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Sobre a obra:
Sobre nós:
B567n
Blake, Mark
[Pigs might fly. Português]
Nos bastidores do Pink Floy d/Mark Blake; tradução: Alexandre Callari
. – São Paulo: Évora, 2012.
488p. : il. ; 16x23 cm.
Tradução de: Pigs might fly : the inside history of Pink Floyd.
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-63993-34-2
CDD 782.421660922
SUMÁRIO
MENSAGEM AO
LEITOR
BRASILEIRO
por Alexandre Callari
APRESENTAÇÃO À
EDIÇÃO
BRASILEIRA
por Luciano Milici
PREFÁCIO À
EDIÇÃO
BRASILEIRA
por Guy Corrêa
CAPÍTULO
UM
PORCOS VOARAM
CAPÍTULO
DOIS O VERÃO SEM FIM
CAPÍTULO UM HOBBY
TRÊS ESTRANHO
CAPÍTULO WAKING THE
QUATRO GRAPEVINE
CAPÍTULO OS ESPAÇOS
CINCO ENTRE AMIGOS
CAPÍTULO CARRO NOVO,
SEIS CAVIAR
CAPÍTULO DIRIGINDO O
SETE TREM DA ALEGRIA
CAPÍTULO POR QUE VOCÊ
OITO ESTÁ FUGINDO?
CAPÍTULO TIRANOS E REIS
NOVE INCURÁVEIS
CAPÍTULO A GRAMA ERA
DEZ MAIS VERDE
CAPÍTULO HERÓIS POR
ONZE FANTASMAS
AGRADECIMENTOS
BIBLIOGRAFIA
SELECIONADA
MENSAGEM AO LEITOR BRASILEIRO
por Alexandre Callari*
Foi em 1987 que vi pela primeira vez uma máquina bizarra sugando garotos
para dentro de seu estômago de engrenagens sombrias. Esses garotos tinham
rostos iguais, usando uma espécie de máscara bizarra e disforme, e caíam dentro
da máquina apenas para emergir do outro lado como carne moída. Eu estava ao
lado de minha falecida tia, que me explicou que aquilo era uma cena de um
filme do Pink Floy d. Com apenas 11 anos de idade, eu não tinha a menor ideia do
que ela estava falando.
Corta para 1991. Eu não era mais criança, mas um adolescente. A MTV
havia chegado ao país em outubro de 1990 e todos os meus amigos da rua já
tinham acesso a ela. Numa sexta-feira, cansado de me sentir por baixo, tomei
uma resolução: atravessei a rua, fui até uma loja de antenas vagabunda que
atendia a demanda do bairro e adquiri uma porcaria qualquer que sintonizasse o
sinal da MTV. Disse que meu pai acertava com o dono depois. A seguir, subi no
telhado (eu e meus amigos passávamos muito tempo lá) e instalei eu mesmo a
antena. Pouco mais de uma hora depois, o canal estava funcionando.
O Disc MTV, na época, era uma maravilha para fãs de rock: Ozzy
Osbourne, Faith no More, Guns n’ Roses, Skid Row, Pantera, Metallica, Alice
Cooper... Era uma maravilha. Havia o Clássicos MTV, que eu acompanhava de
carteirinha e, bem no meio da tarde, o Fúria Metal, com bandas um pouco mais
extremas e apresentação do VJ entendido no assunto, Gastão. O panorama era,
portanto, bem diferente da atual MTV (quer dizer, na época era praticamente só
vídeos, coisa rara de se ver por lá hoje em dia). Ficávamos, meus amigos e eu, o
dia inteiro vidrados na tela. E foi quando vi, pela segunda vez, aquele clipe
estranho daquelas criancinhas. Só que naquela ocasião, um pouco mais velho,
compreendi melhor o que estava diante de mim.
O vídeo de “Another Brick in the Wall Part 2” foi extraído do filme que
Alan Parker dirigiu em 1982 e mostra um dos momentos mais pungentes da
película, com os abusos que os alunos sofriam de professores arcaicos e
retrógrados, que culminavam em uma revolução definitiva, com uma fogueira
sendo acendida no meio da escola e, como combustível, mesas, cadeiras, livros
e, por que não, mestres... Quer dizer, o professor abusado e hipócrita não era
mostrado sendo queimado, mas ficava subentendido.
Eu tinha frequentado uma escola marista tradicional de São Paulo e,
quando jovem, sofri com algumas besteiras que eles propunham. Por exemplo,
eu deveria ter sido canhoto, porém, meus professores batiam na minha mão com
uma régua e diziam que eu tinha de escrever com a mão direita (a esquerda era
“coisa do demônio”). Pois é, eu não peguei a fase de ajoelhar no milho (embora
meu pai tenha pegado), mas nem por isso guardava menos desdém por
professores e pelo que eles representavam (que maculava meu espírito
adolescente selvagem e minha vontade de me rebelar contra o sistema). Mas,
como diz o ditado, se quando jovem você não se rebela, então não tem coração.
Com minha própria dose de abusos escolares, me identifiquei com o garoto do
vídeo, Pink.
O fato é que, após ter visto o vídeo pela segunda vez na MTV, anotei o
nome da banda e resolvi correr atrás daquilo.
Meus pais, obviamente, conheciam o Pink Floy d, mas não a fundo, já que
música nunca foi o forte deles. Recorri aos meus colegas. Começou uma guerra
para encontrar a banda (estávamos na fase das descobertas). Eventualmente, um
grande amigo comprou um vinil duplo de The Wall, o que bastou para que todos
na rua copiassem suas próprias fitas cassete. Engraçado, fala-se tanto sobre
pirataria hoje em dia, mas ninguém nunca se importou com os cassetes do
passado. Se bem que isso é assunto para outro texto.
Logo descobrimos outros discos da banda, incluindo um que tinha uma
pirâmide na capa, que uma amiga me alertou ser, na verdade, um prisma
(qualquer que seja a diferença). Até hoje me recordo da sensação de escutar
“Us and Them” pela primeira vez, com as palavras ecoando pelo sistema de som
da casa de um amigo: Us, us, us, us...; cada uma em um canto da sala, o que me
deixou arrepiado. “Wish You Were Here” tornou-se música obrigatória em
rodinhas de violão, mas acredito que isso deve ter acontecido com quase todo
mundo. E os mais aficionados da turma tentavam traduzir as letras e interpretá-
las. Acredite ou não, foi basicamente assim que aprendi a falar inglês: traduzindo
músicas.
Eu ficava horas sozinho em meu quarto, com a luz apagada, às vezes
sentado no batente da janela, escutando aqueles dois cassetes e curtindo um sabor
de desespero velado, uma viagem feroz e brutal, capitaneada pelos solos de
Gilmour e pelas irascíveis letras de Waters. Foi um grande período que estimulou
e influenciou toda a minha trajetória musical, quase uma década depois.
Tudo o que minha banda de heavy metal, o Delpht, trazia de progressivo
era basicamente influência minha. E, embora eu gostasse de Yes, Genesis, Rush
e similares, essa influência veio mesmo do Floy d.
Hoje, mais de vinte anos depois daquele contato inicial que tive com o som
singular do conjunto, e na verdade mais de quarenta anos depois do próprio
surgimento dele, torno a escutar seus trabalhos e estremeço ao perceber o quanto
ele ainda soa atual. Há coisas ruins? É possível. Há coisas datadas? Certamente.
Mas há também muitas, muitas, muitas obras-primas. Nesta nossa época de
sucessos rápidos que duram tanto quanto a próxima onda, uma época em que
gravadoras são derrubadas pela força da tecnologia e do poder colocado nas
mãos do público pela internet, é incrível ver senhores com quase 70 anos de
idade encantando as novas gerações com seus trabalhos de outrora.
A relevância é o segredo para a imortalidade. E o Floy d tornou-se imortal.
Eles são um dos últimos de sua estirpe. Não surgirão mais bandas assim. O
mundo mudou, o público mudou. Porém, parece que o feito deles, e de poucos
como eles, foi ter sobrevivido à inexorável passagem do tempo. De minha parte,
quando penso nas crianças caindo na máquina de moer, massificadas pelo
sistema, me arrepio de pensar nos poderes de predição de Roger Waters.
Contorço-me em pensar que, com base no que ele fez, podemos perceber alguns
rumos que nossa sociedade vem tomando e, com um pouco de boa vontade,
afinco e sorte, modificá-los.
Este livro é um relato único que mostra como alguns jovens singulares
mudaram a história da música, mesmo em meio a atropelos, acessos de raiva,
egocentrismo, drogas e todo um pacote de excentricidades. Seja benvindo ao
mundo do Floy d.
Nasci no ano em que o álbum Wish You Were Here foi lançado. Dentre as muitas
memórias da primeira infância, fitas cassete de capas estranhas com prismas,
homens em chamas se cumprimentando e muros brancos, que mais tarde eu
saberia serem obras primas de uma banda inglesa de rock chamada Pink Floy d.
A descoberta do filme The Wall (Inglaterra, 1982), de Alan Parker, já na
adolescência, alugado tantas vezes nas videolocadoras até ser definitivamente
copiado, levou-me a querer ser músico, baixista como Roger Waters, e decifrar
ao máximo o que era Pink Floy d na realidade. Meu gosto era eclético e transitava
do heavy ao hard, do punk ao progressivo, passando por rockabilly e MPB.
Naquela época pré-internet, nossas fontes eram as lojas de CD, galerias de
rock, shows e pátios de escola. Trocávamos discos, CDs, fitas, filmes, revistas e
livros sobre nossos artistas preferidos, mas os poucos canais de TV, com
programação restrita, não ofereciam informações variadas suficientes a respeito
do Pink Floy d ou de qualquer outra banda.
Mergulhei nas raras fontes. Algumas contraditórias, outras absurdamente
inverídicas, construíram uma imagem estanque como um muro de tijolos. O
tempo passou e nada mudou profundamente desde aquelas tardes de sol do início
dos anos noventa até hoje. Mesmo depois do advento e da popularização da
internet, redes sociais e fã-clubes, os passos do Pink Floy d continuaram dentro do
que já era tradicionalmente conhecido e aceito.
Nos bastidores do Pink Floyd chegou para preencher lacunas, revelar
segredos e instituir novas polêmicas. É uma overdose de Pink Floy d. Lê-lo, ou
melhor, consumi-lo, é caminhar ao lado de Roger Waters, Sy d Barret, David
Gilmour, Richard Wright, Nick Mason. É participar do início da banda com
garotos de 16 anos, rebeldes e com pais ausentes em Cambridge. É montar um
show psicodélico com luzes improvisadas no clube UFO, brigar com os melhores
amigos, processá-los, perdoá-los e subir novamente ao palco em meio a
lágrimas.
Muitas bandas foram exploradas em biografias, inclusive o próprio Pink
Floy d, mas Nos bastidores do Pink Floyd disseca de maneira inédita o dia a dia do
grupo sob um ponto de vista neutro e às vezes cruelmente realista. É
indispensável para fãs da banda, admiradores da história do rock, músicos e
estudantes do comportamento humano.
Onde mais podemos tomar contato com um encantador e perturbado Sy d
Barret? Erroneamente esquecido na linha do tempo do Pink Floy d, o jovem de
aparência intrigante é resgatado neste livro e colocado como o homem que
batizou a banda. Barret, sem dúvida, subirá ao panteão das lendas misteriosas do
rock que carregam aquela inexplicável chama que leva fãs, seguidores,
jornalistas e críticos à rara sensação de se presenciar um fenômeno único e
mágico.
O livro constata que toda banda de sucesso teve seu Sy d Barrett em algum
momento e – possivelmente – abandonou esse princípio incontrolável e explosivo
para relegar o controle ao músico às vezes não tão talentoso, mas mais centrado,
organizado e ambicioso (alguém aí disse Roger Waters?).
Mais do que uma peça indispensável para se decifrar os ícones do rock
progressivo, este livro deixará o leitor confortavelmente entorpecido.
“Seria fantástico se pudéssemos fazer isso para algo como outro Live
Aid, mas talvez eu esteja apenas sendo terrivelmente sentimental... você
sabe como são velhos bateristas.”
Nick Mason
“Acho que não passaríamos pela primeira meia hora de ensaios. Se vou
estar no palco tocando, quero que seja com pessoas que amo.”
Roger Waters
“Acho que Roger Waters tem meu número de telefone, mas não tenho
interesse algum em discutir qualquer coisa com ele.”
David Gilmour
B em quando parecia que o rock já tinha perdido seu poder de polemizar havia
muito tempo, a reunião do Pink Floy d fez com que sua condição atual entrasse
em frenesi. É dia 2 de julho de 2005 e a banda vai tocar ao vivo no evento
beneficente Live 8, no Hy de Park, em Londres, mas o evento já está mais de
uma hora atrasado. Nas palavras da contracultura da década de 1960, da qual o
Pink Floy d surgiu, o “homem” não está feliz. Exceto que o “homem” agora é
Tessa Jowell, secretária da Cultura, Comunicação e Esportes. Vazou para a mídia
que ela convocou uma reunião de emergência nos bastidores e está ameaçando
cancelar o show mais cedo, com receio de que uma multidão de duzentas mil
pessoas tomando as ruas da capital de madrugada possa constituir um ato de
desordem pública.
Da última vez que David Gilmour, Richard Wright, Nick Mason e Roger
Waters estiveram mesmo que remotamente em choque com um político foi por
volta de 25 anos antes. Na época, o sucesso do Pink Floy d “Another Brick in the
Wall Part 2” apresentou um coral de crianças do centro da cidade de Londres
que cantava o refrão “We don’t need no education”,1 e isso foi demais para a
primeira-ministra Margaret Tatcher.
Em 2005, contudo, o panorama político havia sofrido uma mudança
sísmica. O Live 8 tinha sido montado para despertar a conscientização da
privação que o Terceiro Mundo sofria e imprimir urgência aos líderes mundiais,
que estariam conferenciando na semana seguinte no Encontro G8, para enfrentar
o problema da pobreza. Entretanto, um daqueles líderes, o primeiro-ministro
Tony Blair, tinha deixado escapar que, a despeito da motivação política da banda,
ele estava ansioso para assistir à performance do Pink Floy d no Live 8. Blair é fã
de rock, guitarrista ocasional e, por um breve período, foi vocalista de uma banda
universitária. Quando surgiram artigos na imprensa sobre os anos de rock-n’-roll
do primeiro-ministro, eles vieram, previsivelmente, acompanhados de uma foto
do jovem Blair, em 1972, radiante por detrás de seu cabelo comprido cacheado e
despenteado. Exceto pelo sorriso largo, ele poderia até passar por um membro do
Pink Floy d, ou, pior, um membro de sua equipe de roadies, talvez, se deixasse de
ser alegre demais e se subordinasse a Roger Waters.
Quem poderá dizer se o primeiro-ministro amante de Floy d tomou a frente
da discussão? Bem, o fato é que após a reunião de emergência, que envolveu a
polícia metropolitana e a Roy al Parks Agency, Tessa Jowell permitiu que o show
prosseguisse. Houve até mesmo rumores de que seriam distribuídos cobertores
para quem quisesse passar a noite no parque. Notícias sobre o provável
cancelamento do show só chegaram ao público nos jornais do dia seguinte, mas,
para qualquer um que estivesse razoavelmente por dentro da história que envolve
os membros do Pink Floy d, o verdadeiro milagre, em primeiro lugar, é eles
terem concordado em estar ali.
Live 8 foi um dia repleto de performances brilhantes e outras nem tanto, ao
lado de momentos arrebatadores que ocorrem quando astros do pop decidem se
posicionar a favor de uma causa justa. O organizador, sir Bob Geldof, fez a
cabeça da realeza da música, usando as mesmas táticas persuasivas de quando
montou o Live Aid, em 1985, ou seja, a sugestão implícita de que qualquer banda
que se recuse a tocar terá sua credibilidade manchada para sempre. U2,
Madonna, sir Elton John, sir Paul McCartney e diversos jovens astros do rock
concordaram em ceder seus serviços de graça. A escolha das bandas foi
aleatória, novatos seguindo veteranos, mas à medida que o dia passava certa
ordem parecia surgir.
Em todo o mundo, outros nove concertos ocorreram em cidades como
Roma, Berlim e Filadélfia. Entretanto, para muitos que estiveram reunidos em
todos esses eventos, foi uma única performance que ocorreu naquela noite, em
Londres, que gerou a maior ansiedade. Como Geldof admite, “o motivo que
levou esta banda, com um histórico de desordem tão sofrido, a concordar em
fazer isso, é uma saga bem maior que o próprio Live 8”. No dia em que a
reunião do Pink Floy d foi anunciada, circularam rumores de um promotor que
ofereceu 250 milhões de dólares para ter os quatro em turnê.
A carreira de discos de Pink Floy d começou em 1967. Desde então, a
banda vendeu mais de trinta milhões de cópias somente de seu álbum Dark Side
of the Moon, de 1973. Ainda assim, em algumas ocasiões, suas brigas públicas
chegaram a sobrepujar suas conquistas artísticas. Já se passaram mais de 24 anos
desde que os quatro integrantes do grupo partilharam o mesmo palco. Nesse
ínterim, Gilmour, Wright e Mason levaram adiante o nome Floy d, lançando
álbuns e fazendo turnês, enquanto Roger Waters, anteriormente baixista da banda
e também seu mais prolífico letrista e reconhecidamente o homem das ideias, foi
colocado para escanteio, tendo declarado certa vez que seus antigos colegas
“tomaram minha criança e a prostituíram, e jamais os perdoarei por isso”.
Perdão pode não estar nos planos, mas naquele dia os quatro fizeram uma
trégua, ou algo do tipo. Pink Floy d não lança um álbum desde 1994 e, sob
circunstâncias normais, persuadir o que o guitarrista David Gilmour descreve
como “este gigantesco amontoado de coisas velhas para se erguer de seu torpor”
teria sido um processo árduo. Contudo, com uma boa causa como isca e a
experiência de Geldof, levou apenas três semanas entre a relutância de Gilmour
em concordar a tocar e a chegada do reformado Floy d ao Hy de Park.
Às 22h17m, David Beckham, oficialmente o maior jogador de futebol do
Reino Unido, apresentou a entrada de Robbie Williams, oficialmente o maior
astro pop do Reino Unido. A voz de Williams estava visivelmente desgastada, mas
ele desempenhou seu número com facilidade – meio galã, meio Norman
Wisdom –, sendo bastante dramático e afetado, o que torna difícil imaginar que a
multidão estivesse tão quieta.
As circunstâncias não eram boas para a próxima atração, The Who. Em
1964, o baterista do Pink Floy d, Nick Mason, na época estudante de arquitetura na
Regent Street Poly technic, viu The Who tocar “My Generation” e teve uma
epifania: “Sim, é isso o que quero fazer”. Os membros remanescentes do The
Who, Pete Townshend e Roger Daltrey, junto a uma banda contratada, tocaram
“Who Are You” e “Won’t Get Fooled Again”. Eles evitaram qualquer
comunicação direta com a plateia e, no caso de Townshend e sua impenetrável
atitude sombria, qualquer contato visual. O show do The Who foi estanque, com
poucos vislumbres de sua antiga glória, e tudo pareceu estar terminado antes
mesmo de começar.
O concerto se aproximava de sua décima hora, o parque caiu em trevas
profundas. McCartney ainda iria fechar a noite e, presumidamente, nos
bastidores, os cobertores de Tessa Jowell estavam sendo desempacotados para os
que iriam passar a madrugada sob as estrelas.
Às 22h57m, sem nenhuma fanfarra ou apresentação de celebridades, um
som estranho, porém familiar, começou a viajar pelo parque. Qualquer roadie
que ainda estivesse no palco repentinamente havia desaparecido para dentro das
coxias. O volume do som aumentava: a firme e metronômica batida de um
coração. Holofotes varreram a plateia, o telão atrás do palco ganhava vida e a
pulsação se tornava mais alta. Então, veio a voz: “I’ve been mad for fucking
years”.2 Um trecho do discurso de um roadie do Pink Floy d gravado quase trinta
anos antes no Abbey Road Studios. Ele foi seguido pelo zumbido sinistro de
hélices de helicópteros, o som de uma caixa registradora e uma gargalhada
cacarejante, antes de tornar-se um longo e histérico grito; o momento de
fechamento de “Speak to Me”, a primeira faixa de Dark Side of the Moon.
O grito assustador parecia crescer em volume e tonalidade, então foi
substituído pelos tranquilos compassos de abertura de “Breathe”. Conforme os
holofotes diminuíam e o palco era banhado por luz, o público conseguia
vislumbrar a primeira imagem dos homens em cena. Em um reverso curioso do
decreto do Mágico de Oz para “não prestar atenção ao homem atrás da cortina”,
os homens eram tudo o que restara. O porco voador e as tomadas aéreas da
Battersea Power Station exibidas no telão atrás do palco são ícones do Floy d, mas
daquela vez eles falharam em desviar a atenção do público dos próprios
membros do grupo. No passado, o conjunto prosperou em seu anonimato.
Conforme o sucesso crescia, seus cenários nos palcos também cresciam; sempre
desenhados para tirar a atenção do público do visual nada notável dos homens da
banda. Por volta de 1980, eles tocaram atrás de um muro especialmente
construído, como parte do protesto musical de Roger Waters da natureza
desumanizadora na indústria musical. Quando Gilmour persuadiu o “amontoado
de velharias” a voltar à ativa nos anos 1980 e 1990, ele, Mason e Wright se
somaram a jovens instrumentistas, vibrantes backing vocals femininas e um
palco no estilo Spielberg repleto de lasers cegantes que submergiam os membros
originais do conjunto.
Naquela noite, o Pink Floy d parecia curiosamente real. Ele poderia ser
qualquer grupo de executivos cinquentões ao final de uma desgastante sexta-
feira, ou reunidos na sede do clube esperando que a chuva terminasse e uma
partida de golfe começasse, mesmo que seus jeans batidos se contrapusessem às
regras do clube. Ao fundo, Nick Mason, com a expressão congelada em algum
ponto entre a concentração e o sorriso, tamborilava em seu kit. Autor de um livro
recente sobre a banda, Mason tornou-se o membro do grupo de maior
visibilidade e experiência com a mídia, embora a sua decisão de ter continuado
no Pink Floy d após a saída de Waters tenha levado a uma crise com o amigo que
demorou para ser curada. O autonomeado diplomata do grupo (“sou o Henry
Kissinger do rock”, ele declarou os jornalistas depois), Mason, também foi vital
em ajudar Geldof a montar aquela reunião.
Mason havia desistido de estudar arquitetura em 1966, quando o
inexperiente Pink Floy d assinou seu primeiro contrato. Ele sempre planejou
voltar aos estudos, caso a vida de baterista de uma banda de rock não desse certo.
Agora, quatro décadas depois, o bigode de morsa e a coroa de longos cabelos
escuros que lhe eram característicos no início da década de 1970 há muito
desapareceram.
De cara limpa, um pouco empapado, com os cabelos curtos e grisalhos, o
baterista de 60 anos estava mais parecido com o arquiteto que ele quase foi. Sua
camisa branca até mostrava algumas dobras, sugerindo que acabara de sair da
caixa.
À esquerda do palco, Richard Wright curvou-se sobre os teclados, usando
uma jaqueta escura de linho por cima de uma camisa branca. Seu outrora
comportamento envergonhado certa vez fez com que um observador o
comparasse a um “jóquei ex-campeão em uma onda de azar”. Na verdade,
embora ele próprio não tenha estudado para se tornar arquiteto, Wright ainda tem
um ar artístico sobre si, e se parece mais com um astro de rock semiaposentado
do que seu companheiro baterista. Músico nato, Wright percebeu que estava
relegado ao Pink Floy d, uma vítima de sua própria condescendência e das fortes
personalidades que o cercavam. Em 1979, ele sofreu a ignomínia de ser forçado
a sair da banda por Roger Waters, sob a alegação de que não estava contribuindo
o bastante para a gravação do álbum The Wall. Wright viveu um período
depressivo e de reclusão antes de voltar a ser lentamente introduzido no grupo sob
a égide de Gilmour e, por fim, adquirir um papel firme na banda que ajudou a
formar.
De jeans surrado e camiseta preta, David Gilmour olhava imperiosamente
a meia distância. Mais do que qualquer um de seus companheiros de banda,
Gilmour sempre representou a quintessência hippie da década de 1970: descalço,
descontraído, uma porção de seu longo cabelo geralmente metida atrás da orelha
para mantê-lo fora do rosto, enquanto fuçava no seu amplificador ou pressionava
com os dedos a pedaleira de efeitos no chão. A cabeleira foi perdida na estrada, o
que restou foi raspado bem curto, e a linha da cintura estava mais grossa. Mas
Gilmour parecia ter uma confiança ainda maior agora. Segurando sua guitarra,
ele cantava letras escritas por seu duro rival, Roger Waters. Gilmour tem sido o
único frontman do Pink Floy d desde meados da década de 1980. Alvo da maior
parte da ira de Waters, ele recebeu dois discos de platina pelo Floy d e fez turnês
que quebraram recordes, sem seu antigo parceiro. Ele trocava sorrisos tímidos
com Mason e o público, que incluía sua mulher e alguns dos filhos assistindo de
um tapume em frente ao palco, porém, mal cruzava olhares com o baixista.
