginsberg “Howl” (who walked all night with
their shoes full of blood).5 Apesar de todas as acusações da imprensa musical de
complacência, essas não eram letras ou sentimentos que você encontraria
expressos no álbum de qualquer contemporâneo do Floy d.
“Pigs (Three Different Ones)” era mais breve, mais simples, mas não
menos desagradável. O ritmo funk metronômico e o repetitivo cowbell quase
deixam o ouvinte no estado mental da música do Free, “Alright Now”,
especialmente quando Gilmour começa a tocar alguns preenchimentos
blueseiros na batida. Na verdade, a canção tinha parentesco próximo com “Have
a Cigar”, de Wish You Were Here. Em seguida vem um monte de grotescos
barulhos, e Waters começa a cantar sobre os porcos tiranos, enquanto menciona
a ativista pró-censura, Mary Whitehouse. “Eu jogava fora aquele verso sobre
Mary Whitehouse”, disse Waters, “mas ele ficava retornando para mim.” Os
versos bus stop rat bag e fucked-up old hag também acabaram incluídos na
canção. A combinação de desprezo lírico e musicalidade prestigiosa faz com que
a canção soe ainda mais sórdida.
Embora “Sheep” seja novamente creditada apenas a Waters, é difícil
imaginá-la sem a contribuição de Gilmour. O humor selvagem do grupo aparece
com a inclusão do Salmo 23, se bem que modificado para celebrar um Senhor
que me fez pendurar-me em ganchos em lugares altos e me converteu em
costeletas de ovelha; no qual a ovelha incondicional – talvez uma metáfora para
os fãs incondicionais do Pink Floy d? – é levada a atacar seus mestres. A canção
foi vitimada pelo que Waters reclamou em Wish You Were Here, sobre “continuar
indefinidamente”, mas o solo de guitarra de fechamento que Gilmour faz, um
momento de puro heavy metal, justifica a espera. “Sheep” foi a única canção de
Animals a ser considerada para o repertório da banda quando ela se reuniu em
1987. Embora Gilmour adorasse o solo de guitarra, ele se recusou a tocá-la
alegando que jamais poderia cantá-la com a mesma quantidade de veneno que
Waters.
“Pigs on the Wing Part One” e “Part Two”, as adições de último minuto do
baixista em Animals, ofereciam um pequeno raio de esperança em meio a toda
retórica e o delírio. Os sentimentos por trás da canção foram inspirados por
eventos na vida de Waters fora da banda. “Estou apaixonado”, ele disse na época.
“O primeiro verso propõe a questão: Where would I be without you?.6 E o
segundo diz: In the face of all this other shit, I know you care about me and that
makes it possible to survive.” 7
Ela marcou a primeira vez que uma canção de amor completa aparecia
em qualquer álbum do Pink Floy d. O novo interesse romântico de Waters
chamava-se Caroly ne Anne Christie. Filha de um capitão militar, era sobrinha do
marquês de Zetland, parte da linhagem de Zetland-Dundas de donos de terras,
com propriedades na Escócia e em Yorkshire. O envolvimento dela na indústria
musical ia muito além do relacionamento que tinha com o baixista. Caroly ne
tinha trabalhado anteriormente na Atlantic Records e estava empregada pelo
produtor canadense de discos, Bob Ezrin, quando conheceu Waters. Ela também
ainda estava casada com seu segundo marido, Robert ‘Rock’ Scully, empresário
do The Grateful Dead. De acordo com Scully, em sua autobiografia Living with
the Dead, seu casamento de 1974 ocorreu apenas para que Caroly ne conseguisse
o green card e se juntasse ao Led Zeppelin na turnê europeia. A experiência de
Caroly ne e sua perspectiva – ela fazia parte da aristocracia britânica e era fã de
rock-n’-roll – não podiam ser mais diferentes da primeira esposa de Waters, Judy.
Roger e Judy não tiveram filhos juntos, mas em novembro de 1976 Caroly ne deu
à luz o primeiro filho do baixista, batizado de Harry.
Animals foi concluído no Natal. Dando um tempo em sua nova paternidade,
Waters voltou sua atenção para o assunto da capa. Em uma virada de eventos
sem precedentes, a Hipgnosis teve todas as suas ideias iniciais para a capa
rejeitadas. Entre diversas propostas apresentadas, estava um desenho de uma
criancinha de pijamas entrando no quarto dos pais e vendo-os fazer sexo
(“copulando... como animais!”, explica Storm Thorgerson).
Waters não ficou impressionado. “Não acho que o resto do pessoal tenha
achado essas ideias brilhantes também”, ele disse. “Havia aquela sensação de
‘bom, eu não gosto, faça algo melhor’. Então eu disse: ‘Ok, farei’. E pedalei pelo
sul de Londres em minha bicicleta com uma câmera e tirei algumas fotos da
Battersea Power Station.”
A estação de energia ao sul de Londres na época estava parcialmente
fechada e cessaria suas operações completamente em 1980. Atraído pelo que
Waters descreveu como a imagem “inumana e condenada” de um prédio, ele
propôs a ideia de um porco voador entre suas quatro torres. “É um símbolo de
esperança”, ele explicou, citando as ideias inspiradas pela mensagem mais
otimista contida em “Pigs on the Wing”.
A Hipgnosis concordou em ajudar a preparar a sessão de fotos. Waters já
tinha concebido a ideia de incluir um enorme porco inflável como parte do show
de palco para a próxima turnê da banda. A mesma empresa que havia produzido
as aeronaves Zeppelin originais fizeram o porco na Alemanha. A banda tomou
posse de um modelo de 10 metros que, de acordo com Mason, rapidamente
recebeu o apelido de “Algie”. O porco desinflado foi levado ao local, onde vários
membros da equipe do Floy d e funcionários da empresa de infláveis começaram
a tentar enchê-lo com volumes enormes de gás hélio.
Uma equipe de catorze fotógrafos já tinha sido contratada pela Hipgnosis
naquele dia, enquanto Steve O’Rourke, sabiamente, tinha convocado um atirador
para abater o porco caso ele se soltasse de suas amarras, ciente de que seu
tamanho poderia causar danos a qualquer linha aérea. Mas problemas técnicos
impediram que o porco fosse inflado por completo. Uma segunda tentativa, no
dia seguinte, foi mais bem-sucedida. O porco foi preenchido de ar e gás e, com a
ajuda de cordas, conduzido para a lateral do prédio. De repente, uma rajada de
vento fez com que escapasse de suas amarras. O’Rourke tinha decidido não
contratar o atirador para o segundo dia, e o porco cheio de hélio se libertou. À
tarde ele tinha sido visto a 18 mil pés acima da cidade costeira de Chatham, em
Kent.
“O inferno veio à tona”, lembra-se Po. “O RAF e o controle de tráfego
aéreo de Heathrow começaram a relatar aquele porco voador. Até tivemos uma
menção nas notícias da tarde.” Era uma perfeita façanha pública e a melhor
propaganda possível para o disco do Pink Floy d. Afinal, por volta das 22 horas, a
banda recebeu a notícia de que a fera havia aterrissado no campo de um
fazendeiro, em Godmersham, Kent. “Ele estava furioso”, diz Po, “já que a peça
havia, aparentemente, assustado suas vacas.” Surpreendentemente, o porco ainda
estava inteiro. Roadies foram enviados a Kent para resgatar o animal. Um
terceiro dia de filmagens seguiu sem dificuldades, embora dessa vez O’Rourke
tenha contratado dois atiradores, só por precaução.
Mas os problemas ainda não tinham acabado. “Quando recebemos as fotos
de volta, as imagens do terceiro dia pareciam bobas, enquanto as do primeiro dia
tinham um incrível céu soturno e formações de nuvens sensacionais”, diz Po.
Então usamos o céu do primeiro dia e borrifamos com a imagem do porco do
terceiro dia. Se tivéssemos feito isso desde o começo, teríamos poupado alguns
milhares de dólares.”
A imagem de “Algie” transportado pelo ar entre dois pilares na Battersea
Power Station é um detalhe atraente na capa de Animals. As nuvens
ameaçadoras acima fazem com que o céu se pareça com uma paisagem
turbulenta pintada por J. M. W. Turner, e são mais arrebatadoras que o próprio
porco. Dentro, algumas fotografias em preto e branco dos depósitos parcialmente
abandonados da estação se somam à atmosfera sinistra.
O lançamento de Animals foi em 23 de janeiro de 1977. A última parte do
programa da Capital Radio, The Pink Floyd Story, foi ao ar dois dias antes,
completando as seis semanas para construir o “Novo Floy d”. Mas teria uma
virada nos fatores, em preservar o espírito conivente do álbum de manter a
vantagem sobre os outros. “Nós demos grande importância ao fato de termos
exclusividade sobre o Animals”, diz Nick Horne, “e de como íamos transmitir
primeiro. Uma noite antes, estava dirigindo para casa, escutando o show de John
Peel no rádio quando ele disse, com seu estilo inimitável, ‘nós tocamos hoje os
hits de amanhã’. E ele tocou o primeiro lado de Animals. Acho que Gilmour havia
dado a ele uma cópia do álbum. Fiquei absolutamente fora de mim. Após seis
semanas anunciando nossa exclusividade, nós tínhamos, claro, recebido nossa
réplica.”
Animals estreou na Inglaterra em segundo lugar e nos Estados Unidos em
terceiro, fracassando em se igualar aos seus antecessores. “Nunca esperei que
Animals vendesse tanto quanto Wish You Were Here e Dark Side of the Moon”,
disse Gilmour. “Havia muitas coisas doces nele, do tipo conta comigo. ”
“É um álbum muito violento”, admitiu Waters na época. “Violência
temperada com tristeza.” A imprensa musical concordou. Angus Mackinnon, da
New Musical Express, aplaudiu Animals como “uma das mais extremas,
implacáveis, angustiantes e diretas peças iconoclastas de música já tocadas deste
lado do sol”. Mackinnon percebeu a relutância de Waters de “traçar a linha feita
pela maioria dos nomes em posições similares às dele”. A resenha afirmava que
havia algo surpreendentemente compassivo no “supremo fatalismo agnóstico” de
Waters, mesmo quando ele é cáustico ou amargo.
Na Melody Maker, Karl Dallas citou a mesma letra como um
“desconfortável sabor de realidade em uma mídia (rock progressivo) que se
tornou, em tempos recentes, cada vez mais soporífera”. Embora as últimas linhas
da crítica pareçam loquazes – “talvez eles devessem se renomear para ‘Punk
Floy d’” –, há verdade na afirmação. Desde o começo dos anos 1970, o Pink
Floy d vinha sendo aglutinado com outras bandas orientadas para a produção de
discos sob o rótulo de “rock progressivo”. Entretanto, como Gilmour advertiu
anos depois: “Nunca fui grande fã da maior parte do que você chamaria de rock
progressivo. Sou como Groucho Marx – não quero fazer parte de nenhum clube
que me aceite como membro”.
Animals não se igualava com a tendência de 1977, quando o punk dava as
cartas com o primeiro álbum do The Clash e Never Mind the Bollocks, do Sex
Pistols, mas também não se enquadrava na música feita pelos contemporâneos
barbados do Floy d. O Yes lançou Going for the One em 1977, um álbum cheio de
contos de fadas líricos e extravagâncias, enquanto Emerson Lake & Palmer e seu
Works Volume I, do mesmo ano, continha um lado inteiro entregue a Keith
Emerson e seu Piano Concerto (uma ideia similar que tinha sido explorada oito
anos antes pelo Pink Floy d com Ummagumma). Essas bandas não estavam
espremendo a ganância corporativa, a desumanidade das pessoas ou cercando
“as bruxas velhas” que tentavam censurar o que passava na televisão.
Assim como o exercício sem precedentes de relacionamento na Capital
Radio, The Pink Floyd Story, a banda também encontrou um crítico musical que
julgava ser digno de sua atenção. Um ano antes, Waters dera uma entrevista
reveladora para Philippe Constantin, um amigo que tinha trabalhado no selo da
banda na França. Mas embora Waters continuasse a tratar a maioria dos críticos
com desconfiança ou desprezo completo, Karl Dallas, da Melody Maker, iria de
repente se ver como persona grata de uma forma que jamais esperava. Dallas
era ele mesmo músico e contribuía havia bastante tempo com a Melody Maker.
Ele tinha visto o Pink Floy d no UFO, mas jamais fora fã da banda. “Eu
costumava conversar com Sy d e Roger no bar”, ele conta. “Achava o conceito
do Pink Floy d interessante, mas a música um pouco chata.”
A coletiva de imprensa para o lançamento de Animals, na Battersea Power
Station, contou com a presença de Dallas. Steve O’Rourke era o único
representante do Floy d; ele informou a um jornalista que David Gilmour não
compareceria porque teve dificuldade de encontrar uma babá. E os jornalistas
foram avisados de que não seria permitido tomar notas.
Dallas pirateou o disco com seu gravador, de forma que pudesse escutá-lo
depois. Sua resenha favorável foi publicada uma semana antes de o álbum sair. A
turnê seguinte do Floy d iria começar em Dortmund, Alemanha, no final do mês,
e Dallas foi convidado pela EMI para ir a um show posterior, em Frankfurt. “Eles
estavam levando muitos jornalistas para lá e eu concordei em ir”, diz Dallas.
“Então seguimos junto e jantamos com a banda. Dave e Nick eram do tipo ‘ei,
colega, tudo bem?’, mas eles não costumavam dar entrevistas, portanto, o jogo
era tentar tirar algo deles que pudesse ser utilizado, só que estavam sempre um
passo à nossa frente. Infelizmente, Roger foi um completo imbecil. Ele sentou-se
a uma das mesas e se recusou a conversar conosco. Estávamos no mesmo avião
de volta à Inglaterra e ele me ignorou por completo. Então, do nada, uns dias
depois, recebi uma carta que começava assim: ‘Não costumo me comunicar
com membros de sua horrível profissão, mas...’. Típico de Roger Waters. Em
resumo, depois que voltamos de Frankfurt, ele tinha lido minha resenha de
Animals e gostado.” Os dois se encontraram de novo por coincidência em um
show, e Dallas desafiou Waters a lhe dar uma entrevista. Pelos dois anos
seguintes, Dallas seria um dos poucos jornalistas a receber uma audiência com a
banda, sempre que ela quisesse comunicar algo para o mundo.
A excursão seguinte do Pink Floy d que duraria os próximos sete meses
visitou a Europa, o Reino Unido, a América do Norte e o Canadá. As backing
vocals não estavam mais na trupe, porém, Dick Parry foi recontratado para tocar
saxofone, junto com um segundo guitarrista e baixista, Terence ‘Snowy ’ White.
Amigo e confidente de Peter Green, do Fleetwood Mac, White tinha uma
experiência no blues similar a Gilmour. Ele tinha gravado um álbum não lançado
para a EMI com sua própria banda, a Heavy Heart, mas tinha se ocupado depois
com sessões para a compositora Joan Armatrading, além de recusar um show
com Steve Harley and Cockney Rebel. O nome de White foi passado para David
Gilmour por um amigo em comum, o empresário de Kate Bush na época.
O guitarrista tinha sido convocado para o Britannia Row durante as sessões
finais de Animals. Um dos solos de David Gilmour tinha sido acidentalmente
apagado e, na sua chegada, White encontrou uma atmosfera tensa e Gilmour
igualmente nervoso. Ao ser perguntado se ele queria tocar nos shows, White disse
que sim, mas perguntou se, enquanto estivesse ali, poderia ao menos fazer uma
jam. A resposta de Gilmour foi brusca: “Bem, você não estaria aqui se não
soubesse tocar, estaria?”. Neste ponto, Waters sugeriu que White tocasse algo. A
contribuição de Snowy para o disco Animals foi um solo de guitarra improvisado
usado para ligar o final de “Pigs on the Wing Part Two” de volta à faixa de
abertura, “Pigs on the Wing Part One”, mas somente para o lançamento do
cartucho com oito pistas do álbum. Ao vivo, White tocaria baixo e guitarra.
A turnê de Animals foi um belo exemplo de um evento grandioso, embora
nem sempre a melhor. Os promotores foram presenteados com uma lista de
pedidos antes de cada show, especificando a exata quantidade de espaço
necessário para o palco, as torres de luz e PA, e exatamente quanta energia era
preciso para a apresentação. A escala épica significava que uma turnê por teatros
seria impossível. Apenas arenas esportivas ou estádios de futebol poderiam
acomodar o equipamento de som e luz e toda aquela série de acessórios infláveis.
O porco agora ou era suspenso por cabos de aço para viajar pela extensão da
arena, ou flutuava acima do palco, onde explodia em algum momento climático
do show. Os designers Mark Fisher e Jonathan Park também foram incumbidos de
criar uma “família nuclear” inflável, compreendendo pai, mãe e dois filhos, que
fariam sua estreia na Wembley Empire Pool. A família cheia de hélio era
bombeada nos bastidores com a ajuda de um ventilador industrial e liberada para
o público durante a canção “Dogs”. Nos Estados Unidos, os adereços foram
aumentados para incluir um carro, uma geladeira e uma televisão. Enquanto isso,
o novo papel de Nick Mason envolvia explorar ondas sonoras em um rádio
transistor, apanhando barulhos aleatórios para a introdução de “Wish You Were
Here”.
As animações de Gerald Scarfe também foram utilizadas em “Shine On
You Crazy Diamond” e “Welcome to the Machine”. “Agora que finalmente
tínhamos a música para trabalhar, os animadores foram capazes de fazer um
trabalho bem melhor do que na turnê anterior”, lembra-se Scarfe. O visual
extravagante de cabeças decepadas, répteis robóticos e mares de sangue se
igualava ao clima brutal das músicas. O repertório do Pink Floy d era dividido em
duas partes. A primeira consistia de Animals completo, mas rearranjado para
abrir com a última faixa, “Sheep”. A segunda parte era Wish You Were Here
completo, com um bis de “Money ” e, às vezes, “Us and Them”.
A previsão de Richard Wright de que o Pink Floy d corria o risco de “se
tornar escravo de seu equipamento” parecia ter se realizado. Em Frankfurt, o
palco foi preenchido com tanto gelo seco que a banda ficou quase
completamente obscurecida. Fãs descontentes jogavam garrafas e latas, uma
delas se espatifando no conjunto de bateria de Nick Mason. Garantir que os
acessórios e as imagens estivessem sempre em sincronia com a música
aumentava a pressão. Para ajudar em sua concentração, Roger Waters começou
a usar fones de ouvidos em todos os shows. Embora aquilo o ajudasse a
permanecer no tempo, passava a impressão de que o baixista estava se isolando
tanto dos fãs quanto da banda. A presença contratada de Snowy White para a
turnê foi outra fonte de confusão para o público. Ele era o primeiro membro da
banda a aparecer no palco, tocando o baixo na introdução de “Sheep”, enquanto
a maior parte da multidão estupefata se perguntava quem era aquele.
O show chegou à Inglaterra, vindo da Europa, com cinco noites no
Wembley Empire Pool, em Londres. Eles receberam imediatamente sinal
vermelho. Funcionários do Greater London Council apareceram na casa para
checar se o porco inflável da banda estava equipado com recursos de segurança
conforme o exigido. Roger Waters supervisionou a inspeção, gritando ordens para
os operadores (“Parem o porco! Girem o porco!”). Outras restrições do GLC
acarretariam problemas com o som no show de abertura em Wembley, com a
equipe da banda trabalhando a noite inteira para retificar o som. “Em uma banda
como essa, todo mundo tem que estar trabalhando a plena capacidade no palco,
técnica e emocionalmente”, Gilmour disse a Karl Dallas. “Eu posso relevar
coisas assim, mas Roger não. Ele fica muito incomodado com tudo.”
A calorosa recepção que Animals teve na imprensa não se repetiu no show
ao vivo. Somente o sempre transbordante Derek Jewell, do Sunday Times, parecia
ter sido convencido: “A apresentação deles é a definição de brilhantismo do
teatro do desespero”. Um frequentador do clube UFO, Mick Farren, escrevendo
para a New Musical Express, sentiu-se menos convencido por uma “jornada
depressiva e sem esperança por um cosmo estéril e ameaçador”. Assim como a
turnê de 1974, havia uma desgastante familiaridade nas queixas: de que o show
corria o risco de esmagar a música.
Hugh Fielder, que outrora contratara Gilmour para tocar guitarra em sua
própria banda em Cambridge, estava escrevendo agora para a Sounds. “O
problema foi que o show inteiro corria em um clique marcado”, diz Fielder.
“Dava para escutá-lo antes de o show começar. Não havia computadores na
época, então, se você quisesse que o porco voasse exatamente na hora certa,
tinha que sincronizar. E isso significava que todos da banda, com a cabeça baixa e
fone de ouvido, mal olhavam um para o outro.” Uma semana depois dos shows
em Wembley, a Melody Maker reproduziu a carta de um fã ofendido, que disse
ter visto David Gilmour bocejar durante o show.
O braço norte-americano da turnê – chamada In the Flesh – começou no
Miami Baseball Stadium, no dia 22 de abril. Tudo parecia ficar cada vez maior. O
técnico encarregado, Mick Kluczy nski, lembrou-se de que, depois de ter checado
a casa para o primeiro show aberto nos Estados Unidos, entrou em pânico.
“Caminhei pelo campo e comecei a olhar para cima... e para cima... e para
cima... Corri e telefonei para Londres e disse-lhes que dobrassem tudo aquilo que
tínhamos pedido.”
Mais uma vez, a falta de tempo para ensaios trouxe os mesmos problemas
que tinham atrapalhado a turnê anterior. “A qualidade dos shows variava”,
escreveu Nick Mason depois. “Não estávamos dedicando tempo suficiente para
questões essenciais, como definir a passagem de uma música para a seguinte.
Minha memória é de que parte da performance era tão errática quanto a
música.”
Shows a céu aberto traziam outras dificuldades. Tocar em estádios
significava abrigar em torno de 80 mil pessoas, e a banda se via confrontada com
um público que tinha sido arrebanhado para o local horas antes de o espetáculo
começar, muitos dos quais matavam o tempo consumindo qualquer bebida e
droga que conseguissem colocar as mãos. Os shows se tornavam uma dádiva
para a polícia local, procurando por uma apreensão fácil de marijuana. O
público não se encontrava em condições mentais adequadas para se concentrar
nas nuanças e sutilezas da nova música do Floy d, e ainda estava, como Gilmour
reclamou antes, determinado ao boogie.
Apesar das pressões somadas, gravações da turnê In the Flesh sugerem
que Gilmour parecia soltar faíscas por ter outro músico na banda, e tanto ele
quanto Snowy White sacudiram parte do material, produzindo algumas dobras de
guitarra dinâmicas de “Shine On You Crazy Diamond”. No Oakland Coliseum, na
Califórnia, White até mesmo se viu em uma saia justa no palco quando teve que
tocar de improviso “Careful With That Axe Eugene”, uma música que jamais
tinha escutado antes.
Fora do palco, a atmosfera costumava ser carregada. Roger Waters
preferia se isolar do resto do grupo, chegando sozinho à casa de shows e
dispensando qualquer jantar ou festa depois da apresentação. Em Montreal, ele
estava no campo de golfe local minutos após ter dado entrada no hotel. A atitude
do baixista era, como sempre, um problema em particular para Richard Wright,
que após um dos shows entrou em um avião e voltou para a Inglaterra. “Eu
estava ameaçando sair, e lembro-me de ter dito ‘Não quero mais isso’. Steve
[O’Rourke] falou: ‘Você não pode. Não deve’.”
No Oakland Coliseum, o promotor Bill Graham encheu uma baia com
porcos nos bastidores em homenagem ao novo mascote da banda. Ginger
Gilmour, que estava acompanhando David na turnê com sua filha ainda bebê,
Alice, era vegetariana. Ela exigiu que os animais fossem soltos. “Acho que
Ginger, eventualmente, virou vegana”, diz Emo. “Claro, Dave era o oposto
completo. Ele adorava filés e hambúrgueres de carne.”
Ginger também teve um confronto com a nova namorada de Waters,
Caroly ne Christie. Ambas vinham de ambientes totalmente diferentes e, como
um agregado se recorda, “elas não se encaravam; Caroly ne era da aristocracia
rural e tinha todas as atitudes associadas à sua classe, e parecia ter um grande
poder sobre Roger. Ele passou por uma enorme mudança nos anos 1970.
Primeiro, tinha aquela esposa socialista devotada, por quem se enamorou
intelectualmente, e agora estava com aquela mulher aristocrata, e pareceu
mudar por completo”.
Para Richard Wright, a recente decisão de Waters de comprar uma casa
de campo era um exemplo de sua hipocrisia. “Fui o primeiro da banda a
comprar uma casa de campo, após Dark Side of the Moon”, contou Wright. “E
Roger sentou-se comigo e disse: ‘Não acredito que fez isso. Você se vendeu, está
fazendo exatamente o que todo astro de rock faz’. Acho que levou um ano e meio
para que ele comprasse a sua própria casa de campo. Falei: ‘Roger, você é um
hipócrita’. E ele respondeu: ‘Ah, eu não queria, mas minha mulher sim’. Uma
ova!” No caso de Waters, sua casa era a maior do grupo: uma mansão georgiana
na bela vila de Hampshire, Kimbridge, próxima ao rio Test, um curso de água
renomado por ser uma das melhores regiões para pescar trutas do país.
O filme de 1942 indicado ao Oscar Serenata azul – com a chamada: “É
novo! É quente! É hilário!” – foi um relato fictício de uma big band da era do
swing com as brigas e discussões que rolavam entre as esposas de seus músicos.
“Se você já assistiu àquele filme, te digo que era assim no Floy d com suas
mulheres”, diz Jeff Dexter. “Vamos apenas dizer que as mulheres de dois
membros da banda eram extremamente influentes.”
Com o andamento da turnê, o humor de Waters ficou ainda mais sombrio.
Ele estava frustrado por tocar em arenas cavernosas e impessoais para um
público que acreditava estar lá apenas para ficar bêbado, chapado e escutar
“Money ”. No Soldier Field, o estádio do Superbowl em Chicago, Steve O’Rourke
levou Waters até o topo das torres atrás do palco, para ver a multidão. Os
promotores afirmaram ter vendido 67 mil ingressos, a capacidade do estádio,
mas Waters estava desconfiado. “Olhei para baixo e disse: ‘Não, há pelo menos
80 mil pessoas aqui’. Já tinha feito shows grandes o suficiente para saber o
tamanho de um público de 67 mil pessoas. Quando os promotores insistiram em
que tinham vendido apenas 67 mil ingressos, O’Rourke contratou um helicóptero,
um fotógrafo e um advogado. A multidão foi fotografada de cima. “Havia 95 mil
pessoas lá, e nós recebemos mais 640 mil dólares.”
No palco, Waters começou a gritar números randômicos. Geralmente, ele
fazia isso quando a banda passava por “Pigs (Three Different Ones)”. Foi
somente após alguns shows que os outros perceberam que os números se
relacionavam com a quantidade de shows que a banda tinha feito na turnê até
então, como se ele estivesse contando os dias até poder ir para casa. Sua saúde
também estava sofrendo. Nos bastidores antes do show no Philadelphia
Spectrum, Waters sofreu com dores no abdome. Um médico lhe deu relaxante
muscular, que o capacitou a tocar, embora sem que sentisse as mãos. A
experiência o inspiraria a escrever a letra de “Comfortably Numb”. Depois,
Waters foi diagnosticado com hepatite.
Após tocar duas noites no Madison Square Garden, em Nova York, Waters
perdeu a paciência com o público. “Pigs on the Wing”, sua música acústica feita
para a adorada Caroly ne, foi interrompida pelo barulho de fogos de artifício,
lançados por membros do público, uma ocorrência danosa mas frequente em
shows de estádios americanos. Waters não estava a fim de interrupções e gritou:
“Seu estúpido filho da puta! Dá o fora e nos deixe continuar!”.
A última noite da turnê foi em Montreal, no recém-inaugurado Oly mpic
Stadium. A equipe de construção tinha acabado de sair, deixando para trás um
gigantesco guindaste, que pouco fez para dispersar a atmosfera impessoal da
arena. Após poucos versos de “Pigs on the Wing”, o ar foi tomado por algumas
explosões altas: mais fogos de artifícios. “Ah, puta que o pariu!”, Waters suspirou.
“Estou tentando cantar uma música que algumas pessoas querem escutar.”
Outros fogos foram lançados no início de “Wish You Were Here”. No final do
show, Waters estava furioso. Os relatos variam sobre o que aconteceu de fato. O
baixista afirmou que ficou enfurecido com um fã em particular, que gritava
incansavelmente sua devoção pela banda. Há quem afirme que Waters
encorajou o comportamento dele, e há quem diga que ele estava cansado de
escutar o jovem pedindo “Careful With That Axe Eugene”. Waters, por fim,
caminhou até a beirada do palco e cuspiu no rosto do fã.
A banda voltou ao palco para um último bis, um lento blues improvisado,
enquanto a equipe desmantelava lentamente o equipamento em volta deles. Mas
Gilmour não estava em cena. Recusou-se a se juntar, saiu da área de camarins e
foi para a multidão, caminhando por ela anônimo, apenas mais um cabeludo de
camiseta, e chegou até a torre de som para assistir ao resto da banda tocando
sem o guitarrista. “Achei vergonhoso acabar uma turnê de seis meses com um
show podre”, ele disse. O guitarrista estava ponderando, então, se ainda havia
futuro para o Pink Floy d.

1 “Você precisa manter todo mundo comprando esta merda.” (N. T.)
2 “Duas almas perdidas nadando em um aquário ano após ano.” (N. T.)
3 “Apenas outro velho, sozinho e morrendo de câncer...” (N. T.)
4 “Quem estava usando coleira e corrente.” (N. T.)
5 “Quem andou a noite toda com os sapatos sujos de sangue.” (N. T.)
6 “Onde eu estaria sem você?” (N. T.)
7 “Diante de toda essa outra merda, sei que você se importa comigo e que torna
possível sobreviver.” (N. T.)
CAPÍTULO OITO POR Q UE VOCÊ ESTÁ FUGINDO?

“Tenho de admitir que Roger Waters é um dos homens mais difíceis do


mundo.”
Nick Mason

“Ah, meu caro, temos de fazer isso mesmo?” Havia estresse na voz de Nick
Mason. E tudo estava indo tão bem.
O baterista do Pink Floy d divulgava uma versão atua-lizada de suas
memórias, que recebeu o cuidadoso subtítulo “A Personal History of Pink Floy d”.
Era o inverno de 2005, e a reunião do grupo no Live 8 ainda é predominante na
mente das pessoas. Mason está engraçado e singelo, parecendo ter um
suprimento sem fim de sofismas do tipo “sou só um baterista”. Mas ele se mostra
claramente orgulhoso da performance da banda reunida no Hy de Park. Ele
pontua meticulosamente que este degelo no relacionamento entre David Gilmour
e Roger Waters não significa uma reunião de longa duração para o Pink Floy d,
mas, incapaz de se conter, admite que, se eles decidissem “fazer alguma coisa de
novo, minha mala está arrumada e pronta para ir”. Mason é, afinal, como David
Gilmour certa vez praguejou com o mais tênue orgulho, “o melhor baterista para
o Pink Floy d”.
Mason deu entrevistas de um escritório/galpão em uma pequena rua em
Islington, norte de Londres. É o centro de operações de sua empresa, Ten Tenths,
que aluga carros, motocicletas, aviões, na verdade, qualquer meio de transporte
para o cinema e televisão, desde 1985. A própria coleção de Mason de modelos
esportivos está entre os disponíveis para os gostos de gente como o cantor pop
Robbie Williams dar umas voltas em seu próximo vídeo.
Após meramente ter se lembrado de assistir ao pianista de jazz Thelonious
Monk tocar em um clube em Nova York, em 1966, a conversação correu pelos
anos e chegamos, de algum modo, a The Wall: o álbum do Pink Floy d de 1979, o
show e o filme. De repente, o entusiasmo anterior de Mason pelo assunto parece
ter esmorecido. “É que foi uma época tão horrorosa”, ele explica. “Tento apagá-
la da minha cabeça.”
O desejo de Roger Waters de construir um muro entre si e o público do
Pink Floy d tinha supurado por alguns anos antes daquela “época horrorosa” do
The Wall. Mas o momento em que aquilo se tornou mais próximo de virar
realidade tinha sido a última data da turnê In the Flesh, em julho de 1977. Waters
estava mortificado por seu comportamento (“oh, meu Deus, a que fui
reduzido?”). Nos bastidores começou uma briga com o empresário Steve
O’Rourke, e um mal calculado chute de caratê fez com que ele cortasse o pé.
Caroly ne Christie estava no show com o produtor canadense Bob Ezrin,
para quem ela havia trabalhado como secretária. Ezrin, de 28 anos de idade,
havia supervisionado álbuns de Lou Reed, Kiss e da antiga banda de apoio do
Floy d, Alice Cooper. Ezrin, Caroly ne e um Roger Waters ensanguentado se
enfiaram em uma limusine para voltar ao hotel, passando antes por um hospital.
Também no carro estava um psiquiatra amigo de Ezrin.
“Sempre achei uma coincidência maravilhosa que eu tivesse um psiquiatra
ali comigo naquela noite”, diz Ezrin. “Então levamos Roger ao pronto-socorro
para ver seu pé e, quando voltávamos para o hotel, ele começou a falar sobre seu
senso de alienação na turnê e de como às vezes ele se sentia construindo um
muro entre si e seu público. Meu amigo, o psiquiatra, ficou fascinado. E, para
mim, foi um momento em que uma faísca surgiu. Não sei se fui eu, Roger ou o
psiquiatra quem disse primeiro, mas um de nós falou ‘Uau! Sabe que isso poderia
ser uma boa ideia?’.”
“Eu estava contrariado por tocar em estádios”, explicou Waters depois. “Eu
ficava dizendo às pessoas naquela turnê: ‘Sabe, não estou curtindo isso de
verdade. Tem algo bem errado nisso tudo’. E a resposta para isso era ‘oh, é
mesmo? Bom, você sabe que fizemos 4 milhões de dólares hoje?’, e isso
continuou indefinidamente. Então, a certa altura, algo na minha cabeça estalou e
desenvolvi a ideia de fazer um concerto no qual construiríamos um muro na
frente do palco, dividindo o público dos músicos.”
Com o término da turnê, a banda retornou à Inglaterra. Gilmour e Wright,
encorajados pelas esposas, planejaram discos solos. Nos anos vindouros, Waters
refutaria a afirmação de que teria recusado as composições deles e os
desencorajado de compor: “Como eu poderia ter impedido David Gilmour de
escrever?”. Na verdade, ninguém estava certo se o Pink Floy d voltaria a fazer
outro disco. Projetos individuais deram a todos eles um tempo necessário
separados. No final de 1977 e começo de 1978, Gilmour produziria o terceiro
álbum do Unicorn e, com grande sucesso comercial, o segundo single de sua
protegida, Kate Bush, “The Man with the Child in his Ey es”.
Apesar da falta de créditos nas composições de Animals, Gilmour também
tinha material suficiente para começar um disco próprio. “Acho que Dave estava
um pouco entediado e queria um tempo sozinho”, diz Rick Wills, que tocou baixo
junto com o baterista Willie Wilson. Foi a primeira vez que os três trabalharam
juntos desde aquela viagem para a Espanha e a França, mais de dez anos antes.
Algumas jams no estúdio caseiro de Gilmour levaram a sessões no Britannia Row
e, para fugir de impostos, uma gravação no Super Bear Studios, próximo a Nice,
em janeiro de 1978. O álbum, chamado simplesmente de David Gilmour, veio
quatro meses depois. Roy Harper e Ken Baker, do Unicorn, estavam entre os que
contribuíram com as letras. “There’s No Way Out of Here” e “So Far Away ”
poderiam fazer referência à carregada situação de Gilmour no Pink Floy d,
enquanto os “oohs” e “aahs” das backing vocals, os contratempos resolutos e os
solos de guitarra ardentes vinham direto do songbook do Floy d. Gilmour diria
depois, que muito do álbum tinha um “tema de mortalidade”.
Na capa, o guitarrista posa do lado de fora de seu estúdio em Essex,
parecendo menos com o senhor da mansão e mais como se tivesse ido limpar os
estábulos. Gilmour promoveu o álbum, mas se resguardou na maior parte das
entrevistas, embora ele tenha declarado para a Sounds: “Uma das coisas boas de
gravar na França é que eu não preciso dar muito dinheiro ao fisco”. De forma
apropriada, uma das canções recebeu o título de “Mihalis”, o nome de seu barco,
comprado para sua nova casa de férias, em Lindos. O álbum chegou ao número
20, na Inglaterra.
Assim que Gilmour desocupou o Super Bear, Richard Wright foi fazer seu
disco. Wet Dream, lançado em setembro de 1978, trazia o guitarrista de apoio do
Floy d, Snowy White, e era repleto das marcas registradas de Wright, como o
Hammond e o sintetizador. As músicas eram leves, tendo como principal
inspiração as férias de Wright em Lindos (“Holiday ” e “Waves”) e o estado
melancólico de seu casamento. “Against the Odds” fazia uma alusão ao tumulto
de sua vida pessoal, enquanto a letra que sua mulher Juliette escreveu para
“Pink’s Song” parecia ser uma carta aberta pedindo perdão à governanta do
casal. Wet Dream fracassou nas paradas. “Era muito amador”, diz Wright. “As
letras eram fracas, mas acho que há algo de singular nele.”
Para fãs ortodoxos do Pink Floy d, contudo, ambos os discos continham
momentos válidos. Waters, depois, expressaria sua frustração sobre as
composições de Wright: “Rick escreve essas coisas singulares, mas as mantém
em segredo e depois as coloca em seus álbuns solo, que ninguém nunca ouviu.
Ele nunca as partilhou. Era algo inacreditavelmente estúpido”.
De volta à Inglaterra, Mason e Waters estiveram ocupados. Enquanto o
baterista produziu o álbum Green, de Steve Hillage, ex-guitarrista do Gong, a
namorada de Waters, Caroly ne, deu à luz o segundo filho do casal, uma menina
chamada India. Roger também se manteve ativo, escrevendo e fazendo demos
com canções para outros dois álbuns. Sua produtividade se provaria uma bênção
disfarçada, como o Pink Floy d estava para descobrir.
Em 1976, o grupo tinha contratado uma empresa de conselheiros
financeiros, a Norton Warburg, para supervisionar suas finanças. Sob o governo
do primeiro-ministro James Callaghan, profissionais com ganhos na faixa do Pink
Floy d podiam pagar até 83% de impostos. A Norton Warburg sugeriu que a banda
colocasse um percentual de seus rendimentos em várias empresas de capital de
risco para evitar dá-lo ao fisco. O dinheiro do Floy d foi seguidamente investido
em pizzarias, pistas de skate, uma empresa de segurança, uma prensa de
impressão de dinheiro e talões de cheques... Com exceção de um contrato de
propriedade em Knightsbridge, a maior parte desses empreendimentos teve
baixo desempenho ou falhou miseravelmente. Quando um conselheiro financeiro
da Norton Warburg foi apontado para cuidar dos negócios da banda no Britannia
Row, ele descobriu que os chefes da empresa estavam penhorando fundos da
sociedade de investimento para compensar suas desastrosas empreitadas (logo
depois a Norton Warburg faliu). Isso resultou em uma perda para a banda
estimada em 3,3 milhões de libras. Fraudes adicionais revelaram que o
planejamento de impostos da banda para o próximo ano fiscal estava um caos,
tornando-os sujeitos a impostos sobre um dinheiro que, na verdade, fora perdido.
A natureza do acordo também significava que qualquer decisão tomada por um
membro da banda em relação aos investimentos afetava os demais. Como
afirmou Gilmour depois, “era muito capcioso”.
Em julho, com a extensão do fiasco financeiro lentamente se desdobrando
em torno deles, a banda se encontrou no Britannia Row, onde Waters lhes
apresentou suas duas ideias. Uma demo de noventa minutos intitulada Bricks in
the Wall e uma demo do que viria a ser seu primeiro álbum solo, The Pros and
Cons of Hitch-hiking. A banda votou em Bricks in the Wall em detrimento de The
Pros and Cons… (apenas Steve O’Rourke era aparentemente a favor da segunda).
Contudo, todos eles ainda tinham reservas sobre o que haviam escutado.
“Era como um esqueleto com vários ossos faltando”, afirmou Nick Mason.
“Roger fez uma demo pavorosa, mas que ideia!” Gilmour foi mais cauteloso.
“Era muito depressivo e chato em alguns pontos, mas gostei do conceito básico.”
Em setembro, a extensão plena do problema com a Norton Warburg
tornou-se mais evidente. A banda se retirou do acordo e exigiu a devolução do
dinheiro que tinha investido. A seguir eles deram início a procedimentos legais
para processar a empresa em 1 milhão de libras, sob alegação de fraude e
negligência. “A experiência como um todo lançou uma enorme nuvem negra
sobre nós”, escreveu Mason. “Sempre tivemos orgulho de ser espertos o
suficiente para não cair em algo assim. Estávamos completamente errados.”
Havia uma necessidade ainda maior de ganhar dinheiro, e rápido.
Ao perceber que Bricks in the Wall só funcionaria como álbum duplo e
representaria um desafio maior do que tudo que a banda tinha tentado antes,
Waters decidiu trazer mais um produtor e colaborador de fora. Em experiências
passadas, Gilmour também entendeu a importância de um mediador, e
concordou.
“Eu precisava de um colaborador que estivesse musical e intelectualmente
em um lugar parecido ao meu”, disse Waters depois, afirmando que Gilmour e
Mason não estavam suficientemente interessados e que Wright ficou “bem
fechado nesse ponto”. Caroly ne Christie sugeriu seu antigo chefe, Bob Ezrin, que
havia dado um som ultramoderno para o ex-frontman do Genesis, Peter Gabriel,
em seu primeiro álbum solo.
Ezrin voou para a Inglaterra e passou uma semana na casa de campo do
baixista. “A demo que ele tocou para mim precisava de muito trabalho”, diz
Ezrin, “mas era óbvio que havia algo excitante ali”. Ezrin concordou em assumir
o papel de coprodutor.
Em uma sessão que virou a noite em Londres – “não desassistida de
química” –, Ezrin escreveu um roteiro para o que acreditava ser um filme
imaginário, montando uma trama com a história de Waters, trabalhando onde a
música se enquadrava, o que estava funcionando e o que não, e do que mais eles
precisariam. “Então acabei produzindo um livro de quarenta páginas naquela
noite... No dia seguinte, no estúdio, fizemos uma leitura de mesa, como seria feito
com uma peça, mas com a banda inteira, e seus olhos brilhavam, porque
conseguiram enxergar o álbum pronto.”
A história de Roger Waters foi dividida em duas partes, com seu
personagem principal, que depois seria conhecido como Pink, efetivamente
rememorando sua vida. A primeira parte foi inspirada na própria vida de Waters,
começando com a morte de seu pai na Segunda Guerra Mundial (efetivamente,
o primeiro “tijolo no muro”), antes de passar para outros “tijolos” de seus
relacionamentos, com uma mãe superprotetora e professores que praticavam
bully ing. “Sempre que algo ruim acontece, ele se isola um pouco mais”, explicou
Waters.
Ezrin sugeriu ampliar a história. “Nós a modificamos para evitar que fosse
um trabalho completamente autobiográfico. Roger estava com 36 anos na época
e aquela era ‘a história de Roger Waters’. Minha intuição, contudo, era a de que o
público provavelmente não estaria interessado nas queixas de um roqueiro de 36
anos. Mas eles talvez se interessassem por um personagem da Gestalt, e Pink,
como uma combinação de todos os roqueiros dissipados que já conhecemos e
amamos. E isso nos permitiu entrar em umas coisas realmente loucas.”
A segunda metade da história foi inspirada na experiência de Waters com a
indústria musical e o legado de Sy d Barrett. Pink se torna aquele roqueiro
disperso, cheio de drogas e forçado a subir no palco, onde começa a alucinar e se
transforma em um megalomaníaco hitleriano.
“Se você ler as letras originais, Roger estava sendo muito honesto quanto ao
seu medo, dor e isolamento”, diz Ezrin. “Mas quando o transformamos em Pink,
pudemos dar a ele ainda mais medo, dor e isolamento.” No último e dramático
capítulo da história e do álbum, um perturbado Pink vê seu público tornar-se cada
vez mais fascista e o concerto se tornar menos show de rock e mais comício
político. O dramático coda da peça encontra Pink derrubando “o muro” e se
tornando um ser humano vulnerável e que, mais uma vez, se importa. Outro final
feliz então?
Ezrin acreditava que, ao criar um personagem em terceira pessoa, Waters
poderia “expressar níveis de medo, alienação e isolamento que, de outro modo,
teriam sido inaceitáveis – e errados”. Contudo, foi difícil separar o personagem
Pink da noção desse astro do rock queixoso, mas muito rico. Como Richard
Wright admitiu após ter escutado as demos pela primeira vez, “havia certas
coisas que me fizeram pensar: oh, lá vamos nós de novo – tudo tem a ver com a
guerra, com sua mãe, com a perda do pai...”.
A escala da visão de Waters era maior do que qualquer um de seus colegas
de banda poderia ter imaginado. “Ele veio à minha casa em Chelsea e tocou as
demos”, diz o artista Gerald Scarfe. “Era tudo muito bruto, mas ele me disse que
The Wall seria um disco, um show e um filme. Obviamente, ele tinha a coisa toda
mapeada na cabeça. Costumávamos jogar muito bilhar e beber Carlsberg
Special Brew juntos em sua casa, e eu me lembro de ele ter dito ‘jamais vou
estar nesta posição de novo, Gerry...’, provavelmente tendo o controle até aquele
ponto.”
Ao longo dos meses seguintes, Scarfe trabalhou nas músicas e ideias,
esboçando os personagens e criando storyboards para as cenas individuais.
“Visualizei Pink como uma criatura vulnerável”, ele explicou, seguindo para
apresentar os professores de Pink, sua mulher e sua mãe, criando as imagens
grotescas que se tornariam a aparência definitiva do álbum, do show e do filme.
Com as músicas ainda sendo criadas, as imagens de Scarfe influenciariam os
versos de Waters, enquanto novas letras seriam passadas para o artista para
inspirar novos desenhos.
De volta ao Britannia Row, havia mais uma inclusão no time. O homem do
som Brian Humphries tinha sido, nas palavras de um membro da banda,
“queimado” após cinco anos trabalhando com o Pink Floy d. Decidiram trazer
outro engenheiro a bordo, porém, um que tivesse mais experiência do que o
residente do Britannia Row, Nick Griffiths.
Alan Parsons recomendou para o grupo o jovem de 25 anos, James
Guthrie. “Brian Humphries era ótimo, mas era da velha guarda”, disse Nick
Mason. “James trouxe sangue novo.” Após ser entrevistado por Steve O’Rourke e
Roger Waters, foi cuidadosamente pontuado para Guthrie que ele estava sendo
contratado como coprodutor.
“Eu via a mim mesmo como um jovem produtor”, Guthrie disse depois à
escritora Sy lvie Simmons. Infelizmente, o Floy d não falou para Guthrie sobre
Bob Ezrin, e vice-versa. “Quando chegamos, acho que os dois pensaram que
haviam sido agendados para fazer o mesmo trabalho.”
“Houve confusão quando começamos”, concorda Ezrin. “Como você pode
imaginar, havia três de nós – James, Roger e eu –, todos com ideias bem fortes
sobre como aquele álbum deveria ser feito.” Para Ezrin, contudo, havia também
o obstáculo da atitude de Waters para superar.
“Havia o que se pode chamar de atmosfera de escola pública nas sessões”,
ele diz. “E Roger era o garoto líder e, às vezes, podia importunar os demais. Eu
era o garoto novo, então, claro, era torturado. Mas vim para Londres com uma
atitude punk de Nova York. Assim, logo no começo, houve um momento em que
Roger estava me cutucando e eu virei para ele e disse: ‘Leia meus lábios, filho da
puta, você não pode falar comigo assim!’. E o resto da banda ficou
instantaneamente do meu lado, dizendo: ‘Éééé!’. Acho que aquilo me deu uma
boa posição daquele ponto em diante.”
O papel de Ezrin rapidamente se ampliou para ajudar na colaboração entre
Waters e o resto da banda. “O conceito inicial de Roger era que aquelas eram
suas canções, seu material, e eu fui levado para lidar com os muffins – ele se
referia literalmente assim aos outros. Mas aquele precisava ser um projeto do
Pink Floy d. Então, eu queria envolver os outros caras e tivemos que ir de
encontro à resistência natural de Roger, porque ele tinha uma visão muito clara
na cabeça de como o álbum deveria ser.”
As sessões no Britannia Row continuaram até março de 1979 e, sendo ele
próprio tecladista e compositor (ele tinha coescrito o sucesso de Alice Cooper, de
1975, “Elected”), Ezrin foi capaz de traduzir suas ideias para a música no estúdio.
“Ezrin é o tipo de cara que pensa em todos os ângulos”, disse Gilmour.
“Como fazer uma história curta ser contada apropriadamente, sempre
preocupado em mudar as cadências para cima e para baixo, todas aquelas coisas
com as quais nós nunca nos preocupamos.”
Em março, outro conjunto de demos fora completado, mas a real situação
financeira da banda estava para impactar suas vidas.
“Estávamos para falir”, disse Waters. “Tínhamos ido de moleques de 14
anos, com guitarras e fantasias de sermos ricos e famosos, para fazer o sonho se
tornar realidade com Dark Side of the Moon. E então, ao sermos gananciosos e
tentarmos proteger nossos ganhos, acabamos perdendo tudo!”
Com as leis de impostos da época, a única solução para evitar perder tudo
foi a banda deixar a Inglaterra em 6 de abril de 1979 e não voltar em menos de
365 dias. Eles foram aconselhados a ganhar o máximo de dinheiro possível
durante o seu tempo fora, que não seria taxado por não serem residentes.
Um mês após ter recebido esse conselho, os quatro pegaram suas famílias
e saíram da Inglaterra. Embora eles já tivessem casas no exterior, ainda era o
começo do que David Gilmour descreveria como doze meses de “uma
existência nômade”. Com o novo ano fiscal iminente, a banda logo decidiu
contratar o Super Bear Studios, perto de Nice, levando o máximo que puderam
de seu próprio equipamento usado no Britannia Row. Fora isso, para melhorar o
ambiente geral no Super Bear, a banda pediu que tirassem o carpete que existia
para revelar o chão de mármore original que havia por baixo. Uma vez que o
trabalho estava a caminho, Ezrin propôs um método radical de gravação, na qual
bateria e baixo eram gravados em uma mesa de 16 canais e então copiados para
uma versão mixada em 24 canais, e outros instrumentos e overdubs eram
adicionados. A intenção era sincronizar as faixas em 16 e 24 canais, com tudo na
mesa de 16 ficando mais alto e claro, isso porque as fitas eram escondidas, o que
evitava que fossem usadas repetidamente e ficassem desgastadas. Isso contribuiu
para o som pleno e denso do álbum concluído, embora Ezrin tenha deixado suas
contrapartes inglesas alarmadas pelo processo de trabalho, especialmente quando
se tratava de apagar qualquer coisa das faixas de 24: “Parecia bruxaria”.
Mason e Wright ficaram nas acomodações do estúdio. Waters e Gilmour
alugaram casas próximas. Mason, achando suas acomodações carentes, acabou
se mudando para a casa de férias de Waters, próximo da cidade de Vence. Bob
Ezrin, enquanto isso, deu entrada no exclusivo Negresco Hotel, em Nice.
Apesar do luxuoso ambiente, a pressão para entregar o álbum garantiu que
eles trabalhassem com um cronograma apertado (“muito pouco ao estilo Floy d”,
disse Nick Mason). Waters instaurou um dia rígido de trabalho das 10 às 18 horas,
para garantir que ele pudesse passar suas noites com Caroly ne e os dois filhos.
Ele ficava particularmente zangado quando Ezrin aparecia atrasado.
Em algum ponto durante as gravações na França, a atitude punk de Nova
York do produtor claramente começou a ruir ante o desdém inglês peculiar de
Waters. Para o seu deleite, Ezrin tinha uma taxa de direitos mais baixa que a
banda. Tanto que Waters fez distintivos para a banda onde se lia NOPE (No Points
Ezrin). Em 2004, Ezrin informaria o escritor da Mojo, Phil Sutcliffe, que o
comportamento do baixista o fazia lembrar-se da infância, de quando era
importunado nade escola, em Toronto.
“Levou-me ao tempo de quando eu era criança”, ele disse de forma
sombria. “Começou de forma divertida, mas o que parecia diversão para Roger
era doloroso para mim.” Ezrin também afirmaria que seus atrasos no estúdio
eram porque ele temia ir, já que a “atmosfera, especialmente por causa de
Roger, era tão tensa. Era aquele conflito inglês terrivelmente passivo-agressivo,
onde tanto ficava sem ser dito. Roger é um cara duro, e ele é mais duro consigo
mesmo do que qualquer um. Mas ele pega essa dureza e a perfeição que aplica a
si próprio e as reflete nos outros, o que às vezes não é a coisa certa a ser feita.”
A banda iria defletir as reclamações de Ezrin ao afirmar que Bob estava,
nas palavras de Nick Mason, “passando por uma fase pouco confiável”, com a
sugestão implícita de que o produtor estava curtindo muitas noitadas em Nice.
Ezrin iria admitir depois não estar em sua “melhor forma emocional”, por causa
de problemas em seu casamento. Entretanto, os choques do produtor com Roger
compreendiam apenas uma pequena parte do conflito geral. Tensões também
estavam correndo entre as respectivas esposas. Enquanto isso, o relacionamento
entre Waters e Richard Wright havia se rompido.
O processo de gravações no Super Bear raramente envolvia os quatro
membros da banda no estúdio ao mesmo tempo. Se isso tinha o efeito liberador
de permitir a cada um tempo suficiente para gravar suas partes, existia o risco de
isolamento e de panelinhas dentro do grupo. No Super Bear, Nick Mason, que
tinha, para a surpresa de Waters, aprendido a ler partituras musicais para bateria,
gravou a maior parte de suas linhas nas sessões iniciais, que foram deixadas
então para Ezrin e James Guthrie editarem juntos. Efetivamente, a preparação
das fundações para que os outros construíssem trazia o benefício adicional para
Mason se esquivar das demais sessões e dirigir sua Ferrari em Le Mans. (Ele
chegou ao segundo lugar em sua classe.)
O longo dia de trabalho de Guthrie envolveria um turno aplicado das 10 às
18 horas com Waters e Gilmour, antes de retornar ao estúdio para passar a
madrugada com Richard Wright. Como sempre, cada um da banda e seus
colaboradores teriam uma visão diferente da “situação de Rick Wright”.
Para Waters, parte dos problemas em andamento com Wright durante as
sessões de The Wall vinha do desejo do tecladista de receber um crédito de
produtor no álbum.
“Até The Wall, sempre tivemos a frase ‘produzido pelo Pink Floy d’ em
nossos discos”, disse Waters, “embora a maior parte da produção tivesse sido
feita por mim e Dave.” Então disse a Nick e Rick que Bob Ezrin iria produzir o
disco com o baterista e Dave, e eles não seriam creditados, porque nunca
produziram de fato. “Nick concordou, sem problemas”, prosseguiu Waters, “mas
Rick disse: ‘Eu posso produzir o disco. Eu posso ajudar’. Respondi: ‘Não acho que
possa, Rick, você nunca o fez antes’.” Waters concordou em dar a Wright 1% e
crédito de produtor no álbum, mas somente após um período de teste no qual ele
seria “supervisionado na produção”.
“Tive reservas quando Bob Ezrin foi trazido a bordo”, admitiu Wright.
“Mas não era uma questão financeira relacionada a ganhar pontos na produção,
mas sim porque eu achei que a banda estava perdendo um de seus pontos fortes,
que era o de, mesmo quando brigávamos, nos mantermos unidos como grupo.
Acho que nossos melhores trabalhos nasceram dessa dinâmica, e achei que
corríamos o risco de perder isso se trouxéssemos alguém de fora. Hoje, acho que
trazer Bob foi a decisão certa.”
“Estávamos trabalhando no disco havia algumas semanas e Rick ficou o
tempo todo no estúdio, o que era incomum, do momento em que começávamos,
pela manhã, até o término à noite”, disse Waters. “Um dia, Bob Ezrin me
perguntou por que Rick estava sempre sentado no estúdio. E eu disse: ‘Você não
entendeu? Ele acha que está produzindo o disco... Notou como ele
ocasionalmente diz ‘ô, ô, ô, eu não gosto disso’. Ezrin respondeu: ‘Sim, é irritante’.
E eu disse: ‘Ele acha que é produtor de discos’.”
De acordo com Waters, Ezrin desafiou Wright, o que teria feito o tecladista
parar de ir ao estúdio e só aparecer quando requisitado, preferindo trabalhar
sozinho à noite. “Eu ia à noite porque o álbum inteiro estava mapeado e eu podia
simplesmente ir e fazer a parte do piano”, diz Wright. “Mas era muito difícil se
Bob ou Roger estivessem lá para dizer ‘está bom’ ou ‘não ficou tão bom’. Mas
essa ideia de que eu ficava sentado no estúdio desperdiçando meu tempo não é
verdade.”
“O relacionamento de Rick com todos nós, especialmente Roger, tornou-se
impossível durante as gravações de The Wall”, disse Gilmour. “Perguntamos se
ele tinha alguma ideia ou algo que quisesse fazer. Saíamos do estúdio à noite e ele
tinha a madrugada inteira para trazer coisas novas, mas ele não contribuiu com
coisa alguma. Ele só ficava ali, sentado, nos deixando loucos.”
Bob Ezrin dá um bom panorama dos problemas de Wright: “Rick não é um
cara que funciona sob pressão e, às vezes, dava a impressão de que Roger estava
forçando a barra. Rick teve um desempenho ansioso. Você precisa deixá-lo em
paz para criar, para se soltar...”.
Fora da banda, as dificuldades no casamento que tinham assaltado Wright
durante a produção de Animals aumentaram. “Na época de The Wall, acho que
estava deprimido”, ele diz. “Por vários motivos – o divórcio, o terrível
relacionamento com minha primeira mulher –, eu não estava oferecendo muito
à banda porque não me sentia bem comigo mesmo. Mas tenho certeza de que os
outros interpretaram como ‘ele não se importa’, ‘ele não está interessado’.”
Na metade das sessões, a Columbia ofereceu um contrato aumentando o
percentual que a banda poderia ganhar se entregasse um álbum pronto para estar
no mercado antes do Natal. Gravações adicionais foram agendadas no estúdio do
pianista de jazz, Jacques Loussier, o Miraval Studios, na Provença, para correrem
em paralelo ao trabalho no Super Bear. Além de poupar tempo, a localização do
estúdio era útil para Waters que, determinado a assinar o máximo possível do
álbum, começou a gravar muitas partes vocais. “O Super Bear era bem lá no alto
das montanhas e é conhecido por ser difícil cantar lá”, lembra-se Gilmour. “E
Roger tinha bastante dificuldade de cantar no tom.” Bob Ezrin recebeu o encargo
de flutuar entre os dois estúdios, satisfazendo Waters em um e Gilmour no outro.
Com férias programadas para agosto, o plano original era se reunir em Los
Angeles, onde eles estavam agendados no Cherokee Studios e no Producers’
Workshop na primeira semana de setembro. Waters montou um cronograma do
que ainda precisava ser feito “e percebi que era impossível”. Faltando ainda
várias partes do teclado para serem gravadas, ele propôs começar dez dias antes
e sugeriu que Ezrin contratasse um tecladista adicional – “porque você vai
precisar” – para trabalhar junto com Wright. Entretanto, Wright não estava a fim
de abreviar a visita que fazia à sua família em Rodes. “Os filhos do resto da
banda eram novos o bastante para estar com eles na França, mas as minhas
(Gala, com 9 anos, e Jamie, com 7) eram mais velhas e tinham que frequentar a
escola. Eu estava sentindo uma falta terrível das minhas meninas.” As
circunstâncias exatas de como Wright foi deposto do Pink Floy d dependem de
qual protagonista está contando a história.
“Pedi que Steve O’Rourke ligasse para Rick e contasse sobre o novo plano”,
afirmou Waters. O empresário do Floy d estava em um cruzeiro no QE2 na
ocasião. “Uns dias depois, recebi uma ligação de Steve e ele disse: ‘Achei Rick.
Ele está na Grécia’. Eu falei: ‘Ah, está tudo bem, então?’, e ele respondeu: ‘Não.
Ele me disse para mandar você se foder’. E essa foi a gota d’água.”
“Eu não disse ‘manda o Roger ir se foder’. Eu falei que iria comparecer na
data combinada”, contradiz Wright. “Todos tinham concordado, e eu teria um
tempo determinado para ficar com minhas filhas. Fora isso, não havia indícios de
que estávamos tão atrasados assim no cronograma. Steve me falou: ‘Tudo bem,
eu entendo’. E foi a última coisa que o escutei dizer até chegar a Los Angeles e
ele me avisar: ‘Roger quer você fora da banda’.”
“As pacatas férias de David Gilmour em Dublin foram rudemente
interrompidas pelas notícias do ultimato de Waters. Como o apartamento que
estava alugando não tinha telefone, o guitarrista foi forçado a ligar para seu
colega de banda de uma cabine pública. “Recordo-me de dizer: ‘Roger, você não
pode fazer isso. Rick tem estado na banda esse tempo todo. Se você não gosta, sua
escolha é sair, e não jogar outra pessoa para fora. Você não acha que está
deixando isso se tornar muito pessoal, não?’. E não vou dizer o que ele
respondeu.”
Entretanto, por mais que Gilmour tenha se oposto ao comportamento duro
de Waters, ele não podia ignorar o fato de que os dois ainda eram capazes de
produzir trabalhos brilhantes juntos. Com casas alugadas uma perto da outra,
Gilmour e Waters dirigiam juntos para o Super Bear com frequência pela
manhã. “Tivemos umas discussões enormes durante The Wall, mas eram
discordâncias artísticas”, Gilmour insistiu depois. “A intenção por trás de The Wall
era fazer o melhor disco que pudéssemos. Lembro-me de estar no carro com
Roger certa manhã e de ele ter dito: ‘Meu Deus, nós nunca devemos parar de
trabalhar juntos. Formamos uma dupla espetacular’.”
Quando o trabalho foi retomado em Los Angeles, Wright abordou Gilmour
e chamou-o para tomar um drinque e conversar sobre o ultimato de Waters. Em
um restaurante, Gilmour contou ao tecladista que defendeu o direito dele de
permanecer na banda, apesar de concordar com Waters de que ele não estava
contribuindo tanto quanto poderia. “Eu disse: ‘Você precisa se decidir quanto a
isso, Rick, mas você não tem sido muito eficiente, certo?’.”
A postura de Waters era clara: ou Wright concordava em sair numa boa no
final do álbum, ou Waters se recusaria a lançar The Wall como um álbum do Pink
Floy d.
“A atitude de Roger foi: ‘É meu disco e estou deixando vocês tocarem
nele’”, diz Bob Ezrin. “Com tudo o que estava ocorrendo financeiramente com a
banda, ele era o cara que estava segurando a onda do que enxergava ser uma
mina de ouro.”
Wright agonizou por dias antes de concordar em sair. “Fiquei aterrorizado
com a situação financeira e senti que a banda inteira estava se desmanchando de
qualquer forma”, ele argumentou. “Mas tomei a decisão de terminar de gravar o
disco e lhes disse que queria fazer shows ao vivo.” Claramente, quaisquer que
fossem as reservas que Waters tinha com a musicalidade de Wright, elas não
colidiam com seu interesse em apresentar um Pink Floy d unido para propósitos
publicitários, uma vez que o álbum fosse lançado. As notícias sobre a saída de
Wright também foram mantidas fora da imprensa musical.
Na década de 1990, quando as relações entre Waters e o reformado Pink
Floy d ainda eram ruins, o baixista disse em entrevistas que, enquanto eles
estavam na França fazendo The Wall, Gilmour sugeriu que eles despedissem
Mason também, além de Wright. Isso equivalia às suspeitas de Wright de que
Waters queria controle total sobre o Pink Floy d, com Gilmour como seu
guitarrista e todos os outros papéis preenchidos por músicos contratados. Mason
disse na época que se sentiu como “comida de navio”. “Eu vi vários
comandantes irem e virem e, quando as coisas ficam realmente ruins, eu apenas
retorno para a cozinha do navio”. Nick, no entanto, foi a favor da tradicional
postura do Floy d de apenas ignorar o problema na esperança de que ele
desaparecesse. E, no caso, desapareceu. “Fico feliz em dizer que todo mundo
nega sequer considerar que eu saia da banda”, ele diz. “Mas certamente não vou
levar a cabo uma investigação da perícia científica sobre o assunto.” Não é
surpresa que o nome de Wright não tenha sido incluído em lugar algum no álbum
original The Wall. Entretanto, o de Mason também não, mas, por sua insistência,
ele foi adicionado em impressões posteriores.
Wright, contudo, nunca partilhou o blefe de Mason ou seu senso inato de
autopreservação. Ele também acreditava que sua saída forçada fora muito mais
um assunto pessoal do que musical: “Eu perturbava Roger e ele me perturbava”.
Ele sempre fora um alvo fácil para Waters desde os dias da Regent Street Poly.
“Roger usava Rick como saco de pancadas”, disse Jenny Lesmoir-Gordon,
lembrando-se de sua viagem à Grécia, em 1966, e o ex-empresário do Pink
Floy d, Andrew King, certa vez falou: “Roger achava que todo mundo tinha que se
embrutecer”.
Posteriormente, rumores contínuos circulariam de que o uso de cocaína
também teria culpa na partida de Wright. “Havia pessoas que estavam usando
muitas drogas”, Waters contou depois à escritora Sy lvie Simmons. “Alguns de
nós tínhamos grandes problemas. Embora eu não estivesse usando nada àquela
altura.”
Wright sempre foi alvo de rumores sobre ter problemas com cocaína.
“Posso dizer com honestidade que não foi uma questão de uso de drogas”, ele
disse em 1999, embora admita que cocaína fosse usada socialmente por todos os
membros da banda durante o tempo em que eles estavam fazendo The Wall.
“Rick é uma pessoa com grande coração, mas ele sofreu terrivelmente com tudo
o que aconteceu”, disse um colega. Nas próprias palavras de Wright ditas em
2000: “Desde que comecei a falar com um terapeuta, percebi que era provável
que estivesse deprimido. Ele acha que ainda estou zangado com tudo o que
aconteceu”.