A poucos passos de distância, Roger Waters dominava seu próprio canto.
Seu cabelo grisalho ainda relava a gola da camisa azul desbotada. As mangas
arregaçadas revelavam um relógio caro que chacoalhava cada vez que ele se
movia. Waters não parecia tocar seu baixo com muita veemência. Queixo
erguido regiamente, ele fazia caretas e movia a cabeça no tempo da música
enquanto dedilhava o braço do instrumento. Sorria com frequência, mas logo
colocava os dentes à mostra e o perfil se tornava desconcertantemente agressivo.
Apesar dessa característica ameaçadora, Waters parecia encantado por estar de
volta ao palco com os mesmos homens que, vinte anos atrás, ele ameaçara com
medidas legais. De forma reveladora, enquanto Gilmour cantava, Waters mexia
a boca acompanhando as palavras, só para lembrar a todos que assistiam que
aquelas eram suas canções.
“Breathe” é uma abertura louca, em uma tonalidade grave. A doce
imagem da guitarra incitava a multidão a levantar seus isqueiros acima da
cabeça enquanto sorrisos iluminados apareciam no rosto daqueles que haviam
passado as últimas dez horas amontoados em seus lugares privilegiados,
aguardando por aquele momento. Escrita por Waters quando ele tinha 30 anos,
“Breathe” define a agenda lírica de Dark Side of the Moon; uma lamentosa
exploração dos medos e inseguranças do começo da idade adulta, a percepção
de que, nas palavras do baixista, “você fica sentado, esperando que a vida
comece, apenas para perceber repentinamente que ela já começou”. O fato de
ela estar sendo apresentada pelos mesmos homens trinta anos depois parecia
torná-la ainda mais presciente.
Com apenas uma palavra de reconhecimento para a plateia, “Breathe” deu
lugar a “Money ”, o single que ajudou o Pink Floy d a estourar nos Estados Unidos.
Em contraste, a música é um hard rock alto e direcionado. A letra se tornou alvo
previsível para os que acusavam a condição de multimilionários dos integrantes
do Floy d. Mas o assunto é relevante para o Live 8 e, conforme Mason explica,
“sir Bob queria que a gente a executasse”. De qualquer modo, o andamento
rápido da canção era ideal para um evento a céu aberto. Gilmour solava
incansavelmente, antes que a música fosse dividida ao meio por um solo de
saxofone de Dick Parry, o mesmo instrumentista que havia gravado a faixa
original, que andava lentamente no palco, parecendo estar se dirigindo ao nono
buraco em um jogo de golfe. Em um dueto no final da música, houve um
cintilante contato visual entre Gilmour e Waters, que logo depois desaparece.
Nos bastidores, um pouco antes, Nick Mason tinha calculado que haveria
por volta de trezentos anos de experiência em rock-n’-roll no palco. Mas o que
importava era a experiência de vida do grupo. Como uma pessoa de dentro do
Floy d certa vez pontuou, “a música do Pink Floy d é como uma bela garota
descendo a rua sem ter ninguém com quem conversar”. Para uma banda
famosa por sua reserva britânica e pela falta de habilidade em se comunicar
entre si fora do âmbito musical, esse rompante de paz trouxe à tona toda a
emoção e humanidade escondida em suas canções. De repente, tudo começava
a fazer sentido.
No contexto do show daquela noite, “Wish You Were Here” soou
exatamente como é: uma canção de amor simples para um amigo que se foi.
Gilmour e Waters tocaram violões, enquanto outro conhecido guitarrista base do
Floy d, Tim Renwick, saiu das sombras para auxiliá-los. Waters cantou o segundo
verso, sua voz mais bruta e estalada em contraste com o tom suave de Gilmour. A
canção foi curta, simples e recebida com entusiasmo. Seu significado e a
inspiração não se perderam em meio ao público. É uma música que fala
parcialmente sobre um membro original da banda que não estava no palco. A
canção de encerramento foi tão inevitável quanto antecipada. Não tocá-la teria
sido heresia. “Comfortably Numb” vem de The Wall, um álbum conceitual sobre
um astro do rock em tortuoso declínio. Dividindo novamente os vocais principais,
Waters e Gilmour cantaram The Wall, passando por um nirvana macio e
alucinógeno antes que Gilmour entregasse o momento recompensador: um solo
de guitarra que levou a canção a um clímax grandioso, no estilo Holly wood, do
tipo que é imitado de forma pouco hábil por tantas bandas de rock desde então.
Imponente, espetacular e comovente de maneira singular.
Expressões antes estoicas se tornaram sorrisos de alívio quando os quatro
caminharam até o centro do palco. Waters, com os braços já em volta de Mason
e Wright, gesticulou para Gilmour, que parecia desconfortável com o chamado
“venha”. Hesitante, o guitarrista permitiu ser abraçado e o Pink Floy d reunido fez
um agradecimento. Um cartaz no público capturou o momento: “Pink Floy d
reunido! Os Porcos Voaram”.
Às 23h15m, sir Paul McCartney entrou no palco para fechar o Live 8. Mas
nem mesmo ele foi capaz de desviar a atenção do que acabara de acontecer. Nos
Estados Unidos, há especulações sobre lucrativas turnês e a possibilidade de outro
álbum do Pink Floy d. Na Inglaterra, o Guardian, de forma mais irreverente, disse
que, embora os membros da banda “pareçam sócios executivos de uma empresa
contábil... vinte e quatro anos depois da última vez que partilharam o palco ainda
soam fantásticos”.
Do outro lado do mundo, assistindo à performance deles pela TV, nos
bastidores da versão canadense do Live 8, em Barrie, estava Bob Ezrin, efusivo
colaborador de longa data do Floy d e coprodutor do The Wall. “Fiquei extasiado e,
devo admitir, chorei. Então fui lentamente me dando conta de que todos estavam
me vendo assistir ao Pink Floy d.”
Para os seguidores da banda, gravadoras, antigos colegas com os olhos
marejados, todo mundo, o Live 8 ofereceu esperança de uma reconciliação a
longo prazo. David Gilmour rapidamente anulou qualquer especulação. “Para
mim, ficou no passado. Está feito. Não tenho vontade nenhuma de voltar àquele
ponto”, declarou. “Foi ótimo deixar um pouco daquela amargura para trás, mas a
coisa não vai além disso.”
Antes dos ensaios para o Live 8, a última vez que David Gilmour e Roger
Waters estiveram na companhia um do outro foi em 23 de dezembro de 1987
para, nas palavras do guitarrista, “acertar os termos de nosso divórcio”.
Reunindo-se no barco-estúdio de Gilmour, a dupla finalizou o acordo com um
contador e um computador, e estabeleceu as regras de um documento jurídico
sobre o uso e a posse do nome Pink Floy d.
Anteriormente, Waters tinha arquivado os processos legais contra Gilmour
e Mason, acreditando que o nome da banda deveria descansar em paz após sua
saída oficial, em 1985. Por quase vinte anos, Waters havia sido o escritor
predominante do grupo, dispondo os conceitos originais por trás de álbuns como
Dark Side of the Moon e The Wall, escrevendo a maioria das letras e, em suas
próprias palavras, “dirigindo a banda”. Recusando-se a ceder às suas exigências,
Gilmour e Mason se elegeram para continuar com o Pink Floy d. Três meses
depois desse acordo final, a dupla lançou um novo álbum, A Momentary Lapse of
Reason, assinando com Richard Wright para tocar na turnê seguinte. Em apenas
dois meses, embora tenha sido acusado por Waters de ser uma “falsificação”, o
álbum ganhou disco de platina, confirmando que a marca Pink Floy d era forte o
bastante para suportar até mesmo a perda de um integrante principal.
De fato, não era a primeira vez que a banda perdera um de seus membros.
No Live 8, Roger Waters rendeu homenagem ao membro que não estava
presente naquela noite, dedicando “Wish You Were Here” a “todos que não estão
aqui, particularmente a Sy d”.
Sy d Barrett, outrora vocalista principal da banda, guitarrista e sua estrela-
guia, deixou a banda e a indústria musical três décadas antes. Enquanto seus
antigos colegas de banda tocavam para mais de cem mil fãs no Hy de Park e
para uma audiência televisiva de mais de dois bilhões de pessoas em todo o
mundo, Sy d Barrett estava em casa, no subúrbio de Cambridge. Por vontade
própria, Barrett não tinha mais nenhum contato direto com o Pink Floy d nem
queria ser lembrado de seu período na banda. Para ele, aquilo já havia acabado
fazia muito tempo.
O primeiro single do Pink Floy d, “Arnold Lay ne’, uma canção sobre um
fetichista cujo “estranho hobby era roubar calcinhas de mulher”, foi lançado em
11 de março de 1967. The Kinks e The Who já estavam estourando com letras
mais líricas, assim como abrindo caminho para bandas locais que gostariam de
ter uma sonoridade mais inglesa. “Arnold Lay ne” era uma arrepiante adição ao
conjunto. As letras eram presumidamente inspiradas em um incidente real que
ocorrera em Cambridge, em que um ladrão não identificado havia roubado o
varal de Mary Waters. Roger contara a história a Sy d. A música tinha um ritmo
atordoante de carrossel, com os vocais de Barrett soando desafiadoramente
ingleses, beirando o impressionismo. É o órgão Farfisa de Richard Wright que faz
o elo mais claro com a psicodelia, espalhando cor no lugar do tradicional solo de
guitarra, e domina a música. Na primavera de 2006, atuando como tecladista da
banda solo de David Gilmour, Wright faria os vocais de Sy d em uma versão da
canção.
“Arnold Lay ne” é uma lembrança do quanto o quieto e tímido Wright
havia sido primordial para o primeiro trabalho do Pink Floy d. “Todos, incluindo
eu, subestimavam Rick”, admite Peter Jenner. “Mas ele foi muito importante
para aqueles primeiros discos. Lembro-me de ele ter escolhido aquelas
harmonias e arranjos, dizer às pessoas o que cantar, afinar o baixo de Roger...
Também tenho a sensação de que poderia ter havido muito mais no caminho de
Rick e Sy d trabalhando juntos do que a história permitiu.”
Com uma pequena ajuda da gerência (“gastamos algumas centenas de
libras tentando comprar seu lugar nas paradas”, admite Andrew King), “Arnold
Lay ne” chegou ao top 20 do Reino Unido, mas foi banida pela Radio Caroline e
Radio London por causa de seu suposto conteúdo de risco. “Não entendemos o
motivo de eles ficarem tão perturbados”, protestou Waters em Disc and Music
Echo. “É uma música sobre as roupas de um fetichista que obviamente é um
pouco maluco. Uma canção simples e direta, que fala de um tipo de
procedimento humano.”
A antiga banda do UFO havia decididamente saído do underground, mesmo
com uma controversa apresentação no programa da BBC Top of the Pops sendo
cancelada quando o single começou a cair nas paradas. “Queremos ser astros
pop”, disse Waters a um entrevistador. Na superfície, a banda parecia disposta a
tudo para preencher os requisitos necessários: vestir-se com suas melhores
roupas e calçados para uma foto promocional fora da EMI, em Manchester
Square; posar de um jeito meio imponente com o mandachuva da EMI, Beecher
Stevens, em seu escritório; e, acima de tudo, se submeter a uma exaustiva turnê,
cortesia da Morrison Agency, que os fez ziguezaguear pelo país, tocando, com
frequência, duas vezes por noite.
Além de “Arnold Lay ne”, grande parte do set do grupo ainda consistia das
“pirações” – inimigas das paradas de sucesso – que maravilharam o público
chapado do clube UFO. A recepção era notoriamente diferente em cada lugar:
expectadores irados jogavam cerveja na banda de trás do balcão, e Waters, que
não tinha medo de oferecer seu corpo até mesmo à multidão mais hostil, ganhou
um profundo talho na testa após ser atingido por uma garrafa. Aubrey ‘Po’
Powell passou seis meses dirigindo a van da banda e viu o tanto que a música do
Pink Floy d podia afundar. “Eles tocavam para um grupo de, digamos, vinte caras,
que ficavam todos estáticos, horrorizados por aquele som psicodélico que não
significava coisa alguma, quando o que queriam mesmo era escutar Junior
Walker.”
Na medida em que o Pink Floy d tornava-se o troféu underground da EMI,
a cena que os criou começou a mudar. Na primavera de 1967, Keith Richards,
dos Rolling Stones, havia sido preso por posse de drogas, e a preocupação da
indústria musical com substâncias ilícitas virou assunto dos tabloides. O News of
the World estampava manchetes como “músicas pop e o culto ao LSD”, e o Pink
Floy d foi equivocadamente descrito como “depravados sociais”. O jornal os
tinha confundido com a banda de Mick Farren, The Social Deviants. Advogados
foram consultados e o Pink Floy d recebeu um pedido de desculpas. Segurando a
onda, eles até convenceram a EMI que a música que faziam não recriava de
maneira alguma a experiência de estar chapado, conforme a acusação.“Como
fizemos isso, eu não sei”, admite Nick Mason.
Enquanto o Pink Floy d escapou, outros tiveram menos sorte. Pego no furor,
John ‘Hoppy ’ Hopkins foi preso por posse de marijuana e condenado a seis meses
de cadeia.“Eu era descuidado, incrivelmente descuidado”, ele diz hoje. Antes de
ir para a prisão em Wormwood Scrubs, ele acertou para que Joe Boy d assumisse
o controle total do UFO. Como homem de negócios, Boy d decidiu focar-se em
agendar novas bandas, em vez de ser palco para mais acontecimentos midiáticos.
Nos anos que se seguiram, Boy d ajudaria a orquestrar as carreiras da
Fairport Convention e de Nick Drake, entre muitos outros. Mas, para alguns,
aquela abordagem mais comercial do UFO era um indício da cisma que existia
na cena contracultural – significava simplesmente que não era mais
underground. O contrato do Pink Floy d com a EMI articulara tal mudança. “Eu
achava uma desgraça que o Pink Floy d não fosse mais ‘nossa’ banda”, diz Jenny
Fabian.
Mick Farren tem uma abordagem mais pragmática. “Era muito óbvio entre
os mais racionais de nós que o Floy d acabaria em um selo grande, mas alguns
dos doidos viram isso como se eles estivessem se vendendo. Lembro-me das
palavras ‘Pink Finks’ pichadas na parede do banheiro do UFO. Mas me incomodou
como eles pareceram se afastar tão apressadamente da cultura de drogas, sobre
a qual erigiram seu nome, quando a merda começou a feder – os Stones sendo
presos, Hoppy indo para a cadeia, assédios nas ruas... Aquilo parecia um
pretexto.”
Contudo, para o próprio grupo, a cena lhes havia dado uma ignição para
sua música em vez de uma filosofia para um estilo de vida. Ao terem optado por
uma carreira musical no lugar da faculdade e do trabalho que faziam antes, a
busca pelo sucesso era mais importante do que as fortunas que lhes renderiam a
London Free School ou o International Times.
“Havia elementos underground com os quais nos sintonizávamos”, diz Nick
Mason hoje. “A gente fornecia a música enquanto as pessoas dançavam
criativamente, pintavam o rosto, se banhavam em geleias gigantes. Mas
provavelmente, por virmos da classe média e sermos pessoas razoavelmente
bem-educadas, fomos capazes de passar por uma série de coisas, até mesmo
parecer que fazíamos parte de um movimento.”
Roger Waters sente uma distância ainda maior. “Até hoje, ainda não sei
exatamente o que era tudo aquilo. A gente ouvia falar muito sobre revolução,
mas nada específico. Li a International Times algumas vezes, mas sobre o que
era pra valer a Free School da Notting Hill? Qual era sua intenção? Nunca
entendi, exceto por alguns ‘acontecimentos’. Os ‘acontecimentos’ que nos
colocávamos eram sempre uma piada.”
A EMI foi convencida a pagar o novo carro da banda, um Ford Transit, e
um novo Binson Echorec, a caixinha de truques que ajudava a criar aqueles
efeitos sonoros espaciais, mas pagar por um hotel estava fora de cogitação.
Shows distantes significavam uma noite dirigindo de volta para Londres. A
equipe, esgotada, voltava junta. Peter Wy nne-Willson carregava os
equipamentos e juntava as luzes caseiras do Floy d entre os shows. Peter ainda
tinha que obter sua habilitação, entretanto, a secretária de Blackhill, a falecida
June Child, se ofereceu para dirigir. A bela loira June se tornaria parte integrante
da equipe do Floy d e um ombro para Sy d chorar. Depois ela se casaria com o
acólito de Sy d e cliente de Blackhill, Marc Bolan.
“Comprei diversos equipamentos e materiais para fazer experimentos com
diferentes efeitos de iluminação”, lembra-se Peter Wy nne-Willson. “Todo mês
June vinha a Earlham Street para ver as coisas que fazíamos. Para tornar esse
entediante processo mais legal, desenvolvemos um sistema por meio do qual, em
cada lado de uma pequena mesa, sentávamos com os pés sob o quadril um do
outro. Um pequeno e delicioso ritual. June sempre usava a mais curta das saias.”
Entretanto, o furacão de shows logo cobraria seu pedágio em cima do astro
de Blackhill. “Vi a agenda de shows do Floy d anos depois”, disse um confidente
da banda. “Quem quer que tivesse programado aquela incursão pela Inglaterra
da forma que foi feita, nas condições que eles fizeram, era insano. Teria sido
debilitante para qualquer um, usando drogas ou não.”
Matthew Scurfield estava na época prestes a começar sua carreira no
teatro, mas seguiu seu irmão Ponji até Earlham Street e viu de perto o efeito que
a carga de trabalho causara em Barrett. “Sy d era uma pessoa que não estava
totalmente no groove como os outros membros do grupo”, ele afirma. “Não era
ambicioso como Roger. Sempre o considerei um forasteiro, mesmo dentro do
Floy d. Ficava óbvio às vezes que muito da ambição deles frustrou sua arte. Era
sempre ‘venha, Sy d. É hora de ir!’.”
O uso de drogas que Barrett fazia na época permanece assunto de muita
especulação. O que Sy d estava tomando, o quanto e com qual frequência? E
quanto ao resto da banda? “Pensando na época, acho que Roger e Nick
raramente se drogavam”, lembra-se Andrew King. “Sempre achei que Roger
fosse do tipo ‘vamos ao pub para tomar umas cervejas’. Rick fumava um pouco
de erva. Sy d experimentava de tudo.”
“Sy d, Andrew e eu fumávamos erva”, diz Peter Jenner. “Apesar de não
me lembrar de Sy d dizer ‘vamos ficar doidões’, sabia que ele estava na onda do
LSD. O quanto, não posso afirmar. Sempre me disseram que ele tinha o que se
poderia chamar de ‘amigos do ácido’, mas não me lembro de Sy d ter sido
proselitista quanto ao LSD. Porém, acho que foi um gatilho para seus
problemas.”
“Definitivamente, Sy d não estava tomando LSD com frequência em
Earlham Street”, insiste Peter Wy nne-Willson. “Pode ter sido a erva em vez do
ácido que causou todos os problemas. Sei que a erva é bem mais forte hoje em
dia, mas jovens que fumam baseado entre os 18 e 22 anos são particularmente
suscetíveis a problemas mentais caso tenham predisposição. No caso de Sy d, não
me recordo de alguma viagem que tenha sido um ponto de ruptura ou algo assim.
Às vezes, ele passava por maus bocados com erva, mas não com ácido. Na
Inglaterra, havia muito haxixe disponível. Sy d e eu fumávamos cigarros, às vezes
charutos; raramente fumávamos juntos cachimbos de haxixe puro.”
Para Peter Jenner, a apresentação do Pink Floy d (em algum momento
daquele ano a banda parece ter perdido definitivamente o “The”) no The 14-
Hour Technicolor Dream, no Alexandra Palace, em abril, “coincidiu com o mais
alto uso de ácido naquele verão”. Criado como arrecadador de fundos para a
International Times, que havia sido enquadrada pela polícia que só faltou fechá-
la, o evento organizado por John Hopkins seria o último antes de ele ser preso.
“Fui o cara que apostou no aluguel da casa”, diz Hoppy hoje. “Eles ainda
estavam me procurando anos depois. Foi explosivo. A certa altura, dez mil
pessoas devem ter passado por aquelas portas. Os amigos de Michael X fizeram
a segurança. O que não percebemos até muito tempo depois é que eles
embolsavam o dinheiro pago pelas pessoas. Então muito pouco foi redirecionado
para a central de controle.”
O Pink Floy d foi agendado para tocar junto com The Pretty Things, The
Soft Machine e o novo astro advindo do underground, Arthur Brown, que
emplacava o seu primeiro sucesso, “Fire”, e tocou usando um chapéu em
chamas. Rolava exibições de filmes de vanguarda, leituras de poesia beatnik,
uma roda-gigante e a oportunidade de fumar casca de banana em um iglu feito
de fibra de vidro. John Lennon estava entre os que apareceram para ver a
loucura.
Naquela mesma noite, o Floy d tinha tocado em um programa da televisão
holandesa, apanhado um voo de volta a Londres e dirigido em alta velocidade até
o Alexandra Palace, em Muswell Hill. Peter Jenner, ávido para extrair o máximo
possível do evento, havia colocado na roda um tablete de LSD cedo demais.
“Ainda estava dirigindo a van quando o efeito começou a bater”, ele diz.
Enquanto isso, o antigo amigo de Peter da universidade, “o médico alternativo”
Sam Hutt, estava num estado similar. “Dirigi com Rick Wright, e estava viajando.
Dirigir viajando com ácido? Não é algo que eu recomendaria. Tudo o que me
recordo é de ter sido transfixado por aquela brilhante capa que Rick vestia – ou ao
menos acho que ele estava vestindo.” Dentro da casa de show, Hutt ficaria
transfixado de forma similar pela roda-gigante. “Eu só ficava indo para cima e
para baixo, para cima e para baixo, renascendo a cada vez”, ele ri.
Para Robert Wy att, do The Soft Machine, o show do Pink Floy d às 4 horas
da madrugada “deve ter sido um dos maiores que eles já fizeram; foi
estarrecedor”. Outros disseram equivocadamente que Sy d estava incapacitado
para qualquer coisa, contudo, fotografias daquela noite mostram Barrett com sua
guitarra nas mãos, claramente lúcido o bastante para tocar, mesmo que a capa
de Richard Wright não fosse tão brilhante quanto a memória criada pelo dr. Sam
Hutt. Para o organizador John “Hoppy ” Hopkins, a performance do Pink Floy d,
boa ou não, deixou os outros eventos simultâneos para trás. “Um de nossos
amigos era químico”, ele se lembra com certo sabor. “Ele trouxe alguns bagulhos
que hoje acreditamos ser um primo de DMT (o alucinógeno dimethyltryptamina).
O que quer que fosse, minha namorada e eu tivemos um belo e gostoso calor, e
terminamos do lado de fora da Ally Pally ao alvorecer, olhando Londres. Nunca
cheguei a ver o Pink Floy d naquela noite. Se cheguei, não me recordo de coisa
alguma.”
Sua próxima criação, “Apples and Oranges”, foi lançada como um single
para coincidir com a turnê americana e, quem sabe, levar o Floy d de volta às
paradas de sucesso britânicas perto do Natal. Se antes Sy d havia cantado sobre
ladrões de calcinha travestidos, aparentemente esta composição era inspirada em
um fato mais corriqueiro: uma garota que ele havia visto fazendo compras em
Richmond que, de acordo com alguns, pode ter sido Lindsay Corner. Uma bem
disposta psicodelia, mas sem o encanto de “Arnold Lay ne” ou “See Emily
Play ”, ela mal chegou às paradas. Sy d pode ter sido considerado o gênio
compositor do Floy d, mas foi o lado B de Richard Wright, “Paintbox”, que
parecia ser agora a melhor canção.
“Depois de ‘See Emily Play ’, havia aquela tradicional pressão da indústria
sobre qual seria o próximo hit”, diz Andrew King. “A pessoa mais provável de
escrever um single de sucesso era Sy d, então era ele a quem pressionávamos. Eu
não achava ‘Apples and Oranges’ tão ruim, mas suspeito que na época
pensávamos: ‘Putz... Se isso é o melhor que eles podem fazer...’.” O produtor
Norman Smith admite: “Eu a escolhi. Mas ela era a melhor de um monte de
tranqueiras”.
Questionado sobre a falta de sucesso da música, Barrett foi incrivelmente
franco: “Não poderia me importar menos” – e deu de ombros. “Só o que
podemos fazer é gravar discos que gostamos. A garotada curte os Beatles e Mick
Jagger não por causa da música que fazem, mas porque eles sempre fazem
aquilo que querem, e pro inferno com todo o resto.”
“Colocamos muita pressão em cima de Sy d”, diz Peter Jenner. “Mas
também estávamos sob muita pressão financeira e aquilo tornava tudo ainda
pior.” Blackhill havia se mudado do apartamento na Edbrooke Street para um
escritório mais apropriado na Alexander Street, em Westbourne Grove, utilizando
parte do dinheiro conseguido pelo acordo com a EMI. Contudo, a empresa estava
inadvertidamente pagando a banda e a equipe adiantado. Os cheques eram
frequentemente devolvidos, o que obrigava os funcionários a recolhê-los logo no
começo da semana, para sacá-los primeiro.
“Contratamos um contador que começou a fazer a pergunta: ‘Posso ver
seus livros?’. E dizíamos: ‘Que livros?’. ‘Vocês pagaram o seguro social?’. E nós:
‘seguro social?’. O mercado ao vivo também estava afundando para o Pink Floy d.
Não éramos mais algo fácil de vender. Não tínhamos outro hit, então não
tocávamos mais nas casas pop, e as casas de blues não nos queriam mais. Só o
que nos restava eram os shows em faculdades, que também não eram tantas
assim.”
Um desiludido Peter Wy nne-Willson pediu demissão de seu papel de
técnico de iluminação no final da turnê com Hendrix. Na verdade, à luz da
insegurança financeira de Blackhill, o sucessor de Peter, John Marsh, estava
disposto a trabalhar por um salário mais baixo. Instintivamente, Wy nne-Willson
também se aliou a Sy d, cuja posição na banda estava ficando mais abalada a
cada dia. No final de 1967, o otimismo cego e inocente de apenas doze meses
antes estava se dissolvendo.
“No final de 1967, o espírito da época havia mudado”, explica Wy nne-
Willson. “Não era mais aquela coisa hippie e aconchegante de antes.”
Acompanhando o chamado Verão do amor, o News of the World tinha feito uma
exposição de uma semana no UFO, chamando-o de “um covil hippie
secundário”. A polícia, que havia feito vista grossa, informou o sr. Gannon que, se
ele abrisse na sexta-feira seguinte, o local receberia uma batida e suas licenças
seriam revogadas. Joe Boy d moveu o UFO para a Roundhouse, mas conflitos
com os skinheads locais e o aluguel inflacionado cobraram seu preço. O UFO
terminou oficialmente em outubro de 1967. Enquanto isso, a antiga banda da casa
e seu vocalista estavam vivendo um perigo real de virem abaixo.
Em 22 de dezembro, o Floy d apareceu junto com The Jimi Hendrix
Experience, The Who e The Move no show “Christmas on Earth Continued”, em
Kensington Oly mpia. Dentro da casa cavernosa, postes de iluminação com 10
metros de altura, atrações no estilo parque de diversões e butiques cercavam as
bandas. Mas Sy d estava sem condições de tocar. Levado ao palco por Jenner,
King e June Child, ele simplesmente ficou ali, com os braços pendurados e a
guitarra enrolada no pescoço, mas presumidamente desligada. Como Nick Mason
escreveria depois, “tentamos ignorar os problemas e ir embora, mas era hora de
sair da negação. Estávamos chegando a um ponto de ruptura”.
“Tudo aconteceu rápido demais”, diz Peter Jenner. “Em poucos meses,
Sy d deixou de ser um estudante despreocupado, vivendo de sua própria renda,
fumando aqui e ali, e passou a ter todas aquelas pessoas querendo ser seus
melhores amigos e confiando nele para tocar, dar entrevistas, escrever um single
de sucesso e arrecadar dinheiro... Queriam que ele lhes dissesse o sentido da
vida.”
Ao ser perguntado em uma entrevista para uma revista pop sobre quais
eram seus pensamentos, Sy d já estava trabalhando em uma nova estratégia.
“Tudo que sei é que estou começando a pensar menos agora”, ele respondeu.
“Está melhorando.”
Enquanto o Pink Floy d testava seu novo som, seu ex-vocalista estava em
um limbo profissional. Peter Jenner havia agendado sessões para Sy d no Abbey
Road, mas elas resultaram em muita confusão. O comportamento singular de
Barrett no passado o tornou persona non grata no estúdio. O apartamento da
família de King na Richmond Hill havia se mostrado um ambiente mais sadio
após Cromwell Road, mas em seu papel involuntário de profeta louco ele logo
tinha discípulos batendo à sua porta.
No outono de 1967, os Lesmoir-Gordon haviam se mudado para um lugar
a um quilômetro de distância da Cromwell Road, em Egerton Court, um
quarteirão cheio de mansões, bem de frente para a estação de metrô de South
Kensington, próximo à Brompton Road. O diretor de cinema Roman Polanski
ficara tão impressionado com a decoração estilo anos 1930 do prédio e com suas
escadarias em caracol que incluiu ambos em seu filme de 1965, Repulsa ao sexo.
David Gale, Dave Henderson, Aubrey ‘Po’ Powell, Ponji Robinson e Storm
Thorgerson logo alugariam quartos em Egerton Court, com sua localização ideal
próxima do Roy al College of Art, onde alguns deles estudavam.
Nigel Lesmoir-Gordon estava trabalhando como editor para o futuro
diretor de cinema, Hugh Hudson, que na época fazia comerciais, mas já era
responsável pelos créditos de abertura dos filmes de James Bond. “O
apartamento tornou-se ponto de encontro para um grupo muito artístico”,
lembra-se Po. “Mick e Marianne costumavam aparecer para tomar ácido com
Nigel – todos ficavam assistindo o reflexo de cristais rodopiando nas paredes.
Donovan aparecia de vez em quando e todos usavam roupas de grife e tinham
uma aparência bem groovy. Fomos os hippies originais da Kings Road.”
“Nigel e Jenny pegaram o maior quarto da Egerton Court”, lembra-se um
visitante que frequentava a casa, Emo. “David Gale tinha o menor. Na verdade,
era tão pequeno que tinha uma cama suspensa, para sobrar espaço para
trabalhar. Storm ficava em um quarto que tinha uns 7,5 metros de comprimento e
um teto incrivelmente alto. E ele pintou as paredes de laranja brilhante e os
batentes das janelas de vermelho. Era um completo show de horrores, mas ele
dizia: ‘É extremo e é como eu gosto’.”
“Eu era um estudante que negociava de tudo, de casos amorosos a acordos
ilegais, e supostamente trabalhava na faculdade”, lembra-se Storm. “Não estava
no meu melhor estado emocional.” Matthew Scurfield, outro residente, diz que,
“para Storm, havia muita conversa fiada e dissecação do cosmo e do Universo.”
Entre o final de 1967 e o começo de 1968, os ocupantes de Egerton Court
continuaram seu consumo estoico de narcóticos. Mas, talvez de forma inevitável,
algo tinha que ceder. “Fiquei três anos dormindo no chão do quarto do meu irmão
lá”, diz Matthew Scurfield, que fez sua primeira viagem de LSD no apartamento.
“Foi lá que conheci Nigel e Jenny. Muitas coisas que foram ditas sobre Egerton
Court são verdade. Não é exagero dizer que havia muito ácido circulando por lá.
Usávamos em altas doses porque ninguém sabia o que estava fazendo. Mas não
era apenas um bando de pessoas deitadas pelo local e consumindo. Éramos todos
muito existenciais. Então, a parte frontal do cérebro e o intelecto estavam
bastante atentos ao que acontecia.”
“Era normal que nos divertíssemos bastante com ácido”, diz Po. “Lembro-
me de rir de mim mesmo por oito horas e vagar por pubs enquanto estava
viajando, e de tomar muita cerveja. Mas um dos efeitos acumulativos do ácido é
que ele abre sua mente para vários pontos sensíveis e, após um período, esses
pontos sensíveis não vão mais embora. O que as pessoas se referem como
‘flashbacks de ácido’ são na verdade sua mente e o sistema nervoso se abrindo a
certas sensibilidades às quais, sob circunstâncias normais, não se abririam. Todos
começaram a se sentir muito crus. Como costumávamos fumar maconha todos
os dias, ela também começou a ampliar demais nossa sensibilidade. Então, de
repente, você estava fumando um baseado e aquilo fazia com que se sentisse
paranoico. Os efeitos estavam se fazendo sentir para todo mundo. A graça havia
acabado e todos se sentiam no limite.”
Quando Nigel e Jenny deixaram Egerton Court para uma viagem ao
exterior, Sy d e Lindsay pegaram o quarto deles. “Isso foi o começo de um
pesadelo completo para o resto dos moradores”, diz Po. “Porque, àquela altura,
Sy d já não estava mais funcionando muito bem. Ele podia ser encantador, mas
também podia ser ansioso, arredio e agressivo.”
“Costumava escutar barulhos altos e gritos vindo do quarto deles. Sabia o
que estava acontecendo”, lembra-se David Gale. “Sy d começava a provocar
Lindsay e logo a coisa ficava bem sombria.”
“Havia todas aquelas histórias sobre ele batendo nela”, afirma Po.
“Supostamente, ele a acertou com sua guitarra e a queimou com pontas de
cigarro, mas nunca vi nada disso rolando. Contudo, escutava aquela gritaria
furiosa e batia na porta. Certa noite, Sy d abriu e saiu, usando calças de veludo
vermelhas e nada mais. Achei que fosse me bater. Disse-lhe para parar, pois
estava nos assustando. Houve muitas discussões na cozinha na manhã seguinte e
comecei a trancar minha porta à noite, o que jamais havia feito antes.”
Emo e Matthew Scurfield estavam juntos uma noite quando escutaram
gritos vindos do quarto de Sy d e Lindsay. “Matthew entrou, já que dava para
ouvir que Sy d batia a cabeça de Lindsay no chão, e Sy d o agrediu”, diz Emo.
“Matthew saiu sangrando, então entrei e apanhei Lindsay, e Sy d, ao ver a
expressão em meu rosto, se afastou. Era terrível ver alguém se comportando
daquela maneira. Acho que ele não tinha ideia do que estava fazendo.”
“Lindsay se trancava no banheiro e Sy d mandava a gente se foder quando
tentávamos intervir”, diz Matthew. “No final, pensei: Foda-se! Não quero mais
ser seu colega. Mas era bizarro, porque algumas vezes ele podia agir de maneira
completamente normal. Igual quando você era criança na escola e via uma briga
no parquinho durante o intervalo e, vinte minutos depois, via os mesmos
moleques na sala de aula, totalmente normais, como se nada tivesse acontecido.
Na época, Sy d ainda pensava em sua música. Lembro-me de ter visto ele na
Egerton Court, fazendo experiências com um relógio, colocando-o submerso na
água e gravando o som que produzia. Mas então, no minuto seguinte, ele mudava
tudo de novo.”
Entrevistado em 1988, o futuro crítico e comentarista Jonathan Meades
falou sobre uma visita que fez ao amigo Harry Dodson no apartamento quando
era adolescente. “Sy d era uma criatura estranha, exótica e famosa na época, que
calhava de viver no mesmo apartamento que aquelas pessoas, as quais estavam,
até certo ponto, fazendo intrigas com ele, profissional e privadamente”, ele se
lembra. “Fui até lá e havia um barulho terrível. Parecia canos batendo, e falei: ‘o
que é isso?’, e ele [Po], meio que rindo, disse: ‘Isso é Sy d tendo uma viagem
ruim. Colocamos ele dentro do armário de louças’.” Meades diz hoje: “Devo ter
ido três vezes a Egerton. Sempre me lembro daquele livro de Martin Amis, Dead
babies, no qual o autor descreve esse tipo de grupo displicente de drogados.
Aquela galera de Cambridge fez com que eu pensasse neles, especialmente
personagens extraordinários como Emo. Todos tinham um entusiasmo bem
maior com as coisas que gostavam de fazer do que eu. Qualquer senso de
autopreservação parecia estar ausente daquele pessoal”.
“Vou contar o que aconteceu”, explica Po. “Não acho que Sy d ainda
estivesse tomando ácido, mas ele estava fumando muita erva, e costumava ficar
paranoico. O que Jonty Meades chamou de armário de louças, era na verdade o
banheiro. Não havia armário de louças. O banheiro era o armário – sem janelas
e apenas com uma lâmpada sem lustre. Um dia, Sy d estava andando pelo
corredor e, a seguir, o escutei gritar: ‘Me deixem sair! Me deixem sair!’. De
alguma maneira ele se trancou no banheiro com a luz apagada e ficou
desorientado. Provavelmente estava chapado demais e entrou em pânico. Levou
vinte minutos para que eu conseguisse lhe explicar como abrir a fechadura. Jonty
estava lá e perguntou o que havia acontecido. Acho que disse que ele havia se
trancado. Quando Sy d saiu, estava ofegante e coberto de suor.”
O amigo de Meades, Harry Dodson, se lembra de ter encontrado Sy d
apenas algumas vezes e que ele “parecia ausente e inacessível a qualquer
comunicação normal”.
Os casos românticos pioram todos os problemas relacionados ao estrelato
pop e uso de drogas. “Há indícios de que as mulheres eram problemas tão
grandes quanto drogas”, comenta David Gale. “Fora as namoradas, Sy d tinha
muitas groupies esquisitas que frequentavam a casa. Algumas se especializaram
em fazer camisas exóticas para astros de rock e então os agarravam – faziam um
bom trabalho se conseguiam chegar até eles.”
“A certa altura ele estava usando batom, vestindo saltos altos e acreditando
ter tendências homossexuais”, David Gilmour contou a um escritor anos depois.
“Lembro de todo tipo de coisa estranha acontecendo.”
Conforme atesta Jenny Fabian, a atitude de Sy d com relação ao sexo
parecia ser tão distraída quanto era nas demais áreas de sua vida. “Na época que
tive minha ligação com Sy d, ele já tinha desembestado”, ela contou ao escritor
Mark Pay tress em 2004. “Todo mundo transava em tudo quanto era lugar
naquela época. Mas Sy d não era o tipo de cara que flertava. Não diria que ele
era um louco sexual; ele certamente não era predatório. Se você estivesse lá e
fosse legal, havia um sorriso indicativo de que você era amigável o suficiente
para ficar. Mas não ia nada além disso.”
Para aqueles que conheceram Sy d na escola de arte em Cambridge, a
mudança de seu comportamento era especialmente perturbadora. O rapaz feliz
de três anos atrás estava ausente agora. John Watkins tinha visto seu amigo
tocando pela última vez na escola de arte, em 1966, durante a festa de Natal.
Uma noite, dois anos depois, ele encontrou David Gilmour nos bastidores de um
show do Floy d. “Perguntei como Sy d estava e Dave disse: ‘Um pouco estranho’.
Peguei os telefones de ambos e liguei para Sy d uma semana depois, mas ele
tinha desaparecido por completo dentro de si. Provavelmente sabia quem eu era,
mas não conseguia chegar a lugar algum com ele.”
Entretanto, no verão de 1968, Sy d não foi o único a viver as consequências
do abuso de LSD. “Nosso grupo havia se dividido, com metade virando
espiritualistas e metade visitando psiquiatras, e eu incluído no segundo grupo”, diz
David Gale.
Naquele ano, os Lesmoir-Gordon seguiram o caminho de outros colegas
antes deles e desapareceram na Índia, na trilha de Sant Mat. Enquanto isso,
Matthew Scurfield e David Gale começaram a fazer sessões com o celebrado
R.D. Laing. Um pouco antes, Roger Waters afirma ter levado Sy d a uma sessão
com Laing, mas diz que Barrett se recusou a sair do carro. David Gale tentou
repetir a visita alguns meses depois. Ele se lembra: “Telefonei para Ronnie Laing
de Egerton Court, para o benefício de todos ali, porque tínhamos chegado a um
ponto em que era preciso dar uma basta, apesar da nossa absurda frieza, típica
dos anos 1970, de ‘não interromper a viagem de outro cara’. Eu disse a Laing que
era amigo de Sy d Barrett e que ele se beneficiaria de sessões de psicoterapia.
Laing disse que não veria ninguém que não viesse por vontade própria.” Após
prometer a Laing que Sy d compareceria, Gale chamou um táxi. “Quando
chegou, dissemos: ‘Sy d, conseguimos marcar uma hora para você com R. D.
Laing’ – que era considerado o Elvis da psicoterapia, mas Sy d apenas disse não, e
não havia mais nada que pudéssemos fazer.”
“Quando você é jovem e seu amigo sai dos eixos, é difícil de lidar”, diz
Thorgerson. “Não entendíamos nada de análise. De qualquer modo, metade de
nós era meio maluca e, se não fosse, tinha sérios problemas emocionais e as
próprias crises com que lidar.”
Assim como Sy d, John ‘Ponji’ Robinson estava entre aqueles que caíram na
sarjeta. Ponji se submeteria a uma extraordinária forma de psicoterapia que
envolvia o uso de LSD com seu terapeuta. Infelizmente, no final ele cometeria
suicídio.
Em julho de 1968, quando o Pink Floy d embarcava para sua segunda turnê
nos Estados Unidos, Barrett deixou Egerton Court. Lindsay já tinha ido embora,
encontrando um lugar seguro no novo lar de Storm Thorgerson, em Hampstead,
após uma explosão particularmente violenta. Nos anos vindouros, nas raras
ocasiões em que foi entrevistada, Lindsay negou qualquer violência de Barrett
contra ela. Ela sairia da vida de Sy d por completo no final dos anos 1960,
casando-se e constituindo família.
Barrett, por sua vez, dirigiu seu Austin Mini de volta a Cambridge,
presumidamente fazendo tour pela Grã-Bretanha, ao longo da qual apareceu sem
avisar em vários shows. Ele voltaria a Londres esporadicamente, dormindo no
chão da casa de velhos amigos, incluindo o apartamento de Anthony Stern, em
Battersea, de onde surgiram rumores que ele estava experimentando heroína.
“Você via o humor dele declinando conforme a noite se aproximava”, lembra-se
Stern. “Então ele ia para o lavabo e voltava com o humor renovado. Não acho
que fosse cocaína, que não havia naquela época. A questão se Sy d provou
heroína é delicada, mas na época tudo era experimentado.”
Quando Sy d se foi, os Lesmoir-Gordon voltaram para seu antigo quarto em
Egerton Court e fizeram uma descoberta. “Encontrei um desenho colorido que
Sy d havia deixado no quarto”, lembra-se Jenny. “Era a imagem de uma cabeça
humana, com um trem entrando por um lado e saindo pelo outro, e no topo
estavam escritas as palavras ‘isso é estranho’.”
Durante os meses seguintes, Sy d apareceria ocasionalmente no novo
escritório de Blackhill, na Princedale Road, em Holland Park. Juliette Gale estava
trabalhando no mesmo prédio, gerenciando uma agência de modelos, Black Boy
(depois Black Boy And Blondelle), a primeira a representar modelos negras.
Time Out, a nova revista underground de Londres, também havia alugado um
escritório no local. “Eu estava na Time Out lançada no verão de 1968”, diz o
futuro DJ da BBC, Bob Harris. “Tínhamos um escritório no mesmo prédio que
Blackhill e a namorada de Richard Wright, Juliette. Já assistira ao Sy d com o
Floy d no UFO muitas vezes, mas, sempre que o via agora, ele estava comatoso
na recepção, encostado em um canto, com Juliette dando de ombros. Era algo
terrivelmente triste.”
Jenner e King lutaram para ficar de olho no músico, mas até mesmo os
dois caíram na desconfiança dele. “Quando saiu da banda, havia muitas pessoas
que ofereciam refeição a Sy d uma noite por semana”, recorda-se Andrew King.
“Então ele vinha comer conosco, já que conhecia minha mulher desde o tempo
da escola de artes em Cambridge, que frequentaram juntos. Acho que ele se
sentia mais seguro com ela do que comigo. Suponho que Sy d me via como parte
dos ‘negócios’. A última vez que ele apareceu em casa para jantar foi uma das
últimas que o vi.”
A antiga banda de Sy d se ajustava com cautela aos seus novos
empresários. Antes de empreender sua segunda turnê nos Estados Unidos, Bry an
Morrison e Steve O’Rourke foram ver a banda, dizendo que ela tinha que assinar
outro contrato com a agência, como formalidade para a temporada no exterior.
Waters foi relutante e sugeriu que eles assinassem um contrato com vigência
apenas durante a turnê. Um dia depois, Morrison vendeu a empresa para a
NEMS Enterprises, de Brian Epstein. Steve O’Rourke foi efetivamente “vendido”
para a NEMS como parte do acordo e, conforme diz Waters, “jamais viu um
centavo disso”.
A segunda turnê do Floy d nos Estados Unidos começou de forma quase tão
terrível quanto a primeira, com os vistos de trabalho forçando os shows a serem
adiados. Os concertos ocorriam em clubes underground como o The Scene, em
Nova York, que pertencia a Steve Paul, e o Detroit Grande Ballroom. Levados de
ônibus até os bastidores desses eventos, o Floy d pegava os momentos finais de
sets de companheiros britânicos como The Troggs antes de se preparar para
entrar no palco. Em alguns lugares, eles brigavam pela atenção do público em
meio a performances pesadas de bandas locais, como Blue Cheer e Steppenwolf.
No meio do caminho, o dinheiro acabou, deixando o grupo preso em Seattle até
que seu representante nos Estados Unidos pudesse pagar a conta do hotel.
“Parecia que só podíamos tocar aos finais de semana”, disse Roger Waters.
“Então, quando não era fim de semana, ficávamos presos em algum lugar, como
o Mohawk Motor Inn, no subúrbio de Detroit, onde era possível conseguir um
quarto de oito dólares por noite. Ficávamos horas sentados em frente a alguma
piscina horrorosa, sem dinheiro para ir a lugar algum.”
Entretanto, em Nova York, onde a banda ficou no notório Chelsea Hotel,
Waters sentiu-se tentado a tomar LSD mais uma vez, a primeira desde aquelas
férias na Grécia, em 1966. Enquanto estava viajando, saiu para comprar comida
e acabou congelado no meio da 8a Avenida, incapaz de se mover. Depois, ele
disse que aquela foi sua última experiência com a droga.
Mesmo com a saída de Sy d, Waters ainda se sentia inclinado a mostrar sua
raiva no palco, criando seu ato teatral de atacar com grande satisfação o gongo
que ficava suspenso sobre a bateria de Mason, durante a execução de “A
Saucerful of Secrets”.
“Rogers fazia coisas bem estranhas no palco”, lembra-se uma testemunha
da época. “Ele era tão alto que passava uma imagem muito forte. E havia
também a forma como ele se vestia...”
Roger se exibia em confortáveis calças curtas vermelhas, adornadas com
tranças nas bainhas. Nos Estados Unidos, ele adotou um coldre no estilo caubói
que prendia à cintura com um pedaço de corda, onde costumava guardar seus
cigarros. “A vestimenta hippie não tinha muitos limites”, diz um amigo da banda,
“mas a gente achava que Roger às vezes extrapolava.”
Quaisquer que fossem seus percalços com o figurino, Waters claramente
ajudou a dirigir a banda. Assistindo à performance do grupo no JFK Stadium, na
Filadélfia, estava o futuro escritor da Rolling Stone, David Fricke. Mais tarde, uma
terrível tempestade com fortes trovoadas levou ao cancelamento da atração
principal, o The Who, mas a nova banda inglesa chamou sua atenção. “De onde
eu estava sentado,via os pequenos bonequinhos se movendo”, ele se lembra.
“Contudo, a música do Floy d era poderosa o bastante para viajar pelo ar.”
Mas o entusiasmo de David Fricke ainda precisava ser estendido aos seus
futuros patrões. Contorcendo-se no show ao vivo, a Rolling Stone também se
sentiu confusa quanto ao novo disco. “O Pink Floy d está firmemente ancorado
em um mundo diatônico, sem nenhum desvio dessa norma, uma questão de
efeito em vez de convicção musical”, reclamou o crítico Jim Miller.
Em setembro, a banda voltou a tocar diante de uma multidão mais
partidária, revisitando o antigo lugar de Gilmour, Le Bilbouquet, em Paris, e seu
novo lar, o clube Middle Earth, em Covent Garden.
De forma lenta, porém constante, o Pink Floy d estava mudando, mas não
apenas musicalmente. Mais cedo naquele ano, eles tocaram no First International
European Pop Festival, em Roma, junto com The Move e The Nice, os mesmos
daquela primeira turnê com Hendrix. Davy O’List, do The Nice, que substituiu
Sy d naquela ocasião, apareceu na suíte do hotel do Floy d. “Fiquei chocado ao ver
David Gilmour regalando-se em uma cama de casal e segurando uma garrafa
de uísque”, ri O’List. “Foi a primeira vez que vi um membro do Pink Floy d com
um drinque. Apesar do que estava ocorrendo com Sy d e as drogas, o resto deles
parecia muito correto na turnê que fizemos com Hendrix.”
Com o desafio de substituir Sy d e encarar o baixista, David Gilmour era
igualmente parcial em fumar um cigarro. Mais tarde, quando perguntado por um
jornal universitário canadense se ele já havia usado drogas enquanto tocava, a
resposta do guitarrista foi maravilhosamente obtusa: “Às vezes. Geralmente. Mas
não muito”.