Em meio a todo o drama, de algum modo, um álbum ainda estava sendo


feito. Em agosto de 1979, a ordem das músicas de The Wall foi praticamente
definida. O que viria a ser conhecido como “Comfortably Numb” ainda era
chamado de “The Doctor”, enquanto a música de abertura, antes de adquirir o
título “In the Flesh”, permaneceria conhecida como “The Show”. No Cherokee
Studios, Richard Wright cumpriu suas tarefas, com teclados adicionais a cargo de
dois músicos contratados, Peter Woods e Freddie Mandel. Quando Nick Mason
não conseguiu acertar o ritmo incomum da canção “Mother”, Jeff Porcaro, o
extraordinário baterista da banda Toto, entrou a bordo. “Nick, em sua defesa, não
tinha grandes pretensões sobre o assunto. Ele apenas disse: ‘Não consigo tocar
isso’”, disse Waters.
No Producers’ Workshop, no Holly wood Boulevard, Bob Ezrin
supervisionava a edição de vários loops gravados (incluindo a voz do professor
maníaco de Waters usada em “Another Brick in the Wall”) e mais sessões com
músicos. A antiga política do Floy d de manter a “casa” fechada tinha sido
completamente abandonada. O guitarrista contratado Lee Ritenour veio para
reforçar um dos momentos mais pesados de The Wall, “Run Like Hell”.
Clarinetes, concertinas e um bandolim foram utilizados na faixa de encerramento
“Outside the Wall”. Backing vocals foram fornecidos por, entre outros, Bruce
Johnston, o Beach Boy, e Toni Tennille, do dueto pop The Captain and Tennille,
ambos contribuíram com o poderoso pastiche heavy metal “In the Flesh”, assim
como em “The Show Must Go On” e “Waiting for the Worms” – nesta última
Pink fantasia como presidir um comício fascista nas ruas de Londres.
Toni Tennille tinha plena consciência da diferença entre sua música e a do
Pink Floy d, e chegou às sessões esperando encontrar o estereótipo de uma banda
de hard rock fumando maconha. Foi desarmada de imediato quando o
ultraprofissional e sóbrio Gilmour disse a ela que a tinha visto cantar para
crianças em um programa de televisão naquela mesma manhã.
O envolvimento de Bruce Johnston ocorreu quando o Floy d foi incapaz de
coordenar as sessões de gravação com todos os Beach Boy s. Ele também viu
seus preconceitos anulados após chegar à casa alugada de Roger Waters, em
Beverly Hills. “Pensei: Meu Deus! O Pink Floy d. Eles são pessoas ultracivilizadas
fazendo aquele disco bizarro”, lembrou-se Johnston. “Roger tinha uma equipe
que trabalhava para ele, móveis lindos, uma bela esposa, um casal de crianças...
Falamos até de nos reunir para jogar tênis.”
Também no Producers’ Workshop, Waters e Ezrin registraram os
incontáveis efeitos sonoros necessários para o álbum. Waters gravou o som da
Holly wood Boulevard à noite ao simplesmente pendurar um microfone para fora
da janela do estúdio. O técnico de guitarra de Gilmour, Phil Tay lor, foi até o
estacionamento do estúdio para criar o som de pneus cantando em seu station
wagon, usado em “Run Like Hell”. Tay lor também recebeu a tarefa de encontrar
uma televisão para ser destruída por um martelo em “One of My Turns”, na qual
Pink pira em seu quarto de hotel em frente a uma groupie. De volta ao Britannia
Row, o engenheiro Nick Griffiths recebeu a ordem de gravar o som de louças
quebradas para a mesma canção. A voz da groupie era da atriz Trudy Young, que
Ezrin já havia gravado em Toronto um ano antes. O sotaque exagerado dela de
Valley Girl – Oh my God! What a fabulous room… are all these your guitars? – se
tornaria um dos mais emblemáticos momentos não musicais em The Wall. A
música começa com o som de Pink tentando fazer uma chamada interurbana
para sua mulher e escutando outro homem atender ao telefone; uma referência
direta ao incidente durante a última turnê americana, quando Waters ligou para
sua ex-mulher, Judy.
Um pouco antes naquele verão, enquanto a banda estava no Super Bear,
Ezrin também tinha supervisionado sessões adicionais nos próprios estúdios da
Columbia, em Nova York. Waters concordou com a sugestão de Ezrin de
adicionar arranjos para orquestras em diversas canções, incluindo “Nobody
Home”, “The Trial” e o que se tornaria “Comfortably Numb”. Os
instrumentistas das orquestras New York Philharmonic e New York Sy mphony
foram contratados. “Bring the Boy s Back Home” também foi engordada por um
coral da New York City Opera e 35 percussionistas tocando caixa.
Nascido em Nova York, Michael Kamen foi contratado para ajudar nos
arranjos orquestrados. Kamen era músico, arranjador e acólito do compositor
Leonard Bernstein. Sua experiência com rock-n’-roll tinha sido adquirida como
diretor musical da turnê inglesa de David Bowie, em 1974. Como Toni Tennille e
Bruce Johnston, Kamen foi surpreendido por seus novos empregadores.
Com ninguém do Pink Floy d presente nas sessões, ele só podia especular
sobre seus clientes. “Eu me perguntei como eles funcionavam”, ele disse à
revista Circus. “Eles eram uma banda ou a porra de uma mesa de diretores?”
Enquanto estava em Nova York, Ezrin vinha produzindo o guitarrista Nils Lofgren
no estúdio Power Station. Lá, também estava gravando a banda funk Chic, para
lançar seu terceiro álbum, Risqué, que continha o futuro sucesso dançante, “Good
Times”. “Fiquei do lado de fora no corredor, escutando Nile Rodgers e Bernard
Edwards tocarem e toda aquela nova abordagem rítmica”, recorda-se Ezrin
hoje. “E continuei ouvindo porque o que eles estavam fazendo era tão funky, e lá
estava eu, trabalhando com caras brancos que não eram nada funky, e pensando:
Droga! Quem sabe a gente consiga fazer algo assim!”
De volta ao Super Bear, a ideia de Ezrin encontraria espaço em “Another
Brick in the Wall Part 2”, a brutal condenação do sistema educacional de The
Wall, na qual Pink é abusado por seus tirânicos professores, antes de se insurgir
contra os opressores. A canção trazia um coral lamentoso que denunciava a
necessidade de educação e se recusava a se curvar ao “controle de
pensamentos”. Na primavera de 1979, apenas a guitarra estalada de Gilmour
dava alguma impressão da versão final do disco. “Havia toda aquela guitarra
com delay, melodia sintetizada e a voz de Roger por cima”, se lembra Ezrin.
“Era uma coisa sombria e mortuária”, recorda-se Nick Mason. “Uma canção
fúnebre pode ser um pouco depreciativa demais.”
Ezrin sugeriu adicionar uma batida de discoteca à faixa, pedindo a David
Gilmour que ele fosse a um clube noturno e escutasse de verdade algumas das
músicas das quais ele estava falando. O guitarrista resmungou. Waters e Mason
não tinham tais reservas. “Eu achava as baterias usadas em música disco
ótimas”, diz Mason, “mas minha abordagem era levemente mais simplificada,
de qualquer modo.” Outra música do álbum, “Run Like Hell”, teria uma batida
similar no final.
Ao escutar a nova versão da música, Ezrin teve outra ideia. “No instante
em que escutei a canção com a batida, disse: ‘Isso é sensacional’. Mas o
problema é que a música só durava um verso e um refrão.” Apesar de algumas
aventuras com singles nos Estados Unidos em tempos recentes, o Floy d ainda
resistia à ideia de procurar hits. “Roger disse: ‘Foda-se, não queremos um
single’”, conta Ezrin. “Então comecei a suplicar, mas ele falava: ‘Não, ninguém
vai me dizer o que fazer’. Assim, esperamos que todos tivessem ido para casa e
copiamos a faixa. Encontrei uma pequena pausa na batida, da qual retiramos um
verso. A seguir, a colocamos no meio para conectá-la, inseri o primeiro verso de
volta e juntei o final. Agora nós tínhamos um single. James (Guthrie) e eu
tocamos a música para Roger e ele gostou.”
Mas com dois versos exatamente iguais, a canção precisava de um input
adicional. “Há alguma controvérsia sobre quem disse: ‘Vamos colocar umas
crianças aqui’”, admite Ezrin. O produtor tinha usado vozes infantis em álbuns
para Alice Cooper e Lou Reed, então é bem provável que tenha sido ele quem
deu a sugestão para The Wall. “Sou conhecido como ‘o cara das crianças’, mas
James se lembra que foi ideia de Roger. Quem quer que tenha dito, foi uma
grande ideia.”
Guthrie e Ezrin fizeram uma versão em 24 pistas da canção, deixando vinte
em aberto. Eles mandaram a fita da França, para Nick Griffiths no Britannia
Row, em Londres. “Dissemos para Nick: ‘Por favor, encontre algumas crianças
para nós que preencham esta faixa. Faça com que elas cantem de toda forma
possível – com sotaque londrino, elegante, desagradável, angelical...”
Griffiths contatou a escola Islington Green, próxima a Prebend Street, e
solicitou a ajuda do professor de música Alun Renshaw, descrito como um
“professor anarquista”, o que era na época uma abrangente luta dentro da
cidade. Renshaw já havia escrito antes o seu próprio musical de conscientização,
Requiem for a Sinking Block of Flats, encenado na escola. Ele tinha um pôster do
Never Mind the Bollocks, do Sex Pistols, na parede da sala de música, e o que
pode ser descrito como uma abordagem de ensino altamente pessoal. Como se
lembra um de seus antigos pupilos, “nós íamos lá para fora nas aulas de Alun,
sentávamos na beira da rua, escutávamos os carros passando e tínhamos que
desenhar o som”.
Griffiths perguntou a Renshaw se ele poderia escolher algumas crianças
para cantar no Britannia Row. “Pensei: Ótimo, é isso aí!”, diz Renshaw, que ficou
atiçado pela promessa de receber um tempo livre de gravação gratuita no
estúdio. “Queria fazer música que fosse relevante para as crianças, não apenas
sentar e ficar escutando Tchaikovsky. Achei a letra genial – We don’t need no
education, we don’t need no thought control… Achei que seria uma experiência
maravilhosa para a molecada.” Infelizmente, Renshaw se esqueceu de pedir
permissão para a diretora da escola; um deslize que teria impacto sério nos
meses seguintes.
Alun reuniu as crianças que pôde encontrar, nem todas do coral da escola.
“Acho que foi mais uma situação do tipo ‘O que você está fazendo? Nada? Então
venha comigo’.” Caroline Greeves (antigamente Woods) estava entre as duas
dúzias de pupilos que foram ao Britannia Row. Para começar, Griffiths gravou
apenas três alunos sozinhos antes de convidar o resto, conduzindo-os da forma
que conseguiu. “Cantamos com a melhor voz coral possível, mas então nos
disseram que gritássemos e interpretássemos de forma bem mais empertigada”,
diz Caroline. “Eles tocaram uma fita com a música primeiro e eu me recordo
que ela emendava também na próxima faixa. Voltei para casa naquela noite e
contei ao meu irmão, que era grande fã do Pink Floy d, que não apenas tinha
cantado em seu próximo álbum como também escutado parte do material
inédito.”
Nem todos os membros do coral ficaram tão impressionados. “Eu era um
aspirante a mod na época e não tinha interesse no Pink Floy d”, diz a aluna Tabitha
Mellor, que ficou mais impressionada com a mesa de som Space Age e perplexa
com os fardos de palha colocados atrás deles no Britannia Row durante as
gravações. “Os engenheiros nos disseram que era para absorver o som e
melhorar a acústica.”
Com a sessão completa, Griffiths jogou as vozes em várias pistas para
fazer com que parecesse um coral completo e enviou a fita de volta para a
banda, em Los Angeles. “Nós a jogamos no console e abrimos todos os faders”,
diz Ezrin. “E quando a gangue entrou em cena, soou simplesmente espetacular.
Roger ficou radiante e, no momento em que escutamos, soubemos que tínhamos
um sucesso em mãos.” Embora o grupo tenha concordado em lançar a canção
como um single, ninguém sabia que ela lhes daria um hit número 1 no Natal.
As discordâncias artísticas entre David Gilmour e Roger Waters durante
The Wall teriam, em muitos casos, um resultado positivo nas músicas. Como se
lembra James Guthrie: “Roger estava sempre disposto a editar, jogar fora algo
que não estivesse funcionando, independentemente de quanto tempo tivesse sido
gasto com aquilo”. A música “Nobody Home” foi uma adição tardia ao álbum,
gravada em outubro no Producers’ Workshop.
Desafiado por Gilmour a escrever algo, Waters saiu do estúdio “de mau
humor”, de acordo com o guitarrista, antes de retornar na manhã seguinte com
“algo fantástico”. O temperamento de Waters tinha rendido uma das canções
mais atmosféricas e tocantes do disco. Em “Nobody ’s Home”, Pink senta-se em
seu quarto de hotel, em Los Angeles, largado em frente à televisão, incapaz de
pensar em coisa alguma. A letra é carregada de referências a Sy d Barrett, como
em the wild, staring eyes, the obligatory Hendrix perm e elastic bands keeping my
shoes on; tudo em alusão à sua aparência e ao comportamento desconexo
durante a primeira turnê do Floy d, em 1967.
Para outros amigos de Sy d, certos momentos em The Wall os levaram de
volta no tempo. “Há um momento no álbum no qual você escuta uma voz, e ela
deve ser o empresário de Pink dizendo It’s time to go... It’s time to go”, diz
Matthew Scurfield, sobre as palavras ditas em “Comfortably Numb”. “Isso me
lembra de estar com Sy d na Earlham Street e a banda lá embaixo, esperando
para levá-lo a um show: ‘Vamos lá, vamos evitar que ele se sente no chão ou na
mesa, pinte e viva em seu próprio mundo de fadas’.” Em “Comfortably Numb”,
Waters também escreveu sobre sua própria experiência durante a turnê do Floy d
nos Estados Unidos, em 1977, quando foi acometido pelo que parecia ser hepatite
e recebeu uma injeção com um relaxante muscular que o capacitou a subir no
palco e tocar. Na música, Pink passa pela mesma experiência, entrando em um
estágio de delírio antes de apresentar seu show. Mas o que se tornaria uma das
canções definitivas da carreira do Pink Floy d, estava lotada de discussões.
“A canção que mais discutimos foi ‘Comfortably Numb’”, recorda-se Bob
Ezrin. Gilmour apresentou originalmente para Waters uma série de acordes que
havia sobrado das sessões de seu disco solo (“Não os usei, mas pensei que
deveria guardá-los para depois”). Contudo, como Ezrin explica, Waters resistia ao
seu uso, já que aquele “era o álbum de Roger, sobre Roger, para Roger”. Ezrin
insistiu, já que a canção precisava ser preenchida. Waters saiu e, de má vontade,
redigiu o que começava com um verso falado e letras adicionais para o refrão.
“E o que ele trouxe de volta simplesmente me arrepiou”, diz Ezrin.
Entretanto, quando eles chegaram a Los Angeles, havia duas versões da
canção. Uma era bruta e despida de floreios, com muito pouco dos arranjos
orquestrados de Michael Kamen; e a outra era, como Ezrin descreve, a “grande
versão orquestrada em technicolor”. Gilmour queria a versão mais simples;
Waters e Ezrin preferiam a grande versão orquestrada. “Isso virou uma grande
queda de braço”, diz Ezrin. Para atender a um compromisso, ele foi a um
restaurante italiano em Holly wood, onde acabou ocorrendo uma enorme
discussão. “Mas, ao menos dessa vez, havia apenas dois lados discutindo: Dave de
um lado; eu e Roger do outro.” Finalmente, o acordo foi feito. O corpo da canção
traria o arranjo orquestrado; o resto, incluindo aquele solo de guitarra final
incendiário, seria de acordo com a opinião de Gilmour. “Fico tão feliz de termos
feito isso”, afirma Ezrin, que claramente adora a canção. “‘Comfortably Numb’
ainda me faz pensar em deitar na cama com um cachecol enrolado em volta das
orelhas e um travesseiro sobre a cabeça, dizendo ‘me deixem em paz; quero
ficar sozinho neste casulo’. Então, no final, Dave irrompe e se declara, e toda
uma nova dimensão de beleza e ira é expressada.” Como Gilmour admite com
pesar, “acho que coisas como ‘Comfortably Numb’ foram as últimas cinzas da
habilidade de Roger e eu para trabalharmos juntos”.

“Isso é terrível. É um lixo. O que vamos fazer?”


Nem todos ficaram impressionados com The Wall.
A primeira audição oficial ocorreu na sede da Columbia, em Century City,
Califórnia. De acordo com a banda, alguns executivos se frustraram com o que
ouviram. Eram aqueles que esperavam por Dark Side of the Moon Parte Dois, ou
até mesmo outro fascículo de Wish You Were Here, mas foram bombardeados
com noventa minutos de uma ópera no estilo Kurt Weill, marchas de bandas
militares, heavy metal dissonante, discoteca, bombardeiros e aeroplanos... Tudo
lavado por letras que sugeriam um grito existencial de socorro. Waters também
tinha se envolvido em outra batalha de desejos com a companhia. Após ser
comunicado que, como The Wall era um álbum duplo, ele receberia um
percentual reduzido por faixa, ameaçou suspender o disco. A Columbia recuou.
Não foi um início auspicioso.
Então, o impensável aconteceu. Em 16 de novembro de 1979, ainda
faltando duas semanas para o álbum ser lançado na Inglaterra, “Another Brick in
the Wall Part 2” sai como single. Gerald Scarfe foi incumbido de produzir um
vídeo promocional a tempo de ir ao ar para o Top of the Pops, da BBC. “Eu disse
para Roger: ‘Como diabos vou fazer um vídeo a tempo para a próxima terça?
Hoje é quarta!’. Ele disse: ‘Apenas encontre algumas crianças!’.” Scarfe
apressadamente reuniu um grupo de crianças para ser filmado cantando,
entrecortado com filmagens já produzidas para o vindouro show ao vivo. O vídeo
deu vida a imagens que os consumidores encontrariam na arte do álbum.
Três semanas depois, Pink Floy d, a banda que não lançava um single na
Inglaterra desde 1968, chegou ao primeiro lugar das paradas, usurpando o posto
de “Walking on the Moon”, do The Police, um dos novos grupos surgidos como
antídoto para o Pink Floy d e sua estirpe. “Ficamos pasmos”, admitiu Nick Mason.
“Another Brick in the Wall Part 2” chegou ao número 1 nos Estados Unidos,
na Noruega, em Portugal, em Israel, na Alemanha Ocidental e na África do Sul,
onde acabou banida depois por ter sido adotada como música de protesto por
crianças negras contra o apartheid. Ninguém sabe o quão amplo era, de fato, o
clamor público da canção, mas foi suficiente para que o Daily Mail, um dos
jornais britânicos mais ferrenhamente de direita, decalcasse a história. Ele
relatou que Patricia Kirwan, que fazia parte do Inner London Education
Authority, manifestasse sua desaprovação: “Parece-me muito irônico que essas
palavras sejam cantadas por crianças de uma escola com um recorde
acadêmico tão ruim... A gramática também é péssima”. A Islington Green era
um alvo fácil. A diretora Margaret Maden defendeu sua posição ao afirmar que o
professor de música Alun Renshaw “não tinha tanta certeza quanto à qualidade
da letra, mas decidimos que afinal não era tão ruim assim”. Como controle de
danos, ela proibiu que as crianças aparecessem na televisão ou tirassem fotos
ligadas ao álbum. “Eu me lembro de terem me dito que havia crianças diferentes
cantando no vídeo”, diz Caroline Greeves. “Mas nos disseram que não
poderíamos fazê-lo porque não tínhamos Equity cards. Algumas crianças de
nossa escola estavam na Grange Hill (escola de teatro infantil), então sabíamos
sobre Equity cards e achamos que aquela era uma boa explicação. Na verdade, a
escola não queria mais publicidade adversa.”
“Os pais não tiveram problemas com isso”, insiste Alun Renshaw. “Eles
não conseguiam entender a razão de todo o burburinho.” Após um mês, com o
rebuliço ainda acontecendo à sua volta, Renshaw mudou para a Austrália, onde
vive até hoje. “As forças do conservadorismo tinham se manifestado”, ele ri.
“Eu nunca vi a canção como um grande depoimento político, mas Margaret
Thatcher havia se tornado a primeira-ministra e acho que ela viu... Se bem que...
Quem se importa com ela?”
Com a banda ainda em Los Angeles quando o escândalo irrompeu, o
engenheiro do Britannia Row, Nick Griffiths, foi procurado por repórteres dos
noticiários e, em uma ocasião, foi forçado a sair do estúdio por uma janela. A
imprensa também apontou rapidamente que as crianças não tinham sido pagas
por suas atuações no disco e, portanto, tinham sido lesadas por uma banda de rock
multimilionária. No final, cada aluno recebeu uma cópia grátis de The Wall,
enquanto a escola recebeu uma doação de mil libras. Em 1996, um advogado do
meio musical rastreou alguns participantes que haviam cantado no disco e
começou a perseguir uma causa para que eles ganhassem royalties adicionais.
Em 2007, quatro dos alunos foram pagos.
Lançado em 30 de novembro na Inglaterra e uma semana depois nos
Estados Unidos, o novo trabalho do Floy d incitou tanta confusão quanto azedume
entre a imprensa musical. A New Musical Express tinha abraçado o punk rock e
agora era uma pedra no sapato de bandas vintage como o Pink Floy d,
especialmente com um disco que a revista viu como um “monumento ao
pessimismo autocentrado”. A Melody Maker foi mais simpática: “Não tenho
certeza se é brilhante ou terrível, mas o acho totalmente convincente”. Nos
Estados Unidos, o antigo nêmese da banda, a revista Rolling Stone ofereceu
elogios cautelosos, com o escritor Kurt Loder aplaudindo a grandeza do
exercício, mas avisando que a visão de mundo de Roger Waters era “tão
incessantemente triste e acidulada que ela faz gente desagradável
contemporânea como Randy Newman ou, digamos, Nico, parecer Peter Pan e
Sininho”.
Por trás dos bastidores, as suspeitas de que alguns membros do Pink Floy d
talvez concordassem com essas críticas nascem a partir de seus comentários
sobre The Wall. Wright, de maneira compreensível, diz que não gosta de todas as
músicas do álbum, enquanto Gilmour admite não partilhar as visões de Waters
sobre a indústria musical e seu público, particularmente o desejo do baixista de
construir um muro entre eles e seus fãs. Gilmour também disse que The Wall foi
“um ano de muito trabalho duro de Roger e de todos nós que batalhamos em
cima dessa boa ideia, que só pode ser descrita como chumbo transformado em
ouro”.
Havia também a pequena questão dos créditos para diminuir o entusiasmo.
Com Mason e Wright sem serem citados em lugar algum do disco, o nome de
Gilmour foi acrescentado em apenas três créditos de coautoria por “Run Like
Hell”, “Young Lust” e “Comfortably Numb”. “Se alguém não recebeu crédito
suficiente, esse alguém foi Dave”, disse Mason.
“Acho The Wall muito bom”, afirma Waters. “Deus! Que ideia brilhante foi
aquela. Ela se amarra tão bem.”
Hoje, o álbum parece ainda representar tudo aquilo que atrai tanto alguns,
mas repele outros: sua pretensão bombástica e o generoso melodrama. Embora a
narrativa seja inspirada pelo desgosto de Waters de tocar em estádios, grande
parte da música do disco é perfeita para ecoar em grandes arenas. A fanfarra de
abertura, “In the Flesh”, com seus efeitos sonoros de bombas zunindo e o riff
brutal, era um pastiche das bandas de heavy metal que na época enchiam
estádios por toda a América. Mas para fãs do gênero, o Floy d tinha apenas
escrito uma autêntica canção de metal para se igualar aos esforços feitos pelo
Black Sabbath ou pelo megalomaníaco guitar hero Ted Nugent. Era provável que
qualquer tipo de paródia passasse pela cabeça de muitos que a ouviam.
Enquanto isso, “Comfortably Numb”, “Run Like Hell” e “Hey You” eram
um presente para as rádios FM e seus DJs. Esse era rock de gente grande com
uma mensagem, mas esta jamais iria prejudicar os solos de guitarra de David
Gilmour. Escutado mais de 25 anos depois, os tesouros escondidos de The Wall
incluem momentos com frequência desprezados, que preenchem as lacunas da
história: os vocais dolorosos de Waters em “Don’t Leave Me Now”, em que ele
soa como se estivesse dando seu último suspiro; o sintetizador feio e com som
amador no começo de “One of My Turn”; ambas as interpretações vão contra a
granulação musical, mas são perfeitas para as músicas. Esses recortes nos dão
um vislumbre de como The Wall poderia ter soado se tivesse sido um disco solo
de Roger Waters – sem graça ou só compromissos por conta própria. Mas fazem
perfeito sentido junto das contribuições calorosas e benvindas de Gilmour.
Parafraseando Waters, que grande dupla eles faziam.
Para coincidir com o lançamento do álbum, Roger garantiu ao DJ da BBC
Radio, Tommy Vance, uma entrevista. Vance tocou o disco inteiro, entrecortado
com comentários de Waters sobre cada faixa, enquanto fãs do Floy d sentavam-
se ao lado dos rádios, acompanhando o programa. Não que fizesse alguma
diferença para suas vendas. The Wall vendeu um milhão de cópias em seus
primeiros dois meses e, hoje, acredita-se que tenha vendido em torno de 23
milhões de cópias em todo o mundo.
Os martelos marchantes de Gerald Scarfe, o diretor de escola com olhos
defeituosos e a mãe com as coxas grossas estavam entre os desenhos espalhados
pelo álbum. A capa do disco mantinha o costumeiro hábito do Floy d de “sem
nome da banda, sem nome do álbum”, mas foi a imagem que trouxe o design
mais simples de todos: um muro branco. Foi também o primeiro álbum do Pink
Floy d desde The Piper at the Gates of Dawn não creditado à Hipgnosis.
“Roger não queria me usar em The Wall, o que é compreensível, já que ele
já estava trabalhando com Gerry Scarfe”, disse Thorgerson. “Ele também
supostamente ficou zangado comigo por causa de um crédito em um livro que eu
tinha lançado.” O livro, Walk away rene, trazia as artes da Hipgnosis e tinha sido
publicado alguns anos antes, e inclui a capa de Animals. “Eu me desentendi com
Storm quando ele incluiu aquela imagem em um livro, porque ela não tinha nada
a ver com eles”, protestou Waters. A discordância marcaria o fim do
relacionamento de trabalho entre Waters e Thorgerson, apesar de a amizade
remontar à adolescência deles.
“Não nos falamos por 25 anos”, diz Thorgerson. “Isso é muito tempo para
alguém que você conhece desde os 14 anos e costumava passar-lhe a bola em
jogos de rúgbi. Fiquei triste nos três ou quatro primeiros anos, mas depois tive que
seguir em frente.”
Seria o primeiro de uma série de estranhamentos que faria o compositor do
Floy d se afastar de muitos de seus antigos amigos e colaboradores.
Para o novato Gerald Scarfe, qualquer contenda entre a banda e seus
colaboradores era uma preocupação pequena. “Acho que Roger percebeu os
benefícios de ter algo novo, mas cheguei muito ingênuo a todo aquele cenário,
então não estava de fato ciente sobre Storm. Recordo-me de alguém ter me dito:
‘Ah, o negócio, Gerald, é que você é como Walter Raleigh para a rainha
Elizabeth I. Você é esse ser social que pode entrar e sair da corte’. Devo admitir
que gostei dessa ideia.”
“Eu me recordo de Roger dizendo que queria que o porco voador
defecasse no público”, conta o guitarrista e contemporâneo de Cambridge, Tim
Renwick, lembrando-se da gênese do show The Wall. Renwick já tinha visto o Pink
Floy d serrando pedaços de madeira no palco e inflando monstros aquáticos em
um lago no Cry stal Palace como parte de sua missão para deslumbrar o público.
No final dos anos 1970, as ideias de Waters estavam cada vez mais extremas.
“Acho que na época, Waters procurava maneiras de intimidar o público. The Wall
tinha a ver com dar ao público um momento difícil.”
A noção de construir uma barreira entre o Pink Floy d e seus fãs girava na
mente de Waters já havia dez anos. Estarrecido pela atmosfera impessoal das
casas com 60 mil lugares em que eles tocaram na turnê de 1977, nos Estados
Unidos, e pelo público “gritando e berrando, jogando coisas e se agredindo”,
Waters declarou que The Wall seria encenado em casas menores, para 16 mil
lugares, apesar de isso significar uma perda financeira para a banda. Planos
iniciais para transportarem a sua casa de shows móvel apelidada de “The Slug”
foram cancelados quando eles perceberam que jamais obteriam licença das
autoridades locais para utilizá-la.
O problema era que, enquanto tentavam passar a importante mensagem de
The Wall para o público, Waters ainda tinha a obrigação de entretê-lo. Embora, a
princípio, esse não parecesse ser o caso.
“A ideia bastante purista de Roger no começo era de que não deveria haver
intervalo”, lembra-se Gerald Scarfe. “Ele queria um muro entre a banda e o
público, e tudo seria cantado por detrás do muro. Acho que David vetou aquilo.
Depois, eles concordaram com a inserção de buracos abertos no muro, através
dos quais eles seriam vistos tocando.”
O muro de 12 metros de altura do Pink Floy d seria construído com cerca
de 400 pesados tijolos de papelão, alcançando o comprimento do auditório e
obscurecendo completamente o palco. Os designers Jonathan Park e Mark Fisher
queriam originalmente o uso de painéis de madeira compensada para o muro.
Ao perceberem o peso que eles teriam e a dificuldade de transportá-los,
pensaram naem caixas de papelão embaladas, que poderiam ser abertas e
transformadas em “tijolos”. “A solução nos ocorreu em um pub”, disse Park.
Conforme o show progredia, tijolos eram removidos – um por um – para
revelar a banda e cenas da história, algumas memoráveis, com Waters como
Pink (ou seria Sy d Barrett?), sentado na frente de uma TV em um quarto de hotel
em “Nobody Home”, trocando os canais de sua televisão fora do ar com o
controle remoto. Cabines adicionais de alto-falantes também foram instaladas
sob as bancadas das casas de show, para serem disparadas quando o muro
eventualmente caísse.
Uma tela circular acima do palco e do muro serviria como pano de fundo
para as animações de Gerald Scarfe. Essas incluiriam o corpulento juiz durante
“The Trial”, Pink imaginando a si mesmo “no banco dos réus” por contravenções
passadas, e a infame “marcha dos martelos” em “Waiting for the Worms”, na
qual Pink se transforma de astro do rock em ditador fascista.
“Roger falava muito sobre as forças opressoras”, diz Scarfe, “e eu pensei
no mais imperdoável instrumento de opressão que consegui, e era um martelo”.
Uma das favoritas de Scarfe foi a animação para “Goodby e Blue Sky ”. Canção
inspirada no medo da guerra, era estrelada pelos “frightened ones” 1 , pequenas
criaturas parecidas com crianças e cabeças moldadas como máscaras de gás,
uma imagem detonada pelas próprias memórias de Scarfe por ter crescido em
meio à Segunda Guerra Mundial.
Um novo porco também foi desenhado. Tatuado com a insígnia dos
martelos cruzados, ele fazia sua primeira aparição no palco durante a canção de
abertura “In the Flesh”, reaparecendo acima do público em “Run Like Hell”.
Fisher e Park também apresentaram quatro dos personagens de Scarfe como
bonecos. O diretor da escola com 15 metros de altura fazia sua estreia durante
“Another Brick in the Wall Part 2”; a mãe com o rosto premido surgia como uma
monstruosidade de mais de 200 quilos e 11 metros de altura durante a canção
“Mother”, enquanto uma cobra e um louva-deus rezando inspiraram a estranha
esposa de Pink. “Eu não tinha a menor ideia de como a ex-mulher de Roger se
parecia”, disse Scarfe. “Então, não foi baseado nela.” O personagem de Pink
também foi criado como um boneco tamanho humano: sem dentes, angustiado e
muito, muito rosa – ele apareceria no palco, no topo do muro, em momentos-
chave durante o show.
Em todas as noites da turnê, um DJ de rádio era contratado para agir como
mestre de cerimônias, incitando a multidão antes do show e durante os intervalos,
mas também satirizando o papel do tradicional mestre de cerimônias. Além de
quatro backing vocals contratadas para a turnê, ocorreu uma guinada adicional:
cada show abriria com a aparição de uma “banda substituta”, que o público
pensava ser o Pink Floy d, surgindo do fundo do palco. “Uma vez Roger me falou
sobre esse sonho de ter um Pink Floy d substituto para que ele pudesse ir para as
Bahamas enquanto eles tocassem no Earls Court”, diz Gerald Scarfe. Quando a
primeira música, “In the Flesh”, se dirige para o final, completada com fogos de
artifício e uma aeronave Stuka caindo, o falso Floy d congelava, revelando a
verdadeira banda por trás deles. A banda falsa incluía o baterista Willie Wilson, o
guitarrista Snowy White, o tecladista Peter Wood e o baixista Andy Bown, que
também tocaria junto com o grupo de verdade em algumas partes do show. Os
membros da banda substituta também usavam máscaras imitando o rosto dos
titulares, as quais tinham sido especialmente moldadas por um maquiador de
Holly wood.
A banda e a equipe também tinham que usar um uniforme do Wall –
camisas pretas com a insígnia do martelo costurada no peito – embora o grupo o
abandonasse em algumas datas, com Waters usando uma camiseta branca,
revelando o número 1 estampado no peito.
Os ensaios começaram no galpão de cinema da MGM, em Culver City,
Los Angeles, em janeiro de 1980. Rick Wills, que tinha se recusado a participar
da banda substituta, já que fizera um bom dinheiro com o show do Foreigner,
recomendou o baixista Andy Bown em seu lugar. Músico multitalentoso que já
tocara com Peter Frampton no The Herd, Bown, ele tirou licença de seu
emprego regular como tecladista do Status Quo. Bown não era fã do Pink Floy d.
“Eu não sabia nada sobre eles”, Bown admite agora. “Só foi depois que me
enviaram fitas cassete do álbum que eu percebi por que se chamava The Wall.
Antes, achava que o nome era The War. Tinha ouvido errado pelo telefone.”
Andy também escutou Animals e ficou positivamente surpreso. “Pensei: Cara,
isso é um pouco pesado, mas também bastante simples. Nunca tinha percebido
que o Pink Floy d era principalmente três acordes. Um deles é lá menor, essa é a
única diferença.”
Gilmour estava no comando dos ensaios e, na primeira semana, a banda
substituta passeou pelo set sem a presença de Roger Waters. Conforme os dias
passaram, Andy foi ficando cada vez mais curioso pelo desaparecimento do
baixista. “Tudo o que eu escutava era ‘Ah, Roger virá amanhã... ah, não. Não
amanhã. Depois de amanhã’. Todo mundo parecia achar que ele era Deus. E eu
ficava me perguntando: ‘Quem é Roger?’.”
Quando ele finalmente chegou, Waters e Bown ensaiaram lado a lado,
ambos tocando baixo. “E então Roger cometeu um erro crasso e eu virei para ele
e disse: ‘Se você vai tocar assim, vou cobrar menos’, e acho que aquilo quebrou o
gelo.”
Três semanas de ensaios no local precederam a noite de abertura no Los
Angeles Memorial Sports Arena, em 7 de fevereiro. A 24 horas da estreia, o
antigo técnico de luz da banda Graeme Fleming foi despedido. Seu substituto foi o
designer de luz de Bruce Springsteen, Marc Brickman, que respondeu a um
telefonema de Steve O’Rourke, pensando que era um convite para assistir ao
show. Em vez disso, Brickman se viu no comando das luzes da turnê inteira,
apesar de jamais ter escutado o disco. Depois, ele diria para a revista Q : “Foi a
experiência mais aterrorizante da minha vida”.
Para Waters, era a realização de um sonho. Com o muro no lugar, ele
caminhou pela arena vazia, subindo até os assentos mais distantes do local. “Meu
coração estava batendo furiosamente, eu sentia arrepios descendo pela espinha”,
ele lembrou-se. “E achei fantástico que as pessoas pudessem ver e escutar algo
de todos os lugares em que estivessem sentadas.”
Para os membros substitutos, a abertura do show foi um momento hilário,
se não bizarro. “Estávamos usando as máscaras, mas ainda dava para ver as
cinco ou seis primeiras fileiras”, lembra-se Willie Wilson. “Mas a expressão nos
rostos do público quando parávamos de tocar, e a banda de verdade aparecia, era
muito divertida.”
Quase no meio do show na noite de estreia, faíscas da queda do Stuka
atearam fogo nas cortinas do palco. Waters começou a gritar: “Parem, parem”.
Mas a banda achou que aquilo era parte de sua performance e continuou
tocando. Só pararam quando pedaços da cortina em chamas começaram a cair
ao seu lado. “Metade dos fãs entrou em pânico e começou a correr para as
saídas”, disse James Guthrie, o encarregado da torre de som. “A outra metade
estava inteira chapada e achou que era mais um ato da performance.” O Stuka
foi abandonado nos shows seguintes sob ordens dos bombeiros de Los Angeles. O
diretor de cinema Barbet Schroeder, para quem o Floy d tinha gravado as trilhas
sonoras de More e de Obscured by Clouds, foi a um show no Sports Arena. “Vou
me lembrar daquilo pelo resto da minha vida. O barulho e a sensação quando o
muro veio abaixo no final do show foram particularmente impressionantes...
Ainda mais em uma cidade conhecida por ter problemas com terremotos.”
No palco, o timing meticuloso e a coreografia deixavam pouco espaço para
improvisos. “Você não podia arriscar tomar um drinque antes do show”, explicou
Gilmour. “Eu tinha várias pilhas de folhas com dicas penduradas em meu
amplificador, porque cada canção precisava de quatro ajustes diferentes para
quatro pessoas diferentes. No começo e no fim de cada número, todos ficavam
olhando para mim, esperando pela próxima deixa.”
Após Los Angeles, vieram cinco noites – todas com lotação esgotada – no
Nassau Veteran Memorial Coliseum, em Long Island, Nova York. Andy Warhol
apareceu numa delas, assim como Bob Ezrin, que agora era persona non grata
para Roger Waters.
“Fiz uma coisa estúpida”, diz Ezrin. “Mas não tinha noção da extensão que
as pessoas dariam àquela história.” Ezrin estava envolvido no desenvolvimento do
show The Wall desde o começo, quando uma maquete do set havia sido
construída, completada com pequenas figuras e miniaturas infláveis. Waters
pediu que ajudasse a montar a turnê, mas ele recusou, pois estava no meio de um
divórcio e uma briga judicial pela custódia do filho. Waters estava determinado a
manter segredo sobre todos os detalhes do vindouro show e fez com que Ezrin
assinasse um acordo de confidencialidade. “Eu tinha um amigo que era muito fã
do Pink Floy d e vivia em Los Angeles”, explica Ezrin. “Arrumei ingressos para
que ele assistisse ao The Wall no Sports Arena. Uma semana antes ele me
telefonou dizendo que não conseguiria sair a tempo do trabalho para ir ao show e
me implorou para que lhe dissesse como seria. Então, uma semana antes da noite
de abertura, saiu um artigo na revista Billboard dando detalhes específicos sobre
o show, ‘conforme havia sido discutido em um jantar com Bob Ezrin’! Ao ver
isso, Roger explodiu. Ele me cercou, procurando brechas no contrato de forma a
não ter que pagar meus custos. Eu fodi tudo, é verdade, mas não era preciso uma
reação tão violenta como aquela.”
Ezrin foi banido de participar de qualquer show. “Mas aquilo não me
parou.” Implacável, ele comprou seus ingressos, contratou uma limusine e
apareceu nos bastidores, no Memorial Coliseum. A organização pessoal do Pink
Floy d se recusou a deixá-lo entrar, mas a equipe de segurança geral tinha sido
anteriormente empregada pelos antigos clientes de Ezrin, o Kiss, e o deixou
entrar de imediato. “Foi o melhor show de rock que eu já vi”, diz Ezrin. Não foi a
última vez que um espetáculo do Floy d levou o produtor às lágrimas. A fonte de
suas emoções foi o final épico de “Comfortably Numb”, no qual Gilmour
aparece no topo do muro, iluminado por luzes azuis e brancas.
Enquanto Waters abria a música, o guitarrista esperava nas trevas por sua
deixa para começar a cantar. “Eu estava lá em cima no escuro, olhando para o
público lá embaixo”, diz Gilmour. “Quando abri a boca e comecei a cantar, e as
luzes foram ligadas, a plateia inteira olhou para o alto, sem fôlego. Foi um
momento fantástico.”
Nos bastidores, Gilmour estava na verdade em pé em um tablado sobre
rodas, no topo de uma plataforma hidráulica erguida, que lhe dava altura extra
para aparecer acima do topo do muro. A plataforma improvisada e insegura era
mantida atrás dele pelo técnico do guitarrista, Phil Tay lor, que na escuridão a
agarrava firmemente.
Os momentos finais do show, após a queda do muro, encontravam o Floy d
real e o falso e suas backing vocals juntos no palco. A última canção, “Outside
the Wall”, era tocada em meio a tijolos descartados pela banda improvisada com
violões, bandolins, clarinetes e tamborins. Era um raro momento de contato
humano direto com o público e uns com os outros.
Não havia tal contato acontecendo nos bastidores. A área VIP era
acarpetada, com máquinas de café e guarda-sóis espalhados e até máquinas de
fliperama. Ezrin foi bem recebido por Gilmour e Mason, mas notou que Waters
ficava separado, em seu camarim. “Tínhamos quatro trailers parados em um
círculo com todas as portas viradas para fora do círculo”, admitiu Waters depois.
“Era assim que Roger queria”, disse Wright. “Dave, Nick e eu não. Roger
viajava em seu próprio carro para o show, ficava em hotéis diferentes de todos.
Ele criou o isolamento.”
Exatamente como Wright conseguiu lidar com o fato de tocar em uma
banda da qual havia sido expulso é um testamento à sua dura casca grossa
inglesa. Como um antigo colega comentou, “se o Pink Floy d tivesse sido uma
banda americana, eles teriam espancado uns aos outros há muito tempo”.
“Não era tão ruim assim”, insiste Wright. “Basicamente, eu me fechei
para a ideia de que estava saindo da banda. Na verdade, eu me enganei ao
pensar que, talvez, caso eu tocasse tão bem quanto podia, Roger admitisse que ele
estava errado.”
Não ocorreu tal mudança de coração, embora o abatido tecladista acabou
rindo por último. Andy Bown recorda-se de ter conversado com Steve O’Rourke
durante os ensaios. “Custava para a banda uma quantidade enorme de dinheiro só
para preparar aqueles shows. Steve disse: ‘Adivinha quanto nós estamos no
buraco?’, e era um número fenomenal. Não vou repetir aqui porque esse é um
assunto pessoal, mas pensei: Puta merda!”
Apesar dos shows esgotados, o custo de produção era demasiado. Waters
deu entrevistas dizendo que a banda perdeu em torno de 600 mil dólares ao
encenar The Wall. Todos menos Wright. Sob os termos de seu novo contrato, a
banda que ele havia cofundado o estava pagando como músico contratado. Todas
as perdas foram arcadas pelos outros três.
Após testemunhar a turnê esgotada em Nova York, o promotor de
concertos Larry Magid abordou a banda no final de fevereiro oferecendo uma
garantia de 2 milhões de dólares (mais todas as despesas) para levar o show ao
JFK Stadium, em Nova York, por duas noites. Não havia mais shows do The Wall
planejados até agosto, em Londres, mas Waters recusou. “Eu disse aos demais:
‘Todos vocês leram a minha explicação sobre qual é o tema tratado em The
Wall’”, o baixista falou ao escritor Chris Salewicz. “São três anos desde que
fizemos nosso último show em estádio, e eu disse que não tornaríamos a fazer.
The Wall foi inteiramente montado em cima do quão terrível aquilo era e como
eu não sentia que a banda, o público ou qualquer um extraía alguma coisa da
experiência que fosse válida. Foi por isso que tínhamos produzido aquele show
direcionado para arenas. E por isso não aceitei.”
Ao considerar a pressão financeira da situação da Norton Warburg, a
decisão de Waters de recusar o dinheiro parecia extraordinária. O resto da banda
discordava e, de imediato, abordou Andy Bown para ver se ele poderia substituir
Waters. “Eu disse que sim na hora. Fiquei encantado”, disse Bown.
Mas a banda recuou. “No final, eles deram para trás”, conta Waters. “Não
tiveram coragem de seguir em frente com aquilo.”
De volta à Inglaterra no final de abril (seu ano de exílio fiscal agora estava
acabado), ensaios começaram nos estúdios cinematográficos de Shepperton para
as seis noites no Earls Court. Trinta das pinturas originais de Gerald Scarfe para
The Wall foram exibidas no lobby da casa e dez foram vendidas imediatamente.
No palco, Gilmour cortou o cabelo, deixando-o na moda, enquanto Waters
colocou sua camiseta esporte número 1 e censurou Alan Jones, da Melody
Maker, por ser “um merda estúpido” (Jones não tinha gostado de The Wall).
O tom de censura de Waters foi empregado para alguns anúncios que fazia
das canções no palco: “Esta é para todos vocês que são fãs de discoteca”, ele
declarou antes de “Run Like Hell”. “Como se dissesse: ‘O que estamos fazendo é
arte de qualidade. Agora tomem isso, seus camponeses’”, resmunga Nick Kent,
que criticou abertamente os show do Earls Court na New Musical Express,
sugerindo que o grupo deveria oferecer ao público a devolução do dinheiro dos
ingressos.
Embora a saída de Richard Wright ainda fosse mantida em segredo,
Waters foi direto em uma rara entrevista a Newsweek: “Temos fingido que somos
bons camaradas, mas isso já não é verdade há sete anos. Eu tomo as decisões.
Fingimos que era uma democracia por bastante tempo, mas este álbum foi
minha grande ascensão”.
Visitantes com acesso aos bastidores ficavam com frequência surpresos
pela subestimada normalidade dos membros da banda, apesar do peso da
performance melodramática encenada no palco todas as noites. Um visitante do
Earls Court foi surpreendido pela visão de David Gilmour comendo sushi e
brincando com um cubo mágico durante o intervalo, completamente
imperturbável com o fato de que em poucos minutos estaria no topo do muro
fazendo um solo de guitarra para vinte mil fãs: “David não se apavora.”
O colega de Cambridge Nigel Lesmoir-Gordon foi aos bastidores nos
mesmos shows, mas ofereceu um veredicto mais sombrio: “Todos eles tinham
trailers separados. Eu disse a Dave que a música estava alta demais e ele me
falou que eu deveria tomar mais drogas. Álcool e cocaína, presumo”.