Um avião Gy psy Moth e as roupas da Primeira Guerra Mundial decerto
pareciam autênticos. Em pé ao lado do biplano, o Pink Floy d tinha trocado seus
trajes da Kings Road por roupas de voo engomadas e óculos de proteção; apenas
seus cabelos denunciavam que era 1968, e não 1916. Era outubro, e a banda
estava sendo filmada para um clipe promocional bastante literal para
acompanhar seu novo single, “Point Me at the Sky ”. Sem que a banda e a EMI
soubessem, seria o último single deles lançado no Reino Unido por 21 anos.
Infelizmente, tal qual “Apples and Oranges” e “It Would Be So Nice”, o resultado
produzido por Norman Smith mostrava a insuperável luta do grupo em rejeitar
imposições comerciais. Ainda pior, o refrão soava preocupantemente parecido
com a música dos Beatles, “Lucy in the Sky with Diamonds”.
Implacável diante do desempenho da música nas paradas, os músicos do
Pink Floy d apenas saborearam a chance de se vestir como aviadores e voar em
um Gy psy Moth.
“Jamais senti que a banda estava condenada quando esses singles
fracassaram”, diz Nick Mason. “Otimismo cego, acredito. Acho que nós apenas
pensávamos que estávamos certos e todo mundo estava errado. Éramos uma das
primeiras bandas a se beneficiar da liberdade que os Beatles tinham dado. Depois
de Sgt. Pepper, todos tinham muito mais liberdade.”
Se a EMI fora gentil em esquecer o fracasso dos singles do Pink Floy d nas
paradas, a banda ainda tinha que considerar a atitude do selo com relação a A
Saucerful of Secrets, um álbum que mal acompanhara as vendas de Sgt. Pepper.
Roger Waters resumiu a abordagem da EMI: “Ok, isso é ótimo... Mas agora
vocês têm que voltar a fazer discos de verdade”.
No ano seguinte, eles já estavam falando com a Melody Maker sobre um
novo álbum duplo, feito de composições individuais e conjuntas. Contudo, uma
indicação da direção que eles estavam seguindo já estava gravada no lado B de
“Point Me at the Sky ”, em uma versão preliminar da canção chamada “Careful
With That Axe Eugene”. Gradualmente expandida além de seus dois minutos
iniciais, ela se juntaria a “Set the Controls for the Heart of the Sun” como outro
período experimental para as selvagens ambições do Pink Floy d nos anos 1970:
uma melodia lenta, efeitos sombrios e uma evasão completa da estrutura pop
musical.
“Era música abstrata, pouco orientada ao formato de canção”, lembra-se
Phil Manzanera, futuro guitarrista da Roxy Music, na época um ávido fã do
Floy d. “Eles estavam fazendo coisas com os sons, divertindo-se com as tradições
da musique concrète e da Oficina Radiofônica. É preciso lembrar que muitas
pessoas ficavam largadas escutando aquele negócio. Era uma experiência de
arrepiar.”
Para completar essa experiência, A Saucerful of Secrets havia sido lançado
em uma capa totalmente não convencional. Assim como os colegas da banda
que estavam na Roy al College of Art haviam desenhado aviadores e cartazes,
agora eles contribuíram com o design da capa para o novo álbum do grupo.
Storm Thorgerson e Aubrey ‘Po’ Powell haviam formado uma parceria, embora
mais acidental do que concreta.
“Storm tinha uma amiga que trabalhava em uma editora”, lembra-se Po.
“Ela nos apresentou às pessoas que cuidavam das capas da Penguim, uma
editora que queria fazer parte da nova cena hip. Tínhamos acabado de descobrir
uma coisa chamada filme infravermelho e Storm disse que deveriam utilizá-lo.
Eram capas de livros de faroeste; então fotografamos David Gale, Dave
Henderson, Nigel e Jenny – todo mundo da Egerton Court – em Richmond Park,
vestidos como caubóis. Parecia o filme No tempo das diligências em viagem de
ácido. Apresentamos à Penguim, que adorou e nos deu 40 libras por capa – que
era o bastante para que sobrevivêssemos o verão inteiro. Acabamos fazendo dez
capas. Acho que Roger Waters era bastante amigo de Storm e sugeriu que
fizéssemos a capa para A Saucerful of Secrets. Fizemos experiências em salas
escuras e montamos alguns esboços e páginas brutas.” O design sugerido – uma
pequena fotografia da banda em Richmond Park cercada por redemoinhos
cósmicos – tinha a intenção de “dar ao álbum uma sensação surreal de ácido”.
“Àquela altura, íamos nos batizar de Consciousness Incorporated, um nome
bem groovy para a época”, explica Po, “mas não podíamos nos chamar
Incorporated, porque era um termo americano para empresa limitada. Ao ir a
Egerton Court um dia, vimos escrito do lado de fora da porta: ‘Hipgnosis’.
Ficamos meio putos por terem grafitado a nossa porta, mas achamos que era um
belo nome – hip e gnóstico. Nunca encontramos quem escreveu na porta, mas
sempre achamos que foi Sy d. Adotamos o nome Hipgnosis e mandamos fazer
um cartão que dizia ‘fotos, design, obras de arte, etc’, e terminava com as
palavras ‘singularidades, groovies, doninhas e arminhos’. Não me pergunte por
quê.” A dupla recebeu 110 libras por seus esforços, e A Saucerful of Secrets foi o
arauto que anunciava o começo de sua relação profissional com o Pink Floy d.
“Sempre pensei em voltar àquele lugar onde você pode beber chá e
sentar no tapete.”
Syd Barrett
Atom Heart Mother viria a ser a única colaboração de Ron Geesin com o
Pink Floy d. Ele partilha um crédito de escritor na faixa-título, mas, para a
surpresa de alguns, não recebeu coautoria pelo álbum. “Depois, considerei o
crédito que faltava como sendo um típico exemplo da grande máquina de moer e
o pequeno pedaço de carne.”
Como um dos poucos de fora a serem convidados para colaborar com o
Pink Floy d, Geesin rapidamente notou a pressão que as quatro peças de carne
sofriam, e o surgimento das disputas de poder entre elas. “Na época em que
trabalhei com eles, a banda era pressionada o tempo todo pela EMI e Steve
O’Rourke. Steve era um cara da pesada. Eu o conhecia desde antes do Floy d
porque ele cuidava de muitas bandas de jazz na agência em que trabalhávamos.
Minha impressão é que o Floy d estava sendo queimado, motivo pelo qual
provavelmente Roger queria trabalhar com mais alguém de fora.”
“Nick e eu nos dávamos muito bem”, ele prossegue. “Rick não fazia muito
esforço, e dava para ver que isso viria a se tornar um problema para ele depois.
Dave era um cara quieto. Acho que ele tinha desconfianças de mim, pois me
conhecia muito pouco, então era bem cauteloso. Eu tinha mais proximidade com
Roger, de quem gostava bastante, mas ele podia ser bem abrasivo com os que
estavam à sua volta. Mas a maior parte de artistas de valor cria atrito em torno de
si de uma forma ou de outra. É o atrito necessário para criar o calor da
criatividade. É necessário, mas alguém sempre sairá ferido – esposas, amantes,
filhos ou outras pessoas no palco. Eu era um amigo próximo de Roger até que ele
se virou e mordeu quase todo mundo.”
Em uma entrevista naquele ano, Waters foi estranhamente cândido em
relação à sua imagem ameaçadora. “Tenho medo das outras pessoas”, admitiu.
“Se baixar as defesas, alguém monta em cima de você. Pego a mim mesmo
montando em outras pessoas o tempo todo e depois me arrependo disso.”
Àquela altura, o grupo estava se adaptando ao fato de que, como coloca
Nick Mason, “Roger podia ser assustador”. Eles seguiram a sugestão de Steve
O’Rourke de permanecerem levemente isolados da gravadora, mas acabaram
parecendo ainda mais reservados durante o processo de gravações. Em 1970,
Malcolm Jones renunciou àsua posição na Harvest e foi substituído por Dave
Croker, que logo percebeu que trabalhar com o Pink Floy d significava que lhe
dissessem o que fazer somente quando o grupo se decidisse. “Steve e o grupo
planejavam tudo em detalhes com bastante antecedência”, disse Croker.
“Qualquer conflito que tivessem já havia terminado muito antes de o grupo
entrar em contato com o mundo externo. Toda a discussão era feita em
privacidade.”
Porém, Nick Mason parecia menos confiante de que a lavagem de roupa
suja da banda ocorria a portas fechadas. “Era frequente que nos
comportássemos de forma terrível”, ele escreveu em 2004. Ao ir a jantares com
executivos da gravadora e promotores, a banda dominava o centro da mesa e
“bania todo mundo que não conhecíamos”, disse. “Jantares em grupo eram o
ponto central para nossas brigas, decisões políticas e piadas em geral.”
Anos depois, Mason admitiu para a imprensa que os relacionamentos
dentro da banda eram parecidos com “fazer parte de uma pequena unidade do
exército ou escola preparatória, porque podíamos oscilar facilmente do amor ao
ódio”.
“Nunca era dois contra dois. Era sempre três contra um”, ele disse ao
repórter da revista Sounds, Steve Peacock. “Às vezes era algo absurdo de se
assistir. Brincadeiras se tornavam provocações e bullying. Podíamos ser bem
desprezíveis.”
Para Mason, havia menos a ser disputado. Além de ser o amigo mais
próximo de Waters na banda, ele escreveu poucas músicas de sua autoria e,
portanto, nunca precisou lutar contra Roger e os demais para ter seu material nos
álbuns do Floy d. Para Gilmour e Wright, o baixista era mais que um problema.
Wright, que chegou a ser visto pelo gerenciamento do Floy d como o compositor
mais forte da banda após a saída de Sy d Barrett, havia sido completamente
eclipsado pelo prolífico Waters. Some-se a isso o fato de que os dois nunca se
deram bem de verdade. “Eu tinha um choque de personalidade com Roger
Waters mesmo na Regent Street Poly ”, diz Wright. “Não escolhemos ser amigos,
mesmo naquela época. Sendo o tipo de pessoa que é, Roger tentava te irritar e
fazer com que você ruísse.”
Gilmour podia parecer reservado, mas era incrivelmente teimoso, um
traço que se manifestaria em sua plenitude quando Waters lutou para dividir a
banda nos anos 1980. Em 1970, entretanto, o guitarrista ainda dava de ombros ao
seu “status de novato” e lutava para se estabelecer como compositor.
“Roger não faz mais em termos de música do que o resto de nós”, ele
afirmou em uma entrevista na época do Atom Heart Mother. Mas anos depois,
ele diria que “Roger era o homem das ideias e o motivador, e ajudava a
empurrar as coisas para a frente.”
Para Waters, os outros eram o problema. “Havia sempre uma grande briga
entre os músicos e os arquitetos”, admitiu. “Nick e eu éramos relegados a esta
posição inferior de sermos arquitetos, olhados com desdém por Rick e Dave, que
eram os músicos.”
Ron Geesin lembra-se com vivacidade das brigas de seu antigo amigo:
“Roger resmungava a maior parte do tempo quando o conheci. Ele expressava
insatisfação frequente por causa da acomodação do grupo quanto à manifestação
de suas ideias. Eu só dizia ‘Deixe para lá!’. Mas, claro, ele estava preso a isso.
Sabia quais eram seus interesses. Por isso, Roger só saiu do Pink Floy d quando
teve condições para se manter”.
Em agosto, durante as gravações de Atom Heart Mother, a banda voou para
o sul da França para tocar em alguns festivais. Eles montaram acampamento em
uma grande casa de campo, próxima a St. Tropez, junto de Steve O’Rourke, Pete
Watts, Alan Sty les e as respectivas mulheres e os filhos. Viver em tal
proximidade, contudo, intensificou as tensões.
“Todas as esposas do Floy d tinham personalidade forte”, recorda-se Peter
Jenner. “Juliette Wright era uma cozinheira durona, sensível e pé no chão. Nick e
Lindy Mason eram o casal mais convencional. Eles praticamente foram
apaixonados desde a infância. Ela própria era instrumentista e, como Nick, tinha
um impecável background de classe média. Judy Trim era muito legal, mas era
cantora de trot.3 Sempre achei Roger bastante influenciado por suas mulheres, e
Judy o mantinha debaixo de sua asa e no cabresto. Ela o conhecia desde antes do
Floy d, e tinha sua própria vida e carreira, o que era ótimo, porque não precisava
engolir nada da merda dele.”
Havia outro aspecto no relacionamento de Roger e Judy que o baixista iria
posteriormente discutir em entrevistas, citando uma atitude de sua mãe. “Ela
achava que seria muito mal se eu encontrasse uma boa garota de família e me
casasse quando ainda fosse jovem”, ele revelou em 1980. “Ela especificamente
me encorajou a procurar meninas mais sujas.” Em vez disso, Roger se casara
com seu amor de infância.
Foi em St. Tropez que Mason e Waters brigaram, quando Lindy e Judy
discutiram com o baixista após ele ter admitido infidelidade alguns anos antes,
depois de um show no Texas. Quando Mason entrou, Waters deu uma desculpa
sob a alegação de que o baterista também carregava culpa, mas não tinha
confessado sua própria indiscrição.
Fora os shows e punhaladas na vida a dois, a viagem tinha mais uma
motivação. Mais cedo naquele ano, o Floy d fora abordado pelo coreógrafo
Roland Petit para escrever uma peça para sua companhia de dança, o Ballet de
Marseille. Petit queria montar uma produção baseada no romance épico de
Marcel Proust, Em busca do tempo perdido. Como Lindy Mason era bailarina,
Nick estava bem ciente das credenciais de Petit. A ideia imediatamente os
motivou. “Os franceses têm uma abordagem mais intelectual, mais emocional
das artes”, Mason disse de forma entusiasmada à imprensa naquele ano. Após
uma reunião inicial em Paris, Roger comprou os primeiros vinte volumes
completos de Proust e sugeriu que a banda começasse a ler, antes de ele próprio
desistir ainda no primeiro volume – e David Gilmour deu para trás após dezoito
páginas. O resultado viria a ser cinco performances em Marselha, em novembro
de 1972, e uma temporada em Paris, alguns meses depois. Na França, as tensões
também estavam altas fora da banda, na casa de campo compartilhada.
Várias das datas dos festivais propostas foram canceladas devido a
problemas com as autoridades locais por causa de segurança, ou após confrontos
de amotinados contra a polícia. Quando os promotores abortaram um festival
aberto planejado para agosto em Heidelberg, na Alemanha, o Pink Floy d voltou
para casa.
Gilmour fez um desvio pelo Festival da Ilha de Wight, onde Jimi Hendrix
iria tocar naquela que seria a sua última apresentação no Reino Unido. O
principal roadie e engenheiro de som do Floy d, Pete Watts, foi contratado para
cuidar do som. Mas com Watts nervoso e, de acordo com os boatos, chapado
demais para fazer o trabalho, Gilmour assumiu seu lugar, sem que Hendrix
soubesse que ele era o jovem guitarrista que o acompanhara dois anos antes por
toda Paris. Menos de um mês depois, Hendrix estaria morto.
A colaboração do Pink Floy d com Roland Petit seria apenas um dos
diversos projetos nunca gravados, levados a cabo durante o primeiro ano da nova
década. Uma trilha sonora proposta para um novo desenho animado, Rollo (feito
pelo ilustrador de Yellow submarine, dos Beatles, Alan Aldridge), foi muito
noticiada na imprensa, mas cancelada após um piloto ter sido feito e o dinheiro
acabado. O próximo encontro do grupo com um cineasta seria mais
recompensador que a batida de cabeças anterior com Michelangelo Antonioni,
em Zabriskie point.
Na turnê pela Austrália, em 1971, a banda conheceu o cineasta e surfista
devoto George Greenough. Crystal voyager, seu documentário celebrando o
passado nacional, estava implorando por uma trilha sonora adequada. O grand
finale do filme incluiria filmagens de um surfista com uma câmera presa ao
corpo, acompanhado por uma nova canção do Floy d, uma música com 23
minutos de duração chamada “Echoes”. Depois as cenas seriam usadas pela
banda como projeção de fundo nos shows ao vivo – “Echoes”, como se viu, se
mostraria um marco no desenvolvimento musical do conjunto.
“Estávamos procurando algo”, disse Gilmour. “Durante todo aquele
período com Ummagumma e Atom Heart Mother, queríamos descobrir. ‘Echoes’
foi o ponto em que encontramos nosso foco.”
Entretanto, a chegada da canção não foi tanto um momento de epifania,
mas uma sequência em que a banda finalmente conseguiu criar algo digno no
meio do que Gilmour chamou de “biblioteca de lixos”. As gravações do álbum
seguinte do Pink Floy d, que se chamaria Meddle, começaram no estúdio dois do
Abbey Road, em janeiro de 1971. Quando eles descobriram que o produtor dos
Beatles, George Martin, tinha instalado uma mesa de 62 canais em seu próprio
Air Studios, o Floy d levou suas fitas gravadas em oito pistas para lá. O operador
John Leckie, que havia trabalhado em algumas das sessões do álbum de Barrett,
foi convocado com Pete Bown para cuidar das gravações, antes da mixagem
final, no Morgan Studios, em Hampstead. As ideias iniciais do Floy d eram bem
mais vanguardistas do que o disco concluído sugeria.
“Eles ficaram dias trabalhando no que as pessoas chamam agora de álbum
Household Objects”, lembra-se Leckie. Household Objects jamais seria lançado,
mas dizem que o conjunto gravou por volta de vinte minutos de música, utilizando
o som de objetos cotidianos: elásticos de borracha, copos de vinho, isqueiros.
“Eles criavam acordes a partir da gravação de garrafas de cerveja, jornais
sendo rasgados para dar ritmo e uma lata de aerosol para obter chiado agudo.
Era uma proposta de Nick Mason, mas todos se envolveram. O problema é que
aquilo não chegava a lugar algum.” A ideia foi abandonada após uma semana e
mandada para a “biblioteca de lixos”, de onde seria, de qualquer modo, retirada
três anos depois.
Household Objects não foi a única indulgência da banda. Uma ideia da
época envolvia cada um dos quatro membros tocando individualmente o que
quisessem, contanto que estivessem no mesmo tom. O resultado seria registrado
em fita, sem que nenhum escutasse o que seus companheiros haviam feito antes.
“Horrível, absolutamente horrível”, disse Gilmour.
Pelo menos um engenheiro do Abbey Road no começo dos anos 1970 se
lembra de como as sessões do Pink Floy d tinham “a reputação de ser
extenuantes”. “Eles levam a eternidade para fazer qualquer coisa”, dizia. Com
carta branca da EMI, o grupo tripudiou em cima da paciência da companhia,
com os bolsos cheios e o pensamento prevalecente de que bandas de rock tinham
de ser levadas tão a sério quanto compositores eruditos.
Entretanto, apesar desses começos desanimadores, havia certa ordem
sendo criada a partir do caos.
“As fitas que levamos ao Air estavam repletas de pequenas ideias – um
pouco de guitarra malandra, um pouco de piano, alguns efeitos sonoros”, lembra-
se Leckie. “Todas eram chamadas de ‘Nada’, ‘Nada um’, ‘Nada dois’ e assim por
diante. Então, as primeiras semanas foram somente para juntar todas essas
pequenas coisinhas. Mas eles saíam com frequência para tocar, então você
despia o estúdio, eles colocavam tudo na van e seguiam para algum grande
concerto; depois voltavam e montavam tudo de novo.”
O lado positivo desse processo fragmentado é que dava oportunidade para
que a banda testasse ideias no palco. “Echoes”, então ainda chamada “Return of
the Son of Nothing”, via a luz do dia e sentia a pulsação do público.
“Quando eles voltavam, estavam em forma, porque a tinham tocado ao
vivo”, recorda-se Leckie. “Ela foi concebida como uma coisa grande, com
diferentes andamentos. Então foi gravada dessa maneira.”
Recuperada dos diversos “nadas”, havia uma ideia de Richard Wright.
Uma única nota era tocada no piano e passada por um alto-falante Leslie, um
recurso normalmente usado com um órgão Hammond, contendo uma sirene
rotativa, que impulsionava o som. A nota – como o sibilo sombrio de um sonar –
anunciava o começo de “Echoes”. Deste ponto, outros “nadas” colocados juntos
– uma melancólica frase de guitarra, o grito assustador de pedais sonoros, a
atmosfera do desfecho final – chegavam à música concluída.
“Também fizemos isso com dois gravadores”, diz John. “Você pega duas
máquinas, uma de cada lado da sala e passa a fita em uma. Então a leva para a
outra, grava na primeira, e toca mais uma vez na segunda. O que ocorre é um
atraso. O final de “Echoes”, quando as vozes aumentam, é um fragmento desta
técnica.”
“Echoes” tinha estrutura, um senso maior de propósito e uma melodia mais
forte do que qualquer um dos épicos anteriores do Floy d. Mesmo se o processo
de juntar tudo tenha sido trabalhoso.
“Havia períodos de longos silêncios e fastio”, admite Leckie. “Eles eram
jovens elegantes de Cambridge, afinal, e não eram nada bobos. Queriam que
tudo fosse feito da forma correta. Eram bastante críticos com o timbre, com a
afinação e com o que cada um deles estava tocando. Sempre fuçavam no
equipamento, tentando fazer com que as coisas soassem melhor. Roger e Dave
eram, sem dúvida, os líderes. Eram os que diziam a todos o que queriam. Rick
Wright sentava-se no fundo e não falava nada por dias, mas o seu piano, quando
atacado, era sempre um ponto alto das sessões.”
Ao falar com a imprensa antes do lançamento de Meddle, Waters foi
visceral na crítica que fez sobre a atual situação da banda. “Estou entediado com
a maior parte das coisas que tocamos.” Acima de tudo, ele estava determinado a
tirar a música do Floy d do rótulo de “rock espacial”. Na turnê americana, na qual
os seguidores da banda, mergulhados no imaginário cósmico musical, pediam
que eles tocassem algumas músicas antigas favoritas como “Astronomy
Domine” e até “See Emily Play ”, Waters responderia com as palavras ácidas:
“Vocês devem estar brincando!”.
Waters havia sido arrebatado pela crueza e candor do álbum lançado no
ano anterior, da Plastic Ono Band, de John Lennon, um disco inspirado na terapia
do grito primal à qual Lennon havia sido submetido a fim de superar alguns
problemas de sua infância. Parte do expurgo do Floy d envolveria Roger
escrevendo letras que ligavam o grupo ao mundo real, mesmo se eles não
pudessem espelhar a abrasividade da música da Plastic Ono Band, e ainda
tivessem que confiar no que Ron Geesin chamou de “um pouco suave”.
Entrevistado em 2004, Waters revelou que a inspiração para a letra de
“Echoes” veio do senso de falta de conexão que ele experimentou durante seus
primeiros anos vivendo em Londres, que se seguiram à turbulenta saída de Sy d
da banda. Waters e sua futura mulher, Judy Trim, tinham se mudado para um flat
em Shepherds Bush, na parte oeste de Londres. Uma janela do apartamento dava
vista à movimentada Goldhawk Road, onde o casal via uma procissão de pessoas
indo para o trabalho pela manhã e retornando à noite. As letras descrevem os
estranhos passando pelas ruas e, conforme ele explicou, “tudo se refere a fazer
conexões com outras pessoas; sobre o potencial que os seres humanos têm de
reconhecer a humanidade uns dos outros”. Ironicamente, apesar da distância
gélida que se desenvolveria entre alguns dos músicos, o tema da comunicação,
de chegar um ao outro, seria a base para onde a banda retornaria de forma
obsessiva.
Enquanto “Echoes” ocupava a segunda metade do álbum, a primeira
continha cinco novas canções. Duas delas, “A Pillow of Winds” e “Fearless”,
foram creditadas a Waters e Gilmour, o que significava a primeira colaboração
de ambos desde o single de 1968, “Point Me at the Sky ”. Ambas as canções
parecem peso-leve e entram em forte contraste com todo o rock ácido do
movimento Sturm und Drang de apenas três anos antes. “A Pillow of Winds” era
uma adorável barulheira acústica (seu título supostamente tirado do jogo de
tabuleiro mah jong, do qual a banda era entusiasta), cantada de forma suave por
Gilmour, e sugeria seu protagonista vivendo uma viagem induzida por cânhamo.
“Fearless” (de acordo com John Leckie, “o destaque do primeiro lado”)
fazia uso parecido de violões, mas a letra de Roger sobre encarar as adversidades
a despeito das probabilidades a tornava mais agressiva. As guitarras
eventualmente desaparecem para ser substituídas pelas vozes combinadas do
‘Kop Choir’ do Liverpool FC para o refrão de “You’ll Never Walk Alone”; uma
brincadeira interna feita com o baixista, que na época era fã do Arsenal FC.
A composição solo de Waters, “San Tropez”, era uma excursão cadenciada
com pegada de jazz e Wright tocando seu instrumento no estilo piano bar, com
seu escritor saudando as alegrias de beber champanhe durante a ceia e fazendo
muito pouco naquele hotspot da França.
Se “San Tropez” soava delicada, “Seamus” era positivamente
inconsequente. Os créditos da canção foram divididos igualmente entre os quatro.