Em julho, a banda tomou caminhos separados e seguiu assim pelo resto do


ano. A Norton Warburg finalmente estourou e seu fundador, Andrew Warburg
fugiu para a Espanha. Ele voltou um ano depois e acabou ficando três anos na
prisão por fraude e contabilidade falsa. Além de arruinar astros do rock ricos,
vazou que as atividades de Warburg também resultaram em perdas consideráveis
para gente comum e atos prejudiciais para investidores da classe média.
David e Ginger tiveram outra filha, Clare, e logo teriam um novo lar para
substituir a fazenda em Essex. A Hookend Manor, em Oxfordshire, foi outrora um
monastério de Tudor no século XIV e pertencera a Alvin Lee, guitarrista do Ten
Years After. Lee tinha construído seu próprio estúdio na propriedade e instalado
camas de água em todos os onze quartos. A propriedade era supostamente
assombrada, e Lee decidiu vendê-la quando percebeu que não precisava de um
lugar com tantos cômodos; uma decisão tomada após ele descobrir que um
colega estava morando lá sem que ele sequer soubesse.
“Alvin nunca abria as cortinas de seu estúdio. Ele era como um vampiro”,
recorda-se Emo, que se mudou para lá com Gilmour. “Encontramos um
esconderijo secreto no chão. Nós o abrimos e lá havia haxixe e erva.
Infelizmente, nenhuma cocaína.”
Nick Mason e James Gunthrie davam os toques finais no primeiro disco
solo do baterista, Nick Mason’s Fictitious Sports, sido gravado no final das sessões
de The Wall, mas o álbum não seria lançado até maio de 1981. Era uma coleção
de músicas escritas pela recém-descoberta de Mason, a vocalista de jazz Carla
Bley, com contribuições do marido dela, o trombeteiro Michael Mantler, e do
antigo colega Robert Wy att. A canção mais intrigante do disco era “Hot River”,
que Mason disse conter todos os seus “clichês favoritos do Pink Floy d nos últimos
catorze anos”. Contudo, ninguém se surpreendeu quando o álbum não chegou às
paradas. Em novembro, a EMI lançou A Collection of Great Dance Songs, a
primeira coletânea do Pink Floy d desde Relics, de 1971, que cobria material do
Meddle em diante. Roger Waters, totalmente desinteressado pelo projeto,
permitiu que Storm Thorgerson projetasse a capa.
Waters estava preocupado com outros assuntos. O terceiro estágio da
campanha de The Wall era um filme. Planos para isso já estavam em andamento
quando o Floy d se reuniu para tocar os últimos shows logo após o Ano-Novo: oito
noites no Westfalenhalle, em Dortmund, Alemanha, e mais seis no Earls Court.
“Quando assisti ao show em Los Angeles, fiquei pensando como poderia
transformar aquilo em um filme”, diz Barbet Schroeder, “e, eventualmente,
percebi que não poderia.” Nem todos pensaram da mesma forma, contudo. Alan
Parker era um cineasta inglês de 36 anos de idade, cujo currículo incluía Bugsy
Malone, Fame e seu sucesso de 1978, O expresso da meia-noite, um drama
selvagem ambientado em uma prisão turca, que recebeu diversas indicações
para o Oscar. Parker conversou com a EMI sobre a possibilidade de fazer o filme
de The wall. Ele e seu diretor de fotografia, Michael Seresin, voaram para
Dortmund para assistir a um dos shows ao vivo. Parker ficou de queixo caído
com o que viu. “Visto do arcaico e lento processo de filmagem, de observar tudo
– cada grua, cada luz, cada interpretação – funcionar na hora certa foi
maravilhosamente impressionante.”
Waters pretendia que o filme The wall fosse uma combinação de show ao
vivo com cenas animadas adicionais. A EMI estava relutante em se
comprometer, entretanto, a MGM concordou em financiar o projeto, para alívio
da banda, que já havia investido um pouco na pré-produção. Parker estava
completando seu último filme, A chama que não se apaga, e sugeriu que Michael
Seresin codirigisse junto com Gerald Scarfe. A dupla preparou-se para filmar
cinco das seis noites finais no Earls Court, o que acabou sendo um desastre. A
banda foi incapaz de cumprir qualquer aspecto do roteiro, tão meticulosamente
preciso, que satisfizesse a filmagem. Ao contrário, lembra-se Gerald Scarfe:
“Todas as vezes que ligava minhas luzes, os fãs começavam a gritar que eu
estava estragando o show”. Nada dessa filmagem entrou no longa-metragem
acabado e, até hoje, nada foi disponibilizado para o público. Com o plano original
de Waters arruinado, Parker concordou em se comprometer como diretor e
começou a tomar um rumo radicalmente diferente para o projeto: nenhuma
filmagem ao vivo, nenhum diálogo de fato, a história seria mostrada por atores e
sequências animadas, com a música do Floy d do disco The Wall conduzindo a
narrativa.
No storybook original de Gerald Scarfe, com dois personagens principais, a
versão animada era conhecida como Pink, enquanto a humana era chamada de
Roger. Entretanto, conforme Parker logo descobriria após alguns testes de tela,
Waters não tinha nascido para atuar. Parker lembrou-se de ter ficado
impressionado com vídeos de Bob Geldof, o sincero vocalista da banda de rock
irlandesa Boomtown Rats. Apesar de ter emplacado alguns hits, já fazia seis
meses desde que a banda chegara ao Top 10, e seu guitarrista tinha acabado de
sair. Pelo menos uma década mais jovem do que todos no Pink Floy d e um
produto da revolução punk, Geldof desdenhava de tudo o que o Floy d fizera desde
os dias de Sy d Barrett.
Mesmo tendo chamado a história de The Wall de “besteira”, ele se sentiu
seduzido pela oportunidade de atuar em um filme grande e receber um
pagamento substancial. Com Michael Seresin substituído pelo produtor Alan
Marshall, e com Alan Parker a bordo como diretor, Gerald Scarfe se viu jogado
para escanteio. Sua função seria agora de “designer”.
“Alan conseguia muito dinheiro em Holly wood por causa de sua
influência”, diz Scarfe. “Se ele dirigisse, eles investiriam o dinheiro; mas não o
fariam se fosse eu o diretor. Eu era um desconhecido. Fiquei de lado e me senti
aliviado, pois já tinha trabalho suficiente com as sequências animadas.”
Recordar-se do processo de produção do filme iria gerar algumas reações
dramáticas da parte de vários envolvidos. Roger Waters diria a Rolling Stone: Foi
o “mais enervante e neurótico período da minha vida, possivelmente com
exceção do meu divórcio” (por coincidência, Waters começaria a fazer terapia
no mesmo ano). Alan Parker diria que a experiência lhe parecera algo “como
descer as cataratas Vitória em um barril”. Gerald Scarfe se lembra de estar
guiando o carro a caminho dos estúdios Pinewood, às nove da manhã, com uma
garrafa de Jack Daniels no banco do passageiro ao seu lado. “Eu não sou de
beber”, ele justifica, “mas tinha que tomar um trago antes de ir para lá.” Ele
explica a situação, lembrando-se de um comentário que alguém lhe fez: “Bem, o
que você esperava ao colocar três megalomaníacos juntos em uma mesma
sala?”.
Parker, mostrando previdência considerável, persuadiu Waters a tirar seis
semanas de férias durante as filmagens. Com um dos megalomaníacos fora da
jogada, ele começou um frenético cronograma de seis dias de filmagens. Atores
britânicos, incluindo Bob Hoskins, como empresário de Pink, e Joanne Whalley,
no papel de uma groupie, se juntaram a Bob Geldof, o protagonista adulto, e ao
jovem de 13 anos Kevin McKeon como o jovem Pink. Vinhetas do álbum e do
show foram recriadas. Embora inicialmente cético, Geldof pareceu ser arrastado
para o papel de um astro do rock perturbado, reconhecendo paralelos com suas
próprias desventuras na indústria da música.
“Eu não vou perder meu tempo com Geldof, tentando explicar The Wall
para ele”, disse Waters. “Mas ele entende. Ele só não percebeu que entende.”
A bravata de Geldof compensou sua falta de experiência como ator. Ele se
recusou a parar de filmar após cortar a mão durante a cena da destruição do
hotel; superou sua inabilidade de nadar para flutuar em uma piscina feita com
sangue falso e chegou ao mais alto visual assombrado para uma cena na qual
Pink raspa os pelos do corpo (algo que Sy d Barrett fizera consigo mesmo em
1967).
Quando Pink se tornou um tirano político, Geldof teve medo de que
ocorresse o mesmo consigo – trajando um uniforme militar, completado com o
emblema dos martelos cruzados, ele presidiu uma cena filmada no New
Horticultural Hall, em Londres, com a participação de um grupo de verdadeiros
skinheads, recrutados do East End de Londres. Sequências posteriores de uma
luta entre os skins e a polícia transformam-se em ação continuada com grande
prazer após as câmeras terem parado de rodar. Entre as cenas de ação humana,
Gerald Scarfe tinha organizado um grupo de cinquenta artistas para produzir em
torno de quinze mil desenhos coloridos feitos à mão, dando vida aos personagens
que tinham agraciado o álbum e o show ao vivo.
Quando Waters voltou de férias, não se sentiu lisonjeado pela licença
artística que Parker tinha tirado com o que ele via como sendo seu filme. “Acho
que ele temia que eu não o deixasse voltar, mas eu estava tão paranoico quanto
ele”, disse Parker ao escritor Karl Dallas.
“O problema é que Roger e eu vivemos coisas juntos durante três anos”,
diz Gerald Scarfe. “Então, quando chegou a hora de filmar, Roger não queria
abrir mão do controle. Assim, de um lado ficávamos Roger e eu, e do outro,
Parker – e foi aí que a guerra começou.”
Depois de um bate-boca, Parker ameaçou pular fora. “Foi quando meu
relacionamento com Roger tornou-se impraticável”, disse Gilmour. “Tivemos
que persuadir Alan Parker a voltar porque tinha muito dinheiro investido e toda a
companhia cinematográfica em Pinewood permaneceria fiel a Alan; afinal, ele
é um cineasta e Roger, não. Então tive de ir até Roger e dizer: ‘Dê a ele o que o
contrato diz... Sinto muito, pois de outra forma vamos precisar ter uma reunião
com os acionistas e diretores, e, neste caso, eu e Nick iremos votar por sua saída’.
Não havia nada que ele pudesse fazer.”
Waters podia ao menos se distrair com a trilha sonora do filme. Em
parceria com James Guthrie, ele supervisionou a transferência da música das
fitas master originais de The Wall. Novas sessões de “Bring the Boy s Back
Home”, “Mother” e “Outside the Wall”, entre outras, seriam gravadas. Tim
Renwick entrou em uma das faixas, já que “David não se incomodou em refazê-
la”. Bob Geldof também gravou seus próprios vocais para uma versão de “In the
Flesh”, sob a supervisão de Gilmour. Uma nova canção foi feita para o filme,
“When the Tigers Broke Free”, que mostrava um flashback do pai de Pink na
Segunda Guerra Mundial e o jovem garoto descobrindo alguns objetos pessoais
de seu pai, incluindo uma carta de condolências para sua mãe, com o selo do rei
George VII. A canção não havia sido incluída no disco, pois ela parecia ser muito
autobiográfica. Foi lançada como um single em julho de 1982, para coincidir
com a estreia do filme. Com Waters oferecendo mais um solilóquio sobre a
morte de seu pai do que um vocal convencional, e com ausência total de
qualquer solo de guitarra, a canção arranhou o Top 40 na Inglaterra, mas
desapareceu completamente nos Estados Unidos.
The wall estreou em maio no Leicester Square, em Londres, e arrecadou
aproximadamente 50 mil libras de bilheteria na primeira semana.
Posteriormente, David Gilmour consideraria o filme o “menos bem-sucedido dos
três meios de contar aquela história particular”. Alan Parker protestou afirmando
que foi uma luta entre seu próprio interesse em montar ação cinematográfica e o
desejo de Waters de “mergulhar em sua psique para descobrir suas verdades
pessoais”.
“Certa vez tive uma discussão muito quente com Alan Parker na qual ele
me disse que o filme perfeito é constituído de cem minutos perfeitos”, contou
Waters. “Para mim, isso parece errado. Precisa haver muitos e muitos minutos
imperfeitos para chegar a cem perfeitos. E essa foi a sensação que tive ao assistir
o filme completo – que cada minuto estava tentando ser repleto de ação. Achei
um pouco difícil de assisti-lo sentado. Fiquei meio entorpecido por ele.”
Com a ausência de diálogos convencionais, The wall exigiu muito de seus
criadores, atores e também do público. Bob Geldof atua bem, tendo carisma
suficiente (sem mencionar um suprimento infinito de olhares assustadores) para
compensar sua falta de falas apropriadas. Na busca de Alan Parker por ação
cinematográfica, há também alguns momentos bastante poderosos. As cenas de
abertura nas quais os soldados sob fogo são entrelaçados com fãs de rock
entrando em uma arena é uma interpretação literal do ódio de Waters de tocar no
que ele via como shows violentos em estádios. As cenas do lado de fora da arena
nas quais os fãs são atacados pela polícia foram inspiradas diretamente nos
eventos dos concertos do Pink Floy d em Los Angeles, em 1975. De forma
similar, o filme traz momentos pungentes da própria infância de Roger Waters.
Em uma das primeiras cenas, um jovem órfão Pink é visto seguindo o pai de
outra criança em um parquinho infantil, e sendo posto de lado.
“Assim que aprendi a falar, perguntava onde estava meu pai”, disse
Waters, em 2004. “Em 1946, todo mundo foi dispensado do serviço militar e, de
repente, todos aqueles homens apareceram. Todos estavam apanhando seus
filhos na escola, e eu fiquei extremamente agitado.”
Assim como anteriormente no disco e no show, as animações de Gerald
Scarfe foram cruciais para o filme The wall, de forma que se torna impossível
imaginá-lo sem elas. Há apenas quinze minutos de animações em toda a película,
mas o espalhafatoso desfile de vermes malévolos, sangue, entranhas e flores
copulando de Scarfe parecem dominantes. De forma ostensiva, a mesma dúvida
permanece sobre o filme, como acerca do álbum: às vezes, é difícil simpatizar
ou se importar com o personagem central Pink, com sua autopiedade, pretensões,
narcisismo...
É tentador imaginar que ao menos alguns membros da banda se sentiam do
mesmo modo. Quando o filme estreou em Nova York, Nick Mason pediu
desculpas por não comparecer, dizendo que ele simplesmente não conseguia
encarar tudo aquilo de novo. A ausência de Richard Wright foi justificada com
uma frase festeira: “Rick está de férias”. Mas no verão eles não conseguiam
mais manter o fingimento, e a banda tornou públicas as notícias de sua saída.
Mesmo nos dias de hoje, até o criador de The wall tem pouca empatia com o
monstro que gerou. “O único desapontamento que tenho – e isso é minha culpa –
é que eu tive a chance de introduzir meu senso de humor na peça. E falhei
redondamente em fazê-lo. Ela é extremamente severa.”
Na época, a vida no Pink Floy d estava prestes a se tornar ainda mais
severa.
1 “Os assustados” (N. T.)
CAPÍTULO NOVE TIRANOS E REIS INCURÁVEIS

“Quando você faz parte de um grupo pop por quinze anos, as coisas que
o faziam rir no começo podem irritá-lo mais tarde.”
David Gilmour

Em maio de 1982, o submarino britânico HMS Conqueror torpedeou o cruzador


argentino General Belgrano, matando 368 homens a bordo. O afundamento foi o
último ato de agressão da Guerra das Malvinas, um conflito que tinha começado
um mês antes quando forças argentinas tentaram reconquistar as ilhas ao sul do
Oceano Atlântico. A Argentina e o Reino Unido acreditavam que as ilhas fossem
seu território, mas foi a Inglaterra que tinha declarado soberania desde o século
XIX.
Para uma geração que havia crescido na Inglaterra após a Segunda Guerra
Mundial e a Guerra da Coreia, o conflito nas Malvinas seria o primeiro gosto de
ação militar. Confusão sobre o verdadeiro paradeiro e intenções do cruzador e
desinformação política entre o exército inglês e o gabinete do ministério
levantariam controvérsia. Mas para o governo conservador da época, sob o
comando da primeira-ministra Margaret Thatcher, havia capital político a ser
estabelecido; uma força de pilhagem estrangeira tinha invadido dependências
britânicas e a retaliação tinha que ser rápida e decisiva.
Para Roger Waters, um compositor instruído pela sombra da guerra em sua
própria vida, esse último conflito era algo mais a ser utilizado. Quando o Pink
Floy d começou a trabalhar em um álbum que sucederia The Wall, em julho de
1982, a guerra no Atlântico predominava em sua mente. A fútil perda de vidas de
ambos os lados era um fator, mas também havia a crença de que o conflito era
manipulado como um potencial angariador de votos em um país entupido de
orgulho nacionalista.
“Eu não sou pacifista”, disse Waters. “Acho que existem guerras que
precisam ser travadas, infelizmente. Contudo, o conflito das Malvinas não foi
uma delas.”

A morte do Pink Floy d Versão II não veio com um tiro ou um lamento, mas
com um tipo de ganido. The Final Cut, o último disco do Pink Floy d a trazer Roger
Waters e David Gilmour, é, como o guitarrista pontuou na época, “o bebê de
Roger”. Isso significava que Gilmour havia sido deixado de lado e feito os vocais
principais em apenas uma canção. Roger fez o restante do álbum com aquele
uivo do coração, histérico, afetado e, ocasionalmente, estrangulado. Seria
impossível imaginar as canções sendo feitas por alguma outra pessoa.
Os créditos finais pelo filme The wall prometiam que a trilha sonora estava
disponível agora. Após regravar algumas canções do original para o longa, a
banda planejou juntar material o suficiente para outro disco inteiro, Spare Bricks.
Quando o conflito nas Malvinas começou, Waters ficou distraído e começou a
escrever uma composição que seria intitulada “Requiem for a Post-War
Dream”. De forma inevitável, esse novo trabalho seria dedicado ao seu pai, Eric
Fletcher Waters. Spare Bricks foi esquecido imediatamente.
“The Final Cut era sobre como, com a introdução do estado de bem-estar
social, sentíamos que estávamos seguindo em direção a algo que se assemelhava
a um país liberal, onde todos tomaríamos conta uns dos outros”, explicou Waters.
“Vi tudo aquilo ser esculpido, mas era quase um retorno a uma sociedade
dickensiana sob o comando de Margart Thatcher. Senti na época, como sinto
agora, que o governo inglês deveria ter buscado vias diplomáticas, em vez de
decidir no calor do momento que sua força-tarefa fosse enviada ao Atlântico.”
Por mais que sua opinião fosse de esquerda na privacidade, David Gilmour
estava menos enamorado pela causa da politização aberta de Waters. Com
desgastes inevitáveis, os dois bateram cabeça no momento em que Waters propôs
o álbum.
“Havia todo tipo de discussão sobre assuntos políticos, e eu não partilhava
das visões dele”, explicou Gilmour em 2000. “Mas nunca, jamais, quis ficar no
caminho dele de expressar a história de The Final Cut. Eu só não achava que isso
cabia à música.”
O problema de Gilmour era o “rescaldo”: quatro canções que constituíam
o novo ciclo de músicas – “Your Possible Pasts”, “One of the Few”, “The Final
Cut” e “The Hero’s Return” – eram esboços de The Wall que haviam sido
destinados para o álbum Spare Bricks. Embora a banda tivesse reciclado com
frequência coisas de sua “biblioteca de lixos” no passado, Gilmour foi firme ao
dizer que, aquelas músicas em particular, não eram boas o bastante. Waters
parecia, novamente, estar operando em um modo de política fechada no que se
tratava de compor para o Floy d. Mas ele tinha suas razões.
“Dave queria que eu esperasse até que ele tivesse escrito mais material”,
disse o baixista. “Mas como ele tinha escrito só três músicas nos últimos cinco
anos, eu não conseguia visualizar quando isso aconteceria.” Desde então,
Gilmour admitiu algo do gênero. “Decerto sou culpado por ter sido preguiçoso às
vezes, e pode ter havido momentos em que Roger tenha dito ‘bem, o que você
trouxe?’, e eu ficava enrolando, ‘bom, não tenho nada ainda’, ou dizia que
precisava de um pouco mais de tempo para colocar as ideias na fita. Há
elementos de toda essa porcaria que, anos depois, você olha para trás e diz: ‘Bom,
ele tinha certa razão’. Mas Roger não estava certo em querer colocar algumas
faixas de rescaldo em The Final Cut. Eu lhe disse: ‘Se essas músicas não foram
boas o bastante para The Wall, o que o faz pensar que elas são boas agora?’.”
Como Bob Ezrin recordou-se das sessões de The Wall, “David estava um
pouco mais taciturno na época; ele sorria bastante e raramente se tornava
competitivo, mas, quando o fazia, era inflexível”.
Infelizmente, Ezrin, o grande mediador, não estava disponível para ajudar.
Ainda banido para a Sibéria pessoal do Pink Floy d, após revelar acidentalmente
informações sobre o show de The Wall, ele parecia ocupado produzindo novos
trabalhos para seus antigos parceiros, Alice Cooper e Kiss. Mas Michael Kamen,
que ajudara a orquestrar parte da trilha de The Wall, foi trazido a bordo. Kamen,
James Guthrie e Waters, naturalmente, partilhariam os créditos finais de
produtores; a ausência do nome de Gilmour resultaria em uma discordância
posterior durante as últimas sessões do álbum.
Os créditos dos músicos em The Final Cut parecem uma sessão de 1982 de
“Quem é Quem” para instrumentistas. Na falta de Richard Wright, o pianista
clássico Kamen assumiu, além de tocar harmônio e conduzir a National
Philharmonic Orchestra. Andy Bown, o membro substituto em The Wall e agora
vizinho de Waters na East Sheen, foi contratado para tocar o órgão Hammond.
Nick Mason viu seu papel ser dividido com a chegada do percussionista de Elton
John, Ray Cooper e, quando Mason não conseguiu dominar o andamento
necessário para a canção “Two Suns in the Sunset”, Andy Newmark o substituiu,
tendo recém-gravado o álbum do Roxy Music, Avalon. O veterano agregado do
Floy d, Dick Parry, foi substituído pelo saxofonista Raphael Ravenscroft, que
anteriormente pôde ser ouvido no single de 1978 de Gerry Rafferty, “Baker
Street”. Para uma banda outrora tão insular e autopreservada, esta era uma
maneira muito diferente de trabalhar. De forma similar, em vez de se trancarem
em seu próprio Britannia Row, o trabalho foi levado para não menos que oito
estúdios, incluindo o May fair, em Primrose Hill, o estúdio de Gilmour na
Hookend Manor e a “Sala de Bilhar” na nova casa de Waters, em East Sheen,
onde o baixista tinha instalado uma mesa com 24 canais ao lado da mesa verde
obrigatória. Waters era, para todos os efeitos, um formidável jogador de snooker.
“Roger dava a você dez ou quinze pontos de vantagem e ainda assim vencia”,
explica Andy Bown. “Em um jogo, cheguei a pensar que ele ia colocar uma
venda nos olhos para me dar alguma chance.”
Inicialmente, Gilmour e Waters trabalharam juntos no estúdio. O baixista
se recordaria depois que a dupla se entretinha com Donkey Kong, o então recém-
lançado jogo de computador da Nintendo, quando não estava gravando. Mas,
com o passar do tempo, a tensão se instaurou e os dois optaram por trabalhar
separadamente.
“James (Guthrie) e eu literalmente ficamos com um de cada lado, disse
Andy Jackson, coengenheiro de The Final Cut. “Eu tendia a ir com Roger e
trabalhar os vocais com ele, enquanto James ficou com Gilmour e trabalhou nas
guitarras. Ocasionalmente, nós nos encontrávamos e juntávamos o que havia sido
feito.” Embora Jackson afirme que aquela era uma forma particularmente
incomum de trabalhar, ela também trazia seus benefícios. “Quando Dave e
Roger estavam juntos no estúdio era definitivamente congelante.”
Andy Bown, tecladista do Status Quo desde 1973, tem uma visão um pouco
diferente. “Havia muito atrito. Mas as diferenças entre o Pink Floy d e qualquer
outra banda com a qual trabalhei é que eles são cavalheiros. Ninguém de fora
poderia dizer que havia atritos. O Pink Floy d foi a única banda que encontrei que
sabia como se comportar apropriadamente.”
Entretanto, até mesmo o quieto e sorridente Gilmour não poderia manter a
cordialidade para sempre, conforme ia sendo cada vez mais excluído do projeto.
“Perdi a calma mais de uma vez. Não houve agressão física, mas chegou bem
perto em algumas ocasiões.”
Até mesmo os novos colaboradores de Waters sentiram a tensão. O
material de Michael Kamen em The Wall tinha sido feito em Nova York, longe da
banda. Quando ele finalmente foi trabalhar com eles cara a cara, sabiamente
escolheu manter distância das disputas internas da banda. Mas mesmo sua
discrição profissional foi desafiada durante uma sessão particularmente brutal, na
sala de bilhar. Waters nunca achou fácil cantar, mas naquele dia estava tendo
problemas especificamente com uma tonalidade. Kamen sentou-se
pacientemente na técnica e começou a escrever em um pedaço de papel. Waters
perdeu a paciência após um tempo, tirou os fones de ouvido e exigiu saber o que
Kamen escrevia. Cansado do tortuoso vocal, o pianista começou a achar que era
algum tipo de punição por algo que havia feito em uma vida passada.
Traumatizado, ele começou a escrever “eu não devo transar com ovelhas”
repetidas vezes no papel.
O envolvimento do homem da cozinha, Nick Mason, no álbum foi, em suas
próprias palavras, “mínimo”. A paixão da banda por tecnologias ultramodernas
tinha sido satisfeita pela primeira vez com a versão quadrifônica de Dark Side of
the Moon. A mania do som em quad jamais chegou a pegar, e conjuntos hi-fi não
costumavam lhe fazer justiça de fato. Para The Final Cut, o grupo recebeu a
promessa de um “holofônico” ou total sound, criado por um cientista italiano.
Esse processo funcionava em toca-fitas estéreo, mas quando tocado em fones de
ouvido podia efetivamente “mover” o som ao seu redor, para dar a impressão de
que estava sendo escutado de cima, ao lado ou detrás da cabeça do ouvinte.
Fanático por efeitos especiais, Waters confiou a Nick Mason a supervisão
da gravação de vários efeitos sonoros holofônicos para o álbum. Mason ficou
ocupado gravando o som de aviões de guerra na base da RAF, em Warwickshire,
e pneus de carro cantando na escola de direção da polícia. Contudo, longe de suas
tarefas musicais, ele também estava livre para curtir sua paixão por
automobilismo. Na hora em que ele voltou para as sessões finais, o
relacionamento entre Waters e Gilmour havia se rompido por completo.
“Às vezes, quando dirigia de volta para casa após as gravações no estúdio,
eu gritava e xingava, embora estivesse sozinho no carro”, admitiu Gilmour. “Isso
foi culpa do Roger. Ele não queria minha música, não queria minhas ideias.
Chegou um ponto em que eu tive que dizer: ‘Se você precisar de um guitarrista,
me telefone e eu vejo o que posso fazer’.”
O desfecho da discussão final foi o nome de Gilmour como produtor ter
sido removido dos créditos, embora fosse acordado que ele ainda seria pago.
“As atitudes e crenças de Dave eram muito diferentes das minhas, e muita
mesquinhez se desenvolveu”, explicou Waters. “Mas se você quiser estar em
uma banda e fazer dinheiro, e quiser ser um superstar, precisa ter músicas.
Gilmour não gostava da política do The Final Cut. Ele não gostava dos ataques a
Margaret Thatcher. Mas ele precisava se comprometer porque não tinha canções
de sua autoria. Nenhuma. Tudo ficou muito sórdido.”
Apesar de toda a sua tenacidade e disposição de lutar até a morte, mesmo
Waters sentia a tensão. “Eu estava em um estado bastante desolador. Havia muito
conflito em minha vida profissional. Quando chegamos a um quarto do caminho
na produção de The Final Cut, eu já sabia que jamais faria outro disco com Dave
Gilmour e Nick Mason.” O baterista, durante tanto tempo o aliado mais próximo
de Waters no Pink Floy d, também se viu pender para os argumentos musicais de
Gilmour.
As forças argentinas se renderam nas Malvinas em junho de 1982, ocasião
em que ambos os lados contabilizaram mil mortes. Em dezembro de 1982,
Gilmour e Mason foram forçados a consentir com os desejos de Waters e
efetivamente renunciar a qualquer controle que pudessem ter tido sobre The
Final Cut. A verdade é que Waters chegou a dar a entender que lançaria o
trabalho como um disco solo seu, mas, como a banda tinha um contrato com a
EMI para mais um álbum do Pink Floy d, é improvável que a gravadora tivesse
permitido.
Embora o processo de criação do disco tenha sido claramente uma
experiência atormentadora, The Final Cut tem sofrido muito por causa de
associações malfeitas. Hoje a história o vê tão ligado à dispersão do Pink Floy d
que se tornou difícil dissociá-lo musicalmente. Os vocais dominantes de Roger
Waters garantem que não é um álbum de introdução para os curiosos. Entretanto,
seus uivos enlouquecidos – e, sim, estrangulados –, se encaixam na maior parte
do material. “Muito da irritação foi colocada para fora no vocal, o que, olhando
para trás, foi mesmo bastante torturante”, ele admite.
Decerto ele se mostra definitivamente comprometido com suas letras
pessoais: criticando a decisão da primeira-ministra Thatcher em “The Post-War
Dream” (Oh, Maggie, Maggie what have we done?...) 1 e culpando-a pelo
afundamento do General Belgrano em “Get Your Filthy Hands Off My Desert”.
A elucubrativa “Southampton Dock”, um lamento sobre o retorno dos heróis de
guerra e aqueles que seguiram em frente para enfrentar a morte, novamente
toca na história do pai ausente de Waters, desaparecido em ação. Em “Your
Possible Pasts” e “Two Suns in the Sunset”, a voz de Waters tem até um pouco de
Bob Dy lan durante seu período mais grasnado, no final dos anos 1970. Com seu o
profissionalismo estoico, Gilmour também poderia ter cantado essas canções
com tanta convicção. Contudo, por mais que ele tenha sido deixado de lado, seus
solos de guitarra em “Your Possible Pasts” e “The Fletcher Memorial Home” são
praticamente equivalentes a qualquer coisa feita em The Wall.
Apesar do desespero universal de Waters quanto ao estado da Grã-
Bretanha, The Final Cut ainda trazia o tradicional final feliz do Pink Floy d. O tema
sobre como impedir o Armagedom nuclear em “Two Suns in the Sunset”
encontra Waters ponderando suas decisões nos últimos minutos de vida de seu
personagem. “Ela diz: ‘Não tenha medo de viver sua vida’”, Waters disse à
escritora Carol Clerk. “Não tenha medo de assumir riscos. Não tenho medo de
assumir o risco de tocar as pessoas ou de estar vulnerável.”
Lançado em março de 1983 na Inglaterra, The Final Cut apareceu com
uma capa projetada por Waters, com fotografias tiradas pelo seu cunhado, Willie
Christie. O detalhe, na frente, de várias medalhas por serviços na Segunda
Guerra Mundial, incluindo a distinta Fly ing Cross, foi bem mais sutil que uma
fotografia da contracapa de um soldado segurando uma lata de filme debaixo do
braço, com uma faca enfiada nas costas. The Final Cut deu ao Pink Floy d outro
álbum número 1, embora isso esteja claramente ligado mais à popularidade de
The Wall do que ao apelo comercial do material. Nos Estados Unidos, ele chegou
a um expressivo sexto lugar.
Os sons de abertura retirados de diversos noticiários britânicos, incluindo
um discutindo as Malvinas, dão ao disco inteiro um identificável sabor inglês, que
muito desconcertou o público americano, perplexo ao escutar notícias de guerras
ocorridas em partes do mundo que eles nunca ouviram falar. “Not Now John”, a
única canção em que David Gilmour faz os vocais principais, foi lançada como
single na Inglaterra e nos Estados Unidos, após Steve O’Rourke persuadir a banda,
dizendo que as rádios americanas estavam ansiosas para tocá-la. Uma das
poucas faixas do álbum uptempo,2 ela teve sua linha vocal do refrão fuck all that
substituída por stuff all that. A voz grave de Gilmour e sua guitarra tempestuosa
davam pistas falsas. Uma canção sobre a mentalidade não questionadora do
extremo nacionalismo britânico, “Not Now John” ainda era um número cínico e
brutal.
Para os ouvintes ingleses, também parecia haver algo espinhoso e esnobe
em suas linhas finais, com a frase Where’s the bar? repetida em francês, italiano,
grego, espanhol e, finalmente, inglês: Oi, where’s the fucking bar?. A canção
entrou para o Top 30 na Inglaterra, mas fracassou nos Estados Unidos. A reação
crítica ia da brusca avaliação da Melody Maker de que The Final Cut era “um
marco na história do horror” à crença da Rolling Stone de que era “a obra-prima
da arte do rock”. Na NME, Richard Cook afirmou que as composições de Waters
foram “explodidas para o inferno, como os pequenos e amaldiçoados soldadinhos
que assombram sua mente”.
Waters deu um depoimento a Karl Dallas, no qual ele admite que “a
comunicação na banda não está muito boa”, embora insista que seus comentários
em uma entrevista anterior não sugerem “o fim da banda, o que seria nonsense”,
somente que agora ele estava brincando com a ideia de lançar um álbum solo.
David Gilmour manteve sua discrição em uma entrevista do mesmo ano.
“Tivemos uma discussão sobre os créditos de produção, porque minhas ideias
sobre produção não batiam com as de Roger (...). [The Final Cut] é muito bom,
mas pessoalmente não é como eu veria um próximo disco do Pink Floy d”, ele
explicou com cuidado.
Nos anos vindouros, Gilmour tenderia a classificar o álbum cada vez mais
baixo, dando uma resposta padrão de que só há três boas canções no disco, “‘The
Fletcher Memorial Home’, ‘The Final Cut’ e, humm, não consigo me lembrar
agora... mas tem duas delas, de qualquer modo”.
Por mais que seja desprezado por parte do público e pela própria banda
hoje (até mesmo Waters admitiria depois que “nem tudo pode ser uma porra de
uma obra-prima”), The Final Cut não permite que o Pink Floy d seja acusado de
complacência. Os trabalhos musicais de muitos dos seus contemporâneos dos
anos 1960 e 1970 mostram a dificuldade que vários de seus pares tiveram de
permanecer relevante na nova década. O álbum dos Rolling Stones, Dirty Work,
viu a sitiada parceria Jagger/Richards chegar ao seu ponto mais baixo, e o
lançamento de It’s Hard, do The Who, mostrou que mesmo Pete Townshend, sua
antiga marca incendiária, estava ficando sem gás. Em tal companhia sem brilho,
The Final Cut, por mais arrastado que fosse, soava como se o Pink Floy d ainda
não desse a mínima para coisa alguma.

Sem uma turnê ou qualquer campanha promocional para dar apoio ao


álbum, a banda parecia ter caído no limbo profissional em 1983. Enquanto isso,
seu antigo frontman, Sy d Barrett, havia saído de Londres e voltado a Cambridge,
com gastos excessivos que o deixaram sem dinheiro e uma dieta terrível que lhe
rendeu úlceras estomacais. Sua antiga empresa de gestão, a Blackhill, estava
tomando conta agora de Ian Dury e The Clash quando um fantasma do passado
reapareceu em seu escritório.
“Acho que ele queria que nós assinássemos uns formulários de
passaporte”, lembra-se Peter Jenner. “Ele mal conseguia falar e parecia um leão
de chácara. Tinha ganhado muito peso e estava vestindo um casaco que parecia
mais uma barraca. Ficamos pensando: ‘Quem é esse cara?’. Um sussurro correu
pelo escritório, ‘Oh, meu Deus. É Sy d!’.”
Àquela altura, a mãe de Barrett havia vendido a casa em Hills Road e se
mudado com o filho para St. Margaret’s Square, nas proximidades. Barrett
concordou em fazer uma operação para aliviar seus problemas estomacais. De
acordo com a biografia superlativa de Tim Willis, Madcap, a mãe de Roger
Waters, Mary, o ajudou a encontrar um serviço como jardineiro, mas não durou
muito. Em 1982, enquanto sua antiga banda lançava seu desafiador novo álbum,
Barrett voltou para Londres e para sua antiga toca, a Chelsea Cloisters. Em
poucas semanas, ele se foi novamente. De acordo com o mito, Barrett teria
retornado a Cambridge caminhando. “Não estou certo se ele realmente voltou
andando”, diz seu antigo amigo David Gale, “mas essa é a história.”
Dois jornalistas de uma revista francesa, a Actuel, rastrearam Barrett até
Cambridge, levando-lhe uma sacola cheia de roupas sujas que ele havia deixado
para trás na Chelsea Cloisters. Barrett atendeu a porta educadamente,
oferecendo-se para lhes pagar pelas roupas. À pergunta se tocava guitarra
quando vivia em Londres, ele respondeu: “Não, eu assistia à televisão. Isso é
tudo”. Ele permitiu que a dupla tirasse uma foto antes de voltar para dentro da
casa.
Antigos amigos topavam com ele de tempos em tempos, mas não
encontravam o mesmo Sy d que conheceram antes. Sue Kingsford dirigia para a
casa de seus pais nas cercanias de Cambridge quando viu Barrett em pé na
margem da estrada, com os olhos parados, como se estivesse tentando pegar
carona. “Então, paramos o carro e dissemos para ele subir”, diz Sue.
“Perguntamos para onde ele estava indo. ‘Não estou indo para lugar algum’, foi
sua resposta. Nós o levamos a um pub, o Tickell Arms. Ele tomou uma garrafa
de Guinness, mas não disse uma única palavra. No final, eu falei: ‘Foi ótimo
encontrá-lo, Sy d. Tenho que ir para casa agora’. Ele respondeu: ‘Sim, ótimo vê-la
também. E o levamos de volta para Cambridge.”
Em entrevistas, Roger Waters diria com frequência que Sy d sofria de
esquizofrenia, embora sua família jamais tenha confirmado isso. “Acho que Sy d
foi terrivelmente azarado com uma viagem”, sugere Libby Gausden. “A mãe de
Sy d, Win, sempre achou que alguém havia colocado algo em sua bebida. Acho
que ela não sabia nada sobre drogas.”
Durante a primeira metade da década de 1980, ele passou voluntariamente
um período no hospital psiquiátrico Fulbourn. “Aquilo foi terrivelmente irônico”,
diz Libby Gausden. “Sy d adorava aquela área e nós costumávamos nos sentar e
ficar olhando para o hospital”. Também teria passado uma temporada no
Greenwoods Therapeutic Community, próximo a Billericay, em Essex. Mais uma
vez, contudo, dizem que ele acabou voltando para Cambridge.
“Recebíamos relatos sobre Sy d o tempo todo”, diz Storm Thorgerson. “Ele
parecia muito bem protegido por sua família e acho que o Pink Floy d estava lhe
dando apoio financeiro. Mas não acho que estivesse feliz. Acho que ele gostaria
que tudo fosse melhor.”