Aqui, Gilmour canta blues e toca gaita, pontuado pelos uivos e latidos de um
collie chamado Seamus, que pertencia ao frontman do Humble Pie, Steve
Marriott. (Gilmour tomava conta do cachorro enquanto Marriott estava em
turnê.) Como Leckie admite, “foi bem engraçado quando Dave tocou a gaita e o
cachorro começou a uivar, mas devo admitir que fiquei surpreso ao escutar isso
no álbum concluído”.
1 Termo inglês que se refere a jovens de classe média alta que adotam estilo que
os distingue pela discrição e elegância. (N. T.)
2 “o espaço entre amigos”. (N. T.)
3 Estilo de música coreana. (N. T.)
4 “Um dia desses te pico em pedacinhos.” (N. T.)
5 Seguidor de Swaminaray an, a figura central do hinduísmo moderno. (N. T.)
CAPÍTULO SEIS CARRO NOVO, CAVIAR
Com mais uma turnê americana pendente, o Floy d tirou a maior parte do
verão de folga; juntos, um grupo formado por Gilmour, Waters, Wright (Nick
Mason ficou para trás, já que Lindy estava grávida do primeiro filho do casal),
Steve O’Rourke, namoradas, esposas, colegas de drogas e parceiros de trabalho
zarpou para Lindos. Lá, alugaram um bote, pousaram em uma casa de campo,
tomaram banho de sol, beberam, fumaram, jogaram infinitas partidas de gamão
e travaram discussões com as convidadas Germaine Greer, autora do recente
livro feminista, A mulher eunuco, e a artista Caroline Coon, uma contemporânea
da época do clube UFO, que tinha montado o fundo de caridade Release no
começo dos anos 1960.
“Eu estava em êxtase por finalmente tirar algumas semanas de folga
naquele verão”, diz Caroline. “Mas acabei na fortaleza do Pink Floy d, em Lindos.
Eu vinha de um ambiente de classe alta, mas tinha sido expulsa de casa aos 18
anos, e estava absolutamente pobre. Tive uma discussão terrível com Roger
Waters. Falava sobre como havia necessidade de os ricos darem dinheiro aos
pobres, e como bandas de rock deviam fazer mais shows beneficentes. Roger
disse algo horrivelmente mordaz, comentando que o motivo de o país estar em
declínio – com os sindicatos em greve – era a preguiça da classe trabalhadora.
Eu o contradisse e ele devolveu algum comentário presunçoso.”
Sem que soubesse na época, a riqueza pessoal de Roger Waters estava para
crescer de forma imensurável. Apesar do bálsamo nas cercanias de Lindos, os
negócios não podiam esperar. A falta de progresso do Floy d nos Estados Unidos
já vinha sendo motivo de descontentamento havia um bom tempo. A banda tinha
contrato com a parceira e subsidiária da EMI, Capitol, mas estava definhando na
Tower Records, um braço que lidava principalmente com jazz e folk, mas sem o
sinal distintivo da Harvest Records no Reino Unido. O Floy d tinha mais um
álbum, Dark Side of the Moon, para entregar em seu contrato com a Capitol e,
durante o verão de 1972, estava no mercado em busca de um novo acordo.
Jeff Dexter, antigo DJ do Middle Earth, empresariava a dupla de rock-folk
America e dividia um escritório com Steve O’Rourke, que também estava em
Lindos com o Floy d e seus amigos. O disco de estreia do America tinha sido
lançado naquele ano pela Warners, e a proximidade de Jeff Dexter com os
empresários do Pink Floy d era tal que ele ajudou a colocar na jogada o novo
presidente da empresa, Joe Smith. O chefe da Atlantic Records, Ahmet Ertegün,
que já assinara com o Led Zeppelin para o selo, apertou o cerco. Ambos os lados
tinham ciência do sucesso da banda fora dos Estados Unidos e, com a Atlantic e
Warners se fundindo para virar o grupo WEA, acreditava-se que eles poderiam
fazer com que a banda entrasse para valer no país.
Enquanto isso, a Capitol tinha nomeado um novo presidente, ex-aluno das
universidades de Délhi e Oxford, Bhaskar Menon, que estava determinado a
suspender o registro de resultados ruins com o Floy d.
“Steve O’Rourke entrou na jogada”, diz Dexter hoje. “Ele queria que todos
soubessem dos negócios em andamento. Entre Joe, Ahmet e Bhaskar Menon,
Steve promoveu um tipo de leilão por alguns meses... havia só um telefone na
casa inteira, e ele ficava a um quilômetro de distância da praia. Tínhamos um
apelido para o cara que tomava conta da mesinha do telefone. Nós o
chamávamos de Yani Ring Ring. Sempre que recebíamos uma chamada, Yani
ficava em pé no quintal e gritava de lá para onde quer que estivéssemos deitados
na praia... Claro, eu ficava indo e voltando o dia inteiro, atendendo as chamadas
telefônicas, as deles e as minhas. Um dia, estávamos na praia, e veio uma
chamada para Steve, de Ertegün. Steve disse: ‘Olha, Jeff, você tem que falar
com eles por mim. Fale com Ahmet e mande ele se foder’. Ahmet e Joe Smith
acharam que iam conseguir o Pink Floy d.”
Foi um exemplo bombástico da tenaz defesa que O’Rourke imprimia à
banda. Mas suas atitudes tiveram consequências. “Às vezes me pergunto o que
fez com que o Floy d mantivesse Steve”, questiona Storm Thorgerson. “Mais
tarde, Roger o condenou. Ele era muito útil para o grupo. Infelizmente, as
negociatas que foram úteis com as gravadoras ou qualquer outro que quisesse
abusar do Floy d não eram assim tão positivas quando voltadas para as pessoas
mais próximas e queridas. Ele não precisava ser fanfarrão comigo, mas era.
Steve mostrou qualidades, senão eles não o teriam mantido, mas tais qualidades
não precisavam ser sempre utilizadas dentro do círculo corporativo de amigos.”
No final, nem Ahmet Ertegün nem Joe Smith assinaria com o Pink Floy d.
Com 14 datas agendadas na América do Norte, multiplicavam-se as
oportunidades para divulgar o novo álbum para o público. Alan Parsons havia
agora sido recrutado para tomar conta do som dos PAs, iniciando uma tendência
no Floy d de ter seus engenheiros de som excursionando com a banda. Estimulada
pelo sucesso de Obscured by Clouds, a popularidade do grupo começou a crescer
nos Estados Unidos. Em setembro, eles foram agendados no festival aberto
Holly wood Bowl. Bem maior que as casas para 12 mil lugares onde tocavam
normalmente, o show não esgotou, mas foi um espetacular mostruário tanto para
seu novo trabalho quanto para seu mais arrebatador show de luzes até então.
“Contratamos quatro daqueles holofotes usados em pré-estreia de cinema”,
disse Gilmour. “Nós os colocamos no backstage apontados para o céu, criando
uma pirâmide sobre o palco.” Em dois anos, a banda levaria a ideia da pirâmide
de luz a outro nível.
De volta à Inglaterra, eles lotaram o Wembley Empire Pool em um show
beneficente para as entidades War on Want e Save the Children, inundando o
palco com gelo seco, lançando bombas de luz e ateando fogo ao amado gongo de
Roger Waters em um grand finale para “Set the Controls for the Heart of the
Sun”. Ao fazer a resenha do show, a Sounds aclamou uma “impecável
demonstração do que é a música psicodélica”.
O show em Wembley interrompeu outra explosão de atividade no Abbey
Road, conforme a banda progredia com as músicas que não tinham abordado
durante o verão. Duas peças instrumentais, “The Travel Section” (originalmente
chamada de “The Travel Sequence” e depois intitulada “On the Run”) e “Any
Colour You Like”, foram gravadas. A primeira ainda era uma jam convencional e
iria passar por uma transformação radical antes que o álbum estivesse concluído.
“Any Colour You Like” fazia a ponte necessária entre “Us and Them” e a
penúltima “Brain Damage”, mas não era crucial para a narrativa do álbum.
“Costumávamos fazer jams longas no palco”, contou Gilmour. “Intermináveis,
diriam alguns, e provavelmente com razão... Mas foi de algo assim que essa
música nasceu.” Uma jam em dois acordes, dominada por Gilmour e Wright, o
guitarrista tocou em um par de alto-falantes Leslie com o propósito expresso de
capturar o mesmo som que Eric Clapton conseguira chegar com a música do
Cream, “Badge”.
Em “Brain Damage”, Waters fez seu primeiro vocal principal do álbum
(“para cantar, ele era muito tímido”, disse Gilmour, “então tentávamos
encorajá-lo”). Se a voz de Waters não era tão forte quanto a de seu colega de
banda, ele teve o benefício de ser apoiado por quatro cantoras, contratadas para
as sessões. A compositora inglesa Lesley Duncan já tinha cantado para Dave
Clark Five e Donovan, e vira suas próprias canções serem gravadas por Elton
John e Olivia Newton-John. Liza Strike era outra prolífica cantora de estúdio que
aparecera no álbum de Elton John de 1971, Madman Across the Water. Barry St
John era mais uma das backing vocals de Elton. Americana e morando em
Londres, ela também tinha cantado no primeiro álbum solo de Daevid Allen,
fundador do Soft Machine.
Para completar o quarteto havia Doris Troy, nascida em Nova York que
vinha gravando desde o final da década de 1960, após ter sido descoberta por
James Brown. Ela lançou um álbum solo pelo selo dos Beatles, Apple, em 1970, e
tinha feito os backing vocals das músicas dos Rolling Stones, Let It Bleed. Um
talento formidável com igual presença, Doris atuava com constância no Abbey
Road e tentava esconder sua inabilidade de ler música ao jogar para o lado
qualquer partitura que fosse colocada na sua frente durante a sessão, dizendo:
“Tire isso daqui. Não preciso dela!”.
Além de “Brain Damage”, o quarteto marcou presença em “Us And
Them”, “Time” e no momento dramático de fechamento do álbum, “Eclipse”,
que tinha um convincente estilo gospel improvisado. “Dave Gilmour estava
comandando a sessão”, contou Liza Strike ao escritor John Harris. “Ele sabia
exatamente o que queria. Mesmo quando estávamos improvisando, ele me dizia
o que cantar.”
Gilmour também foi importantíssimo para a contratação do saxofonista
Dick Parry para as sessões de junho. Dick era músico de jazz e conhecido do
circuito de clubes de Cambridge (“parte da máfia de Cambridge”, de acordo
com Nick Mason). Ele e Gilmour tinham tocado com frequência durante as
sessões noturnas aos domingos no Dorothy Ballroom, na década de 1960.
Contudo, o recrutamento de Parry foi baseado em algo que ia além de seu
talento musical. “Não conhecíamos ninguém”, admitiu Rogers. “Éramos muito
insulares em vários aspectos. Realmente não sabíamos como chegar a um
saxofonista. E pode ser tedioso trazer aqueles músicos de estúdio profissionais.
Um pouco intimidador.”
Parry fez um solo gentil em “Us and Them”, pontuando os versos e
refrãos, embora não se intrometesse com o resto do instrumental. Em “Money ”,
ele veio mais pesado, igualando o solo áspero de Gilmour com uma explosão de
metal que cumpriu a instrução rudimentar que recebera da banda de tocar algo
como o saxofonista em desenho animado que apareceu ao lado do tema musical
para os anúncios de Pearl and Dean nos cinemas da época.
Sem se deixar abater por ter sua ideia anterior para “The Great Gig in the
Sky ” rejeitada, Alan Parsons encontrou uma resposta mais positiva para sua onda
cerebral seguinte. Pouco antes de começar a trabalhar em Dark Side of the
Moon, Parsons havia feito uma gravação para demonstrar os efeitos do som
quadrifônico, reunindo vários sons de relógios. “Fiz as gravações em uma antiga
relojoaria não muito longe do estúdio”, ele contou. “Saí com um gravador portátil
e fiz com que o dono da loja parasse todos os relógios para gravar um de cada
vez. Depois juntei todos no Abbey Road.”
Os carrilhões, campainhas e alarmes seriam então costurados no começo
de “Time”. Seguindo o explosivo barulho, garantia de sacudir até o mais chapado
dos ouvintes de seu torpor, veio outro som novo. Assim como a banda tinha usado
instrumentos deixados no Abbey Road em The Piper at the Gates of Dawn, um
conjunto de rototoms descoberto no estúdio acabou sendo incluído em “Time”.
Eram tambores individuais e timbres variáveis que podiam ser afinados em uma
tonalidade específica. Contra a guitarra de Gilmour e o piano de Wright, Mason
mandou uma sequência de batidas nesses tambores afinados, aumentando a
tensão por mais de dois minutos antes que o primeiro verso começasse.
No final do mês, com mais trabalho no álbum ainda a ser feito, a banda
estava de volta à estrada. Afinal, havia um balé para ser executado.
Por melhor que poderia ser, ainda havia a questão de fazer o novo álbum
vender. Pelo menos nos Estados Unidos. Em 1971, Bhaskar Menon tinha se
mudado para Los Angeles para assumir o cargo de presidente da Capitol
Records. Menon fora nomeado para resolver o problema do baixo desempenho
do selo, cortando imediatamente sua lista de artistas e se concentrando naquilo
que acreditava ter futuro.
Menon era fã do Pink Floy d, mas também entendia que os Estados Unidos
não entraram em sua onda. “Faixas extremamente longas, ruminações
filosóficas e alguns temas demasiado ingleses – tudo isso ficava fora do radar do
Top 40 das rádios americanas”, ele conta hoje. “Os Estados Unidos ainda
estavam saindo do período de música pop da era Eisenhower. A rádio FM, ainda
em desenvolvimento, era quase tida como uma sociedade underground, como
uma loja que vendesse drogas ilegais.”
Bhaskar percebeu que os departamentos de marketing e promoção da
Capitol não estavam tão familiarizados com a música da banda quanto o público
e, em alguns casos, se intimidavam com o sucesso que ela fazia no exterior. “O
selo lutava para se ajustar aos mercados pós-Glen Campbell e Beach Boy s”, ele
diz. “Eles simplesmente não o entendiam.”
Dark Side of the Moon era o último álbum do Pink Floy d em contrato com
a Capitol. Apesar do acordo proposto pela Warners e Atlantic, o qual Steve
O’Rourke rejeitou em Lindos, a banda tinha concordado em assinar com a
Columbia nos Estados Unidos, com um rumor de que o adiantamento seria de um
milhão de libras. O presidente do selo, Clive Davis, era uma presença forte na
indústria e tinha assinado com Janis Joplin e Santana, e depois contrataria Bruce
Springsteen (eventualmente, Davis sairia de cena assim que o Pink Floy d
assinasse o contrato, mas acabou removido do cargo após descobrirem que ele
havia pago o bar mitzvah do filho com dinheiro da Columbia). Apesar disso,
Bhaskar Menon voou para a França em 1972 para assistir ao show do Pink Floy d
com o Ballet de Marseille e falar de negócios com Steve O’Rourke.
O grupo e seu empresário não haviam contado a Menon que o Pink Floy d
não renovaria seu contrato com a Capitol. “Na nossa maneira de ser de não
estabelecer confrontos, simplesmente esquecemos de mencionar aquilo”,
escreveu Nick Mason depois. Entretanto, Bhaskar garante que já sabia de tudo.
“Eu tinha ciência do que estava acontecendo com a Columbia, mas não via muito
valor em partilhar aquela informação com o Pink Floy d.”
Somados aos problemas de Menon, Steve O’Rourke também tentava liberar
a banda de seu contrato, o que permitiria ao Pink Floy d ser dono efetivo de Dark
Side of the Moon e poder vendê-lo à Columbia. O’Rourke acreditava que a Capitol
concordaria em troca de um acordo de longo prazo com a banda por territórios
fora da América do Norte. Menon propôs uma aposta. “Apostei com Steve meu
relógio Casio contra seu valiosíssimo Rolex que ele jamais conseguiria dividir o
império da EMI”, Menon ri. “Eu queria garantir que o momento que tivemos
com Obscured by Clouds continuasse. Certas pessoas poderiam ter dito: ‘Por que
gastar sua energia com isso?’. Mas não era em cima dos meus interesses ou dos
acionistas da Capitol que seguia em frente. Eu queria aquele álbum.” Uma
reunião que varou noite seguiu-se em um bar argelino decadente e um
restaurante próximo ao hotel da banda, em Marselha. “Afinal, fechei um acordo
para o álbum pouco antes de o sol nascer”, diz Menon, “resgatando Steve da
perda de seu valioso relógio e eu de ter que comprar outro Casio no free shop.”
Por já ter tirado várias bandas de sua lista, Menon estava livre para destinar
recursos ao departamento promocional da Capitol que estava por trás do novo
álbum do Floy d. Sua diligência e crença no disco que ele alega “ser tão
importante quanto o Sgt Pepper” compensaram. Dark Side of the Moon alcançou
o primeiro lugar nas paradas dos Estados Unidos. O disco chegou ao segundo
lugar na Inglaterra, número 1 na França e Bélgica, e número 3 na Austrália, com
colocações similares no Brasil, na Alemanha e na Espanha.
De volta à estrada nos Estados Unidos, em março, uniu-se à banda o
saxofonista Dick Parry e três backing vocals, as irmãs Phy lliss e Mary Ann
Lindsey, e Nawasa Crowder, todas vindas de turnês com o compositor e pianista
americano Leon Russell. O DJ Jeff Dexter juntou-se ao pessoal em Nova York e
encontrou a banda e sua equipe de alto astral. Enquanto as esposas faziam
compras procurando antiguidades, Gilmour e Waters travavam altas partidas de
gamão. Em meio a tudo, foram a um jantar em sua homenagem no luxuoso Four
Seasons Restaurant.
“Era um daqueles negócios típicos de buffets”, recorda-se Jeff Dexter.
“Um dos garçons colocou uma colher cheia de caviar no prato de Dave Gilmour.
Ele perguntou se podia repetir e lhe disseram: ‘Acho que não, senhor’. Àquela
altura, alguém da gravadora se intrometeu: ‘Se o cavalheiro quer mais, então lhe
deem o quanto quiser’. Dave pegou a concha e se serviu. Então se virou para
mim e disse: ‘Se eu posso bancar isso, eles podem bancar isso também’.”
No Radio City Music Hall de Nova York, a entrada do Pink Floy d em cena
se deu por volta de uma da manhã, e foi tão portentosa e dramática quanto seu
novo álbum exigia. Uma plataforma elevada os transportava ao nível do palco,
onde eles se materializavam como divindades hippies desalinhadas, com fumaça
colorida ao redor dos pés, luzes ardentes e um sistema quadrifônico com vinte
alto-falantes retransmitindo os vibrantes batimentos cardíacos e relógios
histéricos de Dark Side of the Moon para um público arrebatado. Jeff Dexter diz:
“Foi um dos maiores shows de todos os tempos”.
Uma recepção feita tarde da noite no hotel culminaria com Jeff e o mago
das luzes do Floy d, Arthur Max, andando de elevador “vestindo roupas de
comunistas chineses, lendo em voz alta a obra do líder Mao, O livro vermelho”.
De volta à Inglaterra, os heróis conquistadores esgotaram duas noites no
Earls Court, em Londres. Assim como nos Estados Unidos, eles bombardearam o
público com luzes cegantes, gongos em chamas e quantidades industriais de gelo
seco, fazendo com que um crítico comparasse o palco com uma “explosão
macbethiana”. Dessa vez, a backing vocal do Dark Side of the Moon, Liza Strike e
sua colega cantora Vicki Brown fizeram o acompanhamento. Clare Torry
recebeu dois ingressos em cortesia para o show, mas achou uma experiência
emocional demais. “Acabei chorando quando eles tocaram ‘The Great Gig in the
Sky ’. Eu achava que ela era minha e que era eu quem merecia estar lá. Aquilo
me machucou muito por anos.”
Torry voltaria a participar da canção com o Pink Floy d, incluindo uma
performance de destaque em Knebworth Park, em 1990. Depois, ela alegaria
que merecia créditos de composição pela música. Em 2005, o caso foi
finalmente julgado em seu favor, embora ela seja proibida de revelar qualquer
detalhe monetário sobre o acordo. Desse ponto em diante, “The Great Gig in the
Sky ” passou a ser creditada a Richard Wright e Clare Torry.
A visita do Floy d ao lar seria breve. Havia mais datas agendadas nos
Estados Unidos no mês de junho. Depois de emplacar um álbum como número 1
na América e ficar em evidência, ter um hit de sucesso os levaria a um estágio
completamente novo. Embora “Free Four”, de Obscured by Clouds, tivesse sido
lançada nos Estados Unidos como um single, a banda não queria fazer o mesmo
com nenhuma outra canção de Dark Side of the Moon. Bhaskar Menon pensava
diferente. O sucesso do álbum os tinha tornado uma cause célèbre para o público
sério dos Estados Unidos, mas um Top 40 hit permitiria que eles alcançassem o
coração do país e um tipo diferente de compradores de discos, todos de uma vez.
“A canção escolhida foi ‘Money ’. Era a opção óbvia. Embora eu tenha
trabalhado firme para persuadir o grupo e Steve O’Rourke de que era a coisa
certa a ser feita”, diz Menon.
“No começo, eles não concordaram, porque a fórmula de compasso era
muito incomum”, recorda-se Jeff Dexter. “Eu a toquei na Roundhouse e pude ver
o quanto ela funcionava bem. Dava para perceber que seria um single
monstruoso. Mas acho que na época o Pink Floy d estava procurando copiar o Led
Zeppelin, que estava vendendo toneladas de discos sem ter que passar por toda
aquela merda com o rádio.”
Para a banda em si, a memória de seu último single, o desastroso “Point
Me at the Sky ”, de 1968, ainda estava muito recente. “Decidimos que, se o
público não queria comprar nossos singles, não os faríamos mais”, diz Nick
Mason. “Não achávamos que aconteceria alguma coisa com ‘Money ’. E, de
repente, aconteceu”, admitiu Richard Wright.
Uma versão mais curta da música, com a palavra “bullshit” editada para
apaziguar programadores de rádios hipócritas, foi lançada nos Estados Unidos em
7 de maio. No final do mês seguinte, ela tinha subido para o número 26. Com a
cobertura do Top 40 das rádios americanas, ela foi levada aos lares de pessoas
que não compravam discos e não eram fãs do Floy d. E assim a canção
finalmente chegou ao número 13. A letra provocativa, na qual uma banda de
rock-n’-roll que estava prestes a ficar muito rica cantava sobre ganância e
egoísmo, trazia a guitarra aguda de Gilmour, o saxofone igualmente gritante de
Dick Parry e o andamento torto, porém contagiante, num ritmo funk – tudo
ajudou para que a música se tornasse fantástica ao ser tocada na rádio.
Não demorou muito para tamanha onda carregar a banda. Em junho, o
Pink Floy d voltou aos Estados Unidos para onze datas, indo de Nova Jersey até a
Flórida. Na noite de abertura, no Union City Roosevelt Stadium, eles quebraram
todos os recordes de bilheteria. Em Detroit, Ohio e Kentucky, a maior parte dos
ingressos para o shows se esgotou, e a reação do público era a mesma em todos
os lugares que tocavam. Onde antes o fiel fã do Floy d se sentaria, contemplando
os vinte minutos de viagem mental de “Echoes”, agora havia jovens barulhentos
e animados e, conforme Gilmour explicou resmungando, “prontos para o
boogie”.
“Em todos os lugares em que tocávamos, de repente, nos víamos
confrontados com um público que só queria escutar o grande sucesso”, disse o
guitarrista. Eles queriam dançar, beber cerveja e se divertir. E queriam escutar
‘Money ’. “Era só isso que ouvíamos durante todo o show, até que finalmente
fossem atendidos: ‘Money ’... toquem ‘Money ’...”
O impensável tinha acontecido: os membros do Pink Floy d, agora eram
astros pop. A partir daí, só poderia ir ladeira abaixo.
“Foi por isso que fiquei no grupo: me preocupava com os outros – o que
seria deles?”
Roger Waters
Em uma sala privada no clube londrino exclusivo para sócios, The Groucho,
Richard Wright mostra os modos gentis de um professor de escola pública
aposentado. Ele tem aquele ar ausente que se esperaria encontrar em alguém
que passou a vida adulta em uma instituição de ensino. Você meio que espera ver
pó de giz em seus cotovelos. É 1996, e o tecladista do Pink Floy d está com 54
anos. O garoto propaganda das camisas psicodélicas de 1967 que só perdia para
Sy d Barrett se foi, assim como seu visual barbudo de 1972 no Live at Pompeii. O
cabelo de Wright já está completamente branco, e apesar de seus jeans e botas
não serem de grife, você suspeita que o casaco pendurado nas costas de uma
cadeira próxima é de alta classe e além de suas posses.
Na conversa, ele parecia nervoso, constrangido, reticente e contido. Wright
estava lá para falar sobre seu novo disco solo, que em poucos meses iria
desaparecer completamente do radar de todos, exceto do mais dedicado fã do
Pink Floy d. Contudo, é um álbum cheio de tiques auriculares e momentos de
familiaridade que faz com que você busque nos confins de sua mente a canção
do Pink Floy d que ele o faz recordar.