Com o futuro do Pink Floy d incerto, David Gilmour parecia determinado a


se manter ocupado. Os Gilmour agora tinham uma nova adição à família, uma
terceira filha, Sara. O guitarrista também passou seu tempo fazendo demos de
música em seu estúdio caseiro e cantando os backing vocals do novo álbum
brilhantemente bizarro de Kate Bush, The Dreaming.
Para o segundo disco solo de Gilmour, em 1984, ele juntou um time classe
A de músicos de estúdio, incluindo o baterista Jeff Porcaro e o baixista Pino
Palladino. Quando as sessões começaram no Pathé-Marconi Studios, em Paris,
Gilmour também já tinha chamado a cavalaria.
“David havia se jogado em maior profundidade e decidiu que precisava de
alguma ajuda, então me telefonou”, explica Bob Ezrin, que foi rapidamente
recrutado para coproduzir o álbum. “Acho que David sentiu-se livre ao fazer algo
fora do Pink Floy d e se divertiu muito durante as gravações daquele disco.” A
lembrança mais duradoura de Ezrin sobre a criação daquele disco é a de
Gilmour passeando vertiginosamente em torno de Champs-Ely sées em seu novo
Porsche 928. “Ele tinha um carro com direção à direita em um país com sistema
de trânsito à esquerda, então eu estava sentado no assento onde o motorista
deveria estar. Aterrorizante.”
About Face foi lançado em março de 1984. Gilmour assinou contrato para
fazer uma divertida campanha de lançamento, diferente de qualquer outra já
feita com o Pink Floy d. O primeiro single do álbum, “Blue Light”, era uma
canção pop funky, que se igualava ao estilo de metais do Earth, Wind and Fire,
com o riff de guitarra parecido ao da música do The Eagles, “Life in the Fast
Lane”. Ciente do quanto era importante que astros do rock fizessem vídeos agora,
Storm Thorgerson dirigiu um videoclipe em que um Gilmour bem arrumado e de
cabelos cortados toca guitarra junto com uma trupe de dançarinas antes de cair
de joelhos em um heliporto – completado com um helicóptero – para tocar o solo
final da música.
O resto do álbum era mais convincente. Pete Townshend contribuiu com
letras para a romântica “Love on the Air” e a escabrosa “All Lovers are
Deranged”, enquanto Gilmour forçou a si próprio a sair de sua zona de conforto
ao escrever sobre seus sentimentos; expressando raiva e confusão ante a morte
de John Lennon (“Murder”), sua oposição em ter mísseis americanos Pershing
em solo britânico (“Cruise”), e até mesmo sua problemática relação com Roger
Waters (“You Know I’m Right”). “No começo, não era sobre isso”, ele disse,
“mas quando escrevi o primeiro verso, todas as pessoas assumiram que era sobre
isso, e o tema coloriu o resto da escrita.” Se as palavras ainda eram o calcanhar
de Aquiles de Gilmour, havia o suficiente da assinatura de sua vociferante
guitarra e vocais ingleses para mascarar qualquer deficiência nas letras.
Hoje em dia, o uso que o álbum fez de tecnologia de ponta e celebrados
músicos de estúdio o rotula como um típico disco solo dos anos 1980 de um
superastro do rock. As críticas foram educadas, mas mornas, e o álbum mal
chegou ao Top 20 da Inglaterra e Top 30 americano.
“Pensei demais no álbum”, Gilmour diz agora. “Tentei me desvencilhar
demais do Pink Floy d. Ele era muito roqueiro e acho que, de certa forma, estava
sendo menos verdadeiro comigo do que fui em meu primeiro trabalho solo.” O
verdadeiro problema foi que “a grande sujeira”, como Roger Waters descreveria
depois o público em geral, não sabia de fato quem era quem no Pink Floy d.
Gilmour se dispôs a falar sobre o assunto na época: “O fato é que nossos nomes
individualmente não significam coisa alguma para o público em termos de
grandes discos e vendas de ingressos”.
Após uma desconfortável aparição no novo programa de televisão
britânico da moda, The tube, Gilmour lançou-se em uma turnê na Europa e na
América do Norte para teatros com 24 mil lugares, em vez de arenas. Sua galera
incluía o baixista Mickey Feat e o ex-guitarrista do Bad Company, Mick Ralphs.
Com sua própria banda multiplatinada, Ralphs, que vivia próximo a Hookend
Manor, pediu para se juntar à turnê. Embora fosse um grande guitarrista, Ralphs
ficou feliz em fazer as bases para Gilmour em um set que incluía About Face
inteiro, alguns fragmentos de seu primeiro disco solo e apenas duas canções do
Pink Floy d.
No palco, sem a distração de porcos voando, um muro de tijolos ou um
mal-humorado Roger Waters, Gilmour parecia saborear o gosto de simplesmente
tocar e cantar. Como Gerald Scarfe explica: “Quando estávamos fazendo The
Wall, apesar de Dave jamais dizer o que queria de forma direta, acho que ele
teria se sentido mais feliz em fazer um concerto sem nenhum efeito visual. Para
ele, tudo tinha a ver com a música”.
Na turnê a banda de abertura era a The Television Personalities, um grupo
punk cujo som se apropriava agora da era psicodélica. O cover que faziam de
“Arnold Lay ne” impressionou Gilmour, mas ele não gostou de outra canção, “I
Know Where Sy d Barrett Lives”, durante a qual a banda revelava o endereço de
Barrett para o público. Quando chegaram a Birmingham, The Television
Personalities tinha sido excluída da temporada.
Nick Mason e Richard Wright foram a uma das três noites no
Hammersmith Odeon de Londres, na qual Mason tocou bateria em um bis de
“Comfortably Numb”. Poucas vendas de ingressos em algumas datas resultaram
em cancelamentos, mas a turnê, no fim, gerou lucro. Assim que Gilmour voou
de volta para casa após o último show em Nova York, em 16 de julho, Roger
Waters começou o braço americano de sua própria turnê solo um dia depois, em
Connecticut. Waters, parecia, estava quase na sombra de Gilmour, com seu novo
disco solo, The Pros and Cons of Hitch-hiking, lançado apenas seis semanas após
About Face.
O novo trabalho de Waters era o ciclo de canções que tinha sido recusado
pelo Pink Floy d em favor de The Wall, cinco anos atrás. The Pros and Cons…
contava a história de uma noite de sonhos e despertares de um homem, contados
em tempo real, com cada título de música precedido por um tempo, começando
às 4h30 e terminando às 5h11. A capa com uma mulher nua pedindo carona de
costas, na verdade a modelo pornográfica Linzi Drew (uma tarja preta cobria as
nádegas em alguns países mais sensíveis), era o ponto de partida da história.
No curso de seus quarenta minutos em padrão do sono, o herói de Waters
põe na balança os prós e contras da vida familiar monogâmica contraposta a
encontros sexuais sem significado. Assim como alguns cenários randômicos, o
herói apanha uma caronista com quem tem um encontro sexual, antes de ser
interrompido em meio ao coito por árabes empunhando cimitarras; talvez uma
metáfora para sua consciência. O estilo único do vocal de Waters – cheio de
berros insanos e lamúrias do tipo Dy lan – era perfeito para grande parte do
material. As letras também eram bem-humoradas e sombrias e, às vezes,
maravilhosas de uma forma politicamente incorreta. Tratava-se de Waters
remexendo em outro lado de sua psique, explorando as neuroses sexuais pós-
guerra da classe média inglesa. Aderindo ao costumeiro final feliz de Roger, o
herói finalmente acorda em sua própria cama, radiante ao descobrir sua mulher
deitada ao lado. “É uma peça complicada”, disse Waters em um depoimento.
“Apesar de ser bem claro para mim o que estava acontecendo, a narrativa não é
linear.”
Waters também dividiu recursos musicais com Gilmour. O engenheiro
Andy Jackson e os músicos Michael Kamen e Ray Cooper trabalharam em
ambos os discos, The Pros and Cons... e About Face. Contudo, o trunfo de Waters
foi a escolha de seu guitarrista. Por meio da amizade de sua namorada Caroly ne
Christie com Patti Boy d, Waters se juntou ao marido de Patti, Eric Clapton.
Musicalmente, a presença de Clapton fazia sentido. Além de partilhar de
um prazer por pescarias, Waters também compartilhava a paixão do guitarrista
por blues (pediu que ele tocasse como um de seus heróis, Floy d Cramer) e,
apesar de toda a complexidade das letras, a música raramente se desviava do
gênero. Além disso, ter Eric Clapton tocando no disco era uma óbvia afronta ao
guitar hero David Gilmour.
O problema com The Pros and Cons… é que ele sufoca algumas ideias
interessantes com letras demais, e simplesmente não existem melodias
suficientes. Essas melodias, escassas como são, também acabam utilizadas em
demasia. A faixa-título e primeiro single é um dos poucos momentos de
equilíbrio, com a assinatura de Clapton unindo uma letra destrambelhada na qual,
a certa altura, o herói sonha que Yoko Ono está dizendo a ele para pular para a
morte da asa de um aeroplano. O segundo single, “5.06 a.m. (Every Stranger’s
Ey es)”, é uma poderosa balada que não foi tão bem nas paradas, porém, era
mais interessante por conta dos vocais de Waters, que sugeriam um interno em
um asilo falando consigo mesmo no escuro.
Um número 13 nas paradas britânicas mostrou que Waters era o menos
anônimo membro do Pink Floy d. Os críticos, contudo, foram menos
entusiasmados, especialmente a Rolling Stone e seu crítico Kurt Loder, que tinha
aclamado The Final Cut, mas denunciou o último trabalho de Waters como “um
disco estranhamente estático e hediondo”. Até mesmo o aliado de Waters na
Melody Maker, Karl Dallas, não gostou, porém, acabou dando uma boa nota:
“Seu segundo álbum, prevejo, será de arrepiar os cabelos”.
“The Pros and Cons… não foi um álbum explosivo de rock-n’-roll”, disse
Waters em sua defesa mais tarde. “Era um trabalho muito introspectivo sobre
como eu me sentia sobre meu casamento fracassado (com Judy ), meus
sentimentos com relação a sexo e todo tipo de áreas difíceis.”
Para o assombro de sua gravadora, empresários e fãs, Eric Clapton
anunciou que ele também iria se juntar a Waters na turnê. Um ano antes, Clapton
havia feito um retorno com seu disco Money and Cigarettes, explicando a todos
que aquele era seu primeiro álbum desde que havia parado de beber. Contudo,
essa disposição de tocar com a banda de Waters talvez tivesse mais a ver com
seu próprio desejo de anonimato; o mesmo ímpeto por trás de ele ter formado o
conjunto Derek and The Dominos no começo da década de 1970, na tentativa de
convencer fãs e críticos de que ele era “apenas mais um membro da banda”.
O restante do grupo de Waters incluía, entre outros, o baterista de estúdio do
The Final Cut, Andy Newmark, os tecladistas Michael Kamen e Chris Stainton, e
o guitarrista adicional Tim Renwick, da antiga escola de Waters, a Cambridge
County.
O show de Waters era dividido em dois sets: o primeiro, constituído de
canções do Pink Floy d, incluindo escolhas menos óbvias como “If”’ (de Atom
Heart Mother) e “The Gunner’s Dream” (de The Final Cut), junto com as
famosas “Money ”, “Wish You Were Here” e “Hey You”. O segundo era a
totalidade de The Pros and Cons... com um bis de “Brain Damage” e “Eclipse”,
de Dark Side of the Moon.
Tim Renwick se juntou a Waters alguns meses antes de os ensaios
começarem oficialmente. “Eu ia à casa de Roger uma vez por semana, passava
todas as coisas do Pink Floy d, já que ele não se incomodava em trabalhar nos
acordes. Ele era absolutamente encantador... até cairmos na estrada.”
A grande novidade da nova banda de Waters no palco ocorreu em
Estocolmo, no dia 16 de junho. Gerald Scarfe e o diretor de cinema Nicolas Roeg
haviam criado novas animações e filmes para serem projetados nas telas de 10
metros de altura que cobriam a largura do palco. Na frente dessas telas havia três
escumilhas penduradas com paisagens: uma janela de motel, uma parede do
quarto de motel e uma grande televisão, para recriar o quarto do herói.
A última criação de Scarfe tinha sido um desenho cômico de um cachorro
preguiçoso chamado Reg, que desempenhava as neuroses do herói na tela.
Nicolas Roeg, cujos créditos na direção incluíam os filmes O homem que caiu na
Terra e Performance, entregou filmagens descompromissadas de, entre outras
coisas, estradas americanas e caminhões. O designer de set do The Wall, Mark
Fisher, estava na folha de pagamento para coordenar o projeto, estimando depois
que só a filmagem custou em torno de 400 mil dólares.
Contudo, como David Gilmour já tinha descoberto, um nome individual
não carregava o mesmo peso que o Pink Floy d. Vendas fracas levaram ao
cancelamento de shows em Frankfurt e Nice. Na primeira de duas noites no Earls
Court, em Londres, a performance foi abaixo do esperado, e um mal-humorado
Waters se recusou a tocar o bis. As canções do Floy d rearranjadas tinham um
andamento estranhamente vivaz, e muitos fãs acharam esquisito escutar Clapton
tocar os solos de guitarra de Gilmour. Nick Mason, assistindo da plateia no Earls
Court, achou desconcertante ver alguém tocar bateria nas antigas canções da
banda.
No comando de tudo agora, Waters continuava sentindo a tensão. “Um dos
problemas de Roger é que ele realmente tem grande dificuldade para delegar”,
explica Tim Renwick. “Ele assumiu tudo: a música, a produção, o show. Andava
constantemente preocupado e havia uma grande dificuldade de comunicação.
Ele também levava tudo muito, muito a sério, e não gostava de ver ninguém
rindo. Essa logo seria sua marca registrada.”
Somadas às aflições de Waters estava o problema de dividir o palco com
um guitarrista superstar. Na noite de abertura na turnê americana, em Hatford,
Connecticut, Waters percebeu que, a cada solo de Clapton, o público ficava aos
seus pés, bradando e acendendo os isqueiros. “Então, assim que Eric terminava,
os isqueiros se apagavam e todo mundo se sentava”, diz Renwick. “E isso
perturbava muito Roger. Ele achou que as pessoas estavam fazendo barulho
demais, sem prestar atenção às letras. Em Hartford, chegamos ao final da
primeira metade e Roger simplesmente jogou seu baixo no chão do palco –
como ainda estava plugado, houve aquela horrível cacofonia – e ergueu os
braços, gritando ‘o grande Eric Clapton’ e então saiu do palco!” Nos bastidores,
envergonhado, Waters se desculpou com Clapton e com o resto da banda. No
palco para a segunda parte do show, ele até se desculpou com o público: “Não fui
profissional!”.
“Eu sei que, daquele ponto em diante, Eric poderia ter ido para casa se
quisesse”, disse Renwick. “Quando fizeram o disco, Roger tinha perguntado a
Eric se ele podia fazer algumas coisas ao vivo, e ele achou que seriam alguns
shows, mas isso acabou se transformando em vários meses. Sendo um homem
de palavra, ele não podia recuar...”
Após a última noite da turnê em Quebec, Clapton se curvou
amigavelmente e partiu, levando o tecladista Chris Stainton e Tim Renwick para
sua própria banda. Waters foi forçado a considerar o problema de que, mesmo
com Clapton na banda, muitos dos shows tinham sido fracos em termos de
público, enquanto o álbum The Pros and Cons... tivera um desempenho tímido no
Top 30 da Billboard, nos Estados Unidos. Tudo contribuiu para tornar confusa sua
decisão de voltar à estrada nos Estados Unidos na primavera seguinte. A turnê
com dezesseis apresentações ocorreu em casas menores do que antes e foi
chamada de “Pros and Cons Plus Some Old Pink Floy d Stuff – North American
Tour 1985”.
Os guitarristas Andy Fairweather-Low e Jay Stapley entraram no lugar de
Clapton e Renwick. Fairweather-Low tinha sido um ídolo adolescente em meados
dos anos 1960 como cantor da Amen Corner, uma banda que tocou com o Pink
Floy d na turnê de 1967, com Jimi Hendrix. Stapley, como jovem músico de
estúdio, tinha trabalhado com o cantor e compositor de jingles, primo de
Caroly ne Christie, David Dundas.
“Eu era um garoto na época, então a turnê foi um verdadeiro desafio”, diz
Stapley hoje. “Todos achamos estranho Roger estar em turnê de novo, mas uma
história que escutamos foi a de que ele queria provar que seria capaz de fazê-la
sem o nome de Clapton na banda para ajudar a vender ingressos. O problema
era que eu tinha crescido escutando David Gilmour e Eric Clapton, mas Roger
me chamou de lado e disse que eu não deveria tentar tocar como eles.
Infelizmente, para mim, tocar canções como ‘Money ’ dava uma sensação
esquisita de estar cuspindo em uma igreja.”
Pelas contas de Waters, a turnê com Clapton deu prejuízo de 400 mil libras.
Mas ele declarou com orgulho: “Era algo que eu queria fazer, não que precisava
fazer”.

Um grau similar de segurança financeira permitiria que os membros da


banda Pink Floy d do passado e do presente assumissem riscos em suas carreiras
solo. Em 1983, o colega de banda de Waters, Richard Wright, afirmou estar
cansado de viajar pelas ilhas Gregas e queria voltar ao negócio musical.
Wright foi bem mais ousado em suas escolhas de colaboradores. Dave ‘De’
Harris era cantor e compositor de Midlands e frontman do grupo Fashion. Um
produto da cena “New Romantic”, inspirada no som de David Bowie e sua
atitude elegante, o colocava ao lado dos padrões do movimento – Duran Duran e
Spandau Ballet. Harris havia feito dois álbuns com o Fashion, mas agora estava
inquieto. Ao ir a um seminário musical em 1982, ele encontrou o saxofonista de
The Final Cut, Raphael Ravenscroft, que lhe disse que o ex-tecladista do Floy d
estava querendo formar uma banda. Um baterista e um baixista foram
convidados para uma jam na casa de Wright, em Roy ston, mas no final apenas
Harris apareceu.
“Eu disse a Rick: ‘Por que não fazemos isso juntos?’”, conta Harris. Os
músicos preferidos de Wright na época incluíam o Talking Heads e Brian Eno.
“Ele queria um som bastante eletrônico, motivo pelo qual acho que quis trabalhar
comigo. Ele assinou um contrato com a Harvest e concordamos em dividi-lo.”
“Foi um pouco estranho a princípio quando Dave disse lembrar-se de ter
ido assistir ao Floy d tocar quando tinha 14 anos”, disse Wright. “Mas do momento
em que começamos a trabalhar juntos em diante, percebemos o quanto nos
dávamos bem.”
Duetos masculinos sarcásticos eram a coqueluche do pop eletrônico, indo
da Orchestral Manoeuvres in the Dark ao Soft Cell. Wright e Harris formaram
uma dupla que chamaram de Zee. Enquanto gravavam no próprio estúdio de
Wright, The Old Rectory, Harris e sua mulher Sue foram convidados a se mudar
para a casa de campo do tecladista (“Rick estava dando cambalhotas por aquele
lugar”) durante os oito meses de criação do álbum.
Para Harris, que se tornara profissional apenas dois anos antes, aquela seria
uma experiência reveladora. Como fã do Pink Floy d desde a adolescência, ele
esperava que Wright fosse persuadido a tocar seu Hammond. “Mas era um
pesadelo convencê-lo a fazer isso.” Ao contrário, a dupla tornou-se
completamente preocupada com os samplers digitais do sintetizador Fairlight.
“Era o brinquedo do momento e ficamos presos àquela coisa, então tudo o que
fizemos acabou soando como a porra de um robô. Lembre-se, eram os anos
1980.”
Durante grande parte do tempo, Harris foi deixado por conta própria,
enquanto Wright lidava com seu divórcio e o estranhamento com o Pink Floy d.
“Juliette, sua ex-mulher, ainda estava por perto”, Harris se recorda. “Ela era
fabulosa, mas ocorriam muitos altos e baixos. Também havia um problema de
comunicação, porque, de forma compreensível, Rick tinha outras coisas com que
lidar. Ele estava indo para a Grécia um dia ou supervisionando a construção de
seu barco no outro... Também me dei conta de que eu não tinha a menor ideia do
que ele pensava sobre o que eu estava fazendo, já que nunca me disse. Algumas
vezes, falava para Juliette: ‘Acho que Rick não gostou disso’. Ela ia lhe contar e,
então, ele me dizia: ‘Não, não, eu adorei’. O que realmente precisávamos era de
um bom produtor.”
Uma viagem para a casa de Wright em Grasse, no sul da França, para
escrever letras resultou em uma quinzena “ficando puto da vida toda noite”. De
volta à Inglaterra, Harris trabalhou todas as noites no estúdio, sob os olhos
vigilantes do caseiro de Wright, Pink: “Ele era uma maravilhosa e ardente rainha
canadense. Um cara adorável, que ficava o tempo todo no telefone com as
esposas dos outros caras do Pink Floy d. Sempre que você entrava na sala, o
escutava dizer ‘oh... meu... Deus...’, como se ele tivesse descoberto alguma
fofoca nova. Eu ouvia aquelas histórias e pensava: Meu Deus, isso é exatamente
como estar em uma banda semiprofissional, mas com milionários, as mesmas
birras, com as mulheres chamando umas às outras disso e daquilo...”.
O álbum da Zee, Confusion, seria lançado na Inglaterra e em toda a Europa
apenas em março de 1984. Foi recebido com indiferença ressonante. Harris toca
uma guitarra muito ao estilo Floy d em uma faixa, “Cuts Like a Diamond”, mas o
uso excessivo do Fairlight deixou o álbum demasiado datado. Mesmo na época,
quando o dueto pop eletrônico soava em harmonia com as tendências, a
combinação do jovem Harris com o arrojado mas quarentão Wright era
improvável de tirar o Duran Duran da capa de Smash Hits.
Enquanto isso, os fãs do Pink Floy d apenas queriam que Wright fizesse
música que soasse como sua antiga banda. Ou, ainda melhor, que o conjunto se
reunisse.
“Zee foi um desastre”, disse Wright depois. “Um erro experimental que foi
feito em um período da minha vida em que eu estava perdido.”
“Sempre me entristece quando Rick diz que foi um erro”, protesta Harris,
“porque ele jamais me disse isso na época.” Entretanto, quando as vendas de
Confusion fracassaram, Harris partiu para um trabalho de produtor. “Não tinha a
mesma situação financeira que Rick. Minha carreira estava em um ponto
bastante difícil. Nós brigamos e isso foi muito triste, pois eu gostava muito dele.”
Em poucos meses, Wright estava dividindo seu tempo entre casas em
Londres, Rodes e Atenas, na companhia de sua namorada, a designer de moda,
ex-modelo e aspirante a cantora, Franka. Os fãs do Pink Floy d que estavam
aguardando que Wright se encontrasse e voltasse ao batente não teriam que
esperar muito
No verão de 1985, com Waters e Gilmour de volta de suas campanhas solo,
o espinhoso assunto do futuro do Pink Floy d tornou-se ainda mais urgente. De
forma estranha, a primeira colaboração entre os membros da banda após The
Final Cut ocorreria na desventura seguinte de Nick Mason em estúdio. Em agosto
de 1985, Mason lançou seu segundo álbum, Profiles, uma colaboração com o ex-
guitarrista do 10cc, Rick Fenn. O cantor e compositor Danny Pey ronel, cujo filho
frequentava a mesma escola que a filha de Fenn em Londres, foi encarregado de
coescrever parte do material e fazer os vocais principais da faixa “Israel”. No
Britannia Row, Pey ronel disse ao engenheiro Nick Griffiths que, apesar de ser um
fã ardente do Pink Floy d, ele às vezes tinha dificuldade em distinguir as vozes de
David Gilmour e Roger Waters. “Ele me disse que era fácil diferenciá-las”,
conta Pey ronel. “Se está no tom, é Gilmour...”
A maior parte de Profiles era uma tola empreitada de música comercial
para filmes e televisão em que Mason e Fenn tinham se envolvido, com a
formação de sua própria empresa, a Bamboo Music. Um ano depois, a música
da dupla, juntamente com algum material vintage do Pink Floy d, seria utilizada
no curta-metragem autobiográfico Life could be a dream. O filme explorava a
paixão de Mason por automobilismo, culminando em filmagens dele próprio
competindo na corrida Endurance de 1984, em Mospor, Canadá.
Entretanto, uma canção do álbum realmente se destacou. Chamada “Lie
for a Lie”, era um gentil trabalho pop com letras de última hora feitas por Danny
Pey ronel, lançada como single. Com Mason na bateria e Gilmour nos vocais, era
a primeira gravação da parceria que agora marcava o Pink Floy d Versão III.
Depois de About Face, Gilmour percebeu rapidamente que, aos 39 anos,
não queria recomeçar uma carreira como artista solo. Enquanto isso, dedicou-se
a produzir sua nova descoberta, o Dream Academy, um trio pop que trazia Nick
Laird-Clowes, um cantor, compositor e guitarrista que lhe fora apresentado
alguns anos antes por Jeff Dexter. O Dream Academy chegaria ao Top 10
britânico naquele ano, com “Life in a Northern Town”. Ávido para colocar as
mãos em funcionamento, Gilmour tocava guitarra para qualquer um que pedisse,
incluindo Pete Townshend, Paul McCartney e Grace Jones. De forma inevitável,
o Floy d estava entre os gigantes do rock convidados para se apresentar no Live
Aid. “Eles me pediram para juntar o Pink Floy d, e eu disse que não, mas
colocaria a minha nova banda para tocar”, disse Waters. “Mas eles não me
quiseram.” Gilmour apareceu no Wembley Stadium de qualquer modo, como
guitarrista de Bry an Ferry.
Waters, enquanto isso, permaneceu fiel à crença de que a banda tinha
acabado, que era desperdício de energia. Ele procurou Steve O’Rourke para
negociar o futuro da repartição de seus royalties. O’Rourke, atendo-se ao que ele
acreditava serem os termos de seu acordo verbal com a banda, informou
Gilmour e Mason da abordagem, o que enfureceu Waters, que acreditava que as
negociações deveriam ser privadas.
O relacionamento entre O’Rourke e Waters tinha sido com frequência
tenso, com a incessante busca do empresário por um bom acordo entrando em
choque com a recém-chamada integridade artística da banda, isso sem
mencionar a recusa de tocar em estádios.
“Steve é uma pessoa ativa e eficiente, um homem em um mundo de
homens”, afirmou Waters em 1987. “E, para dar-lhe o devido crédito, ele jamais
desistiu de seu trabalho, que era me convencer a encher estádios.”
Por ser apenas um dos três acionistas da empresa Pink Floy d Music, Waters
precisava do aval de Gilmour e Mason para despedir O’Rourke. Eles se
recusaram, já que, em sua visão, o Pink Floy d ainda era obra em andamento e
eles queriam manter Steve como empresário. Também acreditavam que
despedi-lo fortaleceria a posição de Waters em dissolver o grupo (depois eles
liberariam Waters de qualquer obrigação com O’Rourke em troca de permitir
que continuassem usando o nome Pink Floy d).
Em outubro de 1985, Waters deu o primeiro golpe. Deu entrada em uma
ação na Corte Superior para impedir que o nome Pink Floy d voltasse a ser usado.
Gilmour manteve a postura de que não cabia a Waters decidir se o Pink Floy d
deveria trabalhar de novo ou não, e insistiu em que ele queria prosseguir com a
banda.
Waters não acreditou que isso seria possível. “Roger disse: ‘Vocês jamais
conseguirão fazer um disco juntos’”, contou Gilmour. “E eu falei: ‘Faremos um
disco, sim’. Ele respondeu: ‘Bem, não vou sair. Vou apenas me sentar nos fundos
do estúdio e criticar tudo o que estiverem fazendo’.”
Dois meses depois, Waters enviou uma carta a EMI e a Columbia,
informando que estava deixando o Pink Floy d e pedindo que o liberassem de suas
obrigações contratuais como membro da banda. Gilmour achou que Waters
havia tomado sua decisão acreditando que isso iria acelerar o desaparecimento
do nome Pink Floy d, e também porque agora ele poderia invocar a “cláusula de
membro ausente” em seu contrato, que o permitiria levar uma carreira solo sob
uma sessão do mesmo contrato. “Tendo feito isso, ele declarou que o Pink Floy d
havia acabado”, Gilmour contou a Karl Dallas. “Eu declarei que não havia.”
Entrevistado em 2004, Waters afirmou que enviara sua carta de resignação
por causa de uma cláusula no contrato do Pink Floy d com a Columbia
relacionada a “compromisso do produto”. Isso significava que, se a banda não
seguisse lançando novos álbuns nos termos do contrato, a gravadora poderia
potencialmente processá-los e também retirar os royalties. Embora Waters
descrevesse a cláusula como “ambivalente”, ele afirmou que os outros membros
da banda ameaçaram processá-lo por perdas potenciais de proventos e despesas
legais, com base na alegação de que ele estava impedindo que o Pink Floy d
gravasse mais discos. “Forçaram-me a sair da banda”, Waters disse à revista
Uncut, “porque, caso eu não o fizesse, as repercussões financeiras teriam me
depenado por completo.”
Não se falou mais no caso de decidir se qualquer um poderia utilizar o
nome Pink Floy d pelos doze meses seguintes. Gilmour e Mason deliberaram a
ação seguinte. Waters terminou seu contrato com Steve O’Rourke e contratou o
ex-tour manager do The Who e dos Rolling Stones, Peter Rudge, para cuidar de
seus assuntos.
Seu primeiro movimento musical foi se lançar em outro projeto solo, uma
trilha sonora para When the Wind Blows, um filme animado com base na graphic
novel de 1982, de Ray mond Briggs. Tratava-se de um conto de humor negro
sobre um casal maduro (interpretado pelos atores Dame Peggy Ashcroft e sir
John Mills) e suas experiências após um ataque nuclear soviético. David Bowie
havia se comprometido a produzir originalmente a trilha sonora, mas, quando
pulou fora do projeto, Waters entrou, dividindo o álbum com contribuições de
Bowie, Genesis, Squeeze, Paul Hardcastle e The Stranglers de Hugh Cornwell.
O trabalho começou no Britannia Row e na sala de bilhar de Waters, com
membros da sua banda de apoio, agora chamada The Bleeding Heart Band
(tirada de uma letra de The Wall). O guitarrista Jay Stapley e o saxofonista Mel
Collins permaneceram da última turnê nos Estados Unidos, encorpados por Paul
Carrack, ex-vocalista do Ace e do Squeeze, e Clare Torry, de “Great Gig in the
Sky ”.
Clare, que não trabalhava com ninguém do Pink Floy d desde Dark Side of
the Moon, morava perto de Waters, em East Sheen. Ambos levavam seus
cachorros para passear no mesmo parque. As sessões de gravações, ela se
lembra, ocorreram no estúdio de Waters, “após um sanduíche e uma garrafa de
cerveja em um pub próximo, The Plough”.
Para o álbum, as contribuições mais fortes estão nas letras de Waters. A
música em si, como parte da trilha sonora, às vezes se perde sob os trechos de
diálogos, embora “Folded Flags” soe como um cruzamento entre as canções do
Floy d “Brain Damage” e “Grantchester Meadows”. Em “Towers of Faith”,
Waters conseguiu seguir a famosa citação de Woody Guthrie, this land is our
land, trocando-a por this band is my band, uma pequena provocação para seus
ex-colegas de grupo, antes de voltar com sua acusação às políticas externas do
presidente americano Ronald Reagan e à ganância corporativa entre os “homens
de ternos caros” do World Trade Center.
“Sempre achei que ‘Towers of Faith’ foi uma das melhores coisas que
Roger já fez”, diz Clare Torry. “Lembrei-me da letra e telefonei para ele após o
11 de Setembro, porque pensei: Meu Deus, parece com o que você escreveu
naquela canção.”
Lançado em outubro de 1986, o álbum mal chegou às paradas, com o
filme sendo distribuído de forma restrita nos cinemas. Foi um momento pouco
auspicioso para a carreira solo de Waters. Mas logo após o lançamento do disco,
ele já estava de volta ao Billiard Room gravando uma sequência. Então o inferno
veio à tona com sua disputa com o Pink Floy d. Em fevereiro daquele ano, Bob
Ezrin recebera um surpreendente telefonema enquanto trabalhavam em Los
Angeles em um disco de Rod Stewart. “Era Roger! Fiquei pasmo. Não nos
falávamos desde The Wall. Ele disse: ‘Sei que fui terrível com você e peço
desculpas, mas agora sou um cara diferente do que era na época... e realmente
gostaria de conversar com você sobre trabalharmos juntos de novo’.”
Ezrin sentiu-se lisonjeado. “A verdade é que eu sentia falta de Roger
Waters”, admite. “Eu ainda sinto falta dele. Ele é um cara maravilhosamente
desafiador, com quem gostei de trabalhar.”
Os aspectos desafiadores da natureza do baixista ficaram aparentes desde o
início da conversa. “Roger disse: ‘Você pode vir à Inglaterra para conversar
sobre um disco?’. Eu respondi: ‘Não, não posso. Você pode vir até aqui?’. Ele
falou: ‘Não vou até aí, cacete’. Então concordamos de nos encontrar no meio do
caminho, em Nova York.”
Waters e Ezrin se encontraram na suíte do hotel de Waters. “Foi divertido,
ficamos, rindo e contando histórias. Ele se desculpou pelo que havia acontecido,
dizendo que havia passado por tempos difíceis... Depois tocou seu material novo e
eu soube exatamente em que direção queria levá-lo. Então começamos a discutir
um acordo. Ele insistiu em que déssemos início ao trabalho na Inglaterra, no
verão, e ficássemos lá por três meses até a finalização.” Ezrin argumentou que
Waters jamais tinha feito alguma coisa em três meses e que aquele não era um
cronograma realista. “Eu lhe disse: ‘O que vou fazer com minha mulher e meus
filhos?’. Eu tinha quatro filhos em casa na época (e tinha acabado de me casar de
novo). Ele falou que nos emprestaria uma de suas casas e colocaria meus filhos
em uma escola americana...”
De volta a Los Angeles, Ezrin tentou convencer a família a concordar com
a mudança. “Fiquei tão seduzido pela ideia de voltar a trabalhar com Roger
Waters que vendi firmemente a proposta à minha mulher. No começo, ela
recusou por completo. Depois, ela lentamente repensou e disse ok.” Ezrin falou
para Waters que o trato estava de pé. “Mas, passados cerca de dez dias, minha
mulher desatou a chorar e disse: ‘Sinto muito, mas não posso fazer isso’. Então
telefonei para o empresário de Roger, Peter Rudge, e ele falou: ‘Não faça isso
comigo!’... Ele contou para Roger, que ficou irado por eu tê-lo feito perder
tempo... E foi isso.”
Duas semanas depois, Ezrin recebeu outra ligação surpreendente. Dessa
vez, de David Gilmour. “Em minhas conversas com Roger, ele havia me dito que
o Pink Floy d não existia mais e que os muffins, como se referia aos membros da
banda, jamais ousariam continuar sem ele. Agora, lá estava Dave dizendo:
‘Estamos pensando em fazer mais um álbum do Floy d. Tenho algumas músicas e
adoraria mostrá-las a você’.”
O material em si tinha sido lentamente desenvolvido ao longo de um
período de alguns meses. Quase um ano antes do Live Aid, Gilmour fora
apresentado a Jon Carin, o tecladista da banda de apoio de Bry an Ferry. Carin era
um nova iorquino de 20 anos que começara sua carreira com a banda pop
eletrônica Industry (com um grande hit: “State of the Nation”, de 1983). Quando
a Industry se separou, Carin seguiu fazendo sessões de estúdio e cruzou seu
caminho com o de Gilmour novamente no álbum de Bry an Ferry, Boys and
Girls.
Gilmour convidou Carin para ir a Hookend, onde a dupla fez uma jam no
estúdio do guitarrista. Carin trabalhou no começo de uma composição que depois
viria a ser a canção “Learning to Fly ” do Floy d. Ele voltou aos Estados Unidos,
ciente de que a música poderia ser usada por Gilmour para algo, “embora não
houvesse conversas sobre o Pink Floy d voltar àquela altura”, conforme ele disse
à revista Mojo, em 2004.
Na verdade, Gilmour tinha sido incendiado pela disputa com Waters e
estava determinado a fazer outro disco do Floy d. “Dave ficou absolutamente
furioso e finalmente se recompôs para voltar a trabalhar”, disse Nick Mason.
“Um dos grandes estímulos foi ter ouvido Roger lhe dizer ao saber dos novos
planos para o álbum: ‘Você jamais vai conseguir’.”
Na falta de Waters, Gilmour também começou a procurar colaboradores –
algo que o baixista daria muita importância na posterior guerra de palavras que
eles teriam. O guitarrista da Roxy Music, Phil Manzanera (também
empresariado por Steve O’Rourke), ficou um tempo com Gilmour coescrevendo
o que viria a ser a canção “One Slip”. No verão, o ex-guitarrista do 10cc, Eric
Stewart, se juntou a Gilmour a seu pedido em Hookend. Ele informou depois:
“Fui convidado para trabalhar em um conceito que definitivamente estava
destinado ao próximo disco do Pink Floy d. Nós sentamos e compusemos por um
tempo, mas não conseguíamos fazer os elementos funcionarem. Então o conceito
inteiro foi riscado. Não quero divulgá-lo porque, especialmente conhecendo
Dave, ele pode muito bem ser usado no futuro”.
“Não acho que já tenha trabalhado em letras com Eric”, insistiu Gilmour
em 2006. “Ele é meu amigo, mas de certo modo somos muito parecidos; somos
ambos o lado doce da coisa, gostamos de melodia. Ficamos apenas um dia ou
dois fazendo algumas porcarias...”
Naquele mesmo verão, outro colaborador acenaria para Gilmour. “Foi
antes mesmo de sequer iniciarmos o projeto”, recordou-se o guitarrista. “Eu
estava na Grécia e acho que recebi uma visita da mulher de Rick na época,
Franka (com quem ele se casou em 1984), dizendo: ‘Escutei que você está
começando um novo álbum. Por favor, por favor, por favor, o Rick pode
participar?’ Deixei isso de lado por um tempo porque queria ter certeza de que
sabia o que estava fazendo, antes que qualquer um depositasse esperanças nele.”
Fora os problemas que a banda havia vivido com Wright nas sessões de The
Wall, existiam outros assuntos a serem considerados. “Havia uma ou duas razões
legais que tornava a volta de Rick um pouco capciosa”, disse Gilmour depois.
Uma cláusula no contrato de dispensa dele o desqualificava para se juntar à
banda como membro integral. “E, para ser honesto, Nick e eu não queríamos
parceiros extras – tínhamos colocado todo nosso dinheiro e assumido grandes
riscos, então queríamos receber uma fatia maior do bolo.”
“Recordo-me de ter uma reunião com eles e Steve (O’Rourke) em um
restaurante, em Hampstead”, disse Wright. “Acho que eles queriam ver como eu
estava. Eu passei no teste.”
Embora Gilmour admitisse que Richard fora trazido de volta para “nos
tornar mais fortes legal e musicalmente” (com o aspecto legal à frente do
musical), a contribuição de Wright para o álbum foi mínima. Ele não seria
convidado para as sessões até fevereiro do ano seguinte, quando gravou algumas
harmonias vocais, um pouco do órgão Hammond e um solo, que foi rejeitado na
mixagem final.
De acordo com um artigo de 1988 para a revista Penthouse, Waters
também teve uma reunião com Gilmour em agosto daquele ano, em uma última
tentativa de resolver suas diferenças. Waters contou ao entrevistador que Gilmour
lhe disse que Wright era “útil”, sugerindo que sua volta ao Pink Floy d interessava
na medida em que a imagem da banda ficasse melhor perante o público com
três integrantes originais em vez de dois.
O telefonema de Gilmour para Bob Ezrin ocorreu no momento em que ele
decidiu que precisava consolidar quais composições haviam sido feitas.
“Então Dave veio me ver”, ri Ezrin. “Uma abordagem totalmente diferente
da feita por Roger. Dave veio com seu filho mais novo, Matthew. Ficamos três
dias juntos e ele disse: ‘Eu sou um homem de família, você é um homem de
família, vamos resolver isso tudo’.” Foi tomada a decisão de gravar parte do
álbum com Ezrin na Inglaterra, antes de se reunir em Los Angeles, onde o
produtor morava, também permitindo que houvesse férias e dias de folga.
“Completamente o oposto do que Roger propusera.”
Desse ponto em diante, as exatas circunstâncias cercando a criação do
álbum se tornam borradas e contraditórias, dependendo de quem está contando a
história e quando. Entrevistado especificamente para este livro, em março de
2007, Bob Ezrin insistiu em que Gilmour o abordou duas semanas após ele ter
recusado a proposta de Waters. Entrevistado pela revista Penthouse, em 1988, ele
disse que foi procurado um mês depois, enquanto Waters, no mesmo artigo, diz
que descobriu que Ezrin faria o novo trabalho do Pink Floy d uma semana após
lhe terem dito que ele não estaria disponível para o disco do baixista. Como Ezrin
diria depois, “foi uma coincidência, mas Roger achou que era uma conspiração”.
Apesar de tudo, quando Ezrin chegou à Inglaterra mais tarde naquele
verão, ele se juntou a Gilmour por um mês para o que o guitarrista descreveu
como “juntar um monte de demos”. Ezrin foi contratado como coprodutor
(juntamente com Gilmour) e, de acordo com Waters, recebeu uma generosa
porcentagem das vendas do álbum seguinte do Floy d. Pelo menos, o ambiente
para produzir o disco foi mais tranquilo do que a antiga atmosfera entre Waters e
seus ex-companheiros de banda. As sessões de gravação ocorreram no novo
estúdio flutuante de Gilmour, o Astoria, um barco com 27 metros de
comprimento ancorado no rio Tâmisa, próximo a Hampton Court, e outrora
propriedade do empresário musical e comediante Fred Karno. Gilmour tinha
convertido a sala de jantar do barco em estúdio e a sala de estar, na técnica.
“Trabalhar lá era mágico, trazia muita inspiração; crianças exploravam o
rio, gansos voavam...”, diz Ezrin, que se juntou a Gilmour, Mason e o novo
recruta Jon Carin. Apesar de ter 20 anos, Carin era, como Ezrin se lembra, “uma
alma antiga que, de certa maneira, era mais próxima aos gostos vintage do Pink
Floy d do que nós mesmos”.
No Astoria, trabalhando com tecnologia de ponta, a banda começou a usar
samples, experimentando um número infinito de possibilidades em cada faixa.
Assim como “Learning to Fly ”, Gilmour também tinha o esqueleto do que seria
“The Dogs of War”, “Terminal Frost” e “Signs of Life” (para a qual Ezrin
gravaria o som do marujo de Gilmour, Langley Iddens, remando ao longo do
Tâmisa). Na ausência de Waters, Ezrin tocou baixo, curtindo a “diversão sem fim
e o senso de aventura – lá estávamos no rio, como se estivéssemos em um
acampamento para garotos”. Contudo, a atmosfera continuava sendo
interrompida pela disputa legal com Roger Waters. Em junho, Steve O’Rourke,
acreditando que seu contrato empresarial com Waters havia sido encerrado
ilegalmente, abriu um processo contra ele no valor de 25 mil libras para receber
comissões antigas; uma disputa que se tornou mais complexa pelo fato de que
O’Rourke tinha apenas um acerto verbal com a banda. Em outubro, Waters
começou os procedimentos na Corte Superior para buscar a dissolução da
parceria com a banda; novamente uma ação que se tornou mais complexa por
causa da natureza verbal do acordo.
Conforme Gilmour explicou: “O telefone tocava a cada cinco minutos com
esse ou aquele advogado querendo saber isso e aquilo”. Havia também um
problema com Nick Mason: sua performance. “Sem tocar há quatro anos, eu não
estava gostando do som ou da sensação do que fazia”, Mason escreveu depois.
“Nick não parecia pronto para tocar. Sua habilidade e confiança pareciam ter
desaparecido”, concordou Gilmour.
“Roger trabalhava para detonar a confiança de todos”, afirmou Ezrin. “No
caso de Rick, isso o destruiu. Com Nick foi uma questão de ele ser marginalizado
em The Final Cut. Ele não estava praticando e simplesmente não estava soando
como no passado.”
O uso de baterias sampleadas e tecnologia computadorizada tirou a
necessidade de um baterista, ao menos por algum tempo. A urgência de um
letrista era mais imediata. A abordagem seguinte de Gilmour foi com o poeta e
compositor Roger McGough, de Liverpool, que tinha provado um pequeno gosto
de estrelato pop na década de 1960 com a banda Scaffold.
Embora Gilmour negasse que estivesse “procurando um conceito” para o
álbum, ele admitiu se encontrar com McGough: “Não me recordo exatamente
do que aconteceu com ele”, o guitarrista contou ao escritor Phil Sutcliffe, “mas
ele não é o tipo de pessoa com a qual eu evitaria trabalhar”.
Em novembro, o álbum passava por dificuldades. De acordo com Roger
Waters, no mesmo mês, Gilmour, Ezrin e o executivo da Columbia, Stephen
Ralbovsky, tiveram um almoço de negócios na Langan’s Brasserie, em Hampton
Court. Ezrin e Ralbovsky disseram a Gilmour que “isso não soa porra nenhuma
igual ao Pink Floy d”. Na mesma entrevista, Waters também afirmou que Ezrin
tinha expressado sentimentos similares para Michael Kamen, que anteriormente
se recusou a participar do disco. “Eles chegaram no meio do caminho da
produção daquele álbum e então o riscaram”, disse Waters em 2000. “Porque a
gravadora disse: ‘Vocês não podem se safar com isso; têm que fazer algo que ao
menos soe como o Floy d’. Sei que eles costumavam sentar-se e dizer: ‘Bem, o
que Roger faria agora?’.”
“No Natal terei uma fita com alguma coisa, e não estou animado com
isso”, Gilmour disse precavido. Ele também admitiu que “havia certa falta de
confiança” dentro da gravadora. “Deixamos que alguns dos altos executivos
viessem até o estúdio e escutassem umas quatro faixas. Eles foram embora
bastante felizes.” Ezrin afirmou depois: “Não havíamos chegado lá ainda.”
Ambos aceitaram que a ausência de Waters tinha aberto um buraco no projeto.
“Nunca houve dúvida quanto à qualidade da música ou dos vocais”, diz Ezrin.
“Mas percebemos que tínhamos perdido nosso principal letrista.”
“Era difícil não ter Roger por perto para dizer ‘vamos fazer isto ou aquilo’.
Era um processo lento até que o material que tínhamos soasse como queríamos”,
disse Gilmour.
Em janeiro de 1987, a compositora canadense Carole Pope voou até a
Inglaterra a convite de Ezrin. Ela tinha feito parte da dupla folk-rock chamada
Rough Trade. “Eu tinha sugestões para álbuns conceituais no estilo do Pink
Floy d”, Pope explicou depois. “Quando saí da Inglaterra em fevereiro, eles ainda
não tinham conseguido se decidir sobre o que fazer.” Ela também se recorda de
uma música que jamais chegou ao álbum pronto, “Peace Be With You”, “uma
composição legal em contratempo que falava sobre Roger Waters”.
“Carole tinha um estilo bem diferente, muito poético, mas não deu em
nada”, lembra-se Ezrin hoje. “Muitas pessoas passaram pela minha cabeça. E é
interessante porque, se você é o Pink Floy d, pode pedir o que quiser. Era ótimo
poder dizer: ‘Cara, eu realmente queria tentar este aqui e aquela ali...’.” Por fim,
Gilmour deu sorte com suas conexões.
Anthony Moore era um cantor e compositor que já tinha tocado nas bandas
de rock experimentais Slapp Happy e Henry Cow. Com a mesma idade de
Gilmour, vinha de um background similar, além de também ter sido
empresariado por Peter Jenner. Gilmour estava, conforme ele disse, feliz pelo
álbum ter “um monte de canções, mas se uma atmosfera ou um tema surgir
para amarrar tudo, será melhor ainda”. Moore escreveu letras para três canções
“On the Turning Away ”, “The Dogs of War” e “Learning to Fly ”.
Coescrita com Ezrin e Jon Carin, “Learning to Fly ” é uma música bastante
literal sobre o último passatempo de Gilmour. Seguindo o exemplo de Nick
Mason, o guitarrista tinha tomado lições de voo (os dois colegas de banda iriam
depois comprar juntos seu próprio avião), o que com frequência era uma fuga do
tumulto judicial e musical de sua vida. Mason forneceu os efeitos sonoros
necessários enquanto, entre eles, a canção adquiria uma guitarra familiar e
teclado padrão que a marcavam como estilo Pink Floy d. Finalmente, algum
progresso havia sido feito para valer. “Era um ponto fundamental”, diz Ezrin.
“Parecia um trabalho completo do Floy d, e aquilo fez com que todos se
sentissem gratificados, porque se tratava do que Roger disse sermos incapazes de
fazer.”
Além de sua visita a Gilmour em agosto, Waters também apareceu no
Astoria uma segunda vez para ver Bob Ezrin. Michael Kamen tinha tentado
intermediar uma trégua entre Waters e Ezrin. Gilmour não estava presente, mas
Ezrin confirma a visita de Waters e Caroly ne Christie – na época sua noiva – e
que experimentou a sensação de que “estávamos sendo avaliados”.
Para complicar o assunto, Waters ainda era acionista e diretor da Pink
Floy d Music. Gilmour e Mason não conseguiram formar uma nova empresa
com tantos problemas legais ainda pendentes. Waters, portanto, começou a
exercer seu direito de bloquear quaisquer decisões tomadas por seus ex-colegas.
“No momento, precisamos ter uma reunião da diretoria para qualquer decisão
que quisermos tomar como grupo”, reclamou Gilmour na época, “mas Roger
vem e vota contra.”
Em fevereiro, após tarefas no May fair em Londres e no Audio
International Studios, as sessões foram para Los Angeles, de acordo com as
declarações de Gilmour e Ezrin. Em parte, pelo menos, foi um alívio. “Foi
fantástico porque os horários dos escritórios não estavam em sincronia”,
lembrou-se Gilmour. “Então os advogados não podiam telefonar no meio das
gravações, a não ser que o fizessem no meio da noite.”
Em Los Angeles, Mason graciosamente entregou as chaves do reino para
os bateristas de estúdio Carmine Appice e Jim Keltner, uma decisão da qual ele
iria se arrepender depois quando se viu obrigado a aprender as músicas de
qualquer maneira. Diversas mãos, além das de Appice e Keltner, foram
contratadas para deixar sua marca no próximo álbum do Pink Floy d. “Músicos
em Los Angeles estavam disponíveis”, Gilmour contou à revista Q. “Eles
aparecem, sabem exatamente o que você quer e trabalham com rapidez.”
O problema da velocidade era particularmente importante. Com Waters
em processo de terminar seu próximo álbum solo e com batalhas legais em
curso, Gilmour queria lançar um novo disco do Pink Floy d o mais rápido possível.
Trabalhar com um baterista que tinha dificuldade para tocar, com um tecladista
que não estava legalmente apto a se juntar novamente à banda como membro
integral e, o pior, trancafiado em uma batalha legal com o principal ex-letrista da
banda, não admira que o processo de produção do disco tenha sido tão trabalhoso.
Em tempo, Gilmour precisava de toda a ajuda que pudesse conseguir.
“Estávamos muito nervosos com a recepção que o álbum teria”, admite
Mason. “E acho que foi por isso que usamos tanto tempo e trabalhamos com
tantas pessoas para nos certificarmos de fazer a coisa certa.”
O segundo estágio da campanha agora envolvia agendar uma turnê. E
rápido. Antes que o álbum fosse sequer completado, a banda contatou
promotores para marcar as datas. Nessa altura, Waters enviou cartas a todos
agentes norte-americanos dizendo que ele os processaria se colocassem ingressos
do Floy d à venda.
Embora Gilmour e Mason recebessem um adiantamento da gravadora ao
entregar o novo disco, isso só cobriria as despesas de gravação. Com Waters
ameaçando embargar a banda e, potencialmente, congelar suas contas
bancárias, a turnê estava ameaçada. Para cobrir os custos das primeiras datas,
Gilmour e Mason tiveram de tirar o dinheiro do próprio bolso. Divorciado de
Lindy, Mason estava “um pouco curto de grana” por causa dos milhões que
desembolsou. Assim, ele colocou seu tesouro, uma Ferrari GTO 1962, para
cobrir sua parte dos custos.
Em favor do Pink Floy d, a maior parte dos promotores se ofendeu com a
ameaça de Waters. Um amigo de Ezrin, o promotor canadense Michael Cohl, foi
o primeiro a entrar no negócio, concordando em colocar ingressos à venda para
o Canadian National Exhibition Stadium, em Toronto, quase seis meses depois,
em outubro. Todos os sessenta mil ingressos esgotaram em poucas horas, levando
a dois shows adicionais, assegurando um valor em torno de 3 milhões de dólares
de renda.
Outros promotores subiram a bordo. A confiança aumentou, mas a banda
ainda precisava ter uma equipe dos melhores advogados pronta para entrar no
tribunal caso Waters conseguisse convencer algum juiz de que o show daquela
versão do Pink Floy d era ilegal.
Com o álbum completo, apesar dos esforços de ambas as equipes jurídicas
(“os únicos que realmente ganharam com aquilo”, como pontuaria Mason
depois), a banda se viu agora enrolada pela busca de um título. Ciente de que
qualquer título poderia ser desconstruído para se relacionar com a atual situação
da banda ou abrir o precedente para zombarias de Waters, eles rejeitaram três
possibilidades – Signs of Life, Of Promises Broken e Delusions of Maturity – em
favor de A Momentary Lapse of Reason, uma frase saída da letra de “One Slip”.
No final, Waters ainda tiraria sarro (“decerto um lapso de razão”).
A última peça do quebra-cabeça seria o artista Storm Thorgerson, cujo
último trabalho de fato para a banda (tirando A Collection of Great Dance Songs)
tinha sido em 1975, com Wish You Were Here. “Fui trazido de volta para ajudar a
dar a Momentary Lapse… um visual Floy d e uma sensação Floy d”, disse
Thorgerson.
Inspirado por uma letra do álbum, “Yet Another Movie” (a vision of an
empty bed), Thorgerson sugeriu montar uma cena com setecentas camas em
uma praia. “David disse: ‘Claro, vamos fazer isso’”, lembra-se Thorgerson. Eles
levaram a mobília para o local escolhido, Saunton Sands, em North Devon, e
colocaram as camas uma por vez. Então, esperaram a chuva parar. A fotografia
foi tirada, afinal, quinze dias depois. Foi um conceito grandioso e caro, para o que
seria uma turnê grandiosa e cara.

Em junho, com o Pink Floy d ainda dando os toques finais em seu disco,
Roger Waters lançou seu novo álbum. A disputa estava valendo de novo. Radio
K.A.O.S. era outro trabalho conceitual. E que conceito. O personagem central da
história era um garoto inglês incapaz chamado Billy, que tinha poderes
telepáticos. O cuidador de Billy é seu irmão gêmeo, um minerador que fora
preso durante a famosa greve nas minas de carvão (uma disputa industrial que a
primeira-ministra Thatcher atacou na época com o mesmo gosto que fez com a
Argentina na Guerra das Malvinas). Billy é mandado para ficar com seus tios em
Los Angeles, onde descobre que seus poderes telepáticos o capacitaram a
vasculhar sistemas de computadores. Billy se torna amigo de um DJ local (com a
voz de Jim Ladd, um dos mestres de cerimônia da turnê de The Wall) na fictícia
estação da Rádio K.A.O.S., e lhe conta sobre como ele e seu irmão estão em
apuros. Billy hackeia o satélite militar e engana o mundo para acreditar que
mísseis balísticos estão para ser detonados nas maiores cidades do globo. A faixa
de encerramento, “The Tide is Turning (After Live Aid)”, chega à conclusão de
que a guerra é fútil e que o amor de uma pessoa por sua família e pelo mundo
em geral é mais importante do que todas as coisas (embora tenha sido relatado
depois que Waters adicionou um final feliz por sugestão da EMI, que acreditava
que o álbum estava muito sem vida). Uma complicação adicional era que a
subtrama do álbum apoiava as tentativas da ficcional Rádio K.A.O.S. de se
insurgir contra o rígido formato das rádios americanas na época. O álbum era
inteiramente dedicado a “todos aqueles que se encontram no violento fim do
monetarismo”. Até mesmo Waters não estava convencido: “Na metade do disco
aceitei que, como forma narrativa, o álbum estava destinado ao fracasso”. Ele
também admitiu: “Agora acho levemente embaraçosa a parte em que Billy
finge que começou a Terceira Guerra Mundial”.
Para o guitarrista Jay Stapley, Radio K.A.O.S. encontrou Waters em seu
elemento. “O estúdio era o métier de Roger. Lembro-me de ter escutado uma
entrevista com Dave Gilmour na qual ele disse que você se sentava no estúdio
com Roger e, se tivesse a introdução de uma canção tocando, ele diria: ‘Certo,
alguma coisa precisa acontecer exatamente agora’. Ele tinha um senso teatral
perfeito aplicado à música. Acho que ele era inseguro algumas vezes em relação
à sua própria habilidade, já que não é um músico treinado. Mas todos admiram a
habilidade de Roger de fazer aquilo que não podemos – escrever letras
sensacionais e conceber shows maravilhosos.”
Mas Waters havia estabelecido um desafio difícil para si próprio. Com suas
referências à greve dos mineradores britânicos, ao bombardeio norte-americano
em Trípoli, a Ronald Reagan, a mísseis balísticos e até a telefones sem fio, Radio
K.A.O.S. é definitivamente um produto de 1987. Infelizmente, a música também.
Dominado por samplers Fairlights, baterias com forte reverbe e a voz sintetizada
de Billy, Radio K.A.O.S. é uma luta auditiva no século XXI antes mesmo que
você consiga entrar na complicada narrativa. Na ausência de Bob Ezrin, Waters
coproduziu o disco com Nick Griffiths e o antigo saxofonista da Deaf School, Ian
Ritchie.
“Ian Ritchie e eu realmente fodemos aquele disco”, admite Waters.
“Tentamos demais fazer com que soasse moderno.” A maior parte das letras e
ideias que valiam a pena é perdida em sua produção acetinada e sons de bateria
que então estavam na moda, embora sua balada final, “The Tide is Turning
(After Live Aid)”, com o pleno acompanhamento vocal do Pontardulais Male
Voice Choir, tenha sido um surpreendente single que encontrou um improvável
fã. “Escutei ‘The Tide is Turning’ e realmente gostei”, disse David Gilmour. “O
resto não satisfaz meus gostos, de fato. Mas obviamente tenho meus
preconceitos.”
O disco também não era do gosto do público que compra álbuns. Radio
K.A.O.S. chegou ao número 50 nos Estados Unidos e 25 na Inglaterra. “Waters
levanta muitos assuntos difíceis sobre comunicação, mas ele nunca chega de fato
a derrubá-los”, diz a resenha da Rolling Stone, embora também tenha aclamado
o álbum como “seu trabalho mais escutável desde The Wall”. Waters
permaneceria firme em defesa de que a arte importa mais que as vendas (“se
você for usar vendas como critério, isso torna Grease um produto melhor do que
Graceland”), mas ele também percebeu que era agora uma vítima de seu
próprio anonimato cuidadosamente cultivado. “Eu queria anonimato. Eu o
valorizava. Mas agora é como se os últimos vinte anos não tivessem valor
algum.”
A presença de um novo Pink Floy d não o ajudava. Waters lançou a turnê de
Radio K.A.O.S. em Nova York, em agosto, um mês antes do lançamento de A
Momentary Lapse of Reason e dois meses antes da próxima turnê do Pink Floy d.
Na produção cheia de exageros, Waters direcionou algumas novas propostas
junto com as usuais animações, projeções ao fundo e som quadrifônico. Uma
cabine telefônica foi instalada no meio do público para Waters receber perguntas
dos fãs; uma assombrosa reviravolta para um homem que, dez anos antes, havia
cuspido em um deles. Em outro movimento altamente surpreendente, a
Moosehead, uma empresa canadense de cerveja, patrocinou o braço norte-
americano da turnê.
No palco, Waters entrecortava seleções de Radio K.A.O.S. com um medley
de canções do Pink Floy d, incluindo “Have a Cigar” e “Mother”, além de exibir o
filme promocional do grupo, “Arnold Lay ne”. O tecladista e vocalista Paul
Carrack era um dos novos recrutas da The Bleeding Heart Band. Parte de seus
deveres incluía cantar músicas do Floy d como “Money ”. “Na verdade, minha
versão saiu como um lado B, e até recebi ameaças de morte por causa dela”, ri
Carrack. “Eles disseram que eu deveria ser baleado. Vimos muita loucura na
turnê do K.A.O.S. Lembro-me de ter chegado em um show e havia um cara do
lado de fora que estava convencido de que era Billy, o personagem do álbum, e
que toda aquela coisa tinha sido escrita sobre ele.”
Como líder da banda, Roger Waters provou ser uma presença mais sã. “Sei
que ele pode ser intimidador e exigente”, admite Carrack. “Mas eu não estava
sendo tratado dessa forma, e acho que ele queria assim. A força de Roger é o
grande conceito. Ele realmente cumpre o que promete, e você não pode culpá-lo
por seu comprometimento, mas ele pode tornar tudo um trabalho árduo. Acho
que às vezes ele tem dificuldade de se comunicar com a banda, porque sua
música é basicamente muito simples, e alguns dos instrumentistas ficam
assustados sobre o que tocar e como tocar, já que ele nem sempre consegue
transmitir o que procura.”
A camaradagem dentro da The Bleeding Heart Band era boa. Quando o
braço da turnê no Extremo Oriente foi para o espaço devido a vendas fracas de
ingressos, Waters, sem se abater, levou a banda para o Compass Point Studios,
em Nassau, para gravar músicas para o novo álbum. Entretanto, quando eles
voltaram para a estrada, em novembro, o Pink Floy d já estava tomando a cena.

No verão, até mesmo David Gilmour percebeu que eles não poderiam
remendar mais nada. A Momentary Lapse of Reason finalmente chegou às lojas
em setembro de 1987. Para tirar qualquer dúvida do público sobre quem estava
de fato dentro do Pink Floy d, o grupo rompeu com a tradição e incluiu uma
fotografia no interior do disco, tirada por David Bailey, com Gilmour de terno e
botas e Mason sorrindo presunçosamente para a tela. O nome de Richard Wright
aparecia entre os numerosos créditos de outros músicos.
Por mais dilapidada que a equipe estivesse, os consumidores não se
importaram. A Momentary Lapse… chegou ao número 3 nos dois lados do
Atlântico, perdendo o topo das paradas no Reino Unido para o disco de Michael
Jackson, Bad, e o trabalho do Pet Shop Boy s, Actually, e nos Estados Unidos para
Bad e os roqueiros rejuvenescidos do Whitesnake, com 1987. Mason admitiria
depois que o timing do lançamento do álbum poderia ter sido melhor, em vez de
ter encarado uma competição tão pesada. Na época, contudo, parecia um álbum
construído para encarar tal disputa, com tudo soando maior, mais alto e mais
caro, como se o valor de cada derradeiro dólar tivesse sido somado às suas
numerosas mãos contratadas.
A faixa de abertura, “Signs of Life”, trazia um teclado funerário sobre o
som do marujo do barco de Gilmour remando no rio Tâmisa. Na grande tradição
do Pink Floy d, ela trazia efeitos dramáticos antes de permitir que o guitarrista
tocasse as primeiras notas, à la “Shine On You Crazy Diamond”. A canção de
trabalho do álbum, “Learning to Fly ”, acena sua forte melodia contra o som de
um flutuante Nick Mason e letras que falam sobre, nas palavras de Bob Ezrin,
“deixar suas tendências terrenas para trás e liberar seu espírito”. A música de
encerramento, “Sorrow”, partilha de um senso de propósito e confiança similar.
Escrita por Gilmour em uma semana no Astoria, ela abriga o melhor solo de
guitarra do disco, uma verdadeira extravagância de bends, e uma letra que
alguns fãs, estejam certos ou errados, dizem ser sobre Roger Waters.
O que o álbum deixava claro é quem estava agora no assento do piloto. A
mensagem política de The Final Cut e o persistente desespero de The Wall não
podiam ser vistos em local algum.
Liricamente, nada ali era capaz de tirar o sono de Waters, um fato do qual
ele sentiu prazer depois. Em vez disso, o humor melancólico da maior parte de A
Momentary Lapse… sugere que o quarentão Gilmour, após vários cálices de
vinho, reflete sobre a própria vida; incluindo o relacionamento com Waters e
com sua mulher Ginger, de quem ele estava se distanciando cada vez mais. O
casal se divorciaria um ano depois. Em “Yet Another Movie”, a letra, que fazia
referência a uma cama vazia, tinha se inspirado em uma cena ocorrida na
residência do casal, em Lindos. O guitarrista contou aos críticos que via o álbum
como um retorno aos dias de glória de Dark Side of the Moon, quando, na sua
visão, a música não tinha tomado ainda o assento traseiro para favorecer letras
de Waters. “Isso é o que estou tentando fazer”, ele insistiu, “me focar mais na
música e restaurar o equilíbrio.”
Nem todos na banda concordaram que ele tinha sido bem-sucedido.
Entrevistado em 2000, o subutilizado Richard Wright admitiu: “As críticas de
Roger são justas. Não é mesmo o disco de uma banda”.
A Momentary Lapse of Reason foi, contudo, o disco certo para o Pink Floy d.
O ponto em que peca é, tal qual Radio K.A.O.S., estar preso àquela época. Como
a maioria dos roqueiros em sua faixa etária, um dos maiores medos de Gilmour
e Mason deve ter sido que eles soassem passé. Para começar, as baterias com
reverbe são a própria essência de meados dos anos 1980, mas estão a anos-luz de
distância do som mais cheio de apelo de um Nick Mason desenvolto em Live at
Pompeii. A mesma bateria, baixo gaguejante e sintetizadores de “One Slip” são
intercambiáveis com os do álbum de Peter Gabriel, So, do ano anterior, mas seja
como for, o extraordinário músico de estúdio Tony Levin tocou em ambos os
discos. Os parceiros de composição de Gilmour estão em sintonia com essa
época. Pat Leonard, seu colaborador em “Yet Another Movie”, tinha sido o
cérebro por trás dos hits de Madonna, “Like a Pray er” e “Live to Tell”. Em
defesa do álbum, Gilmour toca com o coração, mas muitas de suas músicas não
têm alma. “Não achei que fosse o melhor álbum já feito do Pink Floy d, mas fiz o
melhor que pude”, ele disse depois.
Os críticos concordaram. A revista Q, que levou a seus leitores, fãs de
música, uma pesquisa sobre suas preferências em relação ao Pink Floy d,
afirmou: “Deu o álbum de Gilmour, no mesmo grau que pesquisas anteriores
apontaram os de Waters”, considerando que o guitarrista tinha liberado seu
“talento reprimido”. Até mesmo o confidente de Waters, Karl Dallas, ficou do
lado do Floy d, apesar de sua promessa anterior de que o segundo álbum de
Waters seria “de arrepiar os cabelos”. “O novo disco do Pink Floy d é um
clássico, e o de Roger é... bem... é o de Roger.”
Waters não se mostrou reticente ao dar sua visão de A Momentary Lapse of
Reason. “Acho que ele é muito condescendente, uma falsificação bastante
esperta”, ele disse ao escritor David Fricke. “As canções são pobres em geral;
nem posso acreditar nas letras. Os versos de Gilmour são de terceira categoria.”
Entretanto, ultrapassando Radio K.A.O.S. nas vendas em lojas, e com o
Floy d lotando estádios contra a lotação baixa nos teatros de Waters, já havia o
cheiro de vitória pairando no ar. Então, veio a importante questão de como eles
iriam tocar ao vivo.
O tecladista Jon Carin, já confirmado na turnê, tocaria ao lado de Richard
Wright. A ausência de Waters também deixava uma lacuna à esquerda de
Gilmour. O papel de baixista da banda seria assumido por Guy Pratt, um músico
de estúdio, de 25 anos, cujos clientes anteriores incluíam Robert Palmer, Bry an
Ferry e The Smiths; seus talentos musicais haviam sido herdados do pai, o ator e
compositor Mike Pratt, protagonista da série de televisão dos anos 1960, Detetive
fantasma , e tinha coescrito o sucesso de Tommy Steele, “Little White Bull”.
A iniciação de Pratt no Pink Floy d veio quando ele era adolescente e viu
um dos shows do The Wall, em Earls Court, enquanto curtia uma viagem de LSD.
“Uma coisa da qual me recordo é de Roger em sua camiseta número 1, partindo
para a ofensa contra Alan Jones, da Melody Maker”, diz Guy. “Fiquei pensando:
‘Uau, ele realmente está desempenhando bem esse papel de astro do rock’. Eu
não sabia que só estava sendo ele mesmo. Também dei um jeito de ir aos
bastidores na noite em que deram sua festa. Eles tinham um monte de strippers e
todos aqueles bonecos infláveis das antigas turnês. Infelizmente, estava viajando
e vagando por ali vestido como um membro do The Clash. Naquele dia, jamais
imaginei que poderia tocar com o Pink Floy d. Estava fora de questão.” Guy
chamou a atenção de Gilmour pela primeira vez quando tocou no álbum de
Bry an Ferry, Bête Noire, e depois quando gravou com os protegidos do
guitarrista, Dream Academy.
Como Wright, Nick Mason tocaria junto com outro instrumentista. Em seu
caso, o percussionista de 23 anos, Gary Wallis, cujo estilo de performance
altamente visual – atacando uma pletora de gongos, tambores e pratos montados
dentro de uma jaula – era o perfeito contraste com a abordagem mais discreta
de Mason.
O saxofonista Scott Page, que já tocara em A Momentary Lapse of Reason,
foi outra adição à equipe. Embora não fosse fã do Pink Floy d (“para ser honesto,
eu devo ser a única pessoa que nunca escutou Dark Side of the Moon”), ele se
tornaria instantaneamente reconhecível para os fãs, até mesmo nos assentos mais
baratos do estádio, por causa de seu pródigo penteado. Para o necessário
glamour, lá estavam as backing vocals Rachel Fury, Margaret Tay lor e, depois,
Durga McBroom. Tay lor foi mais tarde substituída pela irmã de Durga, Lorelei.
Um rosto familiar entre tantas caras novas era um amigo de Gilmour de
Cambridge, o guitarrista Tim Renwick. Um sobrevivente da turnê do disco de
Waters, Pros and Cons of Hitch-hiking, Renwick vinha tocando para o musical de
Cliff Richard Time, no Dominion Theatre, em Londres, quando recebeu o
telefonema de Gilmour.
Ao chegar em Toronto para os ensaios, a banda encontrou novos
problemas. Guy Pratt rapidamente descobriu que não havia sido a primeira
escolha para baixista do Floy d. “Quando aparecemos para ensaiar, havia alguns
artigos de jornal noticiando que o o Pink Floy d estava na cidade para começar
sua nova turnê e vários diziam: ‘Estrelando Tony Levin no baixo’. Então eu estava
lá somente porque Tony não estava disponível. Fiquei pensando: ‘Ah, que
maravilha!’.”
A banda tinha contratado um hangar no aeroporto Lester B. Pearson para
ensaiar, mas havia uma notável falta de disciplina. “A linha de baixo do Pink
Floy d não é a mais difícil do mundo”, diz Guy, “mas Nick não tocava bateria
fazia anos, e David não parecia que curtia tanto assim estar no comando.”
“Foi um desastre”, admite Tim Renwick. “Ninguém se lembrava de como
tocar coisa alguma. Foi tudo um disparate.” Mas Gilmour sabia para quem ligar.
“David me telefonou em agosto e eles estavam marcados para estrear em
outubro”, lembra-se Bob Ezrin. “Ele disse: ‘Bob, no meu costumeiro e inimitável
estilo, nunca falhei em tentar fazer essas coisas por conta própria e, como
sempre, percebi que preciso de ajuda. Você pode vir e me ajudar?’”, ele ri.
“Cheguei e o show estava uma grande bagunça. O problema é que não havia
produtor ou diretor de palco, e David estava ocupado trabalhando em sua própria
guitarra. Ele não conseguia fazer todas as outras coisas. Não havia significado ou
fluência no show, o setlist precisava ser repensado...”
Ezrin assumiu o comando, vendo os procedimentos da frente do palco e se
comunicando com a equipe por um megafone. “Bob realmente começou a nos
colocar em forma”, diz Renwick, “perambulando por aquele hangar, gritando
ordens, e sendo muito ativo e demonstrativo. Uma das primeiras coisas que ele
fez foi se certificar de que, quem não estivesse tocando, não podia ser visto no
palco: ou ficava fora dos holofotes ou fora do palco.” Ezrin acompanharia a turnê
até que “o bebê estivesse andando e eu pudesse voltar para minha própria
carreira, para ganhar algum dinheiro”.
Além do problema de coordenar onze pessoas no palco, havia também
toda a movimentação em cena para ser considerada. Gilmour e Mason
procuraram primeiro os designers da turnê The Wall, Jonathan Park e Mark
Fisher, mas ambos já tinham se comprometido com a turnê do Radio K.A.O.S..
No lugar de ambos, o designer Paul Staples foi trazido para trabalhar com outros
conhecidos do Floy d, o designer de luz Marc Brickman e o diretor de produção
Robbie Williams, ambos veteranos, respectivamente, das campanhas de The Wall
e Dark Side of the Moon. O objetivo deles era simples, como explicou Marc
Brickman: “A ideia é sempre colocar o último garoto que está no último assento
do estádio participando do show”.
O palco do Floy d seria efetivamente colocado dentro de uma estrutura de
aço com aproximadamente 25 metros de altura e se estendendo pelo
comprimento da boca de cena, da qual suportes de luz eram suspensos. Luzes
adicionais e máquinas de gelo seco também operavam por meio de trilhos.
Buracos no chão do próprio palco também se abriam para revelar luzes
adicionais com visual robótico (apelidadas de “Floy d Droids” e recebendo os
nomes individuais de Manny, Moe, Jack e Cloy d) que se elevavam em momentos
fundamentais do show. Os fundos do palco foram preenchidos, como sempre,
pela tradicional tela circular da banda na qual antigas e novas imagens eram
projetadas, incluindo os filmes especialmente elaborados por Storm Thorgerson,
“Learning to Fly ” e “On the Run”. O porco voador, o aeroplano e uma
gigantesca bola espelhada completavam o visual extravagante. Era necessária
uma equipe de apoio de aproximadamente 160 técnicos, armadores, eletricistas,
entre outros, para manter o show na estrada.
A turnê estreou em 9 de setembro em Ottawa, no Lansdowne Park
Stadium. A maior surpresa do set veio com a canção escolhida para abrir o show,
“Echoes”, de Meddle, que era tocada pela primeira vez em mais de uma década.
Verdadeiro desafio para todos os envolvidos, a peça seria deixada de lado após
um mês, com Nick Mason afirmando que os jovens músicos da banda eram bons
demais para replicar o sentimento hippie de qualidade inferior da gravação
original.
“Há uma batida em ‘Echoes’ que chamamos de ‘a sessão do vento’, na qual
a música desmorona e depois volta”, explica Guy Pratt. “Alguns instrumentistas
jovens, sem mencionar nomes, não conseguiam colocá-la na cabeça sem que
houvesse um conjunto de compassos estabelecido. Era algo do tipo: ‘Você tem
que sentir e saber instintivamente quando voltar’. A grande frase de Dave sobre
isso era ‘o problema com músicos modernos é que eles não sabem como
desintegrar’.”
Incluir A Momentary Lapse of Reason inteiro fazia sentido comercial, mas
significava que a primeira metade do show seria desconhecida para a maior
parte e seria ofuscada pela segunda parte, que trazia a gama de “One of These
Day s” a um bis final com “Run Like Hell”, seguidas de “Wish You Were Here”,
“Another Brick in the Wall Part 2” e “Comfortably Numb” na sequência. “One
of These Day s” seria a canção mais antiga do Floy d a ser tocada (Mason
explicaria depois que a fase dos anos 1960 do Floy d soava “muito antiga”). The
Final Cut e Animals também foram deixados de lado, embora “Sheep” quase
tenha sido incluída, até Gilmour decidir que em termos vocais ela era demais
uma canção de Roger Waters.
Além dos deslumbrantes efeitos especiais, a presença de membros mais
jovens e extravagantes fazia toda a diferença. Os pulos e saltos do percussionista
Gary Wallis para acertar o prato mais alto em sua jaula divergiam a atenção do
cavalheiro de meia idade tocando bateria ao seu lado. O saxofonista de penteado
elaborado Scott Page também recebia uma guitarra e aparecia no palco quando
não era necessário de verdade. “Scott e Gary vieram como parte fundamental
para se obter o resultado”, diz Bob Ezrin. “Aquele tinha que ser um show visual.
Em um concerto do Pink Floy d o ‘fator impressionar’ está intrínseco. As pessoas
querem dizer ‘uau, olha só aquilo!’. Então a banda dá isso a elas.”
A diferença de idade entre os membros originais do conjunto e alguns
contratados não foi um problema no começo. “Eles nos tratavam muito bem”,
lembra-se Guy Pratt. “Veja só, eu morria de medo de David. Nick era o mais
fácil de se lidar, já que era uma pessoa adorável e fascinante.”
Por conta própria, Guy e Jon Carin também se comportaram como fãs do
Pink Floy d, ávidos por escutar histórias sobre as turnês. “Eu estava sempre
pedindo que David contasse histórias”, admite Guy. “O problema é que ele
começava a contar alguma coisa e, como eu era tão fanático pela banda, logo o
estava corrigindo. Rick é fantástico em suas reminiscências, enquanto David
finge ser esquecido.”
Entretanto, ser quinze anos mais jovem que seus chefes criou um problema
imediato para Guy, quando a bela filha adolescente de Richard Wright, Gala,
apareceu durante um braço da turnê australiana. “Decerto há um código ético
quando estamos na estrada. Você não se envolve com ninguém que faça parte da
equipe, não se envolve com ninguém do catering, a não ser que seja
absolutamente o último recurso, e se você se envolver com uma das cantoras,
sempre vai acabar em lágrimas. Mas não há regras sobre filhas da banda – e foi
aí que a diferença de idade ficou aparente.”
“Nós não éramos oficialmente um problema naquela turnê, mas era óbvio
que alguma coisa estava acontecendo, e certamente não me tornou popular, já
que todo mundo estava apaixonado por Gala.”
Entretanto, o pai dela não se sentiu inclinado a colocar Guy de lado. “Eu
estava mais preocupado com David e Nick. Ninguém veio falar comigo de fato,
mas havia muito franzir de testa.”
Quando o Floy d seguiu para a turnê na América do Norte, a lacuna entre
seus shows e a turnê de Radio K.A.O.S. se fechou. “Estávamos tocando em
Toronto quando o Floy d ensaiava bem próximo”, lembra-se Paul Carrack. “Tê-
los por perto adicionou um pouco de tempero. Havia tensão ali, e todos sabiam
que Roger estava sob muita pressão, mas acho que ele se sentiu vingado por estar
fazendo algo diferente. Fizemos alguns números do Floy d, mas não muitos.”
Roger havia proibido expressamente qualquer membro do Pink Floy d de
assistir a seus shows, mas o técnico de monitor foi despachado para um deles a
fim de relatar quantos efeitos especiais e pirotécnicos Waters estava usando.
Durante os ensaios em Toronto, Scott Page, Jon Carin e o antigo companheiro da
banda solo de Waters, Tim Renwick, estavam entre os que caminharam sem ser
reconhecidos em um show de Waters. “Queríamos ver a competição”, diz
Renwick. “E achei que era um tanto quanto desinteressante. Parecia mais com
uma banda tributo.” Durante uma parte do show, um holofote esquadrinhava o
público, pousando aleatoriamente sobre membros da multidão. “E eu me recordo
de rezar”, ri Guy Pratt, “derrotadamente rezar para que ele pousasse em Tim
Renwick.”
As vendas de alguns dos shows de Roger Waters não foram o que poderiam
ter sido. Tocar para um público de três mil pessoas em um teatro de seis mil
lugares em Cincinatti não foi nada bom para seu ego, mas Waters permaneceu
otimista, embora soubesse que o Floy d estaria tocando para oitenta mil pessoas
na noite seguinte. “Senti-me como Henrique V”, ele ri. “We happy few, we band
of brothers… Senti uma grande proximidade com o público porque só havia
alguns deles.”
Entretanto, ainda havia vozes dissidentes no público do Pink Floy d. “Havia
pessoas no público que expressavam seu protesto por Roger Waters não estar ali,
ao gritar muito alto em momentos em que o resto da multidão estava bastante
quieta”, Gilmour contou à revista Q, além de revelar que, em uma ocasião, ele
também viu uma fileira inteira de fãs usando a camiseta “Fuck Roger”.
Incapaz de impedir que qualquer dos shows do Floy d seguisse em frente,
Waters ainda disparava mísseis judiciais, incluindo um mandado que cobrava
mais de 35 mil dólares de direitos autorais pelo Pink Floy d ter usado seu porco
voador. Sem que a banda soubesse, Waters também tinha comprado os direitos
dos filmes animados de Ian Eames e Gerald Scarfe, que ele registrara em uma
empresa de sua propriedade. Entretanto, Gilmour declarou: “Jamais
concordamos que ele tivesse os direitos. O Pink Floy d, todos nós, pagamos por
aquele trabalho”. Para contornar o problema com o porco, o Floy d garantiu que
sua nova versão incluísse um par de robustos testículos que o diferenciasse da
versão original de Waters, que era uma fêmea. Como Gilmour explicou, “um
porco é um porco, pelo amor de Deus, mas colocar os testículos nos divertiu”.
Conforme o final do ano se aproximava, parecia que a batalha legal entre
as duas partes estava finalmente chegando ao fim. Entrevistado para a revista
Rolling Stone em novembro, Waters não admitia a derrota: “Finalmente entendi
que nenhuma corte no planeta está interessada nessa disputa nonsense do que é
ou não o Pink Floy d. Só o que eu poderia possivelmente tirar disso tudo é uma
fatia”.
O tamanho da fatia seria decidido em 23 de dezembro de 1987, quando
Gilmour, Waters e o contador de Gilmour se reuniram no Astoria para dar um
fim ao assunto de uma vez por todas. “Nós debatemos o contrato por algumas
horas, imprimimos, assinamos e é a esse documento legal que estamos presos até
hoje”, explicou Gilmour. Os termos do acordo liberavam Waters de quaisquer
obrigações com Steve O’Rourke e permitiam que Gilmour e Mason usassem o
nome do Pink Floy d perpetuamente. Waters receberia sua fatia, mantendo seu
controle sobre o que, conforme Gilmour explicou, são “os vários pedaços e
bocados”, mais notoriamente o The Wall.
Waters não iria mais a reuniões da diretoria nem tentaria vetar os planos de
Gilmour e Mason. Ao contrário, ele se retirou para planejar sua próxima ação,
mas ainda disparava contra seus antigos colegas na imprensa. Gilmour, de sua
parte, invariavelmente mordia a isca.
Ambas as facções em guerra iriam agraciar as páginas da imprensa
musical. Waters, ainda magro, iria aparecer com frequência usando óculos
escuros e camiseta branca ou preta, o uniforme de um astro do rock mais velho.
“Com Caroly ne, Roger entrou em uma história de rock bem americana”, reflete
seu ex-empresário, Peter Jenner. “Helicópteros, babás e férias no sul da França.”
“Eu ainda era essencialmente o cara alto, de preto, em pé em um canto,
olhando para todo mundo e dizendo ‘deixem-me em paz’, admitiu Waters anos
depois”.
Gilmour e Mason apareceriam menos intimidadores: calças pregueadas e
camisetas brancas amassadas. O guitarrista em especial parecia um pouco mais
pesado do que da última vez que a banda tinha excursionado; Mason dava o
sorriso sábio de um tio gentil, ou, talvez, de um homem que não consegue
acreditar no quão sortudo é. Como Waters iria pontuar sobre os motivos de o
baterista fazer parte do Pink Floy d: “Nick gosta do dinheiro e da atenção”.
O rígido artigo do veterano crítico de rock Timothy White, de setembro de
1988, para a revista Penthouse encontrou Waters destilando veneno contra aquilo
que ele chamou de “aquela falsificação”: listando os nomes dos compositores
que Gilmour abordou para ajudá-lo a fazer um álbum do Pink Floy d; sublinhando
a exata data e localização do encontro com o guitarrista com um preocupado
executivo da gravadora; e, o melhor de tudo, revelando a piada de que Richard
Wright estava recebendo semanalmente 11 mil dólares para tocar. Os fãs, cujos
próprios salários semanais calham de ser consideravelmente menores, se
perguntaram se, em termos de astros do rock, isso era pouco, muito ou justo.
Gilmour e Mason iriam aceitar o desafio e entrar na dança. Ambos fariam
troça das afirmações de Waters de que os dois lutaram para fazer um disco do
Floy d sem ele, buscando, ao contrário, os impressionantes números de vendagem
do novo trabalho e o fato de que a turnê ainda estava rodando o mundo e lotando
estádios. Como Mason explicou, “Roger poderia ter acabado com o Pink Floy d
caso não tivesse saído; mas, ao sair, as cinzas de repente se uniram.” Gilmour é
mais duro. “Se Roger depositasse em sua carreira metade de toda a energia que
usa para brigar conosco, estaria muito melhor do que está agora. Não consigo
entender como ele não enxerga a estupidez de tudo isso.”
Em 1988, a turnê foi para Nova Zelândia e Austrália, e fez oito noites no
Japão, onde eles foram forçados a remover “On the Run” do repertório, pois ela
excedia os níveis de eletricidade permissíveis para uso. Em Melbourne, Gilmour
se juntou a Tim Renwick e os membros mais jovens da banda para uma jam
noturna em seu hotel, tocando para umas duzentas pessoas sob o pseudônimo de
The Fishermen (“baseado em uma antiga piada de Peter Cook”, explicou o
baixista Guy Pratt, “na qual ele inventou uma linguagem rimada com gírias”).
The Fishermen faria outras aparições pelo mundo. Em contraste com as
turnês anteriores do Pink Floy d, os músicos não se dividiam em diferentes
panelinhas. Os três membros originais interagiam bem fora do palco com os
novos membros da banda, dos quais Guy Pratt era, de acordo com Mason,
“invariavelmente o último a sair do bar à noite”.

“Minha atitude era terrível”, admite Pratt. “Entendi tudo errado. Como
músico, você é contratado profissionalmente para fazer um serviço com o
máximo de sua capacidade. Pensei que era um membro da banda e que podia
sair e encher a cara. Escutei de alguém depois de cinco meses que David
realmente queria me despedir, mas não podia, pois eu era o instrumentista mais
consistente da banda, mesmo ficando acordado duas ou três noites seguidas.
Cheguei ao ponto em que ficava nervoso se não estivesse tocando de ressaca.”
Fora do palco, os promotores com frequência forneciam algumas
limusines para a banda, no entanto, Gilmour, Mason e Wright preferiam se
empilhar em uma das vans com o resto do grupo. “Então você tem essa ridícula
situação na qual o promotor estava na primeira limusine com algumas garotas
que ele queria impressionar e cercado por uma escolta policial, depois vinha uma
limusine vazia logo atrás e, atrás dela, a banda em uma van, levando toda a
bebida para o camarim”, diz Guy
Como explica Tim Renwick, “havia um tremendo espírito de banda e um
senso real de liberação”. Para Gilmour, agora carregando a responsabilidade de
comandar o show, isso envolvia curtir a loucura e os privilégios do trabalho: dos
voos em aviões e asas-deltas em seus dias de folga a um conveniente consumo
de drogas e álcool ao estilo astro do rock.
Como Guy Pratt admitiu, as festas na turnê contavam com um
eufemisticamente nomeado “coordenador do ambiente”, cujas tarefas incluíam
tomar conta de qualquer familiar da band,a que os estivesse visitando e procurar
drogas. Entrevistado em 2006 e perguntado que conselho ele daria a si próprio
vinte anos atrás, Gilmour respondeu prontamente: “Pare de usar cocaína”.
“Era hora de festejar”, confessa Tim Renwick. “Dave estava separado de
Ginger. Steve O’Rourke também passava por um longo período sem coleira,
então, se os poderosos estavam na onda de celebrar, todos nós nos juntávamos
com muito gosto e de peito aberto. Foi um período bem alucinado. Dave, em
particular, era um selvagem nas festas.”
Gilmour tinha suas razões. “Eu saí de um casamento que parecia estar se
rompendo havia muito tempo”, disse depois. Ele e Ginger iriam se divorciar
oficialmente em 1990. Após vender a propriedade em Hookend Manor, o casal
se mudou para uma casa de seis quartos estilo georgiana, em Sunbury, de frente
para o rio Tâmisa. Ginger ficou lá, enquanto Gilmour se mudou para o centro,
retomando sua vida de solteiro em uma casa em “Little Venice, em Londres.
Ginger culparia depois o conflitante estilo de vida de ambos pela separação: “Eu
estava ficando mais alternativa – come-çando a meditar – e ele estava cheirando
mais cocaína e andando com todo tipo de gente”.
Problemas no casamento, o escândalo de Norton Warburg, a batalha
jurídica com Roger Waters, tudo havia cobrado um preço. “Eu me deixei levar
pelo estilo de vida da cocaína”, Gilmour afirmou depois. “Achava que a coca me
deixava mais loquaz, mas a realidade era bem mais terrível.”
O passado com drogas do Pink Floy d ganharia novamente as manchetes
em 1988. Em outubro, a EMI lançou Opel, uma coleção de raridades e out-takes
de Sy d Barrett. O cunhado de Sy d, Paul Breen, foi entrevistado por um programa
de rádio para falar sobre Barrett: “Eu acho que [o Pink Floy d] é uma parte da
vida dele que ele prefere esquecer. Existe um nível de satisfação agora que
provavelmente ele não sentia desde quando se envolveu com a música”. Como
Breen revelou, Sy d havia voltado a pintar.
No mesmo mês, a News of the World foi atrás de Barrett em Cambridge e
tirou uma fotografia dele do lado de fora de sua casa. Vizinhos contaram ao
repórter que Sy d era “um caso perdido...” e “havia entrado e saído de hospitais
psiquiátricos”. Foi dito que fãs que apareciam em sua casa o encontravam
empoado de um estranho pó branco e falando coisas sem sentido. Jonathan
Meades repetiu suas afirmações de que os colegas de apartamento de Sy d, na
Egerton Court, o haviam trancado dentro do armário da cozinha. No auge da
preocupação da imprensa com raves ilegais e uso de ácido em danceterias, a
reportagem mostrava aquele rosto amarelo sorrindo, que é uma marca
registrada, mas com a boca virada para baixo, junto da manchete: “Ácido levou
astro do Pink Floy d contra o muro”. Nenhum membro do Pink Floy d do passado
ou presente fez qualquer comentário.
No mesmo ano, o outrora amigo próximo de Barrett e Gilmour, Ian “Pip”
Carter, foi morto durante uma briga do lado de fora de um pub em Cambridge.
Pip havia sido, junto com Emo, um dos mais atentos aduladores de Sy d. “Pip era
um bad boy”, lembra-se Libby Gausden. “Mas Sy d o amava.” David Gilmour
estava entre os que compareceram ao funeral de Carter.

“Queríamos conquistar o mundo”, refletiu Gilmour na turnê de Momentary


Lapse... “Não queríamos deixar dúvidas para ninguém que devíamos ser levados
a sério.” De volta à estrada, a máquina do Pink Floy d atravessou a Europa,
passando pelo Reino Unido (incluindo dois shows em Londres, no Wembley
Stadium) e Escandinávia. Até mesmo o naturalmente reticente Richard Wright
estava dizendo aos jornalistas que era a turnê mais feliz que ele já tinha feito. Era
um contraste com a impressão que ele dera a alguns no começo da campanha.
“Quando vi Rick pela primeira vez, estávamos em Toronto”, disse Jon Carin. “Saí
do hotel e o vi entrando em uma limusine, e o que notei nele foi muita dor. Não
sei se ele se sentia daquela maneira ou não, mas eu realmente fiquei
compadecido.”
“Jon Carin e Gary Wallis foram essenciais para nos manter em frente no
início da turnê”, admitiu Gilmour para a revista Mojo. “Mas após um mês os
papéis foram revertidos para Nick e Rick, que assumiram suas responsabilidades
sobre o que estava ocorrendo de fato.”
“O que nunca percebi até começar a tocar com o Pink Floy d é o quanto de
todo aquele som se deve a Dave e Rick”, diz Guy Pratt. “Tem tudo a ver com o
relacionamento musical entre aqueles dois; é o som que eles produzem ao se
comunicarem.”
Em novembro, a banda lançou Delicate Sound of Thunder, um disco ao
vivo gravado durante as cinco últimas noites da turnê, na cidade de Nova York, no
Nassau Veterans Memorial Coliseum. No início do novo ano, a banda havia
recebido o disco de platina nos Estads Unidos e de ouro na Inglaterra. Contudo,
sem os lasers, o porco e os “Floy d Droids” para atrair a atenção, ele parecia um
negócio estranhamente sem alma.
Com um golpe de publicidade devidamente extravagante, Gilmour e
Mason foram convidados para ir até Moscou para o almoço do lançamento do
foguete Soy uz TM-7. Os astronautas levaram uma cópia de uma fita-cassete de
Delicate Sound of Thunder para o voo que fariam até uma estação espacial russa,
tornando-o o primeiro álbum de rock a ser tocado no espaço.
Em uma rodada final de honra, a turnê europeia “Another Lapse” estava a
caminho na primavera de 1989. Em maio, a banda voou novamente a Moscou,
dessa vez para tocar cinco noites em Lushniki. Com a escassez da moeda, o Floy d
estava praticamente tocando de graça, embora o governo russo bancasse os
custos básicos, o transporte e a acomodação para a banda. Rumores circularam
sobre pagamento em caviar e madeira (Gilmour: “Não é verdade”). O fato é
que a banda optara por perder dinheiro apenas pela experiência de fazer um
show lotado na União Soviética, sem restrições.
Poucas semanas depois, inspirado por uma cena de um filme dos Irmãos
Marx, Gilmour convenceu Steve O’Rourke que seria uma boa ideia para o Pink
Floy d fazer um concerto de graça em uma barcaça flutuante atracada na praça
SãoMarcos, no Grande Canal de Veneza. O’Rourke foi contra a ideia desde que
ela fora ventilada, meses antes. O show foi transmitido via satélite por todo o
mundo, mas por pouco não deixou de acontecer. Em um flashback de uma antiga
turnê feita nos Estados Unidos, quando o empresário teve que pagar a polícia
local para recuperar seus instrumentos roubados, o Floy d se viu enchendo os
bolsos de funcionários locais para fazer com que as coisas acontecessem. Um
grupo de gondoleiros itinerantes apareceu antes do show e exigiu dez mil dólares
para que parassem de soprar seus apitos durante o show. Provavelmente sem
saber que qualquer barulho que fizessem seria inaudível por conta do monstruoso
equipamento sonoro do Floy d, nas palavras de Gilmour, “mandamos todos eles
se foder”. O sentimento de Gilmour foi similar quando confrontado com
afirmações do conselho local de que o volume do som tinha, de algum modo,
danificado antigos edifícios da região.
O show final ocorreu em Marselha, no dia 18 de julho de 1989. Já fazia
agora quase dezoito meses desde que a turnê começara. “Foi enorme”, diz Tim
Renwick, “e comecei a me sentir como um pequeno barquinho de pesca nela. Na
última semana, fomos apresentados a pessoas que já tínhamos encontrado
rodando o mundo. Você vivia em uma bolha. De volta ao lar, retirar o lixo foi
estranho. Voltei para a terra com um solavanco.”
Com faturamento de 135 milhões de dólares e tocando para 5,5 milhões de
pessoas, a escala aguda da turnê e a ambição da produção haviam determinado
uma nova marca para shows de rock ao vivo. A revista Forbes declarou o Pink
Floy d a banda de rock mais bem paga do mundo. Na época, A Momentary Lapse
of Reason e Delicate Sound of Thunder tinham recebido diversos discos de platina.
Assim como o álbum de retorno da banda havia sido concebido para bater de
frente com astros como Michael Jackson, Bruce Springsteen e Prince, os shows
ao vivo obrigaram todos os concorrentes da banda a voltarem à prancheta. Com
os anos 1980 prestes a encerrar, Roger Waters já estava planejando um concerto
que iria elevar o nível ainda mais. O trabalho dos advogados podia ter sido
cancelado, mas o jogo de superioridade e a guerra de egos prosseguiam.

1 “Oh, Maggie, Maggie, o que fizemos?” (N. T.)


2 Estilo de música mais acelerado, superior a 120 bpm. (N. T.)
CAPÍTULO DEZ A GRAMA ERA MAIS VERDE

“Você não pode desistir. Você precisa continuar lutando ou, do contrário,
está acabado como ser humano.”
Roger Waters

Hoje, Roger Waters é um anfitrião perfeito. O homem que rotineiramente


picava e comia os críticos musicais no café da manhã, isso se se dignificasse a
falar com eles, amadureceu. Pelo menos um pouco. Na carne, ainda se parece
com Roger Waters, mas com uma postura mais ereta, o cabelo manchado de
cinza e o sorriso largo ainda um pouco enervante. Ao espiar meu exemplar de
um livro recentemente publicado sobre sua antiga banda, seu rosto ficou sombrio,
antes de dar um sorriso desconcertante; o mesmo que ofereceu a um
entrevistador arrogante em Live at Pompeii. “Você já leu isso, Roger?” A
entrevista tinha terminado fazia alguns minutos, então, se ele saísse andando
agora, não haveria prejuízo algum.
Houve uma pausa. Waters apanhou o livro com cuidado, como se estivesse
manuseando uma bomba que não havia explodido ou, possivelmente, algum
material fecal, antes de devolvê-lo. Seu motorista/guarda-costas, um tipo rijo ex-
militar, esperava na entrada da porta, olhando desconsolado em minha direção.
“Não acredite em tudo o que você lê”, Waters falou, sorriu novamente, acenou
com a mão e foi embora. Alguns minutos depois, eu o vi no banco de trás de um
carro, resmungando com o motorista. O veículo ronronou pelo conjunto de
barcos ancorados na Chelsea Harbour e fora do estacionamento de carros do
Conrad Hotel, em Londres.
Waters morou próximo dali no passado, no covil de iniquidade que foi a 101
Cromwell Road antes que o bom senso e sua primeira mulher prevalecessem e
ele fosse parar em um apartamento em Shepherds Bush. Hoje, Waters está
divorciado de sua segunda mulher, mas, como mencionou mais cedo, já está
“amando novamente”. Isso lhe cai bem. O orador taciturno e irritadiço, o
entrevistado relutante, estava em um bom dia. Era verão de 1992, e Roger
Waters era o encanto personificado. Contudo, como já explicara, tinha acabado
de fazer o que acreditava ser um dos melhores álbuns de sua carreira.
Roger Waters chegou aos anos 1990 com seu prazer costumeiro. Com seus
grandes gestos, ele se mostraria difícil de ser batido. O Pink Floy d recebeu a nova
década aparecendo como atração principal na Knebworth Park, a casa de shows
ao ar livre onde eles tinham tocado pela última vez pouco antes do lançamento de
Wish You Were Here. No evento beneficente para levantar dinheiro para o
Nordoff-Robbins Music Therapy Centre, o Floy d encabeçou um grupo de gente
das antigas, como Cliff Richard, Phil Collins, Eric Clapton, os parceiros do Led
Zeppelin, Jimmy Page e Robert Plant, e a relutante penúltima atração, Paul
McCartney. Chuvas torrenciais amorteceram o humor na frente do palco e nos
bastidores, onde astros pop na meia-idade e executivos de gravadoras com seus
ternos sob medida e cortes de cabelos caros rodavam pelas barracas de bebidas
ou sob guarda-chuvas abertos. O Pink Floy d chegou de helicóptero.
No palco, a tela circular do Floy d ficou tão ensopada que teve de ser
abandonada. Paul McCartney, talvez se perguntando por que um ex-Beatle estava
tocando antes do Pink Floy d, aumentou seu set uma música após a outra,
atrasando a entrada da atração principal.
Quando finalmente chegaram, o truncado set do Floy d foi tocado sob
lençóis de água e ventos fortes, que levavam para longe as notas de abertura de
“Shine OnYou Crazy Diamond”. Surgindo de ondas de gelo seco, Gilmour, em
um terno largo e corte de cabelo coroinha, encarou os elementos na frente do
palco e tentou fazer seu melhor. Tocaram furiosamente “Comfortably Numb” e
“Run Like Hell”; apenas uma canção, “Sorrow”, de A Momentary Lapse of
Reason, quebrou a série de padrões. Com helicópteros esperando atrás do palco
para uma retirada rápida, aquela seria a última aparição pública do Pink Floy d
por três anos.
Em contraste com um show beneficente para meras 125 mil pessoas
pessoas, Waters iria cronometrar sua próxima performance junto a um evento
global de importância histórica. Em novembro de 1989, o governo comunista da
Alemanha Oriental começara a renunciar ao controle do Muro de Berlim, uma
barreira com 150 quilômetros de extensão, construída 28 anos antes para dividir a
Alemanha em duas e manter os trabalhadores no Leste. A decisão do governo da
Alemanha Oriental de permitir que seus residentes cruzassem a fronteira foi
seguida de um desmantelamento e a derrubada do próprio muro pelos habitantes
do lado oriental em júbilo e suas contrapartes ocidentais. Em junho de 1990, os
militares da Alemanha Oriental começaram a destruir oficialmente a barreira.
Foi um momento extraordinário da história moderna.
Um ano antes, o compositor Leonard Bernstein (que certa vez tinha se
declarado “entediado” por uma performance da turnê do Pink Floy d do disco
Atom Heart Mother, em Nova York) conduzira um concerto de celebração em
ambos os lados do Muro de Berlim. Em julho de 1990, Roger Waters decidiu
encenar uma celebração subsequente: uma performance de The Wall, próximo
de Brandenburg Gate, no Potsdamer Platz, em Berlim, nas ruínas do verdadeiro
muro. “Não é um ‘toma isso!’ para David Gilmour e Nick Mason”, insistiu Waters
na época, “mas será gratificante que mais algumas pessoas no mundo venham a
entender que The Wall é meu trabalho e sempre foi... Embora, após tê-los
escutado tocar em Knebworth, acho que eu não tenho muito com o que me
preocupar.”
O empresário de rock, Mick Worwood, que anteriormente tinha ajudado a
montar o Live Aid, abordou Waters. Worwood estava agindo em resposta a uma
aproximação de Leonard Cheshire, do Memorial Fund for Disaster Relief, uma
entidade beneficente criada para ajudar as vítimas do terremoto na Armênia e
de outros desastres recentes. Sua meta era arrecadar 500 milhões de libras, com
base no valor de 5 libras para cada pessoa morta em qualquer guerra durante o
século XX.
Waters foi apresentado a Leonard Cheshire. O homem de 72 anos era um
ex-capitão da força aérea que havia comandado muitas missões de bombardeio
sobre Berlim durante a Segunda Guerra Mundial e como o oficial representante
da Inglaterra, foi o observador do bombardeio de Nagasaki. Por conta de tudo o
que testemunhou durante a guerra, Cheshire retornou ao seu país e devotou-se a
estabelecer a Cheshire Foundation of Care Homes por todo o Reino Unido. Para
Waters, ainda preocupado com a morte de seu pai durante a Segunda Guerra
Mundial, Cheshire foi uma figura inspiradora.
Dois anos antes, quando perguntado se ele voltaria a encenar a produção de
The Wall, Waters disse que não, mas citou que “poderia fazer a céu aberto se um
dia eles tirarem o muro de Berlim”. As notícias de seu comentário chegaram a
Worwood e Cheshire. “Eu disse que faria se pudesse, contudo, pensava que era
improvável que o muro caísse”, disse Waters. “Isso foi antes que Berlim se
abrisse, então nossa visão era diferente.” Enquanto isso, Waters vinha discutindo
com o produtor Tony Hollingsworth, que recentemente tinha ajudado a
supervisionar um show-tributo ao aniversário de 70 anos de Nelson Mandela, que
fora transmitido para 67 países diferentes. Hollingsworth estava encabeçando
agora uma conferência chamada “Looking East”, cuja intenção era trazer os
astros do ocidente para países do oriente. Enquanto Waters ponderava a logística
de encenar The Wall em Nova York, em Wall Street ou talvez no Arizona, no
Grand Cany on, ele recebeu a inesperada notícia em novembro de que o
muroestava oficialmente vindo abaixo.
Somente as vendas dos ingressos não eram capazes de cobrir os estimados
8 milhões de dólares necessários para encenar o show, e Hollingsworth foi
chamado para produzir um evento para o público global da televisão. Assim, com
um álbum ao vivo e um vídeo planejados, a ideia era também vender para a TV,
com o show sendo eventualmente transmitido ao vivo por satélite para 35 países.
Waters também colocou por conta própria 500 mil dólares adiantados de
publicidade. Ele planejava tocar The Wall com um elenco de apoio e músicos
convidados no lugar do Pink Floy d. Também foi acordado que todos os
participantes doariam os royalties do álbum ao vivo e do vídeo para o fundo.
Apesar dos rumores iniciais, o Pink Floy d não foi convidado, embora, de acordo
com Nick Mason, Waters fez questão de enviar convites para todas as ex-
mulheres do grupo.
Os ex-designers de palco do Floy d, Jonathan Park e Mark Fisher, foram
trazidos de volta para ajudar a montar o show. O muro tinha agora 25 metros de
altura e 18 metros de comprimento, construído com 2.500 tijolos à prova de fogo.
Três guindastes foram posicionados atrás para ajudar a desmontá-lo durante o
show. Um dos guindastes também trazia uma versão gigante do professor da
escola de Gerald Scarfe. O artista, por sua vez, trabalhava em um novo design
nesse ínterim: uma cabeça de porco gigantesca inflável, tendo holofotes como
olhos.
Este era um projeto grandioso até mesmo para os padrões do Floy d. Mas,
antes que o trabalho começasse na Potsdamer Platz, que, essencialmente, era
uma “terra de ninguém” no lado oriental de Berlim, as autoridades tiveram que
fazer uma busca na área para procurar bombas e minas que não haviam
explodido, dormentes desde a Segunda Guerra Mundial. Durante as inspeções,
descobriram um monte de entulho que outrora havia sido a entrada principal para
um dos bunkers de Hitler. “É uma terra extraordinariamente histórica”,
vangloriou-se Waters. Entretanto, com apenas oito semanas para o concerto e
diversos contratos de televisão fechados, a única banda definitivamente
confirmada para aparecer era o conjunto alemão de heavy metal Scorpions.
Waters convocou uma reunião de emergência e concordou em acompanhar
Tony Hollingsworth a uma viagem até Los Angeles para buscar talentos.
O ex-membro do conjunto Bleeding Heart Band, Paul Carrack, tocava no
projeto paralelo do baixista do Genesis, Mike Rutherford, Mike and The
Mechanics, quando recebeu um telefonema. “Roger fez uma lengalenga de vinte
minutos sobre como seria o maior concerto de todos os tempos, e assim por
diante”, recorda-se Carrack. “Finalmente, chegamos ao ponto e me perguntou se
eu tinha o telefone de Huey Lewis. Eu tinha e lhe dei, e depois perguntei: ‘E
quanto a mim, Roger?’, e ele apenas respondeu: ‘Você não é famoso o bastante!’.
Não houve tentativa de poupar meus sentimentos”, ri Carrack. “Na verdade, acho
que Roger se deleitou bastante ao me dizer aquilo. Achei que era perfeitamente
razoável, contudo. Ninguém sabia quem diabos eu era.”
O progresso foi lento. Muitos músicos, incluindo Neil Young e Eric Clapton,
não puderam se comprometer, e outros concordaram a princípio, mas não
deram retorno com uma resposta definitiva. Entretanto, com a diligência de
Hollingsworth, a crença inabalável em si próprio de Waters e a reputação de
santo de Cheshire, eles conseguiram a autorização do uso de dois helicópteros
militares norte-americanos para recriar a introdução de “Another Brick in the
Wall Part 2”, uma banda marcial com uma centena de militares soviéticos e a
orquestra e coral da Rundfunk East Berlin Radio. Seis semanas antes do show,
quando operários trabalhando no local ameaçaram largar suas ferramentas se
não lhes pagassem os 200 mil dólares devidos, eles receberam em dinheiro em
menos de uma hora. Chesire foi capaz de convencer um banco de Londres a
ajudá-los.
Entretanto, o veterano aposentado da equipe sentiu-se inclinado a interferir
quando Waters propôs incomodar o público com imagens de dois bombardeios da
Segunda Guerra Mundial. “Ele se sentiu mal com aquilo, sabendo que ele próprio
estivera lá, soltando bombas em pobres bastardos”, Waters falou à revista Q. “Ele
me disse que eu não podia fazer aquilo.” Relutante, Waters recuou.
Na noite do show, o elenco de apoio incluía Levon Helm, Garth Hudson e
Rick Danko da The Band, Van Morrison, Bry an Adams, Cy ndi Lauper, Sinead
O’Connor e Joni Mitchell. Os atores Tim Curry e Albert Finney desempenharam
os papéis do advogado de acusação e juiz em “The Trial” (embora Sean
Connery tivesse sido uma das primeiras escolhas para o papel de Finney até que
Waters o vetou), Marianne Faithfull (como a mãe de Pink), Jerry Hall (como a
groupie em “One of My Turns”), a cantora alemã Ute Lemper (como a esposa
de Pink) e Thomas Dolby, como o professor da escola. E, espreitando atrás do
muro, estava Paul Carrack.
“Uma semana antes do show, Roger me ligou de novo”, diz Paul. “Eles já
ensaiavam por lá, e acho que estavam tendo um ou dois problemas com os
convidados especiais. Ele me disse: ‘Quero que você escute e aprenda essas seis
músicas, só por precaução’. Então, dois dias antes do evento, recebi a ligação
para seguir em frente.”
Leonard Cheshire abriu oficialmente o show de 21 de julho com o sopro de
um apito da Primeira Guerra Mundial. Desse ponto em diante, a apresentação
direto para “In the Flesh”, a música de metal pesado tocada pelos Scorpions. No
meio de “The Thin Ice”, o desastre se abateu quando o som desapareceu,
deixando Waters sozinho no palco sem poder ser ouvido. Mostrando um
vislumbre raro e muito benvindo de bom humor, ele começou a sapatear antes
que o som voltasse e eles pulassem diretamente para “Another Brick in the Wall
Part 2”, com irritantes vocais de Cy ndi Lauper, cantora convidada e idolatrada
nos anos 1980, e solos estendidos dos guitarristas da Bleeding Heart Band, Andy
Fairweather-Low, Snowy White e Rick di Fonzo. Infelizmente, a presença de
tantos links via-satélite no local significaria que problemas com o som e falhas de
energia continuariam a ocorrer. Sinead O’Connor emocionou com “Mother”, Joni
Mitchell se esforçou em “Goodby e Blue Sky ”, Jerry Hall enganou com a famosa
frase Wow, what a fabulous room..., como a groupie descabeçada de “One of My
Turns”, e Van Morrison vibrou pela versão extrema de “Comfortably Numb”,
com ajuda de vários membros da The Band, os roqueiros folk-country aprovados
por Dy lan que tinham vaiado o Pink Floy d lá nos anos 1970.
Huey Lewis não estava em nenhum lugar à vista. Enquanto isso, o fiel
substituto Paul Carrack cantou “Hey You” por detrás do próprio muro. “Se
soubesse, eu teria usado um saco de papel na cabeça”, brinca. “Foi muito
assustador, foi realmente o maior show de todos os tempos. Se as câmeras
pudessem me flagrar, pegariam meus joelhos batendo.”
Fiel à encenação do show, muito do drama original foi mantido, apesar da
frequente mudança no elenco de convidados especiais. Ao usar novamente o
muro como uma tela gigante para projetar imagens, Waters atualizou os filmes
originais. Durante “Bring the Boy s Back Home”, o muro mostrava uma chamada
de todos os soldados que morreram durante a Guerra. Entretanto, mais de uma
testemunha pontuou os desconfortáveis paralelos entre aquelas cenas no show,
seguidas de outras em que o astro do rock Pink se imagina como um ditador
fascista, e os eventos de um passado ainda recente na Alemanha. Ver Waters, de
uniforme militar e óculos escuros, botas do exército, discursando em “Waiting for
the Worms” (Would you like to see our coloured cousins home again?,1 pode ter
destilado algumas memórias desconfortáveis para aqueles que tinham idade
suficiente para se lembrar da vida em Berlim antes do muro.
“Todo mundo compreendeu que era uma sátira”, afirmou Waters. O
público estava unido para “The Trial” e o cântico final de tear down the wall. Os
habitantes de Berlim externavam as palavras com mais sentimento do que o fã
comum do Pink Floy d. Nesse contexto, a escolha da balada do disco Radio
K.A.O.S., “The Tide is Turning” – uma canção celebrando a fé na raça humana –
como final do show, faz sentido. Os números oficiais de presentes no show foram
de duzentas mil pessoas, com outros dizendo que havia o dobro de gente no local,
e uma estimativa de um bilhão de espectadores assistindo pela televisão em todo
o mundo.No rescaldo, um rumor começou a circular de que o show inteiro teve
que ser reencenado devido a seguidas faltas de energia; algo que Paul Carrack
nega veemente. Entretanto, algumas partes tiveram que ser repetidas para as
câmeras. Enquanto a maior parte dos convidados consentiu, Sinead O’Connor
recusou-se a cantar sua performance em “Mother” novamente, o que resultou no
uso da apresentação que ela fez durante os ensaios para o vídeo final. “Todos
foram fabulosos para se trabalhar”, disse depois Waters. “Bry an Adams, Van
Morrison, Cy ndi Lauper, todos brilhantes. Exceto Sinead O’Connor.”
A cantora e compositora irlandesa também tinha, de acordo com Waters,
reclamado da “falta de pessoas jovens no show” e sugeriu que ele deveria ter
contratado “Ice-T ou alguém do gênero para retrabalhar suas canções na forma
de rap”.
Entretanto, a ausência da marca Pink Floy d ainda se mostrava um
problema. Lançado em setembro, nem o álbum ao vivo comemorativo, nem o
vídeo atingiu o número esperado por Waters ou Leonard Cheshire. O álbum
raspou o Top 30 na Inglaterra, mas ficou de fora do Top 50 nos Estados Unidos,
gerando apenas uma fração do montante esperado para o Memorial Fund for
Disaster Relief. Indagados sobre suas opiniões a respeito da encenação de The
Wall em Berlim, o Pink Floy d foi diplomático e levemente crítico. “Fiquei
entretido”, afirmou Nick Mason. “Se eu tivesse uma crítica, diria que gostaria que
ele tivesse tido um guitarrista diferente.” Gilmour foi mais bufão quanto ao
assunto: “Suspeito que a motivação de encenar o show The Wall em Berlim não
tinha a ver com caridade”.