Quando você pergunta a Wright qual álbum do Floy d ele considera o
melhor, já sabe a resposta. Agora de volta ao grupo como membro em tempo
integral, ele não se importa em se inscrever na linha partidária de David
Gilmour: o novo Floy d está no mesmo nível do antigo. Os gostos de Wright são
estritamente voltados para a velha guarda.
“Dark Side of the Moon e Wish You Were Here”, ele responde. “Mas se eu
fosse forçado a escolher um, Wish You Were Here.”
“Ou Wish You Weren’t Here”, como Roger Waters certa vez o chamou,
lembrando-se de forma maldosa da atmosfera no estúdio quando ele foi feito. O
Pink Floy d tinha terminado 1973 tocando em um concerto beneficente para o
baterista do Soft Machine, Robert Wy att, que havia quebrado a coluna após cair
de uma janela, mas antes do Natal, eles se reuniram no Abbey Road e
começaram a brincar de novo com o projeto Household Objects, na gaveta
desde 1971. A posição número 1 do Dark Side of the Moon e o single de sucesso
“Money ” foram o começo do que Nick Mason chamaria depois de “a política da
terra queimada do Floy d”, mas contrariamente eles tinham voltado para tentar
fazer música a partir dos copos de vinho, serras, rolos de fita adesiva e baldes
com água.
“Eu me lembro de um elástico sendo alongado entre dois objetos para criar
um som de baixo, com palitos de fósforo usados como trastes”, diz o engenheiro
Alan Parsons. “Na verdade, sempre fiquei desapontado por aquilo nunca ter dado
em nada.”
De fato, era uma tática de atraso, um ardil para fazer com que a banda
sentisse que estava criando alguma coisa, mas sem ter que escrever novas
canções de verdade. Contudo, algo foi recuperado das sessões: o som agudo
produzido por um dedo na borda de um copo de cristal tornou-se o ponto de
partida de uma das canções de mais sucesso do Floy d.
No decorrer de 1974, o grupo se dispersou para passar um tempo com suas
famílias ou para testar a vida musical fora da esfera do Floy d. Nick Mason
produziu um álbum para os roqueiros folk do Principal Edwards Magic Theatre,
antes de fazer o mesmo pelo disco de Robert Wy att, Rock Bottom, e seu hit de
sucesso, um cover do The Monkees, “I’m a Believer”. David Gilmour produziu a
banda Unicorn, de Cambridge, entre outras tarefas ocasionais como tocar
guitarra para o conjunto de Tim Renwick e Willie Wilson, Sutherland Brothers
and Quiver. Foi por meio do Unicorn que Gilmour conheceu uma cantora e
compositora adolescente desconhecida, Kate Bush, que gravava suas demos em
um estúdio caseiro.
Gilmour mudou-se para uma casa na cidade, em Notting Hill, Mason foi
morar em Highgate, alguns quilômetros acima da estrada de Camden, e Wright
comprou uma casa de campo em Roy ston, perto de Cambridge, onde instalou
seu novo estúdio, The Old Rectory, que se tornaria o preferido de muitas bandas
locais. O tecladista do Floy d até chegou a participar de um show beneficente
para a Associação de Pais e Mestres do vilarejo vizinho Therfield. Foi um evento
que viu o cocriador de Atom Heart Mother, Ron Geesin, tocando um tema
improvisado com uma cadeira dobrável e um pedaço de cano. “O pessoal do
vilarejo que compareceu ficou totalmente assombrado”, lembra-se um colega
dos músicos.
As festas na casa de Wright eram generosas e hedonistas. “Teve uma
época em que ir à casa de Rick e Juliette era muito divertido”, recorda-se Jeff
Dexter. “Acho que no aniversário de 30 anos de Rick eu fiz uma viagem do tipo
Kesey. Teve também um concurso de beleza naquela noite, com alguns cross-
dressers usando roupas brilhantes e levando tudo muito a sério. Um colega doidão
achou que seria uma boa ideia que eles caíssem na piscina, então jogamos
muitos deles na água.”
O portfólio de propriedades do Floy d iria se expandir ainda mais ao longo
dos dois anos seguintes: Wright e Gilmour compraram casas de campo em
Rodes, e Mason adquiriu um lugar no sul da França. Enquanto isso, Waters
comprou uma casa de campo em Volos, na costa da Grécia, que rapidamente se
tornou o projeto do coração de sua mulher.
“Tive de aceitar, àquela altura, que havia me tornado capitalista”, admitiu
Waters em 2004. “Não podia mais fingir que era um socialista de verdade.” Ele
salvou sua consciência esquerdista ao doar um percentual dos ganhos para
instituições de caridade.
A banda também adquiriu apartamentos em McGregor Road, Ladbroke
Grove. Gilmour permitiu que o administrador do Floy d, Peter Watts, vivesse em
sua propriedade lá após ele ter deixado de trabalhar para a banda. Iain ‘Emo’
Moore também frequentaria apartamentos de propriedade da banda durante os
anos 1970. “O Floy d deixava que pessoas conhecidas suas que estivessem em
dificuldade vivessem naqueles apartamentos por um aluguel bem barato. Eles
costumavam ser alugados ou emprestados”, recorda-se um visitante. “Eles
tinham aqueles princípios socialistas escrupulosos e realmente acreditavam que
aquilo era a coisa certa a ser feita, principalmente o Waters.”
Peter Watts tinha sido o mais antigo membro da equipe do Floy d, tendo se
juntado à banda seis meses antes de David Gilmour. Infelizmente, seu uso de
drogas o tornara um risco. Watts era repetidamente demitido por delitos como
usar Mandrax enquanto dirigia o carro da banda, mas sempre era recontratado.
O grupo pagou um curso de reabilitação para ele, mas sem efeitos duradouros.
Watts foi despedido em 1974 e morreu em agosto de 1976, no apartamento de
Gilmour, na McGregor Road. Sua filha, Naomi, se tornaria uma modelo e atriz
famosa.
A transmissão de The Pink Floyd Story foi programada para coincidir com
o lançamento do próximo álbum do Pink Floy d. Em abril de 1976, o Floy d
começou uma empreitada de oito meses no Britannia Row para gravar a
sequência de Wish You Were Here. Retornaram às duas canções que foram
rejeitadas para o último disco, “Raving and Drooling” e “Gotta Be Crazy ”.
Reexaminando as letras que tinha escrito quase dois anos antes, Waters acabou
rabiscando outro conceito. Se Wish You Were Here tinha sido dominado por sua
desilusão, então o álbum seguinte do Floy d o encontraria em um humor ainda
mais intransigente ecombativo.
O mundo ao seu redor raramente melhorava seu estado mental. Durante
um dos maiores e mais quentes verões registrados, a violência irrompeu no
Carnaval de Notting Hill, a celebração anual da cultura caribenha, da qual o
antigo empresário da banda, Peter Jenner, fora o primeiro tesoureiro. Policias
prenderam um batedor de carteiras perto da Portobello Road, fazendo com que
um grupo de jovens negros viesse em sua defesa. A tropa de choque encontrou
uma saudação de tijolos, garrafas e cones de trânsito. O incidente seria elogiado
na canção “White Riot” por uma nova e feroz banda de rock chamada The Clash.
O ambiente econômico e social influenciou a mudança musical da qual o
The Clash não era o único proponente. No meio da década de 1970, havia uma
crescente inquietação entre alguns críticos e fãs, que viam como uma atitude
complacente aquela das bandas de rock da superliga. A situação financeira do
Pink Floy d, sua indiferença geral e sua idade (os membros da banda estavam
agora na faixa dos 30 anos) fizeram dele um alvo para os críticos que
acreditavam que o rock deveria ser feito por bandas jovens e engajadas.
Em 1974, grupos surgiam dos dois lados do Atlântico, batalhando por um
retorno às canções curtas e pela morte do álbum conceitual. Em Nova York, os
Ramones cambaleavam pelo palco parecendo uma gangue de motoqueiros dos
anos 1960, tocando faixas que às vezes mal duravam dois minutos. Na Canvey
Island, em Essex, o Dr. Feelgood – todos com cabelos curtos e ternos apertados –
vendia a sua própria marca de R&B sujo e energético.
Não demorou muito para que outros chegassem, e a imprensa musical
começou a louvar os esforços de grupos de “punk rock” como The Clash, The
Damned e The Sex Pistols, cujas músicas de protesto não precisavam de um
sistema de PA quadrifônico para serem ouvidas de forma apropriada, e pareciam
estar a um mundo de distância da introspecção calculada do Pink Floy d. Apesar
disso, o Floy d dificilmente estava entre os piores criminosos ou os mais
criticados. Com seus álbuns gatefold, virtuosidade musical e conceitos artísticos,
Yes, Jethro Tull, Supertramp, Emerson Lake & Palmer e Genesis foram os
primeiros a ser colocados na linha de fogo.
Como os Ramones e o Dr. Feelgood, as bandas punk dispersaram o
antiquado senso de moda hippie da velha guarda. Barbas e viagens cósmicas
estavam por fora; a droga da vez era o speed (anfetamina), não marijuana. A
brevidade musical e a postura antiqualquer coisa as tornavam uma proposição
atraente aos fãs cansados de assistir a astros do rock milionários do tamanho de
palitos de fósforos, tocando na extremidade oposta de um estádio de futebol.
A equipe da Hipgnosis também entrou na linha de fogo do punk rock.
Aubrey ‘Po’ Powell estava fotografando a cantora pop Olivia Newton-John atrás
dos estúdios da Denmark Street quando escutou alguém tossindo catarro e
cuspindo de uma janela próxima. Era o cantor do Sex Pistols, Johnny Rotten (na
vida real um jovem de 20 anos, fã do Hawkwind, chamado John Ly don). A banda
e seu empresário, Malcolm McLaren, tinham se mudado para um espaço de
ensaios no mesmo prédio. Ao longo dos meses seguintes, Storm e Po iriam topar
regularmente com os aspirantes a roqueiros punks nos corredores do prédio.
Um dia, Ly don apareceu usando uma camiseta customizada do Pink Floy d.
Acima do logotipo do Floy d, ele tinha adicionado as palavras “Eu odeio”. Po se
recorda: “Eu disse: ‘Você tá tirando uma comigo?’. E ele respondeu: ‘Sim, com
você e toda aquela outra merda que vocês tocam’.” Acredite ou não, eles eram
muito educados e gentis a maior parte do tempo.
As acusações de complacência não eram infundadas. A jovem guarda de
1966 era agora a velha guarda de 1976. Um ano antes, o The Who tinha lançado
The Who By Numbers, um álbum altamente confessional no qual Pete Townshend
lamentava a própria transformação de sua banda de jovens ávidos para monstros
corporativos do rock. As letras de Townshend de outra canção do The Who,
“New Song”, criada em 1977, falam sobre fazer a mesma velha canção com
nova letra, a qual todos querem saudar – o que podia ter relação com Roger
Waters, que tinha dado voz a conceitos similares desde o sucesso de Dark Side of
the Moon. Ainda assim, enquanto Townshend lutava para se relacionar com
aqueles jovens novos astros – e acabaria se engajando com a boa vontade na
onda daquelas bandas punk que tinham crescido escutando The Who –, o Pink
Floy d permanecia indiferente. A distância crescente entre eles e seu público pode
ter perturbado Waters, mas, diferente de Townshend, ele não era dado a noitadas
de bebedeira no clube Roxy na companhia de membros do Sex Pistols. Ele vivia
resolutamente afastado.
“Quando foi o punk?”, cutucou Waters, em 1992. “Eu nem notei.”
Gilmour era mais acomodado. “Não acho que tenhamos nos sentido
alienados pelo punk, apenas não sentíamos que tinha alguma relevância em
particular para nós”, ele contou depois à NME. “Sempre fico maravilhado
quando escuto músicos ingleses, que eram grandes na era punk, dizendo que eles
adoravam tudo o que fazíamos – e isso inclui um membro do Sex Pistols! Não,
não vou contar quem é!”.
Nick Mason acabaria produzindo o segundo álbum do The Damned, Music
for Pleasure, no Britannia Row, em 1977: “Mas isso apenas porque eles queriam
que Sy d Barrett o fizesse. Obviamente, ele não estava disponível e acho que
ficaram bem desapontados de acabarem comigo”. O desejo The Damned de
criar, em suas palavras, “uma obra prima psicodélica punk” foi frustrado quando
seu baixista, Captain Sensible, caiu em si. “Nick Mason não era um cara
desagradável”, disse o Captain. “Mas lá estávamos nós, bancando a gravação
diariamente e dizendo: ‘Cacete, Nick, quase fui pego pelo cobrador de bilhetes
esta manhã’. E tudo o que ele podia dizer era: ‘Eu vim na minha Ferrari’.
Simplesmente não havia afinidade”.
Embora idade, riqueza e reputação estivessem contra ele, as preocupações
de Roger Waters – com desigualdade, preconceito, monetarismo desenfreado, o
entorpecimento do espírito humano – não haviam sido removidas do que algumas
bandas jovens estavam expressando. O álbum seguinte do Pink Floy d, Animals,
iria se harmonizar com a época mais do que qualquer um poderia esperar.
Em um rompante combinado de atividade durante toda a segunda metade
de 1976, Waters criou um novo conceito: um terrível mundo futurista no qual a
raça humana tinha sido reduzida a três subespécies: cães, porcos e ovelhas. Cada
qual tinha diferentes características desenhadas para refletir os pontos fracos e
preocupações dos seres humanos: a garra dos cães de caça; a tirania dos
despóticos porcos; e, inevitavelmente, as ovelhas estúpidas. O conceito foi pego
emprestado do romance de 1945 de George Orwell, A revolução dos bichos, no
qual a sociedade animal é uma alegoria para a União Soviética sob o regime de
Stálin. Na versão do Pink Floy d, as ovelhas acabam se amotinando para
conquistar seus opressores. Um tipo de final feliz para um conceito que nunca
realmente parece se unir tão bem quanto Dark Side of the Moon ou o próximo
disco conceitual do Floy d, The Wall.
“Em algum momento no meio das gravações, a coisa certa a fazer parecia
ser amarrar tudo”, explicou Waters. “Raving and Drooling” e “Gotta Be Crazy ”
seriam retrabalhadas no Britannia Row para se encaixar no tema do novo álbum.
A primeira se tornaria a canção “Sheep”, enquanto a segunda se tornaria “Dogs”.
Waters contribuiria com duas novas músicas, “Pigs (Three Different Ones)’” e
“Pigs On the Wing”. Mais uma vez, Waters foi o compositor dominante e o
homem das ideias.
Depois, alguns membros da banda afirmaram que a atmosfera foi melhor
do que em Wish You Were Here. Entretanto, Nick Mason disse que “Roger estava
em pleno fluxo de ideias, mas ele realmente estava mantendo Dave para baixo e
frustrando-o deliberadamente”. Parte dos problemas subsequentes entre os dois
estaria na distribuição dos royalties. Eles eram alocados por música e Gilmour
tinha crédito de coescritor em apenas uma faixa, “Dogs”, que era a canção mais
longa do álbum, tomando a maior parte do primeiro lado.
Na última hora, Waters apareceu com “Pigs on the Wing”, que ele logo
dividiu em duas, de forma que um verso abria o álbum e o segundo o fechava,
aumentando ainda mais seus royalties. Embora os outros possam ter se sentido
ofendidos por tal situação, ninguém estava levando coisas novas. Gilmour, por
sua conta, nunca foi o mais rápido ou mais prolífico dos compositores, e agora
ele tinha outra distração: Ginger tinha acabado de dar à luz a primeira filha do
casal, Alice. Nesse meio tempo, nem Mason ou Wright estavam contribuindo
com canções novas. No caso do baterista, isso ao menos era até comum, mas
considerando quantos créditos o tecladista teve em Wish You Were Here, algo
claramente tinha mudado.
“Foi em parte minha culpa, porque eu não empurrei meu material”, diz
Wright. “Ou eu fui preguiçoso demais para escrever algo. Mas Dave tinha
alguma coisa a oferecer e só conseguiu inserir um pouco do que podia ali.”
Na verdade, Wright estava distraído por problemas em seu casamento com
Juliette. Mas, para ele, as sessões de Animals também marcavam o começo do
declínio de seu relacionamento com Waters: “Animals foi um golpe. Não foi um
disco divertido de fazer, mas foi ali que Roger realmente começou a acreditar
que era o único escritor da banda. Ele acreditava ser o único motivo pelo qual a
banda ainda continuava e, obviamente, quando começou a desenvolver suas
viagens de ego, a pessoa com quem teria conflitos seria eu.”
A maioria das canções de Animals estaria entre as mais diretas e cáusticas
que Waters fizera até então. Mas se Gilmour estava, como Mason disse, sendo
“colocado para baixo” pelo baixista no que se tratava de créditos de
composições, ele compensou em sua explosiva performance. Gilmour fez alguns
de seus melhores trabalhos no álbum. Ele canta apenas uma música, a
colaboração que fez com Waters, “Dogs”, dando à letra azeda do baixista a
mesma maquiagem que “Welcome to the Machine” havia recebido, o que a
torna ainda mais afetada durante o processo. Embora o guitarrista admitisse
livremente que não partilhava da visão de mundo amarga que Waters tinha, ele
nunca deixa a máscara escorregar nesta cáustica destituição sobre corporações
famintas por dinheiro. Há algo quase insuportável na interpretação que Gilmour
dá ao verso Just another sad old man, all alone and dying of cancer....3 A canção
diminui o passo na metade, permitindo que Wright reprise os sons chorosos de
seu sintetizador usados em Wish You Were Here. Waters assume os vocais nos
versos finais, desfiando frases repetidas em um tom agudo, levemente
estrangulado (who was fitted with collar and chain).4 A natureza dessas palavras
levou a algumas comparações com o texto beatnik definitivo, lançado por volta
de dez anos antes, o poema de Allen Ginsberg “Howl” (who walked all night with
their shoes full of blood).5 Apesar de todas as acusações da imprensa musical de
complacência, essas não eram letras ou sentimentos que você encontraria
expressos no álbum de qualquer contemporâneo do Floy d.
“Pigs (Three Different Ones)” era mais breve, mais simples, mas não
menos desagradável. O ritmo funk metronômico e o repetitivo cowbell quase
deixam o ouvinte no estado mental da música do Free, “Alright Now”,
especialmente quando Gilmour começa a tocar alguns preenchimentos
blueseiros na batida. Na verdade, a canção tinha parentesco próximo com “Have
a Cigar”, de Wish You Were Here. Em seguida vem um monte de grotescos
barulhos, e Waters começa a cantar sobre os porcos tiranos, enquanto menciona
a ativista pró-censura, Mary Whitehouse. “Eu jogava fora aquele verso sobre
Mary Whitehouse”, disse Waters, “mas ele ficava retornando para mim.” Os
versos bus stop rat bag e fucked-up old hag também acabaram incluídos na
canção. A combinação de desprezo lírico e musicalidade prestigiosa faz com que
a canção soe ainda mais sórdida.
Embora “Sheep” seja novamente creditada apenas a Waters, é difícil
imaginá-la sem a contribuição de Gilmour. O humor selvagem do grupo aparece
com a inclusão do Salmo 23, se bem que modificado para celebrar um Senhor
que me fez pendurar-me em ganchos em lugares altos e me converteu em
costeletas de ovelha; no qual a ovelha incondicional – talvez uma metáfora para
os fãs incondicionais do Pink Floy d? – é levada a atacar seus mestres. A canção
foi vitimada pelo que Waters reclamou em Wish You Were Here, sobre “continuar
indefinidamente”, mas o solo de guitarra de fechamento que Gilmour faz, um
momento de puro heavy metal, justifica a espera. “Sheep” foi a única canção de
Animals a ser considerada para o repertório da banda quando ela se reuniu em
1987. Embora Gilmour adorasse o solo de guitarra, ele se recusou a tocá-la
alegando que jamais poderia cantá-la com a mesma quantidade de veneno que
Waters.
“Pigs on the Wing Part One” e “Part Two”, as adições de último minuto do
baixista em Animals, ofereciam um pequeno raio de esperança em meio a toda
retórica e o delírio. Os sentimentos por trás da canção foram inspirados por
eventos na vida de Waters fora da banda. “Estou apaixonado”, ele disse na época.
“O primeiro verso propõe a questão: Where would I be without you?.6 E o
segundo diz: In the face of all this other shit, I know you care about me and that
makes it possible to survive.” 7
Ela marcou a primeira vez que uma canção de amor completa aparecia
em qualquer álbum do Pink Floy d. O novo interesse romântico de Waters
chamava-se Caroly ne Anne Christie. Filha de um capitão militar, era sobrinha do
marquês de Zetland, parte da linhagem de Zetland-Dundas de donos de terras,
com propriedades na Escócia e em Yorkshire. O envolvimento dela na indústria
musical ia muito além do relacionamento que tinha com o baixista. Caroly ne
tinha trabalhado anteriormente na Atlantic Records e estava empregada pelo
produtor canadense de discos, Bob Ezrin, quando conheceu Waters. Ela também
ainda estava casada com seu segundo marido, Robert ‘Rock’ Scully, empresário
do The Grateful Dead. De acordo com Scully, em sua autobiografia Living with
the Dead, seu casamento de 1974 ocorreu apenas para que Caroly ne conseguisse
o green card e se juntasse ao Led Zeppelin na turnê europeia. A experiência de
Caroly ne e sua perspectiva – ela fazia parte da aristocracia britânica e era fã de
rock-n’-roll – não podiam ser mais diferentes da primeira esposa de Waters, Judy.
Roger e Judy não tiveram filhos juntos, mas em novembro de 1976 Caroly ne deu
à luz o primeiro filho do baixista, batizado de Harry.
Animals foi concluído no Natal. Dando um tempo em sua nova paternidade,
Waters voltou sua atenção para o assunto da capa. Em uma virada de eventos
sem precedentes, a Hipgnosis teve todas as suas ideias iniciais para a capa
rejeitadas. Entre diversas propostas apresentadas, estava um desenho de uma
criancinha de pijamas entrando no quarto dos pais e vendo-os fazer sexo
(“copulando... como animais!”, explica Storm Thorgerson).
Waters não ficou impressionado. “Não acho que o resto do pessoal tenha
achado essas ideias brilhantes também”, ele disse. “Havia aquela sensação de
‘bom, eu não gosto, faça algo melhor’. Então eu disse: ‘Ok, farei’. E pedalei pelo
sul de Londres em minha bicicleta com uma câmera e tirei algumas fotos da
Battersea Power Station.”
A estação de energia ao sul de Londres na época estava parcialmente
fechada e cessaria suas operações completamente em 1980. Atraído pelo que
Waters descreveu como a imagem “inumana e condenada” de um prédio, ele
propôs a ideia de um porco voador entre suas quatro torres. “É um símbolo de
esperança”, ele explicou, citando as ideias inspiradas pela mensagem mais
otimista contida em “Pigs on the Wing”.
A Hipgnosis concordou em ajudar a preparar a sessão de fotos. Waters já
tinha concebido a ideia de incluir um enorme porco inflável como parte do show
de palco para a próxima turnê da banda. A mesma empresa que havia produzido
as aeronaves Zeppelin originais fizeram o porco na Alemanha. A banda tomou
posse de um modelo de 10 metros que, de acordo com Mason, rapidamente
recebeu o apelido de “Algie”. O porco desinflado foi levado ao local, onde vários
membros da equipe do Floy d e funcionários da empresa de infláveis começaram
a tentar enchê-lo com volumes enormes de gás hélio.
Uma equipe de catorze fotógrafos já tinha sido contratada pela Hipgnosis
naquele dia, enquanto Steve O’Rourke, sabiamente, tinha convocado um atirador
para abater o porco caso ele se soltasse de suas amarras, ciente de que seu
tamanho poderia causar danos a qualquer linha aérea. Mas problemas técnicos
impediram que o porco fosse inflado por completo. Uma segunda tentativa, no
dia seguinte, foi mais bem-sucedida. O porco foi preenchido de ar e gás e, com a
ajuda de cordas, conduzido para a lateral do prédio. De repente, uma rajada de
vento fez com que escapasse de suas amarras. O’Rourke tinha decidido não
contratar o atirador para o segundo dia, e o porco cheio de hélio se libertou. À
tarde ele tinha sido visto a 18 mil pés acima da cidade costeira de Chatham, em
Kent.
“O inferno veio à tona”, lembra-se Po. “O RAF e o controle de tráfego
aéreo de Heathrow começaram a relatar aquele porco voador. Até tivemos uma
menção nas notícias da tarde.” Era uma perfeita façanha pública e a melhor
propaganda possível para o disco do Pink Floy d. Afinal, por volta das 22 horas, a
banda recebeu a notícia de que a fera havia aterrissado no campo de um
fazendeiro, em Godmersham, Kent. “Ele estava furioso”, diz Po, “já que a peça
havia, aparentemente, assustado suas vacas.” Surpreendentemente, o porco ainda
estava inteiro. Roadies foram enviados a Kent para resgatar o animal. Um
terceiro dia de filmagens seguiu sem dificuldades, embora dessa vez O’Rourke
tenha contratado dois atiradores, só por precaução.