Em outubro de 1987, Waters tinha levado The Bleeding Heart Band a


Nassau para gravar canções para uma sequência de Radio K.A.O.S. Seu plano na
época era reviver o personagem Billy e dar continuidade à narrativa. O título de
trabalho para seu novo disco era Amused to Death, retirado de um livro chamado
Amusing ourselves to death, de Neil Postman, uma crítica sobre o domínio que a
televisão tem em todo o mundo. Circularam rumores de que Gerald Scarfe tinha
projetado a capa do álbum com três figuras (os atuais membros do Pink Floy d?)
flutuando em um copo de martíni. O artista nega a história. O trabalho no álbum
recomeçou após a turnê de Radio K.A.O.S. em meio a rompantes de atividade
que duraram todo o ano de 1988 e começo de 1989, até surgirem as notícias de
que Waters havia colocado o disco na gaveta. Ao mesmo tempo, corriam notícias
de que ele também estava trabalhando em uma ópera baseada na história da
Revolução Francesa. Levaria catorze anos até que ela viesse a ser completada.
Preocupada com as baixas vendas de Radio K.A.O.S., a EMI não estava
com humor para Radio K.A.O.S. Part 2. O relacionamento de Waters com o selo
havia azedado durante a batalha judicial com o Pink Floy d, já que ele acreditava
que a empresa sempre deu mais apoio à banda do que à carreira solo dele. Após
o show em Berlim, Waters se retiraria das vistas do público, enquanto lidava com
as perturbações de sua vida pessoal e profissional.
Em 1990, ele nomeou um novo empresário, Mark Fenwick, parte da
dinastia da loja de departamentos Fenwick, que tinha anteriormente gerenciado o
selo EG Records, lar de Robert Fripp e Brian Eno. No mesmo ano, Waters saiu da
EMI e assinou um novo acordo mundial com o selo americano Columbia. No ano
seguinte, ele apareceu para suas cinco primeiras performances desde Berlim,
tocando “Another Brick in the Wall Part 2” e outros clássicos do Floy d no
concerto Guitar Legends, em Sevilha. Haveria mais tumulto em sua vida privada.
Waters deixou sua segunda mulher, Caroly ne Christie, após dezesseis anos juntos.
Ele afirmou ter encontrado outra pessoa, a atriz americana Pricilla Phillips.
Waters se divorciaria de Caroly ne em 1992 e casaria um ano depois com
Pricilla. Os dois também teriam um filho juntos, Jack Fletcher, em 1997.
Em agosto de 1992, Amused to Death, o produto de diversos anos de
trabalho, em dez estúdios de gravação diferentes, foi lançado. Ele chegou cinco
anos após Radio K.A.O.S., a mais longa lacuna na carreira de Waters. Os
membros do Floy d mergulhados em um copo de martíni não estavam na capa,
trocados pela imagem de um macaco encarando um único olho espiando-o de
volta de uma televisão. A capa espelhava o tema do álbum e as ideias por trás do
livro de Neil Postman. Embora algumas das propostas remanescentes datassem
de 1987, Waters tinha revisado muitas das canções que seguiam eventos mundiais
específicos. Os temas mais centrais eram o Massacre na Praça da Paz Celestial
da China, em 1989, e a primeira Guerra do Golfo, ambos televisionados
exaustivamente. Waters estava em seu elemento.
“Sempre me senti intrigado por esta noção de guerra como forma de
entretenimento para apaziguar o pessoal em casa, e a Guerra do Golfo abastecia
essa ideia”, ele explica. “Amused to Death lida com a ideia de a televisão ser boa
ou má.”
Como fator positivo, Waters se lembra de um documentário que viu na TV
sobre a Primeira Guerra Mundial (“um exemplo que mostra a televisão
assumindo seriamente suas responsabilidades”), no qual veteranos do conflito
recontam suas experiências. A primeira faixa do álbum, “The Ballad of Bill
Hubbard”, contém um extenso diálogo do programa, no qual um velho soldado,
Alf Razzell, dos Fuzileiros Reais, pode ser escutado detalhando suas fracassadas
tentativas de salvar a vida de um amigo.
Em grande parte do álbum, Waters se focou nos efeitos negativos da mídia.
“Eu tinha essa imagem deprimente de uma criatura alienígena vendo a morte
deste planeta, que desce em sua espaçonave, encontrando apenas esqueletos
sentados em volta de televisores”, ele contou. A Guerra do Golfo ser
televisionada na CNN demonstrava o poder da rede de comunicações global,
mas Waters não estava impressionado. Também na sua mira estava o presidente
George Bush (“fico pasmo quando o ouço falar que Deus estava ao lado dele
durante a Guerra do Golfo”), cujo predecessor Ronald Reagan tinha recebido
uma surra completa em Radio K.A.O.S.
Amused to Death era sem dúvida um álbum melhor que o anterior. Embora
Waters o tenha escrito sozinho, ele havia trazido um elenco estelar de músicos de
estúdio e convidados especiais, junto com a The Bleeding Heart Band. As
contratações incluíam o baterista Jeff Porcaro e o arranjador Michael Kamen
(ambos haviam aparecido em The Wall), enquanto os convidados incluíam Don
Henley, do The Eagles, a cantora country Rita Coolidge e o guitar hero Jeff Beck,
o homem que outrora foi sondado para tocar no Pink Floy d antes de David
Gilmour.
A canção que Beck toca no álbum, “What God Wants Part 1”, foi um ponto
alto singular, além de ter sido claramente outro esforço feito por Waters para
destacar um guitarrista com uma reputação que rivalizasse com a de David
Gilmour. Beck explicou depois que se juntou a Waters após ele ter recebido
permissão para dirigir a Maserati vintage do baixista por Richmond Park. Waters
também tinha chamado um coprodutor, Pat Leonard, o compositor que havia
escrito hits para Madonna e tocou teclado em A Momentary Lapse of Reason.
“O que Pat fez antes não me interessa”, afirma Waters. “Ele sentou-se em
um teatro de Chicago aos 14 anos para assistir ao Pink Floy d tocar Dark Side of
the Moon. Ele conhecia meu trabalho inteiro e me deixou impressionado.”
Um dos antigos membros da Bleeding Heart Band certa vez se lembrou de
uma conversa na qual Waters declarou: “Estou no processo de escolher alguém
para desempenhar uma tarefa servil em meu próximo disco”. Apesar disso,
Leonard deixou sua marca em Amused to Death, ajudando a lhe dar a sonoridade
similarmente cinematográfica de A Momentary Lapse... Não que Ezrin tenha
passado sem ser mencionado em Amused to Death.
Em uma música, “Too Much Rope”, Waters canta o verso each man has his
price, Bob, and yours was pretty low,2 que muitos acham que se refere à decisão
de Ezrin em produzir o Pink Floy d cinco anos antes. Waters explicou que “a frase
original era each man has his price, my friends,3 então entendam isso da forma
como quiserem”. (“Isso não é um tanto quanto infantil? Não é algo incrível?”,
comentou Ezrin.)
Ezrin não era a única figura de peso que estava na lista de Waters.
Enquanto gravava o álbum, ele abordou o cineasta Stanley Kubrick para pedir
permissão de usar no álbum diálogos do filme 2001: Uma Odisseia no Espaço.
Kubrick recusou e acabou mencionado em uma mensagem ilegível gravada de
trás para a frente no começo da música “Perfect Sense Part 1”. Quem sabe,
Kubrick talvez apenas estivesse devolvendo a Waters sua recusa em permitir que
ele usasse Atom Heart Mother em um de seus filmes, mais de vinte anos antes.
Ao completar o álbum, Waters convidou seu antigo amigo Ron Geesin para
ir a sua mansão em Kimbridge. “Apareci ao meio-dia e meia, e uma hora depois
ele ainda não tinha chegado”, diz Geesin. “Roger costumava fazer isso quando o
conheci. Você chegava no horário combinado e ele ainda não tinha voltado de
seu jogo de squash. Eu costumava chamá-lo de FCA – Fator Calculado de Atraso.
Era sua forma de tentar manter o outro em seu lugar.”
Quando Waters finalmente chegou, ele mostrou alguns esboços para
Geesin da ópera na qual estava trabalhando. “Dei algumas sugestões vagas como
‘Ah, quem sabe o naipe de metais pudesse fazer isso ou aquilo...’ e ele se virou
para mim e disse: ‘Eu não o convidei para saber o que pensa...’.”
Antes de sair, Waters deu a Geesin uma cópia de Amused to Death. Quando
foi tocá-lo em casa, Ron descobriu que a caixa estava vazia. “Então fiz uma
pequena peça de arte, no formato de um CD, na qual escrevi um poema sobre o
disco não estar lá, e enviei de volta para ele. Após três dias, telefonei-lhe, e ele
me disse: ‘O que é esse negócio aqui? Não entendi’. Ele sabia muito bem que era
só um presentinho e uma piada boba sobre o disco não estar dentro da caixa.
Fizemos coisas assim durante anos. Ele só estava sendo difícil. Outra coisa que
Roger me disse foi: ‘O que é essa história que escutei sobre você estar criticando
o álbum?’. Eu lhe disse que não estava fazendo nada do gênero e que nem teria
condições de fazê-lo. Ele falou: ‘Bom, foi isso o que escutei’. Então aquilo ficou
indo e vindo, até que no final eu apenas disse: ‘Roger, vá se foder’.”
Os dois não se falaram desde então.
Para ajudar a vender Amused to Death, Waters se submeteu ao tipo de
campanha promocional que teria entrado em choque com seu desprezo seco dos
dias do Pink Floy d. Ele se apresentou como um fantástico entrevistado:
explicando com paixão seu novo álbum, enquanto enviava torpedos verbais
contra líderes mundiais, estações de TV, o Pink Floy d, todo mundo... Waters
informou alegremente a um entrevistador que a única música que ele estava
escutando atualmente era a de Joe Tex, um antigo cantor de soul. Em outro lugar,
comentou que Madonna era “uma garota feia, uma pessoa fútil” e claramente
não tinha necessidade de se mostrar na moda. “Eu espero que as pessoas logo se
encham de adolescentes com bonés de beisebol virados para trás e rappers
falando sobre a música de outras pessoas.”
Dito isso, ele ainda teve que engolir seu orgulho e fazer um clipe para a
MTV. “Eu enxergo a ironia”, explicou para a revista Details. “Mas tive que
decidir se ia manter-me firme e dizer ‘não vou fazer um vídeo’ e reduzir, assim,
substancialmente as chances de as pessoas saberem sobre o disco.” O canal
musical estava em sua infância quando Waters começou sua carreira solo.
Infelizmente, Roger certa vez havia se recusado a responder a uma pergunta
durante uma entrevista à MTV sobre The Pros and Cons of Hitch-hiking (quando
lhe pediram que comentasse sobre o Pink Floy d) e desde então fora deixado de
lado pelo canal. Dois anos depois, o relançamento do Pink Floy d gozaria de uma
ampla cobertura na MTV.
Para um homem percebido como singular e inflexível, também era
gratificante escutá-lo admitir os sentimentos de insegurança sobre seu trabalho.
“Permito que as pessoas me levem por avenidas em que não deveria ter seguido
de fato”, ele disse ao LA Times. “Com o Radio K.A.O.S., eu me deixei levar pela
tecnologia em meio a todo o litígio do Pink Floy d e acho que fiquei um pouco
inseguro sobre meu valor e quem eu sou...”. Waters também revelou que fez
terapia durante a maior parte dos anos 1980 para aprender como, ele mesmo
falou, “libertar-se do domínio de subpersonalidades destrutivas”. Essa admissão
se relacionava à terapia inspirada pelo psicólogo Carl Jung, na qual o sujeito
aprende como se individualizar. Os paralelos com as ideias de Waters em Dark
Side of the Moon eram óbvios. Jung acreditava que, embora a sociedade prepare
a maior parte das pessoas para a primeira metade da vida, ela falha em fazê-lo
para a meia-idade e dali para a frente.
A individualização era, portanto, uma forma de preparar a psique para a
segunda metade da vida. “Você tem chances melhores de trilhar seu próprio
caminho”, disse Waters. “Temos nossas cruzes para suportar. A minha maior foi a
morte de meu pai e ter que crescer em uma sociedade dominada por mulheres,
e a consequência disso foi que meus relacionamentos posteriores com elas se
tornaram bastante difíceis.” Muitos fãs, claro, só queriam saber se ele iria voltar
para o Pink Floy d ou não.
Amused to Death ganhou algumas das melhores resenhas da carreira solo
de Waters. Entretanto, o Daily Telegraph não contribuiu com uma delas: “Caso
ele tivesse sido abençoado com um senso de humor rudimentar e um pouco mais
de fluência verbal [...] Roger Waters bem que poderia ser a versão pop de Martin
Amis”, escreveu Charles Shaar Murray. Waters passou uma entrevista posterior
inteira para uma revista atacando Murray e outros críticos musicais: “Eles não
sabem como escrever, porra”. A revista Billboard, entretanto, decidiu que
Amused to Death era “um dos discos mais provocantes e musicalmente brilhantes
da década”.
O álbum certamente sugeria que Waters tinha convicções profundas sobre
o mundo que o cercava. Aquele não era o trabalho de um astro do rock
milionário e complacente. Em contraste, o último disco do Pink Floy d tinha muito
pouco disso tudo. Waters, como sempre, tinha as ideias, filosofias, obsessões, mas
não conseguia se igualar aos seus colegas de banda em termos de apelo musical.
A música de Roger teve que lutar com suas palavras e efeitos especiais, dos quais
havia muitos em Amused to Death. “Perfect Sense Part 1” amplificava o
problema, com o estimado cantor de soul P.P. Arnold, lutando contra muitas
letras com trava-línguas, apenas para fazer com que a mensagem fosse
transmitida. Apesar de tudo, era o estilo musical de Roger Waters, pelo qual ele
sentia que não precisava mais se desculpar. Com três álbuns solo lançados, o
público consumidor já deveria estar acostumado àquela altura – mas ainda não
estava. A Momentary Lapse of Reason pode ter sido um triunfo do estilo sobre a
substância, mas, para muitos, Amused to Death tinha substância demais.
Perguntado em 1992 se ele faria uma turnê do álbum, Waters disse que,
sim “se ele vendesse entre três e quatro milhões”. No final, Amused to Death
acabaria vendendo quase um milhão de cópias. Chegando ao número 8 na
Inglaterra, foi seu álbum que atingiu a melhor colocação nas paradas até então.
Para seu criador, como sempre, vendas e críticas tinham pouca importância.
“Acho uma obra sensacional”, ele refletiu depois, colocando-o lado a lado com
Dark Side of the Moon e The Wall como um de seus melhores álbuns. Em
momentos mais verborrágicos, Waters afirmaria, não sem razão, que, se Amused
to Death tivesse sido um disco do Pink Floy d, ele teria vendido dez milhões de
cópias. Apesar de toda sua empáfia, a falta de sucesso do disco deve tê-lo
machucado. Ele ficaria sete anos sem tocar ao vivo.

Apesar de não estar flutuando no copo de martíni imaginado por Roger


Waters, o Pink Floy d tinha estado dormente desde que se apresentou em
Knebworth. Eles tinham suas vidas para tocar. David Gilmour havia se
divorciado, enquanto Nick Mason casou-se com a atriz de televisão e
apresentadora Annette Ly nton, com quem teria mais dois filhos, Guy e Carey.
Em 1990, os parceiros do Floy d e Steve O’Rourke competiram na corrida
de carros esportivos Carrera Pan America, no México. O’Rourke tinha vendido
previamente os direitos para filmar a participação deles para cobrir os custos de
competir. Três dias depois, o desastre aconteceu quando o Jaguar dirigido por
Gilmour, com O’Rourke no banco do passageiro, acelerou ao longo da borda de
um aterro próximo à cidade de San Luis Potisi, deixando o guitarrista ferido e o
empresário com uma fratura exposta na perna. Após escapar da morte, eles
voltaram à Inglaterra para gravar a trilha sonora de um filme.
Ao perceber que precisavam de ajuda, Gilmour, Mason e Wright reuniram
algumas feras, Gary Wallis, Jon Carin e Guy Pratt, e foram para o Oly mpic
Studios, em Londres. As sessões foram um contraste firme com o processo lento
e agonizante de A Momentary Lapse of Reason. Sem a pressão de ter que criar
um disco do Pink Floy d, os músicos simplesmente fizeram jams juntos, com o
guitarrista Tim Renwick, que ainda acumulava tarefas no novo álbum de Bry an
Ferry. Eles fizeram sete canções; a gravação mais rápida do Pink Floy d desde a
trilha sonora de Obscured by Clouds. Lançado em abril de 1992, nem o filme,
nem a trilha chamaria a atenção de ninguém a não ser do fã mais ardente do
Pink Floy d. Entretanto, esse novo modo de trabalhar se mostraria crucial para o
próximo disco do Floy d. Não que David Gilmour estivesse com alguma pressa
para começar o álbum. Ao contrário, ele retornou à sua faceta de guitarrista
contratado (sugerindo aos seus clientes que doassem seus honorários para
caridade). A guitarra de Gilmour agraciou os álbuns de, entre outros, Warren
Zevon, Propaganda, Paul Young, All About Eve e o antigo colega Roy Harper.
Ele também compôs uma nova música, “Me and J.C.”, para a versão filmada de
O jardim de cimento, o sombrio conto de Ian McEwan sobre incesto e assassinato.
Em 1992, Gilmour e Mason se reuniriam somente para fazer alguns shows
beneficentes em Londres, incluindo o Chelsea Arts Ball, no Roy al Albert Hall,
onde Richard Wright se juntou a eles no palco. Em novembro, a EMI lançou
“Shine On”, uma caixa com sete discos, de A Saucerful of Secrets a A Momentary
Lapse of Reason, além de um álbum extra contendo seus primeiros singles. Os
críticos rapidamente atiçaram as brasas da disputa Waters versus Gilmour, com
ambos os lados mordendo a isca. Novamente, Gilmour disse à revista Musician
que ele tinha feito várias partes dos baixos nos discos do Pink Floy d e que Waters
ironizava agradecendo-o sempre que ganhava uma votação de Melhor Baixista.
Waters, por sua vez, negou o rumor de que tinha mandado produzir 150 rolos de
papel higiênico com o rosto de Gilmour impresso, embora tenha dito que era
uma boa ideia. Lá estava o padrão das alfinetadas: Waters era um músico ruim;
Gilmour e Mason não tinham criatividade. Como o baterista disse alguns anos
depois, “se nossos filhos se comportassem assim, teríamos ficado bastante
contrariados”.

Em uma fase mais otimista, em 1993 o Pink Floy d começou a trabalhar


mais uma vez. Melhor ainda, o grupo começou a tocar no estúdio sem a ameaça
de processos legais ou chamadas telefônicas de advogados que quebrassem a
concentração. As sessões começaram no Britannia Row, apenas com Gilmour,
Mason e Wright juntos, antes de o baixista Guy Pratt ser convidado a se juntar ao
trio.
“Era emocionante saber que estava tocando para um disco do Pink Floy d”,
admite Guy. “Às vezes, Dave trazia algumas ideias e eu colocava uma linha de
baixo básica, apenas para perceber o quanto eu tocava fora da cadência. David
sempre tinha uma alternativa melhor: ‘Sim, isso é ótimo... mas vamos tirar
noventa por cento das notas que estão aí’.” Essas sessões geravam sequências de
acordes aleatórias, riffs e ideias. Apesar de o engenheiro Andy Jackson também
estar de volta à labuta, Gilmour mantinha um gravador próximo de onde estava
tocando e apenas pressionava o botão “gravar” sempre que sentia que a banda
estava chegando a algum lugar. Pouco depois, eles decidiram chamar um
coprodutor.
“Meio que assumi que faríamos tudo de novo, já que David e eu ficamos
em contato com base na amizade”, disse Bob Ezrin. “Então, Steve O’Rourke me
telefonou, perguntou se eu faria, e aí me contou o quanto a menos me pagaria.
Ele sempre tentava algo assim.”
Ao final, a banda dispunha de 65 fragmentos individuais nas pilhas de fitas.
Decidiram fazer uma abordagem diferenciada para selecionar o material.
“Tínhamos o que chamávamos de ‘a grande audição’, na qual escutávamos todos
os fragmentos, e todo mundo votava em sua peça favorita, para vermos qual era
mais popular”, explicou Gilmour. De acordo com ele, os fragmentos foram a
seguir reduzidos aos “25 melhores que, na verdade, eram os 27, já que mais dois
foram adicionados”. O processo prosseguiu, com os trechos sendo rascunhados
todos juntos ou fundidos a novas propostas. A seleção final passou por cerca de
quinze ideias, das quais quatro seriam descartadas antes que o tracklist final de
onze canções fosse definido.
Esse processo teve seus inconvenientes quando, de acordo com Nick
Mason, Richard Wright concedeu a cada uma de suas ideias o número máximo
de pontos, influenciando a votação. Apesar de seu envolvimento, Wright ainda
não era contratado da banda como membro integral, algo que claramente o
irritava.
“Chegou bem próximo de um ponto em que eu não ia fazer o álbum”, ele
disse em 2000, “porque não achava mais justo o que tínhamos concordado.”
Mas, por mais contrariado que possa ter ficado, Wright optou por permanecer e
seria recompensado com cinco coautorias no disco final – a primeira vez que ele
recebia um crédito de composição em qualquer álbum do Pink Floy d desde Wish
You Were Here. Entretanto, como Gilmour, Wright não se considerava um letrista
natural. Nick Laird-Clowes, do Dream Academy, e Anthony Moore, o letrista de
A Momentary Lapse..., acabariam contribuindo, mas Gilmour também tinha uma
parceira para escrever em tempo integral: sua nova namorada.
Polly Samson era uma jornalista que fora apresentada a Gilmour em um
jantar. Filha de pais comunistas – mãe chinesa e pai alemão –, ela teve uma
educação pouco convencional. Samson havia sido expulsa da escola antes de
mergulhar em um trabalho na publicidade que a levou a uma tarefa como
colunista de fofocas do Sunday Times no início dos anos 1990. Nesse ínterim, ela
criara sozinha seu filho, Charlie, após a partida do pai do garoto, o escritor de
teatro Heathcote Williams. Amigos em comum tentaram apresentá-la a Gilmour
em diferentes ocasiões, até que ele finalmente telefonou para ela e a convidou
para assistir a um show do U2.
No começo, o papel de Samson no novo disco era meramente de
encorajamento. “Ela tentava me persuadir e apontar a direção onde devia
colocar minha energia”, lembrou-se Gilmour. O ponto culminante do álbum foi
uma canção que se chamaria “High Hopes”, na qual Gilmour, com a motivação
de sua namorada, refletiu sobre sua infância em Cambridge. “Ela me ajudou a
começar ‘High Hopes’, mas logo ficou claro que seria melhor se ela própria
participasse. Polly tentou não participar de início, mas eu queria que ela fizesse e
ela concordou.”
Gilmour trabalharia com o resto da banda no estúdio antes de voltar para
casa e passar a noite escrevendo com Polly. “Havia um lado invisível em todo o
processo”, ele explicou, “algo de que Nick, Bob e Rick não tinham ciência.”
A presença de Polly logo provocou choques entre alguns membros do
círculo de Gilmour. “Não foi fácil no início”, admite Bob Ezrin. “Colocou certa
tensão no grupinho dos garotos, e era quase um clichê ver uma mulher nova
aparecer e então se envolver na carreira deles. Mas ela inspirava David e lhe deu
maior confiança, desafiando-o. O que quer que David estivesse pensando na
época, ela o ajudou a verbalizar.”
“Polly tem uma tendência de perturbar todo mundo”, Gilmour admitiu
para a revista Mojo. “Não sei se ela perturbou Nick ou Rick, mas com certeza
contrariou a gerência.” “High Hopes”, daria ao álbum o impulso necessário. “Foi
a canção que uniu todo o disco”, diz Bob Ezrin. “Era a música mais completa
emocionalmente que tínhamos. Estávamos no rio, no inverno, na boa e cinzenta
Inglaterra. Há uma atmosfera toda especial na Inglaterra nessa época do ano.
Faz com que as pessoas migrem para dentro de si, é tão introspectivo, e a música
capturou essa essência.”
O relacionamento de Polly Samson com Gilmour não foi o único com que
a banda teve de lidar. Desde o final da turnê de A Momentary Lapse..., Guy Pratt
e Gala Wright se tornaram oficialmente um problema. “Foi uma fase estranha
para mim”, diz Guy. “Gala e eu tínhamos acabado de sair de férias, e acho que
havia uma esperança no acampamento de que nós iríamos nos desentender e
tudo voltaria ao normal. Só que isso não aconteceu. Quem sabe na minha cabeça
fosse algo maior do que era de fato, mas eu sentia como se estivesse o tempo
todo pisando em ovos.”
Para piorar a tensão, Pratt vivia bem próximo de Richard Wright, em
Kensington. “Então, no estilo comum de dividir tudo do Pink Floy d, eu
normalmente era designado como motorista de Richard. Assim, tinha uma hora
de silêncio todas as manhãs, com Rick sentado naquele horrível Golf da Volks que
eu dirigia na época.”
Jon Carin e Gary Wallis foram trazidos para testemunhar o sofrimento de
Guy e completar a banda, antes que as gravações das faixas oficiais já
selecionadas começassem. Apoio adicional veio de uma equipe de cinco backing
vocals, incluindo Sam Brown e Durga McBroom, a cantora da turnê de A
Momentary Lapse..., e do arranjador de orquestra Michael Kamen. Tim Renwick
veio tocar guitarras adicionais junto com outro veterano do Pink Floy d, Dick
Parry. O último álbum do saxofonista com o Pink Floy d havia sido Wish You Were
Here. Ele só voltara a tocar o instrumento após trabalhar como balseiro por
diversos anos, quando enviou um cartão de Natal para David Gilmour.
“Eu apenas telefonei para ele e perguntei se poderia fazer uma audição
para a turnê”, disse Gilmour. Parry visitou o Astoria e, em poucos segundos, ficou
claro que ele ainda estava apto para tarefa. Ele acabou tocando em uma música,
“Wearing the Inside Out”.
Enquanto isso, o tecladista Carin atormentou o técnico de guitarra de
Gilmour, Phil Tay lor, para localizar alguns dos antigos teclados da banda dos anos
1970, incluindo o órgão Farfisa. Tirados do depósito onde haviam sido guardados,
ele “sampleou” os sons, alguns dos quais acabaram sendo utilizados nas faixas
“Take it Back” e “Marooned”. Como Andy Jackson explicou depois, “parecia um
álbum de verdade do Floy d mais uma vez”.
Apesar de Gilmour desistir da ideia de fazer um disco conceitual, um tipo
de tema começou a emergir à medida que as músicas eram desenvolvidas. À luz
dos últimos problemas do Pink Floy d, havia certa ironia nos títulos de canções
como “Keep Talking” e “Lost for Words”. Mas enquanto relutava em dissecar as
ideias por trás das canções, Gilmour chegou a dizer que muito do trabalho lidava
com o tema de comunicação e a noção de que, se as pessoas simplesmente
conversassem umas com as outras, poderia se resolver grande parte dos
problemas da vida. “Quem sabe eu precisasse descarregar meu subconsciente”,
ele admitiu.
Surpreendentemente, a banda saiu da toca para uma rara apresentação ao
vivo em setembro. O Floy d tocou três músicas – “Run Like Hell”, “Wish You
Were Here” e “Comfortably Numb” – no Sussex’s Cowdray Ruins Castle, para
levantar fundos para o hospital local. Aqueles que pagaram 140 libras pelo
ingresso também puderam ver alguns astros como Eric Clapton, Genesis e os
membros sobreviventes do Queen.
Em dezembro, o disco estava quase completo. Entretanto, apesar do
envolvimento de Bob Ezrin, o supervisor da mixagem de Dark Side of the Moon,
Chris Thomas, assumiria a mix final. “Isso foi desapontador”, admite Ezrin, “mas
todo mundo achava que podia fazer melhor.”
Agora, tudo o que tinham de fazer era escolher um título para o álbum.
Embora não estivessem tão preocupados com o nome quanto em A Momentary
Lapse of Reason, não conseguiam chegar a um consenso. Durante um jantar, um
amigo da banda, Douglas Adams, autor de O guia do mochileiro das galáxias,
sugeriu The Division Bell, baseado no nome do sino utilizado na House of
Commons para reunir membros ausentes do parlamento na hora de votar
(Gilmour: “Ele dividia os sins dos nãos”). Adams tinha apenas visto algumas das
letras do álbum e destacou aos versos de “High Hopes”. Em troca, a banda doou
cinco mil libras à instituição favorita dele, a Environmental Investigation Agency.
A sugestão viera no momento certo: uma noite antes do prazo final imposto
pela EMI. Storm Thorgerson iria supervisionar outra ideia grandiosa em nome da
banda. Inspirado pelo tema da comunicação, Storm tinha rascunhado uma
imagem de “duas cabeças se encarando, ou conversando uma com a outra,
constituindo um terceiro rosto”. A terceira face sinistra, que podia ou não ser
enxergada pelos fãs, dependia de como estivessem olhando, o que representava,
nas palavras de Storm, “a face ausente – os fantasmas do passado do Pink Floy d,
Sy d e Roger”. Gilmour não ficou convencido.
Após receber mais um conjunto de rascunhos, ele finalmente recebeu bem
a proposta. Dois conjuntos de cabeças esculpidas com 3 metros de altura, no
estilo imponente das estátuas Aku-Aku da Ilha da Páscoa, foram, então,
construídos. Um conjunto seria feito em pedra, o outro, em metal. As peças
foram transportadas para um campo em Ely, próximo ao local onde Gilmour
crescera, onde permaneceriam camufladas e com segurança durante 24 horas,
até que as condições meteorológicas e a luz fossem adequadas para fotografá-
las. Quando Thorgerson decidiu que havia necessidade de uma fileira de luzes
entre as duas “bocas” para representar o discurso, adquiriram quatro holofotes
baratos e os ligaram à bateria do carro do fotógrafo. As efígies de pedra seriam
utilizadas na versão cassete de The Division Bell, e as de metal, na capa do CD.
As cabeças de metal acabariam montando guarda do lado de fora do Earls Court,
em Londres, na ocasião seguinte em que o grupo tocasse lá.

Os anos 1980 viram Gilmour e Mason, assim como Roger Waters,


correndo atrás do próprio rabo para fazer música atual que soasse relevante.
Quando aquele momento passou, contudo, tanto A Momentary Lapse of Reason e
o trabalho de Waters Radio K.A.O.S. sofreriam as consequências. The Division
Bell se esforçou menos e não fez concessões óbvias à era moderna, mesmo que
algumas bandas novas fossem ávidas ao declarar seu amor pelo Pink Floy d.
Desde a última vez que a banda lançara um disco de estúdio, a dance music e a
“cultura rave” haviam deixado sua marca no cenário musical (Gilmour contou à
revista Q que ele já estivera em festas com ácido, mas “nunca em uma muito
grande”). Em 1993, ele concordou em ser entrevistado por Alex Paterson, da
dupla de techno dance The Orb, para uma matéria de capa da Melody Maker.
Gilmour contou que viu The Orb ao vivo e que possuía alguns de seus
discos; Paterson delirou ao mencionar o álbum do Pink Floy d, Meddle. Contudo,
não foi um grande encontro de mentes que pensavam igual, mesmo com Nick
Mason revelando depois que as jams para as composições de The Division Bell
tivessem incluído um conjunto de meandros no estilo de The Orb, intituladas
“The Big Spliff”.
Em outro lugar, a banda americana de rock Nirvana, amálgama de punk
rock e heavy metal com o visual singular de seu cantor Kurt Cobain, tinha
vendido milhões de discos. Uma leva de conjuntos que tinham a mesma
mentalidade “grunge” a seguiu, com o roqueiro das antigas Neil Young até
mesmo fazendo um disco com os rivais do Nirvana, o Pearl Jam. The Division
Bell era cheio de solos de guitarra, mas não havia “grunge” algum ali,
felizmente. Como Gilmour explicou, “o Pink Floy d é uma antiga e gigantesca
fera, mas é minha antiga e gigantesca fera, e eu gosto dela assim.”
Lançado em março de 1994, o “Novo Floy d” emplacou o primeiro lugar
nos dois lados do Atlântico. Ninguém estava surpreso. Em poucos meses,
Gilmour estava dizendo à imprensa que The Division Bell soava mais como um
genuíno disco do Floy d do que tudo o mais feito desde Wish You Were Here. A
abertura instrumental, “Cluster One”, com sua estática e chilreares
extraterrestres – como sinais de outra galáxia –, era sem dúvida território
familiar para o Pink Floy d. Qualquer pessoa que passasse pelo seletor de faixas
do CD play er notaria que a maioria das onze faixas começava com algum
teclado abstrato ou uma nota sonora de origem inidentificável.
Por mais temerosa que tivesse sido a ideia de o Pink Floy d ter sua própria
Yoko Ono, as letras de The Division Bell tinham mais clareza do que a maior
parte de A Momentary Lapse of Reason. Gilmour não estava disposto a explicar,
mas parecia que sua nova parceira o tinha coagido a explorar seus sentimentos
com mais detalhes do que de costume. “A Great Day for Freedom” parece, a
princípio, ser endereçada à destruição do Muro de Berlim, mas havia outra
mensagem salpicada, de otimismo perdido e esperança. Temas similares de
recomeços contrapostos a reflexões melancólicas ocupavam todo o álbum.
Gilmour estava apaixonado, mas ainda assim permanecia resguardado.
“High Hopes” foi o grande destaque do trabalho. Com seus sinos de igreja
ressonantes, vocais vívidos e a lembrança de tempos passados, como se a antiga
voz fatigada da canção de Atom Heart Mother, “Fat Old Sun”, tivesse retornado
25 anos depois para atualizar a história. “What Do You Want From Me?” era mais
combativa, com outro nível musical e lírico. Um blues lento sobre questões
disparadas por Gilmour – Do you want my blood, do you want my tears?4 –, a
música tinha sido inspirada, conforme ele admitiu, em uma discussão com Polly
Samson por falta de comunicação. “Marooned” combinou o som de baleias de
uma praia de Ibiza ao nascer do sol e, depois, deu à banda um Grammy Award
por Melhor Música de Rock Instrumental. Entretanto, The Division Bell é mais
interessante quando Gilmour é forçado para fora de sua condição de guitar hero
e começa a cantar novamente sobre amor e sexo em “Coming Back to Life”, e
sua própria natureza inarticulada em “Keep Talking”, complementado por um
sample computadorizado da voz do professor Stephen Hawking, autor de Uma
breve história do tempo.
O álbum tropeça com “Take it Back”, uma canção no estilo Simple
Minds/U2 que teria se enquadrado melhor em A Momentary Lapse of Reason ou
até mesmo no disco solo de Gilmour, About Face. Ou em nenhum. Contudo, para
os fãs vidrados, o golpe mais surpreendente foi Richard Wright fazer seu
primeiro take vocal desde Dark Side of the Moon. “Wearing the Inside Out” havia
sido coescrita por Wright e Anthony Moore. Como comentou uma pessoa amiga
da banda, “ela fez Moore penetrar na cabeça de Rick e arrancar as palavras de
dentro”. Qualquer um ligeiramente familiarizado com as experiências passadas
de Wright no Pink Floy d e, como se suspeita, da vida em geral, seria tocado pelas
palavras. O tom trêmulo e a letra dolorosa sugeriam um homem encontrando seu
caminho de volta à civilização pela primeira vez em muito tempo. “Há muita
honestidade emocional ali”, avalia Bob Ezrin. “Os fãs tomaram contato com o
lado triste e vulnerável de Rick.”
“Poles Apart” é a canção que se conecta mais diretamente aos fantasmas
do passado do Floy d. Gilmour não a explicaria, mas Samson confirmou depois
que ele falava sobre Sy d Barrett no primeiro verso e Roger Waters no segundo.
Havia até mesmo uma mêlée de sons Wurlitzer, um representante da era
psicodélica do The Piper at the Gates of Dawn, para separar os dois. Gilmour soa
genuinamente reflexivo, falando sobre experiências partilhadas e amizades
perdidas ao longo do caminho.
Enquanto o Pink Floy d tinha se tornado um garoto chorão para os críticos,
lamentando a vaidade de sua autossatisfação como astros do rock envelhecidos, o
cantor original da banda não padecera de tal aprovação. Desaparecido quando
ainda era jovem e bonito, Barrett encantou muitos punks no final dos anos 1970 e
bandas de rock eletrônico nos anos 1980 e 1990, de ambos os lados do oceano.
Michael Stipe, vocalista do R.E.M., era um grande devoto de Sy d. Roger
Waters trombou com o R.E.M. nos bastidores de um show em Londres e deu de
cara com Stipe muito pouco receptivo. “Ele sentou-se em um canto, de costas
para mim”, lembra-se Waters. “Então foi para o palco e fez um bis, uma versão
a cappella de uma música de Sy d, ‘Dark Globe’, o que deve ter sido a maneira
dele de dizer ‘Sy d era legal, mas você é um filho da puta’.”
Na Inglaterra, outra banda de Cambridge, The Soft Boy s, vinha modelando
desde 1980 seu som neopsicodélico nos clássicos de Sy d. Quando o Pink Floy d
lançou The Division Bell, uma onda de novos conjuntos ingleses, incluindo o Blur,
surgiu, inspirados em The Who, The Kinks, The Beatles e no Floy d da era Sy d. O
mito de Barrett não havia diminuído.
Em 1992, a Atlantic Records contatara a família de Sy d, oferecendo 75 mil
libras por qualquer nova gravação que pudesse ser tirada de Barrett. A família
recusou. Na primavera de 1993, a EMI seguiu o aniversário de vinte anos de
Dark Side of the Moon com Crazy Diamond, uma caixa com todas as gravações
de Sy d. Um mês depois, Syd’s First Trip, o filme de Barrett supostamente
viajando em Cambridge, foi lançado em vídeo. O material original fora
recheado com filmagens adicionais da banda com Andrew King do lado de fora
do Abbey Road. Todos pareciam incrivelmente jovens e bonitos, vestindo seus
melhores trajes de astro pop. Alguns anos depois, o Pink Floy d adquiriu os direitos
do cineasta Nigel Lesmoir-Gordon e o retirou de circulação.
“Vendi o filme por intermédio de Steve O’Rourke”, diz Nigel. “Eles
compraram porque eu queria lhes vender, já que precisava do dinheiro. Contudo,
jamais chamei o filme de Syd’s First Trip. Não acho que tenha sido a primeira
vez que Sy d tomou ácido. Ele morria de vontade de tomar LSD e ser filmado.”
The Division Bell tinha finalmente ajudado Steve O’Rourke a realizar seu
desejo de ser incluído em um álbum do Pink Floy d. No final de “High Hopes”,
ele pode ser ouvido conversando ao telefone com o filho mais jovem de Polly,
Charlie, que de repente desliga na cara dele. Até hoje, a voz de O’Rourke é a
última a ser escutada no que muito bem pode ser o último disco do Pink Floy d.
Não que alguém, incluindo David Gilmour, tenha anunciado isso na época.
Os rumores começaram, novamente, sobre uma reunião com Roger
Waters. “Não discutimos isso e não há absolutamente probabilidade alguma de
isso ocorrer”, avisou o guitarrista. Com outra turnê mundial agendada, Gilmour
não tinha intenção de partilhar a administração de sua “antiga e gigantesca fera”
com mais ninguém.
A analogia com a antiga e gigantesca fera está refletida em algumas
resenhas sobre o novo disco. “O álbum dá um desconfortável sopro da meia-
idade e sensibilidades cinzentas”, reclamou Tom Graves na Rolling Stone.
David Bennun na Melody Maker o descreveu como “mascar um balde de
cascalho”. Stuart Maconie da Q foi mais complacente: “Musicalmente é aquele
estilo imutável do Floy d, lavado de lembretes e referências antigas. Eles
permanecem únicos e enigmáticos”. A crítica mais feroz de todas seria a de
Roger Waters. “Letras escritas pela nova esposa?”, ele reclamou para o escritor
John Harris. “Quero dizer, dá um tempo. Qual é? E que sangue-frio para chamar
isso de Pink Floy d. É um disco horroroso!”
O guitarrista despresou os comentários do antigo colega de banda como se
não se importasse. Talvez ele fosse cavalheiro demais para pontuar que Waters
foi o único membro da banda de todos os tempos a incluir a fotografia da esposa
em um disco do Pink Floy d (Ummagumma). Ou talvez ele tenha apenas se
esquecido disso.
Embora não fosse mulher de Gilmour ainda, Polly logo seria. Ele já a
havia pedido em casamento e, após deliberar um pouco, ela aceitou. “David me
fez escrever algumas canções do Pink Floy d, que foi uma forma bastante
inteligente de me dar autorrespeito”, ela contou à escritora Suzi MacKenzie.
Tendo vivido por conta própria durante alguns anos e criado o filho sozinha,
Samson tinha, conforme afirmou, se tornado cautelosa quanto a encontrar um
marido que removesse automaticamente suas preocupações financeiras. Ao
escrever para The Division Bell, ela ganhou bastante dinheiro e foi, em suas
palavras, “capaz de se casar em boas condições”. Os dois se casaram em julho
de 1994, no cartório de Mary lebone.
Apesar de todos os protestos de Waters, The Division Bell era um álbum
melhor e mais convincente do que A Momentary Lapse of Reason. A banda
encarou o mesmo obstáculo que qualquer grupo de sua geração: como fazer
música nova que competisse com a afeição dos fãs pela música feita no passado.
Eles jamais poderiam bater Wish You Were Here ou Dark Side of the Moon. Em
vez disso, The Division Bell oferecia cuidadosos lampejos desses álbuns notáveis,
ao passo que assegurava que ao menos algumas de suas canções – “High Hopes”
e “Poles Apart” – não iriam mandar de imediato os membros do público aos
banheiros e espaços para se refrescar na próxima vez em que estivessem
tocando em um estádio.
“Há muita coisa em The Divison Bell que eu ainda adoro”, diz Guy Pratt.
“Ele padece de um pouco da ressaca de produção dos anos 1980. Não consigo
escutar ‘Keep Talking’, acho-a uma enorme bagunça, mas grande parte dele me
lembra o Pink Floy d de antes de The Wall. ‘High Hopes’ é uma dessas canções
que nunca me cansam.”
A escala e o espetáculo da turnê de A Momentary Lapse... eram um desafio
imediato a ser encarado. A primeira resposta da banda foi contratar a construção
de uma aeronave Sky ship 600 completa, com a insígnia do Pink Floy d. A
aeronave acompanhou uma recepção à imprensa para o álbum e a temporada
nos Estados Unidos. Uma A60 similar foi então desvelada para o lançamento na
Inglaterra. Enquanto isso, a banda se submeteu a três semanas de ensaios
intensivos na base da força aérea da Carolina do Norte.
“Dave, Nick e Rick não tinham limites para o orçamento dessa
temporada”, afirmou Steve O’Rourke. E assim foi. A turnê The Division Bell
exigiria uma equipe de duzentas pessoas, além do uso de um avião militar russo
fretado e dois Boeing 747 somente para transportar o conjunto de palco,
projetado por Mark Fisher, dos Estados Unidos para a Inglaterra.
O set revisitava temas familiares para o Pink Floy d, que simplesmente
atualizava e turbinava tudo. Uma política “maior e melhor” estava em
andamento. Havia novos vídeos para “Money ”, “Time” e “Shine On You Crazy
Diamond”, cortesia de Storm Thorgerson. Com três palcos idênticos, enquanto
um estava sendo montado em um estádio, os outros dois já podiam ser colocados
no lugar dos dois shows seguintes. Havia dois porcos gigantes, quatrocentos
Varilights, trezentos alto-falantes e uma tela circular de 12 metros, dois canhões
de lasers...
... E para ajudar a custear a extravagância, um contrato de patrocínio com
a Volkswagen.
Gilmour imediatamente se arrependeu da decisão. “Confesso não ter
pensado suficientemente bem em tudo antes de assinar. Ter nosso nome ligado à
Volkswagen é algo que não desejo. Todo o dinheiro que ganhei com aquilo, doei
para caridade.”
A turnê abriu em 29 de março, no Joe Robbie Stadium, em Miami. A banda
suplementar foi a mesma da turnê de A Momentary Lapse..., mas agora incluía o
saxofonista Dick Parry no lugar de Scott Page, com as backing vocals Durga
McBroom, Sam Brown e Claudia Fontaine. Outro veterano de shows do Floy d no
passado, Tony Howard, foi o tour manager, agente da banda no tempo em que
ela assinou com a Morrison Agency.
A presença de Tony Howard não era o único elo com o passado. O show do
Floy d abriu naquela noite com “Astronomy Domine”, a primeira música do
primeiro disco da banda. Procurando um efeito visual para acompanhá-la, a
banda entrou em contato com o designer original de luz do Floy d, Peter Wy nne-
Willson. Desde 1967, Wy nne-Willson era responsável por alguns inovadores
projetos de iluminação e invenções. Mas a turnê The Division Bell seria o
primeiro encontro dele com o Pink Floy d desde 1968, quando topara com eles
inesperadamente em Amsterdã, onde estava trabalhando com uma pobre trupe
de teatro: “Dave Gilmour, muito gentilmente, pediu que a gerência do Floy d me
desse uma passagem de avião para voltar à Inglaterra, já que eu estava vivendo
uma existência cheia de privações”. Vinte e sete anos depois, Wy nne-Willson foi
chamado para replicar as luzes e efeitos a óleo que outrora maravilharam os fãs
chapados do clube UFO.
Em uma das últimas turnês da banda, eles tocaram o novo álbum inteiro.
Dessa vez, as peças de The Division Bell foram espaçadas com canções como
“Another Brick in the Wall Part 2”, “One of These Day s”, “Wish You Were
Here” e “Money ”. Ainda diminuído por uma miríade de efeitos especiais
circulando ao seu redor, a banda mudara desde A Momentary Lapse... Nick
Mason não estava mais tão ofuscado pelo segundo baterista Gary Wallis. Embora
as brilhantes backing vocals oferecessem um vislumbre de glamour, um Gilmour
tosquiado e esguio, agora em um regime de exercícios, parecia mais saudável do
que nos anos anteriores.
Em Houston, Texas, o bis final de “Run Like Hell” foi cancelado quando
uma tempestade de raios tornou o palco um risco. Enquanto a turnê progredia
pelo México, Califórnia e de volta ao Texas, a mudança mais notável era a do
público. O Pink Floy d estava vendendo ingressos agora a famílias inteiras e a
uma garotada jovem demais para tê-los assistido nos anos 1970. A revista
americana Billboard acreditava que o recente relançamento de Dark Side of the
Moon e sua volta às paradas mostraram a banda a uma geração mais nova.
Gilmour estava encantado: “Há pessoas que dizem que nós deveríamos dar
espaço a bandas mais novas. Não é assim que funciona. Elas têm que abrir seu
próprio espaço”.
Mas como o guitarrista Tim Renwick se recorda, “a turnê The Division Bell
foi muito mais sóbria que a anterior”. A presença de Polly Samson, da nova
esposa de Nick Mason, “Nettie”, e do filho de Richard Wright e de sua terceira
esposa, Millie, garantiam que “todo mundo fosse para a cama mais cedo”.
“Na turnê anterior, a atitude tinha sido: ‘Ok, para qual clube iremos esta
noite?’”, recorda-se Tim. “A seguinte foi um contraste total. A segurança estava
bem mais rígida também, já que eles não queriam que muitos dos animais
festeiros da última turnê aparecessem. Ainda dava para curtir, mas acho que
havia certo ressentimento por parte dos membros mais jovens.” Eles também
sabiam a quem culpar.
“Havia a sua dose de antiPolly rolando”, admitiu Gilmour. “Quer fosse
antimulheres ou antinovatos, era uma luta forte ocorrendo. Antes de Polly, era
um clube dos garotos. Acho que ela era vista como a polícia, o que foi injusto,
mas ela recebeu grande parte das críticas por causa disso.”
Quando os dois começaram seu relacionamento, Gilmour concordou em
parar de usar cocaína. “Fiquei muito amigo da cocaína”, ele admite. “Acho que
aconteceu porque eu tinha me divorciado e decidi me divertir, e isso coincidiu
com a volta do Floy d. Havia diversos motivos. Tomar a decisão de parar foi
difícil, mas, uma vez que o fiz, tudo ficou mais fácil. Mas muitas pessoas haviam
investido na pessoa que eu era, a pessoa que tinha a coca, e não queriam que eu
me tornasse alguém diferente.”
O trabalho diário de Polly como escritora e jornalista também lhe dava
uma visão diferente do show. “Acho que ela fez críticas sobre o show mais
credenciadas do que nós”, diz Guy Pratt. “Mas isso significou que acabamos
mudando algumas coisas porque um crítico não havia gostado. Isso decerto me
perturbou e permiti que meus sentimentos viessem à tona para o resto do grupo
em algumas ocasiões. Contudo, fiz isso sem que perdesse minha amizade com
eles.” Ele acrescenta: “Essa turnê foi cheia de tensões. Mas acho que foi para o
melhor. O Pink Floy d foi o resultado de choques durante tantos anos que acho que
ele ainda funcionava melhor quando não era apenas uma banda com
desajustados felizes”.

Havia outro fator potencialmente divisor a ser considerado. Diferente da


turnê anterior, agora no final do show, os três fundadores davam um passo à
frente para agradecer. O que, de acordo com Nick Mason, deixou alguns
membros da banda de apoio irritados.
Por sua vez, os outros músicos e diversos membros da equipe fizeram suas
próprias panelinhas, um clube sarcástico que se reunia embaixo do palco após o
show ou até durante o intervalo. O clube era chamado de “The Donkey ’s Knob”.
A presença dos filhos da banda em algumas apresentações foi outro afiado
lembrete de suas vidas longe do Pink Floy d. A filha mais velha de Nick Mason
estava trabalhando para ele na turnê; alguns dos filhos de David Gilmour se
juntavam a ele em certas datas; enquanto o baixista Guy Pratt cimentaria seu
relacionamento com a banda ainda mais ao se casar com Gala Wright. Uma
pessoa de dentro da equipe comentou: “Foi a turnê menos rock-n’-roll de todas.
Todos estavam em novos relacionamentos e voltaram a ser homens de família”.
Haveria, contudo, um significativo retorno aos dias de outrora. Em 15 de
julho, no Pontiac Silverdome, em Detroit, a banda mudou seu repertório. A
segunda metade do show apresentou Dark Side of the Moon completo. A banda
vinha considerando tocá-lo desde 1987. Agora, finalmente haviam se
comprometido em fazê-lo. Nick Mason achou uma experiência emocional.
“Lembrou-me de nossa história, da forma como costumávamos ser”, ele disse.
“Foi o que nos tornou uma grande banda americana. Mas chegamos a um novo
patamar e imediatamente sofremos com aquilo por não saber o que fazer a
seguir. As discordâncias que antes não existiam começaram.”
Dark Side... seria tocado novamente duas noites depois no estádio dos
Giants, em Nova Jersey, e de forma aleatória ao longo do resto da turnê.
Enquanto isso, o advento da internet deu aos fãs do Pink Floy d mais avançados
tecnologicamente uma nova mídia para se comunicar. Após alguns meses da
turnê de The Division Bell, posts começaram a aparecer em um grupo de notícias
sobre a banda na Web, feitos por um indivíduo conhecido apenas como Publius.
Ele/ela convidava fãs a escrutinarem as artes, letras e música de The Division
Bell à procura de pistas para um enigma ou quebra-cabeça escondido no álbum,
sugerindo um prêmio para qualquer um que conseguisse resolver a charada. As
postagens iniciais foram recebidas com ceticismo, até que, como prometido por
Publius em um post de antemão, as palavras “Enigma Publius” foram escritas
nas luzes da base do palco durante o show no estádio dos Giants.
Posteriormente, na turnê, como previsto, uma mensagem similar apareceu
no palco, em Earls Court. Quando entrevistados, os membros da banda negaram
qualquer conhecimento, assim como Storm Thorgerson e Steve O’Rourke, que
foram considerados os mais prováveis culpados. Entretanto, um conjunto de
reimpressões do Floy d em 1994 trouxe mais “evidências”. Uma fotografia
incluída em um novo encarte para o CD de A Momentary Lapse of Reason trazia
a palavra “Enigma” no canto direito inferior; outra continha a palavra “Publius”.
O mistério permaneceu sem solução, embora o diretor de iluminação
Marc Brickman tenha afirmado depois que O’Rourke havia lhe pedido que
montasse os sinais no palco para os shows de Londres e Nova Jersey. Nick Mason
foi o único membro da banda a comentar o enigma. Quando questionado sobre o
fato, em 2005, ele explicou que fora uma ideia de um fanático por charadas,
funcionário da EMI Records, mas que prêmio algum jamais fora ganho. Como
testamento à tenacidade e obsessão de alguns fãs, o Enigma de Publius ainda tem
seu próprio site na internet.
No final de julho, a turnê de The Division Bell havia chegado à Europa, e
Polly Samson tornara-se a sra. Gilmour. O presidente da República Tcheca,
Vaclav Havel, foi ao show no Starhov Stadium, em Praga, e convidou a banda
para um jantar. Contudo, um convite que a banda fez não seria aceito. Com a
turnê a catorze shows de seu término, em Londres, no Earls Court, o grupo
convidou Roger Waters para se juntar a eles no palco e tocar Dark Side of the
Moon.
“Eu achei que seria algo legal para os fãs”, explicou Gilmour, “mas
também com a segurança de saber que ele não aceitaria. Foi, contudo, uma
oferta genuína.”
Waters recusou. Ele manteve um silêncio digno durante toda a turnê de The
Division Bell, porém, denunciaria depois o que via como uma “traição inerente”
do Pink Floy d tocar canções, especialmente do The Wall, em estádios de futebol.
“Precisaria haver algum outro motivo para eu subir no palco com David Gilmour
e tocar Dark Side of the Moon. Tem muita história envolvida.”
A primeira noite em Earls Court foi um desastre. Assim que Jon Carin
anunciou as primeiras notas de “Shine On You Crazy Diamond”, ele se viu
arrancado do palco novamente. Um capacitor de 1.200 localizado na parte de
trás da arena estourou assim que o show começou. Ninguém ficou seriamente
ferido, mas a banda reagendou o espetáculo para a semana seguinte. Em outra
noite, o autor Douglas Adams, que estava celebrando seu aniversário, foi
convidado a pegar um violão e se juntar à banda no palco para tocar “Brain
Damage”.
Earls Court seria o palco de encerramento e, como transparecia, seria
também a última noite do Pink Floy d em qualquer turnê. A maratona de shows,
oposta à temporada de dezoito meses de A Momentary Lapse..., tinha durado
menos de doze. “Algumas pessoas ficaram putas da vida por não ter completado
um ano inteiro”, afirma Tim Renwick. “Não posso saber quais foram os
verdadeiros motivos, mas suspeito que foi parcialmente por causa de Polly, que
era nova em tudo aquilo e achava a situação um pouco difícil.”
Na verdade, talvez Gilmour simplesmente sentisse que não havia mais
nada a provar, depois de ter tocado para mais de cinco milhões de pessoas e
ganhado em torno de 150 milhões de libras. De quanto mais o Pink Floy d
precisava? “Não foi uma das turnês mais bem-sucedidas da história do rock?”,
indagava Bob Ezrin. “Na cabeça de David, deve ter havido algum tipo de
sentimento de que ele precisava ser capaz de provar que podia fazer aquilo sem
Roger Waters. Ele não seria humano se não tivesse um gostinho de revanche do
tipo: ‘Bom, aí está, Rog’.”
“O Pink Floy d não é apenas eu”, disse Gilmour. “Estou ligado aos desejos,
escolhas e políticas de outras pessoas, tanto quanto às minhas próprias. Tenho
mais voz que outros, mas isso porque sou a pessoa sobre quem essa posição
recaiu. Mas não foi por escolha própria.”
Ele claramente não estava com pressa de repetir tudo.
O verão de 1995 seria marcado pela morte de outro antigo colega de
Cambridge. Em julho, Gilmour foi ao funeral de Julian Hough. Ator de teatro e
televisão durante as décadas de 1970 e 1980, Hough fora outra vítima do que
Anthony Stern descreveu como “a síndrome de Cambridge”. Filho de um
acadêmico brilhante, o historiador literário Graham Hough, Julian foi acometido
pela depressão e mergulhou em uma vida de mendicância. Nada se ouviu falar
dele durante meses, até que seu corpo foi finalmente identificado.
Em junho de 1995, menos de um ano depois do final da turnê de The
Division Bell, o Pink Floy d lançou Pulse, um álbum duplo ao vivo. Um vídeo do
show em Earls Court veio logo a seguir. Os primeiros dois milhões de cópias do
álbum vieram em uma caixa de edição limitada com um LED na lateral, uma
novidade que logo irritaria qualquer um que estivesse assistindo à TV na sala de
estar ao ser constantemente incomodado por uma luz vermelha piscando na
prateleira. Esse álbum chegou ao topo das paradas tanto nos Estados Unidos
quanto na Inglaterra.
Ao ser lançado com pouca distância de Delicate Sound of Thunder, de
1994, Pulse parecia supérfluo. Seu único ponto realmente interessante era uma
versão ao vivo de Dark Side of the Moon. Nick Mason admitiu que era uma
vergonha eles jamais terem liberado uma versão ao vivo da peça oficial nos anos
1970.
Escutado em casa, sem os estupendos filmes de Storm Thorgerson e 400
Varilights para deslumbrar os sentidos, há também muitos momentos em que é
possível notar o buraco que a ausência de Waters deixa na banda.
Embora Guy Pratt se esforce, ninguém é capaz de reproduzir aquele vocal
maníaco e ameaçador de “Run Like Hell” com tanto gosto. “Comfortably
Numb” foi tornada mais lenta, com Richard Wright substituindo o ausente
Waters. Como compensação, o tecladista se mostra excelente em “Astronomy
Domine”, outro lembrete do quão essencial ele fora para o Pink Floy d no
passado.
No final do ano, foi anunciado que o Pink Floy d seria incluído no Rock and
Roll Hall of Fame. Em janeiro de 1996, os três foram à cerimônia no Waldorf-
Astoria Hotel, em Nova York. A banda recebeu o prêmio das mãos de Billy
Corgan, frontman do Smashing Pumpkins, uma banda de hard rock americana,
cujo último lançamento havia sido uma cria conceitual parcialmente inspirada
em The Wall. Corgan sentou-se com Wright e Gilmour para uma versão acústica
de “Wish You Were Here”, parecendo incapaz de acreditar na sua sorte.
De forma incomum, Richard Wright se tornaria o membro mais ativo da
banda naquele ano. Embora tenha escrito e tocado em The Division Bell, ele
ainda tinha suas reservas. “Gostei do disco, mas também foi frustrante, porque
sentia que ele não estava indo na direção certa o tempo todo.” Wright explicou
que queria “fazer um álbum do Floy d como costumávamos – mais temático,
com todas as músicas tendo uma conexão lógica”. Não se sabe se ele sugeriu tais
conceitos de autoria própria. Mas, sem Waters, ideias temáticas pareciam um
pouco fora de lugar.
Antes da turnê de The Division Bell acabar, contudo, Wright já vinha
dizendo aos entrevistadores sobre seu plano imediato de fazer outro disco solo.
Naquele ano, o tecladista licenciou a música de “The Great Gig in the Sky ”,
tornando possível que ela fosse regravada para ser usada como propaganda de
TV para um analgésico (Gilmour: “Isso é coisa do Rick. Eu não aprovei, mas não
tinha controle sobre o assunto”).
Na primavera de 1995, Wright estava no Studio Harmoine, em Paris,
trabalhando em um novo álbum. Ele juntou alguns nomes conhecidos para
auxiliá-lo, incluindo o letrista Anthony Moore e o guitarrista Tim Renwick, o
baterista Manu Katche, a quem Wright vira tocando na turnê mundial de Peter
Gabriel, e a vocalista convidada e ocasional pedra no sapato de Roger Waters,
Sinead O’Connor. O álbum, Broken China, seria lançado no ano seguinte.
A inspiração por trás do álbum veio das proximidades do lar. Logo após o
término de seu primeiro casamento, Wright mudou-se para a Grécia para estar
mais próximo de sua namorada, Franka. Os dois se casaram, mas o
relacionamento não durou. Por volta de 1989, ele se envolveu com uma modelo
de 28 anos chamada Mildred Hobbs, conhecida por todos como Millie, que se
tornaria sua terceira esposa. Millie fora hospitalizada sofrendo de depressão
clínica durante a produção de The Division Bell. Broken China contava a história
dela, embora Wright tenha sido relutante em revelar sua identidade, dizendo aos
entrevistadores apenas que era sobre “um conhecido que sofria de depressão”.
“Era um dilema moral”, ele explicou depois. “Não mencionei o nome de
Millie no começo porque não queria ser visto como se a estivesse usando para
promover o álbum.” Apesar de ser estranho, Wright também revelaria que o
antigo terapeuta de sua mulher, Gerry Gordon, tinha contribuído com duas das
canções do álbum.
Havia claramente algo purgativo em Broken China, já que trazia as
experiências de sua mulher em diferentes estágios da doença. Musicalmente, ele
explorava os aspectos mais ambientais do som do Pink Floy d. As instrumentais
“Sweet July ” e “Interlude” poderiam ter sido a trilha sonora de um feitiço
refletido em um tanque de flutuação. “Runaway ” era mais outré, com percussão
da moda que não teria soado fora do lugar se estivesse em um disco do então
conjunto de sucesso Massive Attack. (The Orb iria remixar a canção depois).
David Gilmour tocou guitarra em “Breakthrough”, mas, de acordo com
Wright, a gravação foi cortada na mixagem final (embora Gilmour a tenha
tocado ao vivo mais tarde). Sinead O’Connor mostrou-se uma simpática
colaboradora, fazendo um vocal piedoso em “Breakthrough” e “Reaching for the
Rail”. O vocal principal de Wright em The Division Bell havia sido um dos
destaques, mas sua voz ficou mais desgastada com o tempo, ainda que em
“Hidden Fear” houvesse algo de Scott Walker em seu tom altivo e sombrio. Na
condição de alguém que viria a admitir seus próprios períodos de depressão, a
empatia de Wright com o assunto era óbvia. Com a capa projetada por Storm
Thorgerson, Broken China assemelhava-se bastante a um disco do Pink Floy d. O
problema é que ele não era.
O álbum fracassou nas vendas, sofrendo destino similar ao da maioria dos
membros do Floy d em seus trabalhos solo, circulando apenas entre os fãs mais
fiéis da banda. No final do ano, Wright saiu de cena e concentrou-se em cuidar
de seu filho mais novo, Benjamin, viajando para as ilhas Virgens em seu iate.
Perguntado sobre o atual status do Pink Floy d, a resposta do tecladista pareceu
completamente precisa: “O Pink Floy d é como um casamento que está em
permanente processo de divórcio”.
Observadores puderam capturar apenas breves lampejos do Pink Floy d
quando a década se aproximava de seu fim. Gilmour foi pai mais uma vez. Além
de adotar o filho de Polly, Charlie, teve com ela mais três crianças: Joe, Gabriel e
Romany. Ter sido membro do Pink Floy d nos anos 1970 e 1980 havia ajudado a
destruir todos os casamentos anteriores da banda. Como Gilmour explicou depois:
“Criar meus filhos é minha prioridade agora, sem perder sua juventude. Isso
aconteceu com minhas primeiras crianças”.
Gilmour também iria trocar os carros e aeronaves vintage que possuía, se
retirando da Intrepid Aviation, a empresa que havia fundado para satisfazer seu
hobby de voar. “Você coleciona Ferraris e logo precisa colecionar pessoas para
tomar conta de suas Ferraris. A vida se torna muito complicada.”
O guitarrista fez 50 anos em 1996 e alugou o Fulham Town Hall, em
Londres, para uma performance exclusiva de uma banda-tributo ao Pink Floy d,
The Australian Pink Floy d, e uma cover dos Quatro Fabulosos, The Bootleg
Beatles. A presença de George Harrison entre os convidados de Gilmour somou
frisson extra à ocasião. Guy Pratt e Richard Wright se juntaram ao Floy d falso no
palco para uma versão de “Comfortably Numb”. As mudanças subsequentes na
vida de Gilmour e a escolha de amigos foram resumidas por uma das pessoas
que foi à festa: “Alguns de nós foram convidados para os 50 anos de Gilmour,
mas não foram cahados para os seus 60. Acho que a festa dos 50 determinou o
ponto de ruptura para algumas pessoas que eram parte de sua vida”.
Em 1999, Polly Samson publicou sua primeira coleção de antologias, Lying
in Bed. Ela e Gilmour tinham mais chances de aparecer em revistas de
sociedade do que nas de música. Quando fotografado em algum evento
exclusivo, entretanto, Gilmour ficava facilmente contrariado. Certa vez, quando
perguntado como lidava com o fato de ser reconhecido na rua, ele explicou que
sua reação automática era “abaixar a cabeça ou ficar olhando para a vitrine de
uma loja”.
No mesmo ano, Gilmour deu uma rara entrevista à revista Q, respondendo
a perguntas dos leitores. Ao ser questionado sobre o que fazia o dia inteiro, ele
afirmou: “Tiro uma soneca, levo os filhos para a escola, toco guitarra...”. Ele
nem ao menos sabia se ainda tinha um contrato para algum disco solo. “Tenho
que perguntar ao meu advogado.” O guitarrista parecia não ter pressa alguma de
retornar à labuta, preferindo a vida familiar em sua fazenda, em West Sussex.
Desapontados, diversos fãs do Floy d escreveram para a revista reclamando de
sua falta de atitude. Mas estavam realmente surpresos?
“O problema de Dave é que ele trabalhou duro em A Momentary Lapse of
Reason e carregou a coisa toda nos ombros”, afirmou Richard Wright. “Quando
chegou a vez de The Division Bell, ele achou que estava carregando as coisas
sozinho de novo, e talvez não estivesse disposto a fazer tudo novamente.”
“Para ser honesto, simplesmente não sei o que quero fazer”, disse Gilmour.
“E temo que os outros terão que me esperar. É duro. O Pink Floy d está
atravancado até que possa se levantar de seu grande torpor.” Por outro lado, foi
mais fácil para Gilmour manter-se em forma tocando em discos de outras
pessoas. Em 1999, ele foi convidado no disco de Paul McCartney, Run Devil Run,
fazendo também uma aparição no programa de TV Parkinson.
Nick Mason estava vivendo agora com sua família na antiga casa de
Camilla Parker-Bowles, em Wiltshire, um vilarejo de Corsham (“ela foi muito
prestativa e me deu várias dicas de jardinagem”). Seu amor por velocidade e
carros fez com que ele se tornasse competidor regular no rali Brighton de carros
vintage de Londres. Em 2000, ele voltou a tocar bateria em uma festa
beneficente do aniversário de 50 anos da Fórmula 1. Descrito por si mesmo em
várias ocasiões como o “cozinheiro” da banda, Mason manteve uma disposição
dissimulada em desempenhar seu papel no Pink Floy d. Ele era o mais próximo
que a banda tinha de um arquivista, tendo diligentemente organizado rascunhos
durante os primeiros anos do grupo.
Logo após a turnê The Division Bell, Mason começou a escrever seu
próprio livro sobre a banda. “Enfrentei muita desaprovação de Dave”, ele revela,
“porque, a certa altura, ela se tornaria a história oficial do Pink Floy d.” As
maiores objeções de Gilmour é que ele achava que Mason trataria o assunto com
muita leviandade e que qualquer história oficial da banda deveria envolver a
participação de todos os membros, do passado e presente.
“Houve um período de decepção moderada”, Gilmour reclamou depois,
“já que havia um cara tirando fotos na turnê de The Division Bell sem que eu
soubesse. Fiquei incomodado por causa do livro, achava que aquilo que tinha visto
não fazia jus ao processo artísticoda banda e pedi que engavetasse o projeto, o
que ele fez.” Alguns sugerem que o fato de Mason não ter tocado no palco junto
com Gilmour e Wright na cerimônia do Rock and Roll Hall of Fame era
evidência da desaprovação de Gilmour.
Cancelado temporariamente, o livro de Mason, Inside out: a personal
history of Pink Floyd, acabou lançado em 2004, após os membros da banda,
incluindo Roger Waters, terem lido o manuscrito. Alterações foram feitas entre
as publicações em capa dura e brochura.
“Alguns anos atrás, eu era o cara alto de pé em um canto, olhando para a
multidão. E eu não me sinto assim agora”, Roger Waters deu sua versão a Trent
Reznor sobre a recorrente imagem do homem alto de preto. Em 1999, os dois
foram colocados juntos para partilhar uma entrevista dada à revista americana
Revolver.
Waters nunca tinha ouvido falar da banda de Trent Reznor, a raivosa e
agitada Nine Inch Nails. Entretanto, Reznor, 23 anos mais novo que ele, havia
passado a infância problemática em uma cidade no meio da Pensilvânia, onde o
disco The Wall era algo como um estilo de vida. Waters pareceu genuinamente
emocionado ao saber daquilo.
Ciente de que as vendas do último disco de Reznor haviam ido mal, ele
ofereceu um conselho paterno: “Modigliani nunca vendeu nenhum quadro; Van
Gogh trocou os dele por uma tigela de sopa. Eu passei por algumas coisas
parecidas”.
Fazia nove anos desde que Waters encenara The Wall em Berlim. Nove
anos nos quais o Pink Floy d fizera outro álbum e o promovera, com uma das
maiores rendas da história. Nesse meio tempo, Waters voltou para sua vida
familiar e remendou, ao que parece indefinidamente, sua ópera sobre a história
da Revolução Francesa. “Acho que, a certa altura, todos tivemos nossa
‘conversação sobre a ópera’.”, afirma o ex-guitarrista da Bleeding Heart Band,
Jay Stapley. Waters discutiu seus planos em público pela primeira vez em 1989.
Em setembro de 1995, espalhou-se a notícia de que o trabalho, chamado Ça Ira,
coescrito pelos amigos de Waters, o libretista francês Étienne Roda-Gil e sua
mulher, Nadine Delahay e, seria lançado no ano seguinte. No verão de 1997, ele
ainda não havia se materializado, embora fosse dito que Waters estava tendo
discussões sobre uma encenação de uma peça de teatro baseada em The Wall e
também produzindo outro disco solo.
Ça Ira tinha começado em 1988, quando Roda-Gil presenteou Waters com
um livreto, perindo que o transformasse em música. Waters acabou montando
uma demo com duas horas e meia de duração na sua sala de bilhar, em East
Sheen. Ela chegou de algum modo ao então presidente da França, François
Mitterand, que sugeriu que a Ópera de Paris a gravasse como parte do vindouro
bicentenário da Revolução Francesa. Mas nada aconteceu. “Ela ficou na
prateleira por seis anos”, explicou Waters. Isso foi devido, em parte, à morte
repentina de Nadine, e também por conta de certa resistência em outras áreas,
porque, de acordo com Waters, “eu, sendo inglês, fiquei emboscado no idioma
gaulês”, declarou Waters.
Étienne Roda-Gil morreu em 2004. Um ano depois Waters recrutou um
coprodutor, Rick Wentworth, e foi para o Abbey Road Studios com uma orquestra
para gravar diversas sessões da ópera, como amostra para a nova gravadora
Columbia. A empresa lhe ofereceu um acordo pelo álbum, mas sugeriu que ele
fizesse uma versão em inglês. Waters voltou para a prancheta, adicionando novas
sequências e, depois, gravando em francês e inglês.
Foi em 1999 que ele rompeu o silêncio, não com relação a Ça Ira ou a um
novo disco solo, mas a respeito de série de apresentações ao vivo. “Roger Waters
in the Flesh” estreou em Wisconsin em julho de 1999 e prosseguiu mais um mês,
retornando depois no verão seguinte. Cartazes promocionais do show mostravam
Waters como “O Gênio Criativo do Pink Floy d” e o repertório foi preparado para
confirmar essa afirmação. Várias fatias de The Wall competiam por espaço com
“Shine On You Crazy Diamond”, “Brain Damage”, “Wish You Were Here” e
segmentos obrigatórios de The Final Cut e seus trabalhos solo. Na metade da
turnê, Waters começou a tocar uma nova canção, “Each Small Candle”, como
bis final.
Antigo guitarrista de Eric Clapton, Doy le Bramhall II juntava-se agora aos
principais Andy Fairweather-Low e Snowy White, enquanto o tecladista Andy
Wallace partilhava o palco com Jon Carin, do Pink Floy d. O produtor James
Guthrie tinha trabalhado com o Floy d e Waters, e havia intermediado trocas entre
os dois campos. Gilmour deu a sua benção: “Você deve fazê-lo”, disse a Carin;
“ele é um cara brilhante”. No palco, Jon também cobriria algumas das partes
vocais antigamente cantadas pelo seu ex-chefe, mais notoriamente a versão de
“Dogs”, do disco Animals.
Além do festival de 1991, Guitar Legends, Waters tinha tocado ao vivo só
mais uma vez desde o show de The Wall, em Berlim: em um concerto
beneficente para a preservação de Walden Woods, em Massachusetts, em 1992.
Don Henley, do The Eagles, cuja banda apoiou Waters em um punhado de
canções do Floy d, havia arrumado o concerto. Esse show foi o catalisador para a
atual turnê. “Eu realmente curti o contato com o público naquela noite”, admitiu
Waters, “e achei que talvez devesse fazer mais uma rodada daquilo, pois após a
excursão do Radio K.A.O.S. eu havia parado por conta da falta de demanda.
Sentia que estava batendo a cabeça contra uma parede de tijolos.”
Alguns dos shows de Waters tiveram que ser transferidos para casas
maiores para acomodar as multidões, e também o tamanho da tela de projeção
atrás do palco. Para alguns observadores, havia ainda o problema de rearranjar
músicas do Floy d a ser superado, especialmente a versão retrabalhada de
“Another Brick in the Wall Part 2”, com uma pegada jovial e funk, que fechava
com um solo de Snowy White e Doy le Bramhall II. Com sua costumeira
identidade do “cara alto de preto”, Waters logo reassumiu uma rotina tão
familiar: parte apresentador de circo, parte condutor de orquestra e parte astro do
rock. Quando Bramhall ou Jon Carin estavam cantando, ele mimetizava as
palavras, sorrindo levemente, ou assomava-se a Andy Fairweather-Low,
espremendo o braço de seu baixo como um fazendeiro dando cabo de um
valente peru para a ceia de Natal. Em rígido contraste à sua persona no palco
com o Pink Floy d, Waters parecia estar se divertindo mais do que nunca.
“Ele se mantém atento a tudo”, disse Fairweather-Low. “No final do show,
se uma única deixa da iluminação estivesse errada, Roger estaria ciente. Jamais
trabalhei com alguém assim.”
Jon Carin falou com Richard Wright para ir a um dos shows. “Achei difícil
vê-lo tocar as músicas do Pink Floy d, porque queria estar lá em cima”, Wright
disse ao escritor Jerry Ewing. “Quando eles estavam tocando ‘Comfortably
Numb’ e ‘Wish You Were Here’, não estava tão bom, mas quando chegou ao
trabalho solo dele pude relaxar.”
Carin e a mulher de Wright, Millie, o persuadiram a ir aos bastidores após o
show. “Eu não via Roger fazia, sei lá, há dezoito ou dezenove anos”, ele
comentou. “Então, apertei a mão dele e disse: ‘Como você está?’, e ambos nos
sentimos estranhos. E foi isso. Não houve nenhuma conversa significativa. Mas
pensei, nós somos homens adultos e essa merda precisa parar!”
Com o primeiro trecho da turnê concluído, Waters ajudou a supervisionar a
versão remasterizada do filme The Wall, fornecendo seus comentários junto com
Gerald Scarfe. O diretor Alan Parker, o terceiro megalomaníaco da equação,
também contribuiu. A EMI e o Pink Floy d não tinham intenção de permitir que o
aniversário de 20 anos do disco The Wall passasse em branco. Março de 2000 viu
o lançamento de Is There Anybody Out There? The Wall Live: Pink Floyd 1980–
81 montado a partir de sete noites de show em Earls Court.
Em uma incomum amostra de détente entre as partes antagônicas, Waters
e o Pink Floy d foram entrevistados sobre o álbum, embora tenham sido incapazes
de resistir a espetar o outro lado. Apesar de os outros não estarem tão extasiados
como Waters, sua opinião sobre The Wall permanecia inalterada. Ele disse a todos
que, se tivesse que escolher, achava que até hoje se tratava de seu melhor
trabalho. De volta à estrada por todo o verão americano, Waters incluiria cinco
canções do álbum em seu repertório, comemorado com um disco e vídeo ao
vivo chamados In the Flesh.
Em 2001, ocorreram alguns lembretes cruéis sobre o fim de todos. O ano
seria marcado pelas mortes prematuras da primeira mulher de Roger, Judy
Trim, do autor e amigo de Gilmour, Douglas Adams, e do antigo agente da banda
e tour manager, Tony Howard. Gilmour faria um memorial service para Adams
mais tarde naquele verão. Também naquele ano ele seria convidado pelo amigo
Robert Wy att para participar do Meltdown Festival, no Roy al Festival Hall, em
Londres. Wy att era o curador do evento que durava a semana inteira e contou
performances de Elvis Costello e Tricky. Em seu primeiro show solo desde 1984,
Gilmour misturou canções do Floy d, incluindo “Comfortably Numb” e “Shine
On You Crazy Diamond”, com gemas da época de Sy d Barrett, “Terrapin” e
outras singularidades, como “Hush-A-By e Mountain”, do filme Chitty chitty bang
bang. Também foi apresentada uma nova composição, “Smile”.
Gilmour retornaria ao Roy al Festival Hall durante três noites, seis meses
depois. Tocando as músicas do mesmo repertório eclético, ele foi acompanhado
por Richard Wright em uma canção. Uma semana depois, ele fez mais duas
noites em Paris. Perguntado se o Pink Floy d havia se separado, a resposta do
guitarrista foi a mais direta que ele já tinha dado. “Não consigo nos ver fazendo
qualquer coisa juntos em um futuro próximo. Tenho algo mais para pensar agora,
e é nisso que minha mente está concentrada.” Ele estava planejando seu terceiro
álbum solo.
Os primeiros passos hesitantes para reconciliar os membros da banda do
passado e presente seriam tomados em janeiro de 2002. Em uma festa na ilha
caribenha Mustique, Nick Mason teve um encontro inesperado com Roger
Waters. “Senti, de repente, um firme par de mãos segurar meus ombros e então
meu pescoço”, Mason escreveu depois. Os dois velhos amigos passaram a tarde
juntos, tendo sua primeira conversa de verdade em anos.
Um mês depois, Waters estava de volta à turnê, com dois espetáculos
planejados na Wembley Arena de Londres, em junho. Mason foi convidado para
tocar bateria em “Set the Controls for the Heart of the Sun” nos dois shows. Ele
aceitou a oferta, tamborilando no conjunto de baterias durante toda a odisseia
espacial vintage do Floy d. Foi a primeira vez que os dois antigos amigos tocavam
juntos desde The Wall, em 1981. O filho de Waters, Harry, cuja voz podia ser
ouvida aos 3 anos de idade em The Wall, agora comandava os teclados na banda
do pai. Harry era afilhado de Mason.
Tocar ao vivo novamente foi uma oportunidade para que Waters tirasse da
cabeça outros eventos que estavam ocorrendo em sua vida. Ele passava por outro
período de profundas mudanças. Seu terceiro casamento, com Pricilla, havia
afundado e logo viria o divórcio, mas ele já tinha uma nova parceira, a atriz e
cineasta Laurie Durning.
Waters analisou a reviravolta em sua vida com honestidade inabalável.
“Após vinte anos de psicoterapia, finalmente aprendi a viver o momento”, ele
disse ao The Times. “Tive alguns sentimentos muito pesados de abandono quando
criança, os quais estou começando a desenredar de mim mesmo somente agora.
Tenho quase 60 anos e começo a sentir que posso afinal agir como um adulto.”
O legado do Pink Floy d seria revisitado antes que o ano acabasse. Em
novembro, a EMI lançaria Echoes: The Best of Pink Floyd. Escolher as 26 faixas
provou ser um desafio. Entrevistado pouco antes do lançamento do álbum,
Gilmour explicou que Waters tinha desistido da seleção musical. “Ele fica muito
resmungão porque pensa que digo a Nick e Rick o que eles têm que fazer, e então
nós votamos”, disse o guitarrista. “Mas eu não acho que 26 faixas de The Final
Cut seja o que as pessoas querem. Eu queria ‘Fat Old Sun’ lá, mas nenhum dos
outros concordou...”
Waters, ao mesmo tempo, teve problemas com a presença de faixas de A
Momentary Lapse of Reason e The Division Bell. “Fico puto que músicas desses
discos tenham sido incluídas. Mas não havia nada que eu pudesse fazer.”
Contudo, Waters teve a oportunidade de se bajular com sua primeira
compilação própria, Flickering Flame: The Solo Years Part 1. Juntar as melhores
canções de todos os seus álbuns solos era uma experiência mais convidativa do
que os discos originais de sua ex-banda. Como Waters cansou de dizer aos
entrevistadores quando discutia os desafios de seus álbuns, “percebo agora que
nem todo mundo está disposto a ir tão fundo”. A nova canção, “Flickering
Flame”, incluía uma letra de fluxo de consciência que era em parte
incrivelmente bombástica, em especial quando Waters se comparava a lendários
nativos norte-americanos, como Gerônimo e Cavalo Louco, insistindo em que,
como eles, ele será o último a abaixar as armas. Em outro ponto da canção, ele
reconhece seus problemas maritais e a morte de seu amigo Philippe Constantin
(cuja entrevista de 1976 com Waters permanece uma das mais reveladoras de
todas). Os versos finais oferecem um apelo ao seu próprio ego para “largar o
osso”, com a esperança de que ele possa, finalmente, ser livre.
A reimpressão de aniversário dos 30 anos de Dark Side of the Moon, agora
renomeado para The Dark Side of the Moon, foi a única atividade do Pink Floy d
em 2003. No lugar do engenheiro original do álbum, Alan Parsons, o colaborador
de longa data do Floy d, James Guthrie, supervisionou a mixagem em sistema 5.1
Surround Sound. Waters, Gilmour, Mason e Wright despertaram para conversar
com a imprensa. Pelo menos uma vez, os cutucões foram mantidos em grau
mínimo. Ao contrário, a banda soava genuinamente orgulhosa de sua realização,
mesmo com apenas Waters afirmando sempre ter tido ciência do quanto o álbum
realmente era bom: “Um dos verdadeiros momentos grandiosos da história do
rock-n’-roll”.
David Gilmour, contudo, se viu nos jornais por suas atividades fora do
Floy d. Um ano antes, ele vendera sua casa georgiana em Little Venice para Earl
Spencer e doou publicamente o dinheiro, 3,6 milhões de libras, para a Crisis,
organização que ajuda pessoas sem teto. Tão surpreendente quanto o feito foi sua
disposição atípica para falar publicamente sobre a doação. “Para ser franco, eu
não preciso desse dinheiro”, ele disse. “Tenho mais que suficiente.” No final do
ano, Gilmour foi premiado com a medalha CBE por sua filantropia e serviços
para a música. Fotografado fora do Palácio de Buckingham, imaculadamente
trajado, Gilmour se parecia menos com um astro do rock e mais com um capitão
aposentado da indústria.
O ano ainda seria marcado pela morte de duas pessoas próximas ao Floy d.
Em outubro, o empresário Steve O’Rourke teve um AVC em Miami, Flórida, e
morreu logo a seguir. No passado, quando Bry an Morrison vendeu sua parte do
gerenciamento de sua agência para a companhia de Brian Epstein, a NEMS
Enterprises, O’Rourke foi com o Pink Floy d, posteriormente gerenciando a banda
por meio de sua própria empresa, a EMKA Productions. Um entusiasta fanático
de automobilismo, O’Rourke vinha competindo desde 2000 com sua própria
equipe de corrida da EMKA, quando um problema cardíaco o forçou a parar de
dirigir. Ele foi descrito por um antigo colega como um “personagem maior que a
vida, que conhecia tanto suas forças quanto suas fraquezas”. Gilmour, Mason e
Wright tocaram “Fat Old Sun” e “The Great Gig in the Sky ” em seu funeral.
Waters, que havia brigado com O’Rourke no começo dos anos 1980, não
compareceu. Quase um mês depois, o arranjador, compositor e colaborador
regular do Floy d, Michael Kamen, sofreria um ataque do coração fatal. A morte
de seus amigos próximos iriam inspirar muitas canções do próximo álbum solo
de Gilmour.
O atrasado livro de Nick Mason sobre o Pink Floy d seria publicado no verão
de 2004. Inside out: a personal history of Pink Floyd é um fascinante relato da
vida dentro da banda. Mais tarde, Roger Waters reclamaria das licenças artísticas
de Mason ao abordar os fatos e uma tendência de sugerir que a banda, e não
Waters sozinho, foi responsável por muitas decisões fundamentais. Na verdade,
havia muitos pontos triviais para satisfazer até mesmo o mais comprometido dos
fãs, incluindo numerosas fotografias dos próprios arquivos do baterista, e o
bastante de piadas perspicazes para manter interessados os leitores menos
diligentes. O diretor de cinema Alan Parker que, parece, jamais superou a
experiência de trabalhar com Roger Waters em The Wall, disse que o livro o fez
rir tanto que sua esposa achou que ele estivesse com a Síndrome de Tourette. O
livro de Mason faz a opção de não visitar muitos lugares – mas o quanto isso fora
decisão sua ou de seus colegas de banda jamais foi revelado. Para dar apoio à
publicação, o baterista também embarcou na campanha promocional menos
floy diana de todas: autógrafos, leituras, encontros com fãs e numerosas
entrevistas.
Notícias sobre a chegada do livro levaram ao lançamento de uma edição
especial da revista Q dedicada ao Pink Floy d. David Gilmour recusou duas vezes
o pedido para dar uma entrevista. O paradeiro de Richard Wright era
desconhecido (“Achamos que ele está viajando”, explicou alguém da EMI).
Roger Waters não estava mais em turnê, mas estampava as notícias novamente
ao declarar seu apoio à campanha War On Want, contra o recém-construído
muro que dividia a comunidade palestina em Israel. Waters tinha sido
fotografado pichando as palavras No thought control na estrutura, que considerou
ofensiva.
Waters concordou em falar, e seu empresário, Mark Fenwick, explicou que
ele telefonaria para o escritor da revista em determinado momento de certa
semana, e que este deveria aguardar a ligação (uma pequena variação, talvez, do
“Fator Calculado de Atraso”). Quando lhe foi dito que talvez pudesse ser um
pouco difícil ficar esperando o tempo todo que alguém telefonasse, o baixista
concordou em especificar uma data e hora. Waters foi tão bom quanto suas
palavras. No final da entrevista, quando perguntado se poderia antecipar qualquer
degelo em seu relacionamento com Gilmour, ele respondeu: “Não consigo
pensar em um motivo para isso. Somos ambos indivíduos muito truculentos”.
Waters agora tinha outros assuntos para se focar. Um mês depois, foi anunciado
que ele havia vendido os direitos para desenvolver e produzir um musical na
Broadway de The Wall para a empresa cinematográfica Miramax e o
empresário musical Tommy Mottola. “Ótimo”, Waters afirmou. “Agora sou
capaz de escrever algo para rir”.
Nick Mason continuava sendo efusivamente ele mesmo. Ao ligar de casa,
com cachorros uivando e latindo ao fundo, o baterista contou a história da banda,
cuidadosamente se desviando de questões sobre sexo e drogas (“acho que esse
território passou do rock-n’-roll para o futebol agora”), mas confessando que,
sim, ele adoraria que o Pink Floy d tocasse ao vivo mais uma vez. “Seria
fantástico se pudéssemos fazê-lo para algo como outro Live Aid, um evento
significativo daquela natureza serviria como justificativa.” Um ano depois, esse
comentário voltaria para assombrá-lo.
Em maio de 2005, Tim Renwick, o dublê de David Gilmour e compadre de
Cambridge, se casaria novamente. Gilmour foi um dos convidados da cerimônia.
“Dave disse: ‘O Live 8 vai acontecer no dia 2 de julho. Coloque na sua agenda’.
Perguntei: ‘Ah, você vai estar lá?’. Ele respondeu: ‘Definitivamente não iremos
fazê-lo, mas apenas para que você saiba, caso queira deixar a data livre’”, conta
Renwick.
Em 31 de maio, o organizador do Live 8, Bob Geldof fez o anúncio oficial,
dizendo que dez concertos beneficentes seriam encenados em todo o mundo para
levantar dinheiro para a campanha Make Poverty History. Na busca de alguns
nomes lendários para se juntar aos de Madonna, U2 e sir Paul McCartney no
show de Hy de Park, em Londres, Geldof depois se lembrou de ter escutado
Mason comentar que o Pink Floy d poderia considerar se juntar para “outro Live
Aid”. Na cabeça de Geldof, isso significava reunir-se com Roger Waters, que era
simplesmente o tipo de acontecimento histórico de que o concerto precisava.
Guy e Gala Pratt estavam de férias em Formentera com os Gilmour,
quando Guy leu no Daily Telegraph que o Floy d estava se reunindo para o Live 8.
Ele havia fechado para tocar na próxima turnê do Roxy Music e foi
imediatamente contatado pelo empresário do Roxy. “Fiquei pasmo, pensando:
Isso não pode estar acontecendo. Eu estou com David agora. É preciso mais do
que o ego de Bob Geldof para juntar aquele grupo novamente.”
Geldof telefonou para Mason, que lhe disse que ele provavelmente estava
perdendo seu tempo. Depois ligou para Gilmour e fez seu pedido diretamente. O
guitarrista recusou firmemente. “Disse-lhe que estava bem no meio de um
álbum”, falou Gilmour. “Ele respondeu: ‘Vou até aí vê-lo’. Então simplesmente
entrou em um trem...”
Gilmour ligou para Geldof em seu celular e disse-lhe para dar meia-volta.
Mas tendo chegado à estação East Croy don, no coração do transporte
comunitário de Surrey, Geldof estava próximo o suficiente para que Gilmour, a
contragosto, saísse de sua fazenda em Sussex para buscá-lo.
“Ele estava um pouco resmungão, mas apareceu em sua adorável velha
Merc, e fomos até sua casa”, Geldof contou à revista The Word. De volta à
fazenda, Geldof desandou a falar, enquanto Gilmour o escutava atentamente.
Enfim, ele pediu alguns dias para pensar antes de tomar sua decisão.
Enquanto isso, Nick Mason havia mandado um e-mail para Roger Waters,
explicando que Geldof o abordara com a ideia de reunir o Pink Floy d para o Live
8. Waters mordeu a isca e ligou diretamente para Geldof. “Bob estava prestes a
levar sua melhor metade para jantar fora”, lembrou-se Waters. “Então nossa
conversa foi um pouco desconexa. Muitos ‘vamos salvar o mundo’ intercalados
com ‘isso é ótimo, mas agora tente se colocar na pele dos outros...’”
Waters não escutou mais nada de Geldof por quase duas semanas, tempo
no qual Geldof escreveu uma carta apaixonada para Gilmour, pedindo que
reconsiderasse. Mason acreditava que a única coisa que poderia fazer o
guitarrista mudar de ideia seria um telefonema de Waters. Roger concordou e
pegou o telefone.
A última vez que ele e Gilmour haviam se falado desde seu encontro final
com os advogados em 1987 ocorreu alguns anos antes. Na época, eles tiveram
uma discussão sobre um programa de televisão que fazia um making of de Dark
Side of the Moon. De acordo com Gilmour, “a memória de Roger tinha falhado
levemente com ele em um pequeno ponto, e nós tínhamos que tentar resolver a
questão”. O resultado tinha sido uma chamada em conferência que acabou com
os dois gritando um com o outro. Desde então, nada.
“Foi... surpreendente”, Gilmour admitiu. “Conversamos agradavelmente
por um minuto ou dois e eu disse que ligaria para ele no dia seguinte, após pensar
um pouco sobre o assunto. Refleti muito e cheguei à conclusão de que,
provavelmente, me arrependeria caso não o fizesse.” Vinte e quatro horas depois,
ele telefonou para Waters e disse :“Ok, vamos fazer!”
Bob Geldof ficou maravilhado. “Eu disse para Gilmour: ‘Você deixou este
velho muito feliz... Não que eu consiga suportar as suas bichices’. Porque eu
nunca gostei da música deles de qualquer modo.”
Com os arquirrivais reunidos, Richard Wright concordou de imediato em
tomar parte.
De volta a Londres, Guy Pratt recebeu um telefonema de Gilmour. “Você
está sentado?”, disse David. Waters disse a Gilmour que o ideal seria que ele
tocasse violão em duas canções, o que significava que eles precisariam de um
baixista. Entretanto, Guy estava comprometido com a turnê do Roxy Music e
estaria tocando no show do Live 8 da Alemanha. “Então fiquei duas horas
andando para cima e para baixo, pensando no que ia fazer. Até que a certa altura,
Phil Manzanera (guitarrista do Roxy ) me telefonou para saber como estavam as
coisas.” No final, Guy se ateria ao seu compromisso com o Roxy Music.
David Gilmour, acreditando que o valor da causa excedia em muito uma
disputa doméstica entre dois astros do rock, deu uma breve declaração para a
imprensa: “Quaisquer disputas que Roger e a banda tenham tido no passado são
muito pequenas dentro deste contexto. Se reunir o Pink Floy d para este concerto
ajudará a chamar a atenção necessária, então valerá a pena.” Waters foi mais
conciso. “Os cínicos irão zombar. Fodam-se eles.”
Uma reunião ocorreu no Connaught Hotel, em Londres, para trabalhar o
repertório. Waters trouxe filmagens de sua própria banda; Gilmour apareceu
com gravações recentes do Floy d. Como Mason se lembrou, “houve sorrisos e
brincadeiras o tempo todo”, mas também discussões sobre quais canções tocar.
“O primeiro encontro foi bem truncado e afetado”, admitiu Gilmour. “Era
esquisito estar na mesma sala. As canções que Roger queria não eram as
mesmas que eu acreditava que devíamos fazer. Roger queria ‘Another Brick in
the Wall’, mas eu não achava apropriado. Seria uma coisa para a África, e eu
não achava que criancinhas na África deveriam estar cantando We don’t need no
education. Não houve discussão sobre isso. Eu estava absolutamente certo.”
Gilmour também disse que Waters queria tocar “In the Flesh”, e Nick
Mason afirmou que ele queria apresentar “Run Like Hell”. Ambas eram músicas
de The Wall; canções de rock virulentas e combativas, apropriadas ao contexto do
álbum de apunhalar a indústria psicótica musical, mas rejeitadas, de acordo com
Mason, com base em que “tais hinos fascistas seriam um pouco brutais para a
ocasião”.
Waters cedeu, concordando em “ser conivente durante uma única noite”.
Ele também estava ciente da ironia da situação do Pink Floy d quando comparada
à causa do Live 8. “Realmente, parecia hipocrisia ficar expondo aquela ideia
sobre comunicação e resolução de problemas mundiais, enquanto eu não falava
com Gilmour.”
Três dias de ensaios foram marcados no Black Island Studios, em Londres.
Gilmour se colocou em forma, ensaiando por conta própria as músicas do
repertório várias vezes por dia em casa. Assistência extra também era
necessária. Foram convidados a se juntar aos quatro no palco a backing vocal
Carol Keny on (que cantara em The Division Bell), o saxofonista Dick Parry, o
tecladista Jon Carin e o guitarrista Tim Renwick. Waters iria, contudo, tocar ele
mesmo baixo. Para Carin e Renwick, aquela era a história se repetindo: Jon havia
tocado no Live Aid, em Wembley, com Bry an Ferry, enquanto Tim
acompanhara Eric Clapton no show da Filadélfia.
“Duas semanas antes do Live 8, recebi uma chamada”, conta Renwick. “E
era Dave, rindo. ‘Vamos fazer isso agora. E vamos fazer com Roger’, ele
disse.Fiquei completamente atônito. Nunca imaginei algo assim. ‘Vai ser muito
divertido’, continuou Dave – exceto que não teve diversão alguma. Roger
chegava pelo menos uma hora atrasado todos os dias, sempre com uma atitude
de ‘Ok, estou aqui agora, podemos começar’, que é a mesma coisa que fazia anos
atrás. Então, dava sugestões malucas sobre rearranjar as canções, porque, com
sua banda, ele fazia as coisas em andamentos diferentes. David, Deus o abençoe,
estava muito acomodado, mas foi obrigado a se virar e dizer: ‘Olha, nós vamos
fazer apenas quatro músicas e, no final das contas, as pessoas estão esperando
escutar exatamente o que ouvia nos velhos tempos’.”
O bate-boca por causa do repertório serviu apenas para enfatizar a
polarização entre Waters e Gilmour. Para o baixista, o homem das ideias, tudo
tinha a ver com conceito, a grande ideia. Para o guitarrista, a música e o público
vinham primeiro.
“Foi estranho e desconfortável”, admitiu Gilmour depois. “Minha visão era
diferente. Eu queria um show pequeno e compacto, nós quatro com a ajuda que
precisássemos, mas Roger queria expandir um pouco.”
“Não havia uma única pessoa naquela sala que Roger não tivesse
aborrecido em algum ponto de sua carreira”, ri Renwick. “Era um monte de
gente em volta, olhando com os lábios premidos e sendo inacreditavelmente
profissionais ao manter a cabeça baixa.”
Uma noite antes do show, o Floy d se reuniu para um ensaio final no Hy de
Park. No evento, o repertório ficou definido com “Breathe”, “Breathe Reprise”,
“Money ” (parcialmente por pedido de Bob Geldof ), “Wish You Were Here” e
“Comfortably Numb”. O Pink Floy d foi marcado para aparecer em penúltimo
lugar, pouco antes de Paul McCartney ; uma reversão nos papéis do que ocorrera
em 1990, em Knebworth. O beatle também abriria o show – estabelecendo o tom
para um dia de colaborações singulares e reuniões efêmeras, McCartney
mandou a fanfarra de abertura de Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band apoiado
por um enferrujado U2. “Aquilo realmente aconteceu?”, perguntou Bono depois.
Nos bastidores, apenas Nick Mason se permitiu ser interpelado pelos
repórteres da BBC que estavam perambulando. Embora tenha dispensado
exigências ou qualquer afetação, o Floy d também descobriu que, ao menos
durante parte do dia, eles teriam que dividir seus camarins com, de acordo com
Gilmour, “a Snow Patrol ou algo assim”. Como se recorda Tim Renwick, “havia
uma terrível quantidade de gente por todos os lados”.
Lá fora, às três da tarde, Elton John lutava para conseguir fazer um dueto
de “Children of the Revolution” do T-Rex com a desorientada vítima do rock Pete
Doherty. Quatro horas depois, na hora em que Madonna arrastava uma perplexa
sobrevivente da fome, a etíope Birhan Woldo, para fazer “Like a Pray er”,
qualquer horário ou senso de razão já havia sido abandonado. Às dez e meia,
com o show quase uma hora atrasado, as forças burocráticas do mal ameaçaram
lançar um toque de recolher.
Com uma prorrogação de último minuto, o som familiar de um coração
batendo pôde ser escutado pelo parque escuro: o começo de Dark Side of the
Moon. O Pink Floy d podia ser visto nas coxias: um grupo trajando jeans simples,
com cabelos cinzas e sorrisos nervosos – todos astros do rock incongruentes. Atrás
do palco, um porco flutuava sobre a Battersea Power Station. Pela primeira vez
em quase 25 anos, os quatro membros do Pink Floy d clássico entravam juntos no
palco. Hostilidades suspensas. Por uma vez, os processos, recriminações,
confrontos de egos e disputas musicais haviam sido esquecidos. Durante os
próximos gloriosos minutos, tudo teria a ver apenas com a música.
1 “Vocês gostariam de ver nossos primos coloridos de volta ao lar?” (N. T.)
2 “Todo homem tem seu preço, Bob, e o seu foi muito baixo.” (N. T.)
3 “Todos os homens têm seu preço, meus amigos.” (N. T.)
4 “Você quer meu sangue, você quer minhas lágrimas?” (N.T.)
CAPÍTULO ONZE HERÓIS POR FANTASMAS