Mas os problemas ainda não tinham acabado. “Quando recebemos as fotos
de volta, as imagens do terceiro dia pareciam bobas, enquanto as do primeiro dia
tinham um incrível céu soturno e formações de nuvens sensacionais”, diz Po.
Então usamos o céu do primeiro dia e borrifamos com a imagem do porco do
terceiro dia. Se tivéssemos feito isso desde o começo, teríamos poupado alguns
milhares de dólares.”
A imagem de “Algie” transportado pelo ar entre dois pilares na Battersea
Power Station é um detalhe atraente na capa de Animals. As nuvens
ameaçadoras acima fazem com que o céu se pareça com uma paisagem
turbulenta pintada por J. M. W. Turner, e são mais arrebatadoras que o próprio
porco. Dentro, algumas fotografias em preto e branco dos depósitos parcialmente
abandonados da estação se somam à atmosfera sinistra.
O lançamento de Animals foi em 23 de janeiro de 1977. A última parte do
programa da Capital Radio, The Pink Floyd Story, foi ao ar dois dias antes,
completando as seis semanas para construir o “Novo Floy d”. Mas teria uma
virada nos fatores, em preservar o espírito conivente do álbum de manter a
vantagem sobre os outros. “Nós demos grande importância ao fato de termos
exclusividade sobre o Animals”, diz Nick Horne, “e de como íamos transmitir
primeiro. Uma noite antes, estava dirigindo para casa, escutando o show de John
Peel no rádio quando ele disse, com seu estilo inimitável, ‘nós tocamos hoje os
hits de amanhã’. E ele tocou o primeiro lado de Animals. Acho que Gilmour havia
dado a ele uma cópia do álbum. Fiquei absolutamente fora de mim. Após seis
semanas anunciando nossa exclusividade, nós tínhamos, claro, recebido nossa
réplica.”
Animals estreou na Inglaterra em segundo lugar e nos Estados Unidos em
terceiro, fracassando em se igualar aos seus antecessores. “Nunca esperei que
Animals vendesse tanto quanto Wish You Were Here e Dark Side of the Moon”,
disse Gilmour. “Havia muitas coisas doces nele, do tipo conta comigo. ”
“É um álbum muito violento”, admitiu Waters na época. “Violência
temperada com tristeza.” A imprensa musical concordou. Angus Mackinnon, da
New Musical Express, aplaudiu Animals como “uma das mais extremas,
implacáveis, angustiantes e diretas peças iconoclastas de música já tocadas deste
lado do sol”. Mackinnon percebeu a relutância de Waters de “traçar a linha feita
pela maioria dos nomes em posições similares às dele”. A resenha afirmava que
havia algo surpreendentemente compassivo no “supremo fatalismo agnóstico” de
Waters, mesmo quando ele é cáustico ou amargo.
Na Melody Maker, Karl Dallas citou a mesma letra como um
“desconfortável sabor de realidade em uma mídia (rock progressivo) que se
tornou, em tempos recentes, cada vez mais soporífera”. Embora as últimas linhas
da crítica pareçam loquazes – “talvez eles devessem se renomear para ‘Punk
Floy d’” –, há verdade na afirmação. Desde o começo dos anos 1970, o Pink
Floy d vinha sendo aglutinado com outras bandas orientadas para a produção de
discos sob o rótulo de “rock progressivo”. Entretanto, como Gilmour advertiu
anos depois: “Nunca fui grande fã da maior parte do que você chamaria de rock
progressivo. Sou como Groucho Marx – não quero fazer parte de nenhum clube
que me aceite como membro”.
Animals não se igualava com a tendência de 1977, quando o punk dava as
cartas com o primeiro álbum do The Clash e Never Mind the Bollocks, do Sex
Pistols, mas também não se enquadrava na música feita pelos contemporâneos
barbados do Floy d. O Yes lançou Going for the One em 1977, um álbum cheio de
contos de fadas líricos e extravagâncias, enquanto Emerson Lake & Palmer e seu
Works Volume I, do mesmo ano, continha um lado inteiro entregue a Keith
Emerson e seu Piano Concerto (uma ideia similar que tinha sido explorada oito
anos antes pelo Pink Floy d com Ummagumma). Essas bandas não estavam
espremendo a ganância corporativa, a desumanidade das pessoas ou cercando
“as bruxas velhas” que tentavam censurar o que passava na televisão.
Assim como o exercício sem precedentes de relacionamento na Capital
Radio, The Pink Floyd Story, a banda também encontrou um crítico musical que
julgava ser digno de sua atenção. Um ano antes, Waters dera uma entrevista
reveladora para Philippe Constantin, um amigo que tinha trabalhado no selo da
banda na França. Mas embora Waters continuasse a tratar a maioria dos críticos
com desconfiança ou desprezo completo, Karl Dallas, da Melody Maker, iria de
repente se ver como persona grata de uma forma que jamais esperava. Dallas
era ele mesmo músico e contribuía havia bastante tempo com a Melody Maker.
Ele tinha visto o Pink Floy d no UFO, mas jamais fora fã da banda. “Eu
costumava conversar com Sy d e Roger no bar”, ele conta. “Achava o conceito
do Pink Floy d interessante, mas a música um pouco chata.”
A coletiva de imprensa para o lançamento de Animals, na Battersea Power
Station, contou com a presença de Dallas. Steve O’Rourke era o único
representante do Floy d; ele informou a um jornalista que David Gilmour não
compareceria porque teve dificuldade de encontrar uma babá. E os jornalistas
foram avisados de que não seria permitido tomar notas.
Dallas pirateou o disco com seu gravador, de forma que pudesse escutá-lo
depois. Sua resenha favorável foi publicada uma semana antes de o álbum sair. A
turnê seguinte do Floy d iria começar em Dortmund, Alemanha, no final do mês,
e Dallas foi convidado pela EMI para ir a um show posterior, em Frankfurt. “Eles
estavam levando muitos jornalistas para lá e eu concordei em ir”, diz Dallas.
“Então seguimos junto e jantamos com a banda. Dave e Nick eram do tipo ‘ei,
colega, tudo bem?’, mas eles não costumavam dar entrevistas, portanto, o jogo
era tentar tirar algo deles que pudesse ser utilizado, só que estavam sempre um
passo à nossa frente. Infelizmente, Roger foi um completo imbecil. Ele sentou-se
a uma das mesas e se recusou a conversar conosco. Estávamos no mesmo avião
de volta à Inglaterra e ele me ignorou por completo. Então, do nada, uns dias
depois, recebi uma carta que começava assim: ‘Não costumo me comunicar
com membros de sua horrível profissão, mas...’. Típico de Roger Waters. Em
resumo, depois que voltamos de Frankfurt, ele tinha lido minha resenha de
Animals e gostado.” Os dois se encontraram de novo por coincidência em um
show, e Dallas desafiou Waters a lhe dar uma entrevista. Pelos dois anos
seguintes, Dallas seria um dos poucos jornalistas a receber uma audiência com a
banda, sempre que ela quisesse comunicar algo para o mundo.
A excursão seguinte do Pink Floy d que duraria os próximos sete meses
visitou a Europa, o Reino Unido, a América do Norte e o Canadá. As backing
vocals não estavam mais na trupe, porém, Dick Parry foi recontratado para tocar
saxofone, junto com um segundo guitarrista e baixista, Terence ‘Snowy ’ White.
Amigo e confidente de Peter Green, do Fleetwood Mac, White tinha uma
experiência no blues similar a Gilmour. Ele tinha gravado um álbum não lançado
para a EMI com sua própria banda, a Heavy Heart, mas tinha se ocupado depois
com sessões para a compositora Joan Armatrading, além de recusar um show
com Steve Harley and Cockney Rebel. O nome de White foi passado para David
Gilmour por um amigo em comum, o empresário de Kate Bush na época.
O guitarrista tinha sido convocado para o Britannia Row durante as sessões
finais de Animals. Um dos solos de David Gilmour tinha sido acidentalmente
apagado e, na sua chegada, White encontrou uma atmosfera tensa e Gilmour
igualmente nervoso. Ao ser perguntado se ele queria tocar nos shows, White disse
que sim, mas perguntou se, enquanto estivesse ali, poderia ao menos fazer uma
jam. A resposta de Gilmour foi brusca: “Bem, você não estaria aqui se não
soubesse tocar, estaria?”. Neste ponto, Waters sugeriu que White tocasse algo. A
contribuição de Snowy para o disco Animals foi um solo de guitarra improvisado
usado para ligar o final de “Pigs on the Wing Part Two” de volta à faixa de
abertura, “Pigs on the Wing Part One”, mas somente para o lançamento do
cartucho com oito pistas do álbum. Ao vivo, White tocaria baixo e guitarra.
A turnê de Animals foi um belo exemplo de um evento grandioso, embora
nem sempre a melhor. Os promotores foram presenteados com uma lista de
pedidos antes de cada show, especificando a exata quantidade de espaço
necessário para o palco, as torres de luz e PA, e exatamente quanta energia era
preciso para a apresentação. A escala épica significava que uma turnê por teatros
seria impossível. Apenas arenas esportivas ou estádios de futebol poderiam
acomodar o equipamento de som e luz e toda aquela série de acessórios infláveis.
O porco agora ou era suspenso por cabos de aço para viajar pela extensão da
arena, ou flutuava acima do palco, onde explodia em algum momento climático
do show. Os designers Mark Fisher e Jonathan Park também foram incumbidos de
criar uma “família nuclear” inflável, compreendendo pai, mãe e dois filhos, que
fariam sua estreia na Wembley Empire Pool. A família cheia de hélio era
bombeada nos bastidores com a ajuda de um ventilador industrial e liberada para
o público durante a canção “Dogs”. Nos Estados Unidos, os adereços foram
aumentados para incluir um carro, uma geladeira e uma televisão. Enquanto isso,
o novo papel de Nick Mason envolvia explorar ondas sonoras em um rádio
transistor, apanhando barulhos aleatórios para a introdução de “Wish You Were
Here”.
As animações de Gerald Scarfe também foram utilizadas em “Shine On
You Crazy Diamond” e “Welcome to the Machine”. “Agora que finalmente
tínhamos a música para trabalhar, os animadores foram capazes de fazer um
trabalho bem melhor do que na turnê anterior”, lembra-se Scarfe. O visual
extravagante de cabeças decepadas, répteis robóticos e mares de sangue se
igualava ao clima brutal das músicas. O repertório do Pink Floy d era dividido em
duas partes. A primeira consistia de Animals completo, mas rearranjado para
abrir com a última faixa, “Sheep”. A segunda parte era Wish You Were Here
completo, com um bis de “Money ” e, às vezes, “Us and Them”.
A previsão de Richard Wright de que o Pink Floy d corria o risco de “se
tornar escravo de seu equipamento” parecia ter se realizado. Em Frankfurt, o
palco foi preenchido com tanto gelo seco que a banda ficou quase
completamente obscurecida. Fãs descontentes jogavam garrafas e latas, uma
delas se espatifando no conjunto de bateria de Nick Mason. Garantir que os
acessórios e as imagens estivessem sempre em sincronia com a música
aumentava a pressão. Para ajudar em sua concentração, Roger Waters começou
a usar fones de ouvidos em todos os shows. Embora aquilo o ajudasse a
permanecer no tempo, passava a impressão de que o baixista estava se isolando
tanto dos fãs quanto da banda. A presença contratada de Snowy White para a
turnê foi outra fonte de confusão para o público. Ele era o primeiro membro da
banda a aparecer no palco, tocando o baixo na introdução de “Sheep”, enquanto
a maior parte da multidão estupefata se perguntava quem era aquele.
O show chegou à Inglaterra, vindo da Europa, com cinco noites no
Wembley Empire Pool, em Londres. Eles receberam imediatamente sinal
vermelho. Funcionários do Greater London Council apareceram na casa para
checar se o porco inflável da banda estava equipado com recursos de segurança
conforme o exigido. Roger Waters supervisionou a inspeção, gritando ordens para
os operadores (“Parem o porco! Girem o porco!”). Outras restrições do GLC
acarretariam problemas com o som no show de abertura em Wembley, com a
equipe da banda trabalhando a noite inteira para retificar o som. “Em uma banda
como essa, todo mundo tem que estar trabalhando a plena capacidade no palco,
técnica e emocionalmente”, Gilmour disse a Karl Dallas. “Eu posso relevar
coisas assim, mas Roger não. Ele fica muito incomodado com tudo.”
A calorosa recepção que Animals teve na imprensa não se repetiu no show
ao vivo. Somente o sempre transbordante Derek Jewell, do Sunday Times, parecia
ter sido convencido: “A apresentação deles é a definição de brilhantismo do
teatro do desespero”. Um frequentador do clube UFO, Mick Farren, escrevendo
para a New Musical Express, sentiu-se menos convencido por uma “jornada
depressiva e sem esperança por um cosmo estéril e ameaçador”. Assim como a
turnê de 1974, havia uma desgastante familiaridade nas queixas: de que o show
corria o risco de esmagar a música.
Hugh Fielder, que outrora contratara Gilmour para tocar guitarra em sua
própria banda em Cambridge, estava escrevendo agora para a Sounds. “O
problema foi que o show inteiro corria em um clique marcado”, diz Fielder.
“Dava para escutá-lo antes de o show começar. Não havia computadores na
época, então, se você quisesse que o porco voasse exatamente na hora certa,
tinha que sincronizar. E isso significava que todos da banda, com a cabeça baixa e
fone de ouvido, mal olhavam um para o outro.” Uma semana depois dos shows
em Wembley, a Melody Maker reproduziu a carta de um fã ofendido, que disse
ter visto David Gilmour bocejar durante o show.
O braço norte-americano da turnê – chamada In the Flesh – começou no
Miami Baseball Stadium, no dia 22 de abril. Tudo parecia ficar cada vez maior. O
técnico encarregado, Mick Kluczy nski, lembrou-se de que, depois de ter checado
a casa para o primeiro show aberto nos Estados Unidos, entrou em pânico.
“Caminhei pelo campo e comecei a olhar para cima... e para cima... e para
cima... Corri e telefonei para Londres e disse-lhes que dobrassem tudo aquilo que
tínhamos pedido.”
Mais uma vez, a falta de tempo para ensaios trouxe os mesmos problemas
que tinham atrapalhado a turnê anterior. “A qualidade dos shows variava”,
escreveu Nick Mason depois. “Não estávamos dedicando tempo suficiente para
questões essenciais, como definir a passagem de uma música para a seguinte.
Minha memória é de que parte da performance era tão errática quanto a
música.”
Shows a céu aberto traziam outras dificuldades. Tocar em estádios
significava abrigar em torno de 80 mil pessoas, e a banda se via confrontada com
um público que tinha sido arrebanhado para o local horas antes de o espetáculo
começar, muitos dos quais matavam o tempo consumindo qualquer bebida e
droga que conseguissem colocar as mãos. Os shows se tornavam uma dádiva
para a polícia local, procurando por uma apreensão fácil de marijuana. O
público não se encontrava em condições mentais adequadas para se concentrar
nas nuanças e sutilezas da nova música do Floy d, e ainda estava, como Gilmour
reclamou antes, determinado ao boogie.
Apesar das pressões somadas, gravações da turnê In the Flesh sugerem
que Gilmour parecia soltar faíscas por ter outro músico na banda, e tanto ele
quanto Snowy White sacudiram parte do material, produzindo algumas dobras de
guitarra dinâmicas de “Shine On You Crazy Diamond”. No Oakland Coliseum, na
Califórnia, White até mesmo se viu em uma saia justa no palco quando teve que
tocar de improviso “Careful With That Axe Eugene”, uma música que jamais
tinha escutado antes.
Fora do palco, a atmosfera costumava ser carregada. Roger Waters
preferia se isolar do resto do grupo, chegando sozinho à casa de shows e
dispensando qualquer jantar ou festa depois da apresentação. Em Montreal, ele
estava no campo de golfe local minutos após ter dado entrada no hotel. A atitude
do baixista era, como sempre, um problema em particular para Richard Wright,
que após um dos shows entrou em um avião e voltou para a Inglaterra. “Eu
estava ameaçando sair, e lembro-me de ter dito ‘Não quero mais isso’. Steve
[O’Rourke] falou: ‘Você não pode. Não deve’.”
No Oakland Coliseum, o promotor Bill Graham encheu uma baia com
porcos nos bastidores em homenagem ao novo mascote da banda. Ginger
Gilmour, que estava acompanhando David na turnê com sua filha ainda bebê,
Alice, era vegetariana. Ela exigiu que os animais fossem soltos. “Acho que
Ginger, eventualmente, virou vegana”, diz Emo. “Claro, Dave era o oposto
completo. Ele adorava filés e hambúrgueres de carne.”
Ginger também teve um confronto com a nova namorada de Waters,
Caroly ne Christie. Ambas vinham de ambientes totalmente diferentes e, como
um agregado se recorda, “elas não se encaravam; Caroly ne era da aristocracia
rural e tinha todas as atitudes associadas à sua classe, e parecia ter um grande
poder sobre Roger. Ele passou por uma enorme mudança nos anos 1970.
Primeiro, tinha aquela esposa socialista devotada, por quem se enamorou
intelectualmente, e agora estava com aquela mulher aristocrata, e pareceu
mudar por completo”.
Para Richard Wright, a recente decisão de Waters de comprar uma casa
de campo era um exemplo de sua hipocrisia. “Fui o primeiro da banda a
comprar uma casa de campo, após Dark Side of the Moon”, contou Wright. “E
Roger sentou-se comigo e disse: ‘Não acredito que fez isso. Você se vendeu, está
fazendo exatamente o que todo astro de rock faz’. Acho que levou um ano e meio
para que ele comprasse a sua própria casa de campo. Falei: ‘Roger, você é um
hipócrita’. E ele respondeu: ‘Ah, eu não queria, mas minha mulher sim’. Uma
ova!” No caso de Waters, sua casa era a maior do grupo: uma mansão georgiana
na bela vila de Hampshire, Kimbridge, próxima ao rio Test, um curso de água
renomado por ser uma das melhores regiões para pescar trutas do país.
O filme de 1942 indicado ao Oscar Serenata azul – com a chamada: “É
novo! É quente! É hilário!” – foi um relato fictício de uma big band da era do
swing com as brigas e discussões que rolavam entre as esposas de seus músicos.
“Se você já assistiu àquele filme, te digo que era assim no Floy d com suas
mulheres”, diz Jeff Dexter. “Vamos apenas dizer que as mulheres de dois
membros da banda eram extremamente influentes.”
Com o andamento da turnê, o humor de Waters ficou ainda mais sombrio.
Ele estava frustrado por tocar em arenas cavernosas e impessoais para um
público que acreditava estar lá apenas para ficar bêbado, chapado e escutar
“Money ”. No Soldier Field, o estádio do Superbowl em Chicago, Steve O’Rourke
levou Waters até o topo das torres atrás do palco, para ver a multidão. Os
promotores afirmaram ter vendido 67 mil ingressos, a capacidade do estádio,
mas Waters estava desconfiado. “Olhei para baixo e disse: ‘Não, há pelo menos
80 mil pessoas aqui’. Já tinha feito shows grandes o suficiente para saber o
tamanho de um público de 67 mil pessoas. Quando os promotores insistiram em
que tinham vendido apenas 67 mil ingressos, O’Rourke contratou um helicóptero,
um fotógrafo e um advogado. A multidão foi fotografada de cima. “Havia 95 mil
pessoas lá, e nós recebemos mais 640 mil dólares.”
No palco, Waters começou a gritar números randômicos. Geralmente, ele
fazia isso quando a banda passava por “Pigs (Three Different Ones)”. Foi
somente após alguns shows que os outros perceberam que os números se
relacionavam com a quantidade de shows que a banda tinha feito na turnê até
então, como se ele estivesse contando os dias até poder ir para casa. Sua saúde
também estava sofrendo. Nos bastidores antes do show no Philadelphia
Spectrum, Waters sofreu com dores no abdome. Um médico lhe deu relaxante
muscular, que o capacitou a tocar, embora sem que sentisse as mãos. A
experiência o inspiraria a escrever a letra de “Comfortably Numb”. Depois,
Waters foi diagnosticado com hepatite.
Após tocar duas noites no Madison Square Garden, em Nova York, Waters
perdeu a paciência com o público. “Pigs on the Wing”, sua música acústica feita
para a adorada Caroly ne, foi interrompida pelo barulho de fogos de artifício,
lançados por membros do público, uma ocorrência danosa mas frequente em
shows de estádios americanos. Waters não estava a fim de interrupções e gritou:
“Seu estúpido filho da puta! Dá o fora e nos deixe continuar!”.
A última noite da turnê foi em Montreal, no recém-inaugurado Oly mpic
Stadium. A equipe de construção tinha acabado de sair, deixando para trás um
gigantesco guindaste, que pouco fez para dispersar a atmosfera impessoal da
arena. Após poucos versos de “Pigs on the Wing”, o ar foi tomado por algumas
explosões altas: mais fogos de artifícios. “Ah, puta que o pariu!”, Waters suspirou.
“Estou tentando cantar uma música que algumas pessoas querem escutar.”
Outros fogos foram lançados no início de “Wish You Were Here”. No final do
show, Waters estava furioso. Os relatos variam sobre o que aconteceu de fato. O
baixista afirmou que ficou enfurecido com um fã em particular, que gritava
incansavelmente sua devoção pela banda. Há quem afirme que Waters
encorajou o comportamento dele, e há quem diga que ele estava cansado de
escutar o jovem pedindo “Careful With That Axe Eugene”. Waters, por fim,
caminhou até a beirada do palco e cuspiu no rosto do fã.
A banda voltou ao palco para um último bis, um lento blues improvisado,
enquanto a equipe desmantelava lentamente o equipamento em volta deles. Mas
Gilmour não estava em cena. Recusou-se a se juntar, saiu da área de camarins e
foi para a multidão, caminhando por ela anônimo, apenas mais um cabeludo de
camiseta, e chegou até a torre de som para assistir ao resto da banda tocando
sem o guitarrista. “Achei vergonhoso acabar uma turnê de seis meses com um
show podre”, ele disse. O guitarrista estava ponderando, então, se ainda havia
futuro para o Pink Floy d.
1 “Você precisa manter todo mundo comprando esta merda.” (N. T.)
2 “Duas almas perdidas nadando em um aquário ano após ano.” (N. T.)
3 “Apenas outro velho, sozinho e morrendo de câncer...” (N. T.)
4 “Quem estava usando coleira e corrente.” (N. T.)
5 “Quem andou a noite toda com os sapatos sujos de sangue.” (N. T.)
6 “Onde eu estaria sem você?” (N. T.)
7 “Diante de toda essa outra merda, sei que você se importa comigo e que torna
possível sobreviver.” (N. T.)
CAPÍTULO OITO POR Q UE VOCÊ ESTÁ FUGINDO?
“Ah, meu caro, temos de fazer isso mesmo?” Havia estresse na voz de Nick
Mason. E tudo estava indo tão bem.
O baterista do Pink Floy d divulgava uma versão atua-lizada de suas
memórias, que recebeu o cuidadoso subtítulo “A Personal History of Pink Floy d”.
Era o inverno de 2005, e a reunião do grupo no Live 8 ainda é predominante na
mente das pessoas. Mason está engraçado e singelo, parecendo ter um
suprimento sem fim de sofismas do tipo “sou só um baterista”. Mas ele se mostra
claramente orgulhoso da performance da banda reunida no Hy de Park. Ele
pontua meticulosamente que este degelo no relacionamento entre David Gilmour
e Roger Waters não significa uma reunião de longa duração para o Pink Floy d,
mas, incapaz de se conter, admite que, se eles decidissem “fazer alguma coisa de
novo, minha mala está arrumada e pronta para ir”. Mason é, afinal, como David
Gilmour certa vez praguejou com o mais tênue orgulho, “o melhor baterista para
o Pink Floy d”.
Mason deu entrevistas de um escritório/galpão em uma pequena rua em
Islington, norte de Londres. É o centro de operações de sua empresa, Ten Tenths,
que aluga carros, motocicletas, aviões, na verdade, qualquer meio de transporte
para o cinema e televisão, desde 1985. A própria coleção de Mason de modelos
esportivos está entre os disponíveis para os gostos de gente como o cantor pop
Robbie Williams dar umas voltas em seu próximo vídeo.
Após meramente ter se lembrado de assistir ao pianista de jazz Thelonious
Monk tocar em um clube em Nova York, em 1966, a conversação correu pelos
anos e chegamos, de algum modo, a The Wall: o álbum do Pink Floy d de 1979, o
show e o filme. De repente, o entusiasmo anterior de Mason pelo assunto parece
ter esmorecido. “É que foi uma época tão horrorosa”, ele explica. “Tento apagá-
la da minha cabeça.”