“Você não pode continuar com a Terceira Guerra Mundial para


sempre.”
Nick Mason

Há uma conversa sobre momentos de lágrimas nos bastidores do Live 8, mas


apenas entre alguns dos observadores. Se isso se deveu somente ao Pink Floy d ou
à lenta erosão de inibições após um longo dia se embriagando no Golden Circle,
quem sabe? Quem quer que tenha imaginado David Gilmour e Roger Waters
caindo em um abraço com os olhos úmidos teria uma longa espera pela frente.
Se, por um lado, alguns em volta da banda afirmaram que foram levados às
lágrimas pela performance, o Pink Floy d manteve a rigidez de seus lábios
selados, reforçando tanto o motivo de sua graça salvadora quanto de sua maior
queda. Contudo, quando se alinharam para o agradecimento final, todos se
permitiram aparecer satisfeitos e, no caso de Waters, triunfante.
Os dezoito minutos do Pink Floy d no palco eclipsaram todas as
performances que vieram antes, e também a única que haveria depois naquele
dia. Na manhã seguinte, um enlouquecido e sorridente Roger Waters tornara-se a
fotografia mais repetida do Live 8 em todos os jornais de domingo.
Eles repetiriam a dose? Pelas semanas seguintes, histórias circularam de
promotores prometendo somas financeiras cada vez mais absurdas, indo de 150 a
250 milhões de dólares, dependendo de qual jornal ou revista a pessoa estivesse
lendo. Gilmour repetia a qualquer um que lhe perguntasse que já recusara as
propostas. Ele insistiu que, para ele, aquele foi o fechamento. Embora não sem
escorregar em um último cutucão em seu antigo rival: “Ofereceram-me a
mesma quantia de dinheiro para turnês com ou sem Roger Waters”.
Waters não resistiu a responder: “Talvez ele não perceba o quanto a
simbiose entre nós quatro tenha sido importante durante os ‘anos dourados’. Todos
deram a sua contribuição, mas era uma combinação de quatro talentos
separados. Foi uma coisa muito, muito especial”.
Para o homem que outrora chamava seus colegas de banda de “os muffins”
e tinha afirmado na ocasião ser a única força motriz do Pink Floy d, essa era uma
mudança notável no coração. Nos meses imediatamente após o Live 8, Waters
parecia ser aquele que estendia o braço amigo. “Espero que possamos fazer isso
novamente”, ele disse. “Se houver outra ocasião especial – algo com uma
conexão política ou beneficente. Eu poderia até nos imaginar fazendo Dark Side
of the Moon de novo.”
Richard Wright manteve silêncio, mas Nick Mason não conseguiu evitar:
“Minha mala está arrumada e pronta para ir”. Sempre o mediador, Mason foi
também rápido ao explicar por que achava que Gilmour não estava com pressa
de repetir tudo. “David era quem tinha mais a perder ao fazer o Live 8. Ele vinha
trabalhando em seu disco solo havia algum tempo e acho que sentia que, caso
voltasse com o Pink Floy d, isso tiraria toda a atenção dele.”
Em novembro, o baterista e o guitarrista do Floy d apareceram juntos em
Londres para a inclusão da banda no Music Hall of Fame britânico. Fã do Floy d,
Pete Townshend fez um brilhante discurso de introdução. Wright não pôde
comparecer, pois se recuperava de uma cirurgia na vista (“pobre salsicha”,
explicou Gilmour). Waters estava em Roma para uma performance de Ça Ira,
mas se tornou visível acima de Mason e Gilmour como uma presença orwelliana
agigantada na projeção de vídeo pairando sobre a cabeça deles. Foi um
momento de humor negro.
A dedicatória improvisada de Gilmour a Roger, Sy d e “a todos os
passageiros desta fabulosa viagem na qual estivemos” fez a face de Waters ficar
brevemente sombria. “Confesso que jamais me senti como um passageiro”, ele
devolveu. Mason concluiu a performance com uma piada excruciante sobre
bateria. Como sempre, Gilmour parecia não ver a hora de ir para casa.
Quase um ano depois do Live 8, contudo, o guitarrista tinha algo por que
sorrir. Seu terceiro disco solo, On an Island, chegava ao número 1 na Inglaterra,
quebrando a tradicional venda fraca de discos solo dos membros do Floy d. A
inconveniência de ter tocado no Live 8 claramente havia compensado. Na
ausência do Pink Floy d, as pessoas haviam comprado a coisa mais próxima que
puderam: o álbum de David Gilmour.
On an Island foi um marco na vida do guitarrista. Lançado em 6 de março
de 2006, o aniversário de 60 anos dele, Gilmour revisitava seu passado, enquanto
sugeria um presente e futuro estabelecidos e felizes. Entre os que contribuíram
estavam o companheiro de Cambridge, ex-Jokers Wild e substituto da banda na
turnê de The Wall, o baterista Willie Wilson, e o guitarrista Rado Klose, outrora
parte de The Pink Floy d Sound. Agora trabalhando como fotógrafo, Klose havia
se mantido amigo de Gilmour desde a infância. “David me telefonou e disse:
‘Você ainda está tocando?’. Nós não tocávamos juntos havia quarenta anos; foi
uma experiência interessante”, relata Klose (ele havia saído do Pink Floy d em
1965), “mas assisti, em algumas ocasiões de boca aberta, ao que aconteceu
depois. Em Cambridge, o Floy d é como um enorme objeto gravitacional, com
várias tribos diferentes orbitando à sua volta. Eu preferia assisti-los de longe”.
Entre os outros convidados do álbum destacam-se os cantores David
Crosby e Graham Nash, o guitarrista da Roxy Music, Phil Manzanera, o
compositor Robert Wy att e o maior compositor de trilhas sonoras para filmes da
Polônia, Zbigniew Preisner. A presença deles nunca colidiu com a de Gilmour,
contudo. On an Island é um veículo para sua voz e guitarra. Não havia nenhum
lampejo de seu disco anterior, About Face, ou a incerteza do primeiro. Pelo
contrário, era um trabalho descontraído, elegíaco e com uma sonoridade
terrivelmente inglesa. Mais uma vez, sua coescritora Polly Samson ajudou a
extrair os pensamentos mais profundos de dentro dele, ou ao menos tentou.
“Polly acha que eu sou um pouco autista”, disse Gilmour em uma
entrevista. E prossegue: “O álbum tem um sentimento de contentamento, ligado
com elementos de melancolia, nostalgia e arrependimento.” Dedicado à
memória dos falecidos Michael Kamen e Tony Howard, canções como “The
Blue” revisitavam o tema da mortalidade “das cinzas às cinzas, do pó ao pó”, que
frequentemente crepitou no trabalho de Gilmour. “Sempre pensei muito sobre a
morte, e isso costumava me assustar profundamente.” Infelizmente, no mês de
lançamento do disco, outro soldado do Floy d, o engenheiro Nick Griffiths, morreu
no pós-operatório de um transplante.
Como contraste, na canção “Smile”, Gilmour soa como o pináculo do
contentamento do homem de família. Em “This Heaven”, ele explorou seus
sentimentos sobre espiritualidade, se bem que de uma perspectiva ateísta. “É
muito sobre o Céu ser aqui na Terra. Aquela coisa de estar em uma igreja ou um
lugar de adoração, onde você pode sentir o poder do edifício.” Apenas uma
música, “Take a Breath”, trabalhava um pouco fora da corrente: a guitarra
tinindo de uma forma singularmente reminiscente aos momentos mais elétricos
de Sy d Barrett em The Piper at the Gates of Dawn. On an Island foi um disco
feito para agradar a uma pessoa: o próprio Gilmour. Qualquer outro era um
bônus. “Às vezes nos sentamos aqui, com uma taça de vinho à noite, e escutamos
o álbum do começo ao fim”, ele revelou. “E ainda acho que ele soa fantástico.”
Gilmour lançou o álbum com um show gravado pela BBC no Mermaid
Theatre, em Londres, antes de sair em uma turnê mundial. Sua escolha de
colegas de banda fez pouco para reprimir o clamor de uma reunião do Pink
Floy d. Embora o baterista Steve DiStanislao e Phil Manzanera fossem rapazes
relativamente novos, Guy Pratt, Dick Parry, Jon Carin e Richard Wright eram
nomes bem familiares. Carin, Parry e Wright também tocaram no álbum solo.
Com Wright posicionado à esquerda de Gilmour, sob a sombra de Jon Carin,
havia uma disposição familiar a qualquer um que tivesse assistido a um show do
Pink Floy d nos anos 1980 ou 1990.
“Rick toca de forma maravilhosa, e gosto de tê-lo por perto”, afirma
Gilmour. “Minha dificuldade com ele neste disco foi convencê-lo a tirar a bunda
do sofá e vir trabalhar um pouco. Ele apareceu e tocou seu Hammond. Então eu
queria que ele cantasse uma das músicas, mas isso foi como tentar lhe arrancar
um dente. Não é preguiça, apenas falta de confiança.”
Entretanto, o notoriamente tímido tecladista iria se superar durante a turnê.
Gilmour tocou um repertório carregado de canções do Floy d, revisitando
Obscured By Clouds com “Wot’s... Uh The Deal”, e Atom Heart Mother com sua
adorada “Fat Old Sun”. Wright assumiu a liderança em sua própria canção,
“Wearing the Inside Out”, alternou vocais com Gilmour em “Time” e recebia
aplausos espontâneos sempre que tocava as notas de abertura de “Echoes”, a
extravagância de entortar a mente de 1971. “Houve um belo embaraço certa
noite”, recorda-se Guy Pratt. “‘Nos dê um ping, Rick!’.” No continente, o
entusiasmo do público por Wright era tal que, mesmo fora do palco, brincavam
com o tecladista chamando-o de “Riiiichard”, em homenagem aos gritos que
frequentemente eram escutados na multidão.
Em maio, Gilmour tocou três noites no Roy al Albert Hall, em Londres. Em
uma, David Bowie subiu ao palco para versões nervosas de “Arnold Lay ne” e
“Comfortably Numb”. Na última noite, Nick Mason assumiu a bateria em “Wish
You Were Here” e “Comfortably Numb”, fazendo uma breve reunião do Pink
Floy d Versão III. Mason estava, contudo, envolvido como baterista ocasional de
Roger Waters. Atiçado pelo Live 8, Waters reviveu rapidamente a turnê “In the
Flesh”. Estreando em Lisboa no começo de junho, Waters marchou com suas
tropas pela Itália, Islândia, Grécia e Escandinávia, e chegou ao Hy de Park, em
Londres. Sua banda ainda incluía o fiel do Floy d, Jon Carin, que havia acabado a
turnê com Gilmour, e os confiáveis tenentes Andy Fairweather-Low, Snowy
White e o baterista Graham Broad, além de um novo aspirante a guitar hero,
David Kilminster, cujo currículo incluía trabalhos com Keith Emerson, do
Emerson Lake & Palmer. As credenciais do rock de Kilminster pareciam
apropriadas, já que a segunda metade do show de Waters estava agora entregue
à totalidade de Dark Side of the Moon. Quando seus respectivos cronogramas ou
o timing das corridas de carro permitiam, Mason tocava bateria para a entrega
completa do clássico de 1973 do Pink Floy d. Com os membros divididos em dois
campos rivais, os fãs podiam agora ter dois substitutos do Pink Floy d em troca do
seu dinheiro.
A preocupação de On an Island com a mortalidade pareceu ainda mais
adequada ao verão de 2006. No dia 7 de julho, sexta-feira, Sy d morreu
silenciosamente em Cambridge. Sua saúde já vinha se deteriorando havia algum
tempo, e ele fora voluntariamente ao hospital no qual seu pai outrora tinha
trabalhado.
Amigos e ex-colegas de banda souberam das notícias pelos jornais no
começo da semana seguinte. “David Gilmour me telefonou”, recorda-se Aubrey
‘Po’ Powell. “Foi ele quem se manteve em contato com a família mais do que
todos os outros. David sabia que ele estava doente, então não foi uma surpresa.
Mas para mim foi. Fiquei incrivelmente chocado, mesmo que já não o visse
havia trinta anos. Comecei a pensar sobre quando fomos juntos pela primeira vez
ao Windsor Rhy thm and Blues Festival. Todos pulamos dentro do velho Austin 10
da mãe de Sy d e nos perdemos no caminho. Foi a primeira vez que o Cream
tocou. Sy d ficou completamente impressionado e incapaz de se mover durante o
show inteiro. Tudo me veio flutuando à cabeça.”
Em Cambridge, Clive Welham, o baterista de Sy d em The Mottoes, escutou
as notícias pela televisão: “Então, antes que a história tivesse terminado, o
telefone começou a tocar”. Fazia muito tempo que Welham tinha visto Barrett na
cidade, a poucos passos de distância de si, na fila de uma loja. “Não disse nada a
ele”, conta Clive. “Até pensei em fazê-lo, mas então me perguntei: Por quê? Ele
não quer ser perturbado.”
Um dia, em Cambridge, Libby Gausden decidiu abordar o homem que, no
passado, tinha sido seu primeiro namorado. “Eu disse: ‘Você sabe quem eu sou,
Sy d?’. Ele respondeu: ‘Claro que sei quem você é. Você é Libby ’. Ele entendia as
coisas, mas não estava muito certo delas. Meu pai tinha sofrido um derrame que
tinha deixado sequelas, e o comportamento de Sy d me lembrava o dele.”
Anos depois, a filha de Libby, Abigail, então estudando na Universidade de
Cambridge, viu um homem passar por ela em uma bicicleta. Abigail estava
usando um dos vestidos Biba de sua mãe da década de 1960. “Olá, pequena Lib”,
ele disse. “Olá”, ela respondeu, sem saber quem ele era. Um amigo alertou que
se tratava de Sy d Barrett.
Sy d havia feito parte da vida de todas aquelas pessoas há muito tempo. Mas
para todos, com exceção de seus familiares, ele tinha se tornado um fantasma
muito tempo antes de morrer.
O Pink Floy d se manteve a distância, mas emitiu um comunicado para a
imprensa: “Naturalmente, a banda está muito chateada e triste em saber da
morte de Sy d Barrett. Ele foi a luz que nos guiou em nossos primeiros anos e
deixou um legado que continua a inspirar”.
Coincidentemente, a última peça do escritor Tom Stoppard, Rock’n’ Roll,
que incluía referências a Barrett e fragmentos da música do Pink Floy d, havia
estreado em Londres poucas semanas antes da morte de Sy d. Inicialmente
ambientado em Cambridge na década de 1960, a peça compreendia o impacto
do rock na Tchecoslováquia e a luta de um professor universitário desiludido ao
lidar com a erosão de suas crenças comunistas. A cena de abertura da peça
mostra a filha do professor, a incorporação da “garota hippie” dos anos 1960,
meditando sobre a chance de ter um encontro com o elusivo Barrett ao som da
canção solo de Sy d, “Golden Hair”. Nick Mason e David Gilmour assistiram a
performances da peça.
Um funeral simples e familiar ocorreu no Crematório de Cambridge no dia
18 de julho. Ninguém da banda compareceu. Tributos a Barrett lotaram a
imprensa nacional, assim como revistas de música.
Contemporâneos que iam de Elton John a David Bowie ofereceram suas
memórias e reflexões. Da geração seguinte de músicos, Paul Weller fez uma
observação tortuosa para a revista Mojo: “Sy d brilhou tanto por um espaço de
tempo tão curto que a visão de todos está ainda aprisionada àquela época”.

Longe de Londres, em seu desejo consciente de “fundir política e filosofia


com a música”, Roger Waters agora incomodava os Estados Unidos. Ele estava
tocando uma nova música em seus shows. “Leaving Beirut” era uma
composição inspirada por suas viagens ao Meio-oeste quando adolescente; um
retorno ao tempo em que ele e sua equipe de aspirantes a beatniks de Cambridge
cruzaram a Europa em busca de aventura. A mensagem antiguerra da canção
seria mal interpretada em algumas partes dos Estados Unidos, onde a
sensibilidade do envolvimento do país na Guerra do Iraque era soberana. Waters
não se desculpou. “Eu pinto o que vejo”, disse ao escritor Jon Shults. “Gostaria de
ser lembrado como alguém que professava a sua verdade e se mantinha fiel a
ela.”
Os princípios de Waters o levaram de volta aos jornais antes do final do
ano. Ele estava morando permanentemente em The Hamptons, Nova York, terra
de sua nova parceira, Laurie Durning. Como ele deixava transparecer, a
Inglaterra havia perdido seu apelo. “Fiquei desencantado com a atmosfera
política e filosófica”, disse a um jornalista do The Times. A aprovação do ato
contra caça um ano antes havia sido um fator decisivo. Apesar de ter
anteriormente anunciado seu apoio aos direitos dos animais, Waters se recusou a
abandonar todas as suas crenças políticas e filosóficas de forma deliberada. Ele
foi a manifestações com a Country side Alliance, mas criticou o ato: “É uma das
peças mais divisórias de legislação que já tivemos na Inglaterra. Não é o caso de
eu concordar ou não com a caça às raposas, mas irei defender até o fim o direito
de quem quiser tomar parte nisso”.Ça Ira finalmente apareceu em setembro de
2006. Tradução livre do francês para “existe esperança”, a ópera em três atos
reconta a história da Revolução Francesa. Waters não tocou no álbum. Em vez
disso, o barítono galês Bry n Terfel e a soprano chinesa Ying Huang estavam entre
os músicos. Contudo, como um crítico apontou, “o som é mais Puccini do que
Pink Floy d”.
Como muitos fãs sabiam, a ópera estava em desenvolvimento desde o final
dos anos 1980. A peça estreou no dia 25 de novembro de 2005, em Roma. Uma
performance completa foi então encenada em Pozna, Polônia, em agosto de
2006, um mês antes do lançamento do álbum.
Waters aparecia no palco em uma parte não falada, fazendo o papel do
papa (infelizmente um desempenho não registrado em vídeo para a posteridade).
Apesar das costumeiras suspeitas que os críticos tenham de qualquer
colaboração de roqueiros com música clássica, as resenhas de Ça Ira foram
boas. “O grande romantismo talvez derrube algumas teimosias de Waters”,
escreveu a Rolling Stone, “mas a opera reflete algumas das obsessões que o
homem sempre teve sobre guerra e paz, amor e perda.”
“Sempre fui grande fã da música coral de Beethoven, Berlioz e Borodin”,
explicou Waters. “Isto é desavergonhadamente romântico e reside naquela
tradição do século XIX, porque lá é que estão meus gostos em termos de música
clássica e coral.” Ça Ira chegou ao topo das paradas clássicas, mesmo com a
maioria dos fãs esperando um álbum de rock mais tradicional. Para Waters,
contudo, o tema histórico do trabalho não detrata a sua relevância para um
público mais moderno: “Ela é sobre liberdade, aprendizado, razão, igualitarismo.
Como encontrar seu caminho através da vida moderna e emergir do outro lado
com mais pessoas felizes a maior parte do tempo”.
Qualquer que fosse a mídia, era território conhecido para Roger Waters.
Também, como piada interna para seus fãs mais dedicados, uma canção, “The
Letter”, usava uma melodia emprestada de “Every Stranger’s Ey es”, uma
balada de The Pros and Cons of Hitch-hiking (“para aqueles que estiverem
dispostos a procurar por isso: boa caçada”).
Waters se manteve ocupado promovendo o álbum, até mesmo aparecendo
em programas diários da televisão para falar sobre o trabalho e, inevitavelmente,
sua relação com o Pink Floy d. As discussões seguiam o padrão de mencionar a
ópera em dez por cento do tempo e o Pink Floy d nos noventa por cento restantes,
mas Waters lidou com isso perfeitamente; um testamento da velhice mais branda
ou de seus vinte anos dedicados à psicoterapia. O que Ça Ira provou acima de
tudo foi a facilidade de Waters para compor e criar conceitos, concebendo uma
peça de arte para que outros tocassem. Essa parecia uma nova e adequada
abordagem para o relutante astro do rock que havia acabado de fazer 63 anos.

Em novembro, a família de Sy d Barrett vendeu suas posses por meio da


casa de leilões Cheffins, em Cambridge. O número 6 da St. Margaret’s Square
também foi colocado à venda. Entre as idiossincráticas mobílias, havia estranhas
maçanetas customizadas, esquemas de cores excêntricos e as bicicletas de Sy d
pintadas a mão. A observação de Paul Weller sobre um homem aprisionado em
um curto espaço de tempo parecia mais pungente quando se observava o lugar.
Aquela era a casa de Roger Barrett, não “Sy d”. Esse homem tinha vivido de
forma frugal e, como transpareceu depois, abaixo de seus meios, cercado por
livros, suas próprias escritas, incluindo uma história de arte não concluída e um
pacote de CDs. Nada de rock, apenas jazz como Miles Davis e Charlie Parker.
Sua abordagem distraída do “faça você mesmo” – uma mesa de café com um
compartimento caseiro preso embaixo – parecia ser a prova de seu estado
mental confuso. Havia outro lado ermo em sua vida.
Incapaz ou não disposto a cuidar de sua saúde, Barrett com frequência
negligenciava seus medicamentos e tinha, conforme sua irmã Rosemary
revelou, perdido diversos dedos devido a complicações do seu diabetes.
Em dezembro, David Gilmour anunciou planos para lançar um tributo a
Barrett: uma performance ao vivo de “Arnold Lay ne”. Um pouco antes naquele
mês, o Mail on Sunday publicou uma matéria com a manchete “O gênio na porta
ao lado”, de David Sore, antigo vizinho de Sy d na St. Margaret’s Square. Ele
falava do quanto achava intimidador o comportamento de Sy d quando era
criança, crescendo na década de 1980, lembrando-se que Barrett, às vezes, tinha
demonstrações públicas de ira e fazia fogueiras no jardim nas quais queimava
suas telas e outras posses. Os fãs do Pink Floy d ficaram intrigados, se não um
pouco espantados, pela afirmação de Sore de que ele escutara Sy d gritar uma
vez: “Maldito Roger Waters! Eu vou matá-lo!”.
Embora muitos devotos tenham romantizado a reclusão de Sy d, que
raramente se aventurava além das lojas locais, a realidade era bem diferente.
Barrett pegara o trem para Londres sem ser acompanhado durante anos,
visitando galerias de arte e o Jardim Botânico de Kew, próximo de onde viveu,
em Richmond Hill. Também tinha, como pontuou o antigo amigo Anthony Stern,
“se tornado outro grande excêntrico de Cambridge – andando de bicicleta por
toda a cidade”.
“Sy d se transformou em Arnold Lay ne no final”, sorri Libby Gausden. “O
que parece ser irônico demais. Quando estávamos crescendo, havia uma mulher
excêntrica em Cambridge que costumava andar por lá com um balde na cabeça.
E Sy d dava risadas, mas ele também nos fazia pensar por que ela usava o balde,
o que acontecera com ela para deixá-la daquela forma. Agora Sy d havia se
tornado outro daqueles malucos de Cambridge.” Quando a BBC exibiu um
documentário sobre Sy d e o começo do Pink Floy d, em 2001, Barrett o assistiu
sem comprometimento, dizendo apenas a sua irmã que havia sido bom rever seu
antigo zelador, Mike Leonard.
No mesmo ano, o fotógrafo Mick Rock tinha publicado um livro de suas
fotografias com Barrett chamado Psychedelic renegades. Uma edição limitada
do título incluía um encarte assinado pelo próprio Sy d. Rock tinha negociado o
contrato com a família de Barrett em troca de uma soma de dinheiro não
especificada, e Sy d se dispôs a assinar seu nome – R. Barrett – em 325 pedaços
de papel, que foram anexados a cada uma das cópias. Este não parecia o lunático
lendário sem esperanças. Como Rosemary contou a um jornalista: “Ele ficou
muito bravo, mas fazia qualquer coisa que pedíamos”.
Ele também era um homem muito rico. Barrett deixou mais de 1,25
milhão de libras em seu testamento para ser dividido entre seus irmãos e irmãs. A
inclusão de suas canções na compilação Echoes, a reimpressão de seus trabalhos
solo e o contínuo interesse em seu trabalho tiveram suas recompensas.
Embora jamais tenha lidado diretamente com Sy d, David Gilmour se
encarregou de garantir que Barrett recebesse seus royalties. O leilão de suas
posses levantou ainda mais dinheiro para a família, com alguns fãs pagando até
10 mil libras pelas duas bicicletas de Barrett e mais de 50 mil libras por seus
trabalhos. Como um de seus antigos agregados dos anos 1960 explicou certa vez,
“não acredite em tudo isso que falam sobre o pobre Sy d; na verdade, não há
nada de pobre nele”.
Em 2003, Roger Waters falou sobre fazer mais um álbum de rock. “É outro
conceito velhaco”, ele explicou. “Fala sobre uma conversa em um bar de Nova
York e um dos personagens é um motorista de táxi dos Bálcãs, e seu casamento
está ruindo...” No começo de 2007, ele ainda não tinha sido lançado. Em março,
Waters lançou um novo single somente para download, “Hello (I Love You)”,
tirado da trilha sonora do filme de ficção científica, Mimzy – a chave do universo.
Nesta canção lenta, ela apertava vários botões familiares do Pink Floy d,
distorcendo a letra de The Wall, de Is there anybody out there? para Is there
anybody in there?, no refrão. Waters voltou para a estrada, passando pela
Austrália, Nova Zelândia e América do Sul, novamente tocando Dark Side of the
Moon e dizendo aos entrevistadores que estava aberto à ideia de tocar novamente
com o Pink Floy d.
Em março, o New York Daily News afirmou que o Floy d iria se reunir para
tocar em um dos concertos planejados para o evento beneficente Live Earth, em
junho. Os shows estavam sendo preparados nos sete continentes para ajudar a
levantar fundos para a conscientização do problema do aquecimento global.
Gilmour rapidamente negou que o Pink Floy d apareceria, embora Waters tenha
concordado em tocar no show dos Estados Unidos, no estádio dos Giants, em
Nova Jersey.
Mais uma vez, parecia que Waters estava tentando armar outra reunião,
mas encontrava Gilmour irredutível do outro lado. Como o baixista admitiu em
uma entrevista, o Pink Floy d havia sido o bebê de Gilmour nos últimos vinte anos
e a lendária obstinação do guitarrista tornava improvável que ele abrisse mão do
controle. Feridas antigas ainda tinham que ser curadas, e Waters sabia aquilo
melhor do que ninguém. “Acho que nenhum de nós saiu daquele ano de 1985
com qualquer crédito. Foi uma época ruim e negativa. E me arrependo do meu
papel nessa negatividade.”
O ano de 2007 também foi marcado pelo 40º aniversário do chamado
Verão do Amor e o lançamento do álbum de estreia do Floy d, The Piper at the
Gates of Dawn. Se não havia nenhum disco novo da banda, seus feitos passados
foram considerados maduros para serem reavaliados. Em abril, o Institute of
Contemporary Arts montou um evento multimídia para marcar o aniversário do
“The 14-Hour Technicolor Dream”. Descrito certa vez por Peter Jenner como “o
ápice do uso de ácido na Inglaterra”, o evento seria celebrado com a exibição da
filmagem original do show, apresentações de DJs, a peça de um homem só, The
Madcap, e shows ao vivo, incluindo aparições do The Crazy World, de Arthur
Brown, e The Pretty Things, duas das bandas que haviam tocado no evento
original.
Detalhes de dois shows futuros também foram anunciados na mesma
ocasião. Em 26 de maio, Roby n Hitchcock, cantor e compositor de Cambridge e
no passado frontman do The Soft Boy s, e o antigo guitarrista do Blur, Graham
Coxon, encabeçaram o tributo ao Pink Floy d “Games for May ”, no Queen
Elizabeth Hall. Quarenta anos antes, a banda tinha aborrecido a gerência da casa
de música clássica ao usar uma máquina de bolhas e cobrir o público com flores,
sujando os assentos de couro da casa com bolhas estouradas e pétalas
esmagadas. Também foi a noite em que o Floy d lançou seu segundo single, “See
Emily Play ”. O designer de iluminação da fase do Pink de 1967, Peter Wy nne-
Willson, estava presente para dar uma ambientação psicodélica autêntica; um
papel que ele também assumira duas semanas antes em um tributo a Sy d Barrett,
no Barbican Theatre de Londres, em 10 de maio.Chamada de “Madcap’s Last
Laugh”, a ideia havia sido debatida primeiramente no programa musical Bry n
Ormrod logo após a morte de Barrett, um ano antes. Ormrod abordou o produtor
original do Pink Floy d e mentor, Joe Boy d, que trouxe o músico e ocasional
letrista da banda, Nick Laird-Clowes, outrora protegido de David Gilmour nos
anos 1980 da The Dream Academy, e agora trabalhando com o Trashmonk.
O Floy d deu sua benção ao show planejado e permitiu que Laird-Clowes
acessasse seus arquivos para obter filmagens antigas da banda e de Sy d.
Enquanto isso, Boy d e Laird-Clowes começaram a agendar os participantes. Os
ingressos começaram a ser vendidos e tiveram boa saída, apesar do elenco ainda
não confirmado. Nas semanas que precederam o evento, diversos nomes
começariam a ser divulgados. Isso incluía o ubíquo Roby n Hitchcock, Damon
Albarn (do Blur), Chrissie Hy nde e o vocalista original do Soft Machine e
contemporâneo de Sy d, Kevin Ay ers. Fãs e críticos especularam se haveria
qualquer participação do Pink Floy d; os mais atentos repararam que a
interminável turnê de Waters, In the Flesh, faria uma pausa de um dia, na noite
do evento, e recomeçaria em Earls Court.
Seis dias antes da apresentação, o artista e confidente do Floy d, Storm
Thorgerson, preparou uma festa para o lançamento de seu mais novo livro, Taken
by storm, no Abbey Road Studios. David Gilmour, Nick Mason e Richard Wright
compareceram e foram fotografados juntos pelos paparazzi, o que levou a mais
especulações se algum deles estaria no tributo a Barrett. Wright deixou
transparecer depois que foi o primeiro a assinar, pedindo para tocar “Arnold
Lay ne”, uma balada que havia cantado na última turnê solo de Gilmour. Desse
ponto em diante, a corriqueira rodada de rumores “eles irão, eles não irão?”
continuou ao longo dos dias seguintes.
Nada foi confirmado, nada foi negado. Joe Boy d explicou depois que ele
tivera um encontro com Waters em Nova York algumas semanas antes. “Ele foi
amigável e estava interessado, mas incerto.” Uma hora antes do show, espalhou-
se pela mídia a notícia de que Waters definitivamente não se apresentaria.
Aqueles que passaram pela área de catering nos bastidores eram
cumprimentados pela visão do braço direito musical de Waters e do Floy d, Jon
Carin, comendo um sanduíche entre o antigo Soft Boy e aficionado por Barrett,
Roby n Hitchcock, e o antigo baixista do Led Zeppelin, John Paul Jones. Não havia
sinal de Gilmour, Wright, Mason ou Waters.
Sem barulho nem estardalhaço, o show abriu com o som de um bluesman
da Carolina do Norte, Blind Boy Fuller, e um pano de fundo com o encarte de um
de seus álbuns, estrelando os nomes de estrelas do blues como Pink Anderson e
Floy d Council. Quando as luzes surgiram, o coral Sense of Sound, um grupo de
dezoito vozes de Liverpool, fez uma versão a cappella de “Bike”, a canção que
fecha The Piper at the Gates of Dawn.
The Damned’s Captain Sensible fez uma versão fiel de “Flaming”, do
mesmo álbum. Kevin Ay ers respondeu com uma versão decrépita de “Here I
Go” e sua própria ode a Barrett, “Oh What a Dream”. Para dar suporte a cada
um dos artistas estava uma “banda da casa”, reunindo o baixista do Oasis, Andy
Bell, o tecladista Adam Peters e o baterista Simon Finley (ambos parte do Echo
and The Bunny men), juntamente com Ted Barnes, guitarrista da cantora e
compositora Beth Orton. A primeira metade do show seguiu com uma colagem
de slides a óleo e deslumbrantes truques de Peter Wy nne-Willson mostrados em
três telas enormes atrás do palco, um espaço bem maior do que qualquer coisa
que o Floy d pudesse ter imaginado em 1967. Wy nne-Willson também viu seus
esforços serem reforçados pela Boy le Family, um coletivo de artistas, cujo pai
falecido, Mark, tinha produzido alguns dos shows mais arrebatadores do clube
UFO.
Os músicos tiveram seus nomes iluminados na tela atrás do palco, cada
qual tocando uma ou duas canções no máximo. A cantora folk Kate McGarrigle
fez o público se arrepiar pela primeira vez na noite, com a charmosa “See Emily
Play ”, dividindo os vocais com sua filha Martha Wainwright e a sobrinha Lily
Lanken.
Quando as luzes diminuíram mais uma vez para a última performance da
primeira parte, uma figura familiar levemente curvada podia ser vista no palco,
instantaneamente reconhecível antes que as luzes tivessem sequer sido acesas
novamente. A chegada de Roger Waters fez com que o estádio explodisse em
ovação. Sorrindo nervosamente, ele sentou-se em um banquinho, com um violão
no colo e mexeu em seu microfone. À sua esquerda estava Jon Carin, atrás do
teclado.
“Claro que estou aterrorizado”, ele disse. “Essas pequenas ocasiões são
bem mais assustadoras do que as grandes em que você pode se esconder atrás de
toda a parafernália. Mas para quem sofre do senso de vergonha, como estou
certo que qualquer um de vocês, que conhecem o meu trabalho, sabe que eu tive
a minha vida inteira, isso tudo é muito estressante.”
Waters continuou seu discurso, jogando um pouco mais de luz em seu
relacionamento com Sy d Barrett. “Contudo, não teria sido estressante para Sy d,
porque ele não padecia dessas coisas da mesma forma que eu. Antes de sua
doença, ele viveu sua vida da forma que caminhava... ele meio que... ficava o
tempo todo na ponta dos pés... e acho que sua falta de senso de vergonha lhe
permitiu assumir todos os riscos, musicalmente, e é por isso que temos um débito
tão grande com ele. Decerto, eu pessoalmente tenho, porque, sem Sy d, não sei o
que estaria fazendo. Provavelmente teria sido um incorporador imobiliário ou
algo assim.”
O candor de Waters foi de desarmar qualquer um, mas em um frustrante
movimento contrário, ele anunciou que não tocaria uma música de Sy d ou
sequer uma do Pink Floy d, mas sim uma sua. “Típico de Waters”, alguém
resmungou nos batidores... A canção, “Flickering Flame”, havia se tornado uma
constante nos shows recentes de Waters, mas para o público partidário de Barrett,
no contexto daquela noite, tamanha falta de familiaridade tornou aquela escolha
errada. A letra altamente pessoal era apta, mas houve um senso palpável de
desapontamento; então, Waters acenou um adeus e saiu do palco. Então era isso?
“Há buracos em nossa psicologia”, ele admitiu meses antes. “Há algo urgente
que ainda nos força a querer ir lá e fazê-lo.” Mas, para Waters, fazer, agora,
significava ressuscitar Dark Side of the Moon em seus próprios shows e colocar
três guitarristas em um lugar onde, no passado, havia apenas David Gilmour,
tentando replicar o que ele fazia sozinho e muito melhor. Para aqueles que tinham
visto o desempenho do guitarrista de “Wish You Were Here”, “Breathe” e
“‘Comfortably Numb” durante seus shows solo, havia ainda a ressaca das
picuinhas do Live 8. Não tinha a ver com quem estava tocando o baixo, mas sim
com o fato de que Roger Waters estivera ali aquela noite; o homem cuja
imaginação e natureza obsessiva haviam constituído aquelas canções. Após o
Live 8, as alternativas jamais viriam a ser tão excitantes.
Nos bastidores, durante o intervalo, a visão do técnico de guitarra de David
Gilmour, Phil Tay lor, carregando os cabos de seu mestre revelou que Waters não
era o único membro do Pink Floy d do passado ou presente planejando fazer uma
aparição. Em um camarim fechado, um pouco após às 22h30, David Gilmour foi
fotografado se aquecendo com sua guitarra, enquanto Nick Mason passava o
tempo com um par de baquetas em uma poltrona próxima. O “grande
behemoth”, como o guitarrista descreveu o Pink Floy d uma vez, estava se
levantando de seu torpor mais uma vez, embora tivesse que utilizar qualquer
superfície disponível para praticar.
Lá na frente, enquanto o público ainda brincava de adivinhações, Roger
Waters reapareceu com uma imagem de Sy d Barrett projetada na tela. Como
mencionado antes, a filmagem granulada em preto e branco mostrava os dois
sendo entrevistados por Hans Keller (“por que tudo tem que ser tão terrivelmente
alto?”) para o show artístico da BBC, Look of the Week. Filmado em maio de
1967, Barrett e Waters falavam como garotos bem-criados de classe média que
foram durante vários anos. Barrett soava erudito e parecia estar qualquer coisa,
menos chapado.
A música recomeçou com Nick Laird-Clowes liderando o coral Sense of
Sound por um arranjo surreal de “Chapter 24”, do Pink Floy d, uma canção
inspirada originalmente pelas sessões noturnas com o I-Ching chinês, na casa de
Barrett em Earlham Street, e revitalizada pelo acompanhamento do coral e um
assombroso arranjo de cordas. O vídeo promocional original do Floy d para
“Scarecrow” ganhou vida na tela, no qual um Pink Floy d jovem brincava em um
campo, antes que Laird-Clowes se juntasse à cantora folk Vashti Buny an para
executar a canção. Damon Albarn, da banda Blur, tinha dominado as paradas nos
anos 1990 com um som pop parcialmente derivado da era Barrett no Pink Floy d.
O álbum do Blur de 1994, Parklife, tinha até deposto The Division Bell do número
1 das paradas britânicas naquele ano. Albarn trazia suas influências na sua
camisa; ele tirou o pó de “Word Song”, do disco Opel de Barrett, imbuindo a
faixa com uma sagacidade e brilho infelizmente ausentes na versão original, na
qual a forma livre de associação de palavras de Sy d soa mais como polvilhados
verbais de um homem doente do que a “a primeira versão do rap” que Albarn
afirmava ser.
Damon também persuadiu Ian, o sobrinho de Barret de 29 anos, a subir no
palco e dizer algumas palavras. Saber que todo o público o estava examinando,
procurando alguma semelhança física com o tio, não ajudou o rapaz a ficar mais
calmo. Ian ofereceu algumas palavras gentis antes de erguer seu copo de
cerveja e voltar aliviado para os bastidores.
Chrissie Hy nde foi vital ao ajudar a impulsionar o show. Seus takes ásperos
de “Dark Globe” e “Late Night”, com o guitarrista do Pretenders, Adam
Sey mour, chegaram próximos do espírito dilapidado das originais. Mas, após os
resolutamente ingleses Damon Albarn, Kevin Ay ers e Captain Sensible, era
estranho escutar alguém cantando com sotaque americano.
Quando o produtor Joe Boy d finalmente entrou para anunciar “uma banda
adequada para fechar o show”, os fãs do Floy d, que tinham o olhar aguçado, já
sabiam o que viria. Agora, os nomes de David Gilmour, Nick Mason e Richard
Wright brilhavam na tela enquanto eles caminhavam pelo palco com o mesmo
uniforme visto pela última vez no Live 8: jeans batidos e camisas com mangas
arregaçadas. Mason sorria e Wright parecia mais nervoso que nunca, mas
claramente deslumbrado pela reação da multidão. Gilmour ocupou o centro do
palco, exibindo um corte de cabelo elegante, como o de um homem de negócios.
Os gritos do público por Roger Waters foram rapidamente desviados. “Ele esteve
aqui também. Agora é a nossa vez.”
Por que Waters não estava junto naquele momento? Sussurros circularam
depois que Gilmour fez o convite para ele se juntar à banda no palco, apenas
para ser recusado. Depois, Joe Boy d diria que Waters confirmou que tocaria
somente uma noite antes do show, explicando que teria que sair do local às 21
horas, pois precisava se encontrar com sua namorada que chegava a Londres
naquela noite. No final, aquela reunião também havia sido armada de última
hora após outra série de telefonemas. Wright fora o primeiro a concordar,
seguido por Waters e Mason, após Gilmour confirmar que também tocaria.
Contudo, o guitarrista não tinha confirmado nada até as 14 horas daquele dia.
Assim como ocorrera com o Live 8, o baixista Guy Pratt estava agendado em
outro lugar, tocando com Bry an Ferry no Corn Exchange, em Cambridge,
naquela noite – a casa na qual Sy d Barrett fizera sua última performance ao vivo,
35 anos antes. Em seu lugar, o baixista do Oasis, Andy Bell, assumiria o palco ao
lado do Floy d, uma guinada em sua carreira que ele jamais poderia prever.
“Arnold Lay ne”, tocada pelo Pink Floy d remanescente, parecia o único
final lógico para o show. O primeiro single do grupo, uma arrepiante ode
psicodélica para um travesti de Cambridge, tinha sido produzido por Joe Boy d
havia quase quarenta anos. O som do órgão Farfisa de Wright se perdeu na
massa sonora, assim como eventualmente sua voz, mas eles a executaram de
qualquer maneira. Jon Carin estava de volta ao palco, tocando teclado e fazendo
backing vocals, com Gilmour também interferindo quando a voz de Wright
falhava. Após apenas três minutos e meio, a performance havia terminado como
um relâmpago. Uma simples canção pop de uma banda que deixou sua marca e
ganhou os seus milhões em troca de todo o tipo de coisa, exceto o simples pop.
E então a banda se foi também, as luzes diminuíram e o palco foi envolto
pelas trevas. O público, ainda de pé, continuava aplaudindo, e uma centena de
conversas uivando por todo o hall parecia se fundir em uma só: “Onde está
Waters?”.
Após vários minutos, as luzes do palco se acenderam e um desfile dos
músicos que tocaram naquela noite subiu de volta ao palco: Roby n Hitchcock,
Martha Wainwright, Chrissie Hy nde, Nick Laird-Clowes, Kevin Ay ers... Por fim,
Richard Wright apareceu, voltando ao seu lugar no teclado. David Gilmour veio a
seguir, segurando sua guitarra como uma companheira fiel, seguido por Nick
Mason, ainda trazendo um par de baquetas à mão. Ao perceber que o baterista da
banda da casa, Simon Finley, já estava na bateria, Nick assumiu seu lugar
próximo aos teclados de Wright, como se fosse um cantor de bar esperando que
o pianista tocasse a próxima música. Tudo o que estava faltando era um copo de
martíni.
Na luta por espaço no agora lotado palco, a trupe cambaleou por “Bike”, a
mesma música que abrira o show. Nick Laird-Clowes assumiu o primeiro verso,
antes de passar em torno de Gilmour e fazer um sinal para que ele assumisse os
vocais. “Bike” havia sido uma das canções que Gilmour se lembra de ter
escutado na breve visita que fez ao Pink Floy d durante a produção de The Piper at
the Gates of Dawn, quando ainda tentava ganhar a vida tocando covers com sua
banda na França – o guitarrista jamais imaginaria que, quatro décadas depois, ele
estaria no palco cantando aquela mesma canção. Mason, batendo as baquetas na
palma da mão, estava claramente pouco familiarizado com a letra. Mas o
brincalhão e sorridente baterista não parecia diferente da Rainha filmada nas
celebrações da virada do milênio, insegura quanto à letra a ao ritual de apertar as
mãos de “Auld Lang Sy ne”.1
Atrás dos três remanescentes do Pink Floy d, a bateria ribombava, as
guitarras eram arranhadas em espasmos e um coral multicolorido de acólitos,
contemporâneos e completos estranhos, bramia as palavras do poema nonsense
de Sy d Barrett. Foi uma performance bagunçada, bem-humorada e que, do
fundo do coração, tinha tudo a ver com o espírito da ocasião. Era de esperar que
o amigo do Pink Floy d que havia partido tivesse aprovado, caso estivesse vivo
para testemunhá-la.
Contudo, um dos antigos amigos de Sy d Barrett permanecia ausente. O
público ficou se perguntando onde estaria Roger Waters, o único músico ausente
do grand finale. Estaria de fato a caminho do aeroporto? Teria sido convidado
para se juntar aos ex-colegas de banda, mas escolheu dizer não? Quando soou o
acorde final e as luzes se apagaram, parecia que o momento, mais uma vez,
havia passado. Seria aquela a última vez que o Pink Floy d, ou a maior parte da
banda, estaria no palco? Então, talvez juntos em outra espécie de reunião. Mas,
ainda assim, quem sabe... Algo muito ao estilo Pink Floy d.

1 Tadicional canção inglesa, típica de Ano-Novo. (N. T.)


AGRADECIMENTOS

Este livro não teria sido possível sem a ajuda de amigos e colegas das revisas
Mojo e Q, incluindo Phil Alexander, Danny Eccleston, Gareth Grundy, Ted
Kessler, Paul Rees e Stuart Williams.
Agradeço também a John Aizlewood, Johnny Black, Dave Brolan, Fred
Dellar, Peter Doggett, Tom Doy le, Jerry Ewing, Sarah Ewing, Lora Findlay,
Dawn Foley, Pat Gilbert, Ian Gittins, Ross Halfin, John Harris, Neil Jeffries, Philip
Lloy d-Smee, Steve Malins, Toby Manning, Mark Pay tress, Mark Sturdy, Phil
Sutcliffe e Paul Try nka pelas informações, transcrições de entrevistas, sites
especializados, encorajamento e conselhos.
Caloroso aperto de mãos a Graham Coster da Aurum Press, pelo efusivo
louvor, críticas diplomáticas e uma boa anedota no estilo E.M. Forster; para
Rachel Ley shon, por sua simpática revisão, e para Matt Johns, do excelente
website do Pink Floy d, www.brain-damage.co.uk, por toda a sua ajuda e apoio.
Várias pessoas toleraram minhas constantes chamadas telefônicas e
intromissões em suas vidas (passadas). Então, um agradecimento especial vai
para Jeff Dexter, Iain “Emo” Moore, Matthew Scurfield, Anthony Stern e John
Watkins, que foram especialmente gentis com seu tempo e suas memórias.
Este livro contém minhas próprias entrevistas com David Gilmour, Nick
Mason, Roger Waters e Richard Wright conduzidas entre 1992 e 2006 para várias
revistas, incluindo a Mojo e a Q., e também entrevistas e contribuições de Nick
Barraclough, Andrew Bown, Joe Boy d, Mick Brockett, Ivan Carling-Scanlon, Paul
Carrack, Libby Chisman, Caroline Coon, Alice Cooper, David Crosby, Karl
Dallas, John Davies, Chris Dennis, Jeff Dexter, Geoff Docherty, Harry Dodson,
Bob Ezrin, Jenny Fabian, Mick Farren, Hugh Fielder, Duggie Fields, David Gale,
Ron Geesin, John Gordon, Caroline Greeves, Jeff Griffin, Bob Harris, Dave “De”
Harris, Jeanette Holland, John “Hoppy ” Hopkins, Nicky Horne, Sam Hutt,
Richard Jacobs, Jeff Jarratt, Nick Kent, Susan Kingsford, “Bob” Rado Klose, John
Leckie, Jenny Lesmoir-Gordon, Nigel Lesmoir-Gordon, Peter Jenner, Andrew
King, Jonathan Meades, Tabitha Mellor, Bhaskar Menon, Clive Metcalfe, Peter
Mew, Iain “Emo” Moore, Seamus O’Connell, Davy O’List, Alan Parsons, Danny
Pey ronel, Aubrey “Po” Powell, Guy Pratt, William Pry or, Stephen Py le,
Andrew Rawlinson, Alun Renshaw, Tim Renwick, Pete Revell, Mick Rock, Sheila
Rock, Peter Rowan, Gerald Scarfe, Barbet Schroeder, Matthew Scurfield, Vic
Singh, Christine Smith, Norman Smith, Jay Stapley, Anthony Stern, Steve
Stollman, Storm Thorgerson, Clare Torry, Pete Townshend, John Watkins, Clive
Welham, Peter Whitehead, John Whiteley, Andrew Whittuck, Rick Wills, Peter
Wy nne-Willson, John “Willie” Wilson, Baron Wolman e Emily Young. Meus
obrigados a todos que cederam seu tempo para conversar comigo.
Incontáveis entrevistas em revistas e artigos provaram-se valiosíssimos
para a escrita deste livro, incluindo muitos publicados na Classic Rock, Melody
Maker, Mojo, Musician, NME, Q, Record Collector, Rolling Stone, Sounds, Spin,
Uncut, The Word, entre outras. As que merecem menção especial estão
relacionadas na bibliografia.
Por fim, muito amor e gratidão a Claire e Matthew, pela quantidade infinita
de paciência, particularmente durante o empurrão final.
BIBLIOGRAFIA SELECIONADA

Livros sobre Pink Floyd e Syd Barrett


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Clerk, Carol, “Lost in Space” (Uncut, junho, 2003)
Clerk, Carol, “The Last Day s of Pink Floy d” (Uncut, junho, 2004)
Constantin, Philippe, “Really Wish You Were Here: The Politics of Absence”
(Street Life, janeiro, 1976)
Ellen, Mark, “The Deal Maker” (The Word, agosto, 2005)
Ewing, Jerry, “The Show Must Go On” (Classic Rock, janeiro, 2000)
Harris, John, “In the Flesh” (Q & Mojo Pink Floy d Special Edition, agosto, 2004)
Johns, Matt and Powell, Paul Jr., Adrian Maben, entrevista
(www.braindamage.co.uk, 2003)
Kent, Nick, “The Cracked Ballad of Sy d Barrett” (New Musical Express, abril,
1974)
McKnight, Connor, “Notes Towards the Illumination of the Floy d” (Zigzag, julho,
1973)
Salewicz, Chris, “Over the Wall” (Q, agosto, 1987)
Simmons, Sy lvie, “Danger! Demolition in Progress” (Mojo, dezembro, 1999)
Snow, Mat, “The Rightful Heir” (Q, setembro, 1990)
Sutcliffe, Phil, “And This Is Me…” (Mojo, abril, 2006)
Sutcliffe, Phil, “The First Men on the Moon” (Mojo, março, 1998)
Sutcliffe, Phil, “The Greatest Show on Earth” (Mojo, julho, 1995)

Websites recomendados

www.brain-damage.co.uk
www.pinkfloy d.com
www.neptunepinkfloy d.co.uk
www.pinkfloy dz.com
www.pinkfloy d.net
www.davidgilmour.com
www.outsidethewall.net
www.pink-floy d.org
www.gilmourish.com
www.sy dbarrett.org
www.floy dianslip.com
www.roger-waters.com
www.rogerwaters.org

Para mais informação sobre o autor, visite: www.markrblake.com


Projeto gráfico do caderno de fotos by David Fletcher Welch
Imagem publicitária para The Piper at the Gates of Dawn, tirada em Ruskin Park,
Denmark Hill, Londres, no verão de 1967. Da frente para trás, Sy d Barrett, Nick
Mason, Richard Wright e Roger Waters. Colin Prime.
Obscurecido pelas nuvens: Sy d Barrett no jardim dos fundos da Hills Road, nº
183, Cambridge, aproximadamente em 1964. Cortesia de Iain Moore.
Sy d Barrett (segundo à direita) com amigos de Cambridge (da esquerda) Iain
“Emo” Moore, Ian “Pip” Carter, a namorada Lindsay Corner, a namorada de
Emo, Frances “Fizz” Fitzgerald e o ocasional roadie do Pink Floy d Tony Joliffe,
em torno de 1965. Cortesia de Iain Moore.
David Gilmour diverte amigo da família em Waterbeach, Cambridge, no dia
de Natal. Cortesia de Christine Smith.
David Gilmour (no topo, à esquerda) e amigo da faculdade John Watkins
(embaixo, apontando) na semana do pano da Cambridge School of Art, 1965.
Cortesia de John Watkins.
A Jokers Wild, da esquerda para a direita: David Gilmour, Dave Altham, John
Gordon e Tony Sainty. Cambridge, início de 1965. Cortesia de Christine Smith.
Qualquer cor que você goste: Pink Floy d no palco do UFO, Londres, começo
de 1967. Adam Ritchie, Redferns.
Os amigos e colegas de quarto de Sy d de Cambridge, Nigel e Jenny Lesmoir-
Gordon, outono de 1967. Cortesia de Nigel Lesmoir-Gordon.
Sy d e a namorada Jenny Sparks na Cromwell Road, nº 101, Londres, na
primavera de 1967. Phil SmeelStrange Things.
Pink Floy d em seu hotel em Sausalito, Califórnia, durante estreia na turnê
americana, em novembro de 1967. Sy d mexe em seu novo permanente
da Vidal Sassoon.
Baron Wolman.
A formação de curta duração com cinco integrantes, com o novo recruta
David Gilmour (fileira de trás, segundo à esquerda). Janeiro de 1968. Phil
SmeelStrange Things.
O DJ Jeff Dexter cercado por Peter Jenner (esquerda) e Andrew King, ex-
empresários do Pink Floy d, na Midsummer High Weekend, Hy de Park,
Londres, em 29 de junho de 1968. Rex Features.

Sy d Barrett após gravar “The Madcap Laughs”, com a amiga de Cambridge


Mary Wing e seu parceiro, Marc Tessier, em Ibiza, agosto de 1969. Cortesia de
Iain Moore.
O polvo inflável do Pink Floy d emerge. Cry stal Garden Palace Party. 15 de
maio de 1971. Robert Ellis, Repfoto.
Aubrey “Po” Powell, da Hipgnosis, David Gilmour e sua primeira esposa,
Ginger, relaxando nos bastidores, Empire Pool, Wembley,
15 de novembro de 1974.
Jill Furmanovsky/rockarchive.com.
Richard Wright observa David Gilmour e Storm Thorgherson, da Hipgnosis,
jogar gamão na turnê britânica de inverno de novembro
de 1974.
Jill Furmanovsky/rockarchive.com.
Pink Floy d tocando “Dark Side of the Moon,” Usher Hall, Edinburgh, 4 de
novembro de 1974. Robert
Ellis, Repfoto.
O empresário do Pink Floy d, Steve O’Rourke (centro) segurando a onda nos
bastidores durante a turnê inglesa de inverno. Novembro de 1974. Mick Gold,
Redferns.
David Gilmour e Iain “Emo” Moore (com novos dentes pagos por Gilmour)
em casa, Roy den, Essex, no dia de Natal de 1973. Cortesia de Iain Moore.
O porco descansando antes do show do Pink Floy d na Sportspaleis, Ahoy,
Rotterdam, Holanda. 19 de fevereiro de 1977. Rob Verhorst, Redferns.
Roger Waters com a namorada Caroly ne Christie curtindo as bandas de
abertura antes do show principal do Pink Floy d em Knebworth Park. 5 de julho
de 1975. Robert Ellis, Repfoto.
Moradores de Battersea ficaram atônitos ao ver o porco subir entre as torres da
famosa Power Station em um dia de dezembro de 1976, durante a sessão de
fotos para a capa de Animals. Mirrorpix.
Que haja mais luz. David Gilmour no Westfallenhalle, em Dortmund, Alemanha,
durante a turnê europeia de Animals.
24 de janeiro de 1977.
Laurens Van Houten.
Sy d Barrett, do lado de fora de sua casa, durante seu encontro com jornalistas
da revista francesa Actuel, em 1982. Retna.
Tijolos reserva: montagem do palco e do muro antes de uma das
performances
do Floy d no centro de exibições de Earl’s Court. Agosto de 1980. Corbis.
O show tem de continuar: tocando “The Wall em Earl’s Court”, agosto de 1980.
Rex Features.
Nick Mason e seus brinquedos, por volta de 1987. Mason fundou a companhia
Ten Tenths, em 1985, para alugar veículos para empresas de televisão e
cinema. Rex Features.
Brilhe: o palco de A Momentary Lapse of Reason em seu pleno esplendor.
Stadion Fey enoord,
Rotterdam, Holanda, 13 de junho de 1988. Rob Verhorst, Redferns.
Um grande dia para a liberdade: Roger Waters e convidados tocam The Wall
em Potsdamer Platz, Berlin, 21 de julho de 1990. Retna.
Voltando a vida: o Pink Floy d na turnê The Divison Bell,
na British Columbia Palace Stadium em Vancouver,
Canadá, em 25 de junho de 1994. Mick Hutson, Redferns.
David Gilmour CBE com a filha Alice, a esposa Polly Samson e o filho
Charlie, do lado de fora do Palácio de Buckingham, em novembro de 2003.
Rex Features.
Roger Waters se dirige a membros da “profissão ignóbil” nos bastidores do
Live 8, em Hy de Park, 2 de julho de 2005. Retna.
David Gilmour e Roger Waters tocando “Wish You Were Here” no Live 8.
Getty Images.

Abraço em grupo... Alguém vem? David Gilmour, Roger Waters, Nick Mason
e Richard Wright no final de seu set no Live 8.
PA Photos.
Nick Mason e David Gilmour curtem um momento Big Brother com Roger
Waters durante a cerimônia britânica do Music Hall of Fame, no Alexandra
Palace, Londres. 16 de novembro de 2005. Getty Images.

David Bowie como cantor convidado em “Arnold Lay ne” com David Gilmour
no Roy al Albert Hall, maio de 2006.
Rex Features.
Uma das últimas imagens de Sy d Barrett: na porta de casa, no número 6 da
Margaret’s Square, Cambridge, em janeiro de 2006. Mirrorpix.
Flores do lado de fora da casa de Sy d Barrett após sua morte, em julho de
2006. Rex Features.
Os alto-falantes caseiros de Sy d Barrett e sua guitarra em exposição na casa
de leilões Cheffins, em Cambridge, novembro de 2006. Barrett deixou bens no
valor de 1,25 milhões de libras. Rex Features.
A última vez? Richard Wright, Nick Mason e David Gilmour e Andy Bell do Oasis
– mas sem Roger Waters –, tocando “Arnold Lay ne” no show tributo a Sy d
Barrett. Danny Clifford.
É hora de ir? Nick Mason e Roger Waters nos bastidores do Barbican Theatre
para Madcap’s Last Laugh, o show tributo a Sy d Barrett de 10 de maio de 2007.
Danny Clifford.

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