O desejo de Roger Waters de construir um muro entre si e o público do
Pink Floy d tinha supurado por alguns anos antes daquela “época horrorosa” do
The Wall. Mas o momento em que aquilo se tornou mais próximo de virar
realidade tinha sido a última data da turnê In the Flesh, em julho de 1977. Waters
estava mortificado por seu comportamento (“oh, meu Deus, a que fui
reduzido?”). Nos bastidores começou uma briga com o empresário Steve
O’Rourke, e um mal calculado chute de caratê fez com que ele cortasse o pé.
Caroly ne Christie estava no show com o produtor canadense Bob Ezrin,
para quem ela havia trabalhado como secretária. Ezrin, de 28 anos de idade,
havia supervisionado álbuns de Lou Reed, Kiss e da antiga banda de apoio do
Floy d, Alice Cooper. Ezrin, Caroly ne e um Roger Waters ensanguentado se
enfiaram em uma limusine para voltar ao hotel, passando antes por um hospital.
Também no carro estava um psiquiatra amigo de Ezrin.
“Sempre achei uma coincidência maravilhosa que eu tivesse um psiquiatra
ali comigo naquela noite”, diz Ezrin. “Então levamos Roger ao pronto-socorro
para ver seu pé e, quando voltávamos para o hotel, ele começou a falar sobre seu
senso de alienação na turnê e de como às vezes ele se sentia construindo um
muro entre si e seu público. Meu amigo, o psiquiatra, ficou fascinado. E, para
mim, foi um momento em que uma faísca surgiu. Não sei se fui eu, Roger ou o
psiquiatra quem disse primeiro, mas um de nós falou ‘Uau! Sabe que isso poderia
ser uma boa ideia?’.”
“Eu estava contrariado por tocar em estádios”, explicou Waters depois. “Eu
ficava dizendo às pessoas naquela turnê: ‘Sabe, não estou curtindo isso de
verdade. Tem algo bem errado nisso tudo’. E a resposta para isso era ‘oh, é
mesmo? Bom, você sabe que fizemos 4 milhões de dólares hoje?’, e isso
continuou indefinidamente. Então, a certa altura, algo na minha cabeça estalou e
desenvolvi a ideia de fazer um concerto no qual construiríamos um muro na
frente do palco, dividindo o público dos músicos.”
Com o término da turnê, a banda retornou à Inglaterra. Gilmour e Wright,
encorajados pelas esposas, planejaram discos solos. Nos anos vindouros, Waters
refutaria a afirmação de que teria recusado as composições deles e os
desencorajado de compor: “Como eu poderia ter impedido David Gilmour de
escrever?”. Na verdade, ninguém estava certo se o Pink Floy d voltaria a fazer
outro disco. Projetos individuais deram a todos eles um tempo necessário
separados. No final de 1977 e começo de 1978, Gilmour produziria o terceiro
álbum do Unicorn e, com grande sucesso comercial, o segundo single de sua
protegida, Kate Bush, “The Man with the Child in his Ey es”.
Apesar da falta de créditos nas composições de Animals, Gilmour também
tinha material suficiente para começar um disco próprio. “Acho que Dave estava
um pouco entediado e queria um tempo sozinho”, diz Rick Wills, que tocou baixo
junto com o baterista Willie Wilson. Foi a primeira vez que os três trabalharam
juntos desde aquela viagem para a Espanha e a França, mais de dez anos antes.
Algumas jams no estúdio caseiro de Gilmour levaram a sessões no Britannia Row
e, para fugir de impostos, uma gravação no Super Bear Studios, próximo a Nice,
em janeiro de 1978. O álbum, chamado simplesmente de David Gilmour, veio
quatro meses depois. Roy Harper e Ken Baker, do Unicorn, estavam entre os que
contribuíram com as letras. “There’s No Way Out of Here” e “So Far Away ”
poderiam fazer referência à carregada situação de Gilmour no Pink Floy d,
enquanto os “oohs” e “aahs” das backing vocals, os contratempos resolutos e os
solos de guitarra ardentes vinham direto do songbook do Floy d. Gilmour diria
depois, que muito do álbum tinha um “tema de mortalidade”.
Na capa, o guitarrista posa do lado de fora de seu estúdio em Essex,
parecendo menos com o senhor da mansão e mais como se tivesse ido limpar os
estábulos. Gilmour promoveu o álbum, mas se resguardou na maior parte das
entrevistas, embora ele tenha declarado para a Sounds: “Uma das coisas boas de
gravar na França é que eu não preciso dar muito dinheiro ao fisco”. De forma
apropriada, uma das canções recebeu o título de “Mihalis”, o nome de seu barco,
comprado para sua nova casa de férias, em Lindos. O álbum chegou ao número
20, na Inglaterra.
Assim que Gilmour desocupou o Super Bear, Richard Wright foi fazer seu
disco. Wet Dream, lançado em setembro de 1978, trazia o guitarrista de apoio do
Floy d, Snowy White, e era repleto das marcas registradas de Wright, como o
Hammond e o sintetizador. As músicas eram leves, tendo como principal
inspiração as férias de Wright em Lindos (“Holiday ” e “Waves”) e o estado
melancólico de seu casamento. “Against the Odds” fazia uma alusão ao tumulto
de sua vida pessoal, enquanto a letra que sua mulher Juliette escreveu para
“Pink’s Song” parecia ser uma carta aberta pedindo perdão à governanta do
casal. Wet Dream fracassou nas paradas. “Era muito amador”, diz Wright. “As
letras eram fracas, mas acho que há algo de singular nele.”
Para fãs ortodoxos do Pink Floy d, contudo, ambos os discos continham
momentos válidos. Waters, depois, expressaria sua frustração sobre as
composições de Wright: “Rick escreve essas coisas singulares, mas as mantém
em segredo e depois as coloca em seus álbuns solo, que ninguém nunca ouviu.
Ele nunca as partilhou. Era algo inacreditavelmente estúpido”.
De volta à Inglaterra, Mason e Waters estiveram ocupados. Enquanto o
baterista produziu o álbum Green, de Steve Hillage, ex-guitarrista do Gong, a
namorada de Waters, Caroly ne, deu à luz o segundo filho do casal, uma menina
chamada India. Roger também se manteve ativo, escrevendo e fazendo demos
com canções para outros dois álbuns. Sua produtividade se provaria uma bênção
disfarçada, como o Pink Floy d estava para descobrir.
Em 1976, o grupo tinha contratado uma empresa de conselheiros
financeiros, a Norton Warburg, para supervisionar suas finanças. Sob o governo
do primeiro-ministro James Callaghan, profissionais com ganhos na faixa do Pink
Floy d podiam pagar até 83% de impostos. A Norton Warburg sugeriu que a banda
colocasse um percentual de seus rendimentos em várias empresas de capital de
risco para evitar dá-lo ao fisco. O dinheiro do Floy d foi seguidamente investido
em pizzarias, pistas de skate, uma empresa de segurança, uma prensa de
impressão de dinheiro e talões de cheques... Com exceção de um contrato de
propriedade em Knightsbridge, a maior parte desses empreendimentos teve
baixo desempenho ou falhou miseravelmente. Quando um conselheiro financeiro
da Norton Warburg foi apontado para cuidar dos negócios da banda no Britannia
Row, ele descobriu que os chefes da empresa estavam penhorando fundos da
sociedade de investimento para compensar suas desastrosas empreitadas (logo
depois a Norton Warburg faliu). Isso resultou em uma perda para a banda
estimada em 3,3 milhões de libras. Fraudes adicionais revelaram que o
planejamento de impostos da banda para o próximo ano fiscal estava um caos,
tornando-os sujeitos a impostos sobre um dinheiro que, na verdade, fora perdido.
A natureza do acordo também significava que qualquer decisão tomada por um
membro da banda em relação aos investimentos afetava os demais. Como
afirmou Gilmour depois, “era muito capcioso”.
Em julho, com a extensão do fiasco financeiro lentamente se desdobrando
em torno deles, a banda se encontrou no Britannia Row, onde Waters lhes
apresentou suas duas ideias. Uma demo de noventa minutos intitulada Bricks in
the Wall e uma demo do que viria a ser seu primeiro álbum solo, The Pros and
Cons of Hitch-hiking. A banda votou em Bricks in the Wall em detrimento de The
Pros and Cons… (apenas Steve O’Rourke era aparentemente a favor da segunda).
Contudo, todos eles ainda tinham reservas sobre o que haviam escutado.
“Era como um esqueleto com vários ossos faltando”, afirmou Nick Mason.
“Roger fez uma demo pavorosa, mas que ideia!” Gilmour foi mais cauteloso.
“Era muito depressivo e chato em alguns pontos, mas gostei do conceito básico.”
Em setembro, a extensão plena do problema com a Norton Warburg
tornou-se mais evidente. A banda se retirou do acordo e exigiu a devolução do
dinheiro que tinha investido. A seguir eles deram início a procedimentos legais
para processar a empresa em 1 milhão de libras, sob alegação de fraude e
negligência. “A experiência como um todo lançou uma enorme nuvem negra
sobre nós”, escreveu Mason. “Sempre tivemos orgulho de ser espertos o
suficiente para não cair em algo assim. Estávamos completamente errados.”
Havia uma necessidade ainda maior de ganhar dinheiro, e rápido.
Ao perceber que Bricks in the Wall só funcionaria como álbum duplo e
representaria um desafio maior do que tudo que a banda tinha tentado antes,
Waters decidiu trazer mais um produtor e colaborador de fora. Em experiências
passadas, Gilmour também entendeu a importância de um mediador, e
concordou.
“Eu precisava de um colaborador que estivesse musical e intelectualmente
em um lugar parecido ao meu”, disse Waters depois, afirmando que Gilmour e
Mason não estavam suficientemente interessados e que Wright ficou “bem
fechado nesse ponto”. Caroly ne Christie sugeriu seu antigo chefe, Bob Ezrin, que
havia dado um som ultramoderno para o ex-frontman do Genesis, Peter Gabriel,
em seu primeiro álbum solo.
Ezrin voou para a Inglaterra e passou uma semana na casa de campo do
baixista. “A demo que ele tocou para mim precisava de muito trabalho”, diz
Ezrin, “mas era óbvio que havia algo excitante ali”. Ezrin concordou em assumir
o papel de coprodutor.
Em uma sessão que virou a noite em Londres – “não desassistida de
química” –, Ezrin escreveu um roteiro para o que acreditava ser um filme
imaginário, montando uma trama com a história de Waters, trabalhando onde a
música se enquadrava, o que estava funcionando e o que não, e do que mais eles
precisariam. “Então acabei produzindo um livro de quarenta páginas naquela
noite... No dia seguinte, no estúdio, fizemos uma leitura de mesa, como seria feito
com uma peça, mas com a banda inteira, e seus olhos brilhavam, porque
conseguiram enxergar o álbum pronto.”
A história de Roger Waters foi dividida em duas partes, com seu
personagem principal, que depois seria conhecido como Pink, efetivamente
rememorando sua vida. A primeira parte foi inspirada na própria vida de Waters,
começando com a morte de seu pai na Segunda Guerra Mundial (efetivamente,
o primeiro “tijolo no muro”), antes de passar para outros “tijolos” de seus
relacionamentos, com uma mãe superprotetora e professores que praticavam
bully ing. “Sempre que algo ruim acontece, ele se isola um pouco mais”, explicou
Waters.
Ezrin sugeriu ampliar a história. “Nós a modificamos para evitar que fosse
um trabalho completamente autobiográfico. Roger estava com 36 anos na época
e aquela era ‘a história de Roger Waters’. Minha intuição, contudo, era a de que o
público provavelmente não estaria interessado nas queixas de um roqueiro de 36
anos. Mas eles talvez se interessassem por um personagem da Gestalt, e Pink,
como uma combinação de todos os roqueiros dissipados que já conhecemos e
amamos. E isso nos permitiu entrar em umas coisas realmente loucas.”
A segunda metade da história foi inspirada na experiência de Waters com a
indústria musical e o legado de Sy d Barrett. Pink se torna aquele roqueiro
disperso, cheio de drogas e forçado a subir no palco, onde começa a alucinar e se
transforma em um megalomaníaco hitleriano.
“Se você ler as letras originais, Roger estava sendo muito honesto quanto ao
seu medo, dor e isolamento”, diz Ezrin. “Mas quando o transformamos em Pink,
pudemos dar a ele ainda mais medo, dor e isolamento.” No último e dramático
capítulo da história e do álbum, um perturbado Pink vê seu público tornar-se cada
vez mais fascista e o concerto se tornar menos show de rock e mais comício
político. O dramático coda da peça encontra Pink derrubando “o muro” e se
tornando um ser humano vulnerável e que, mais uma vez, se importa. Outro final
feliz então?
Ezrin acreditava que, ao criar um personagem em terceira pessoa, Waters
poderia “expressar níveis de medo, alienação e isolamento que, de outro modo,
teriam sido inaceitáveis – e errados”. Contudo, foi difícil separar o personagem
Pink da noção desse astro do rock queixoso, mas muito rico. Como Richard
Wright admitiu após ter escutado as demos pela primeira vez, “havia certas
coisas que me fizeram pensar: oh, lá vamos nós de novo – tudo tem a ver com a
guerra, com sua mãe, com a perda do pai...”.
A escala da visão de Waters era maior do que qualquer um de seus colegas
de banda poderia ter imaginado. “Ele veio à minha casa em Chelsea e tocou as
demos”, diz o artista Gerald Scarfe. “Era tudo muito bruto, mas ele me disse que
The Wall seria um disco, um show e um filme. Obviamente, ele tinha a coisa toda
mapeada na cabeça. Costumávamos jogar muito bilhar e beber Carlsberg
Special Brew juntos em sua casa, e eu me lembro de ele ter dito ‘jamais vou
estar nesta posição de novo, Gerry...’, provavelmente tendo o controle até aquele
ponto.”
Ao longo dos meses seguintes, Scarfe trabalhou nas músicas e ideias,
esboçando os personagens e criando storyboards para as cenas individuais.
“Visualizei Pink como uma criatura vulnerável”, ele explicou, seguindo para
apresentar os professores de Pink, sua mulher e sua mãe, criando as imagens
grotescas que se tornariam a aparência definitiva do álbum, do show e do filme.
Com as músicas ainda sendo criadas, as imagens de Scarfe influenciariam os
versos de Waters, enquanto novas letras seriam passadas para o artista para
inspirar novos desenhos.
De volta ao Britannia Row, havia mais uma inclusão no time. O homem do
som Brian Humphries tinha sido, nas palavras de um membro da banda,
“queimado” após cinco anos trabalhando com o Pink Floy d. Decidiram trazer
outro engenheiro a bordo, porém, um que tivesse mais experiência do que o
residente do Britannia Row, Nick Griffiths.
Alan Parsons recomendou para o grupo o jovem de 25 anos, James
Guthrie. “Brian Humphries era ótimo, mas era da velha guarda”, disse Nick
Mason. “James trouxe sangue novo.” Após ser entrevistado por Steve O’Rourke e
Roger Waters, foi cuidadosamente pontuado para Guthrie que ele estava sendo
contratado como coprodutor.
“Eu via a mim mesmo como um jovem produtor”, Guthrie disse depois à
escritora Sy lvie Simmons. Infelizmente, o Floy d não falou para Guthrie sobre
Bob Ezrin, e vice-versa. “Quando chegamos, acho que os dois pensaram que
haviam sido agendados para fazer o mesmo trabalho.”
“Houve confusão quando começamos”, concorda Ezrin. “Como você pode
imaginar, havia três de nós – James, Roger e eu –, todos com ideias bem fortes
sobre como aquele álbum deveria ser feito.” Para Ezrin, contudo, havia também
o obstáculo da atitude de Waters para superar.
“Havia o que se pode chamar de atmosfera de escola pública nas sessões”,
ele diz. “E Roger era o garoto líder e, às vezes, podia importunar os demais. Eu
era o garoto novo, então, claro, era torturado. Mas vim para Londres com uma
atitude punk de Nova York. Assim, logo no começo, houve um momento em que
Roger estava me cutucando e eu virei para ele e disse: ‘Leia meus lábios, filho da
puta, você não pode falar comigo assim!’. E o resto da banda ficou
instantaneamente do meu lado, dizendo: ‘Éééé!’. Acho que aquilo me deu uma
boa posição daquele ponto em diante.”
O papel de Ezrin rapidamente se ampliou para ajudar na colaboração entre
Waters e o resto da banda. “O conceito inicial de Roger era que aquelas eram
suas canções, seu material, e eu fui levado para lidar com os muffins – ele se
referia literalmente assim aos outros. Mas aquele precisava ser um projeto do
Pink Floy d. Então, eu queria envolver os outros caras e tivemos que ir de
encontro à resistência natural de Roger, porque ele tinha uma visão muito clara
na cabeça de como o álbum deveria ser.”
As sessões no Britannia Row continuaram até março de 1979 e, sendo ele
próprio tecladista e compositor (ele tinha coescrito o sucesso de Alice Cooper, de
1975, “Elected”), Ezrin foi capaz de traduzir suas ideias para a música no estúdio.
“Ezrin é o tipo de cara que pensa em todos os ângulos”, disse Gilmour.
“Como fazer uma história curta ser contada apropriadamente, sempre
preocupado em mudar as cadências para cima e para baixo, todas aquelas coisas
com as quais nós nunca nos preocupamos.”
Em março, outro conjunto de demos fora completado, mas a real situação
financeira da banda estava para impactar suas vidas.
“Estávamos para falir”, disse Waters. “Tínhamos ido de moleques de 14
anos, com guitarras e fantasias de sermos ricos e famosos, para fazer o sonho se
tornar realidade com Dark Side of the Moon. E então, ao sermos gananciosos e
tentarmos proteger nossos ganhos, acabamos perdendo tudo!”
Com as leis de impostos da época, a única solução para evitar perder tudo
foi a banda deixar a Inglaterra em 6 de abril de 1979 e não voltar em menos de
365 dias. Eles foram aconselhados a ganhar o máximo de dinheiro possível
durante o seu tempo fora, que não seria taxado por não serem residentes.
Um mês após ter recebido esse conselho, os quatro pegaram suas famílias
e saíram da Inglaterra. Embora eles já tivessem casas no exterior, ainda era o
começo do que David Gilmour descreveria como doze meses de “uma
existência nômade”. Com o novo ano fiscal iminente, a banda logo decidiu
contratar o Super Bear Studios, perto de Nice, levando o máximo que puderam
de seu próprio equipamento usado no Britannia Row. Fora isso, para melhorar o
ambiente geral no Super Bear, a banda pediu que tirassem o carpete que existia
para revelar o chão de mármore original que havia por baixo. Uma vez que o
trabalho estava a caminho, Ezrin propôs um método radical de gravação, na qual
bateria e baixo eram gravados em uma mesa de 16 canais e então copiados para
uma versão mixada em 24 canais, e outros instrumentos e overdubs eram
adicionados. A intenção era sincronizar as faixas em 16 e 24 canais, com tudo na
mesa de 16 ficando mais alto e claro, isso porque as fitas eram escondidas, o que
evitava que fossem usadas repetidamente e ficassem desgastadas. Isso contribuiu
para o som pleno e denso do álbum concluído, embora Ezrin tenha deixado suas
contrapartes inglesas alarmadas pelo processo de trabalho, especialmente quando
se tratava de apagar qualquer coisa das faixas de 24: “Parecia bruxaria”.
Mason e Wright ficaram nas acomodações do estúdio. Waters e Gilmour
alugaram casas próximas. Mason, achando suas acomodações carentes, acabou
se mudando para a casa de férias de Waters, próximo da cidade de Vence. Bob
Ezrin, enquanto isso, deu entrada no exclusivo Negresco Hotel, em Nice.
Apesar do luxuoso ambiente, a pressão para entregar o álbum garantiu que
eles trabalhassem com um cronograma apertado (“muito pouco ao estilo Floy d”,
disse Nick Mason). Waters instaurou um dia rígido de trabalho das 10 às 18 horas,
para garantir que ele pudesse passar suas noites com Caroly ne e os dois filhos.
Ele ficava particularmente zangado quando Ezrin aparecia atrasado.
Em algum ponto durante as gravações na França, a atitude punk de Nova
York do produtor claramente começou a ruir ante o desdém inglês peculiar de
Waters. Para o seu deleite, Ezrin tinha uma taxa de direitos mais baixa que a
banda. Tanto que Waters fez distintivos para a banda onde se lia NOPE (No Points
Ezrin). Em 2004, Ezrin informaria o escritor da Mojo, Phil Sutcliffe, que o
comportamento do baixista o fazia lembrar-se da infância, de quando era
importunado nade escola, em Toronto.
“Levou-me ao tempo de quando eu era criança”, ele disse de forma
sombria. “Começou de forma divertida, mas o que parecia diversão para Roger
era doloroso para mim.” Ezrin também afirmaria que seus atrasos no estúdio
eram porque ele temia ir, já que a “atmosfera, especialmente por causa de
Roger, era tão tensa. Era aquele conflito inglês terrivelmente passivo-agressivo,
onde tanto ficava sem ser dito. Roger é um cara duro, e ele é mais duro consigo
mesmo do que qualquer um. Mas ele pega essa dureza e a perfeição que aplica a
si próprio e as reflete nos outros, o que às vezes não é a coisa certa a ser feita.”
A banda iria defletir as reclamações de Ezrin ao afirmar que Bob estava,
nas palavras de Nick Mason, “passando por uma fase pouco confiável”, com a
sugestão implícita de que o produtor estava curtindo muitas noitadas em Nice.
Ezrin iria admitir depois não estar em sua “melhor forma emocional”, por causa
de problemas em seu casamento. Entretanto, os choques do produtor com Roger
compreendiam apenas uma pequena parte do conflito geral. Tensões também
estavam correndo entre as respectivas esposas. Enquanto isso, o relacionamento
entre Waters e Richard Wright havia se rompido.
O processo de gravações no Super Bear raramente envolvia os quatro
membros da banda no estúdio ao mesmo tempo. Se isso tinha o efeito liberador
de permitir a cada um tempo suficiente para gravar suas partes, existia o risco de
isolamento e de panelinhas dentro do grupo. No Super Bear, Nick Mason, que
tinha, para a surpresa de Waters, aprendido a ler partituras musicais para bateria,
gravou a maior parte de suas linhas nas sessões iniciais, que foram deixadas
então para Ezrin e James Guthrie editarem juntos. Efetivamente, a preparação
das fundações para que os outros construíssem trazia o benefício adicional para
Mason se esquivar das demais sessões e dirigir sua Ferrari em Le Mans. (Ele
chegou ao segundo lugar em sua classe.)
O longo dia de trabalho de Guthrie envolveria um turno aplicado das 10 às
18 horas com Waters e Gilmour, antes de retornar ao estúdio para passar a
madrugada com Richard Wright. Como sempre, cada um da banda e seus
colaboradores teriam uma visão diferente da “situação de Rick Wright”.
Para Waters, parte dos problemas em andamento com Wright durante as
sessões de The Wall vinha do desejo do tecladista de receber um crédito de
produtor no álbum.
“Até The Wall, sempre tivemos a frase ‘produzido pelo Pink Floy d’ em
nossos discos”, disse Waters, “embora a maior parte da produção tivesse sido
feita por mim e Dave.” Então disse a Nick e Rick que Bob Ezrin iria produzir o
disco com o baterista e Dave, e eles não seriam creditados, porque nunca
produziram de fato. “Nick concordou, sem problemas”, prosseguiu Waters, “mas
Rick disse: ‘Eu posso produzir o disco. Eu posso ajudar’. Respondi: ‘Não acho que
possa, Rick, você nunca o fez antes’.” Waters concordou em dar a Wright 1% e
crédito de produtor no álbum, mas somente após um período de teste no qual ele
seria “supervisionado na produção”.
“Tive reservas quando Bob Ezrin foi trazido a bordo”, admitiu Wright.
“Mas não era uma questão financeira relacionada a ganhar pontos na produção,
mas sim porque eu achei que a banda estava perdendo um de seus pontos fortes,
que era o de, mesmo quando brigávamos, nos mantermos unidos como grupo.
Acho que nossos melhores trabalhos nasceram dessa dinâmica, e achei que
corríamos o risco de perder isso se trouxéssemos alguém de fora. Hoje, acho que
trazer Bob foi a decisão certa.”
“Estávamos trabalhando no disco havia algumas semanas e Rick ficou o
tempo todo no estúdio, o que era incomum, do momento em que começávamos,
pela manhã, até o término à noite”, disse Waters. “Um dia, Bob Ezrin me
perguntou por que Rick estava sempre sentado no estúdio. E eu disse: ‘Você não
entendeu? Ele acha que está produzindo o disco... Notou como ele
ocasionalmente diz ‘ô, ô, ô, eu não gosto disso’. Ezrin respondeu: ‘Sim, é irritante’.
E eu disse: ‘Ele acha que é produtor de discos’.”
De acordo com Waters, Ezrin desafiou Wright, o que teria feito o tecladista
parar de ir ao estúdio e só aparecer quando requisitado, preferindo trabalhar
sozinho à noite. “Eu ia à noite porque o álbum inteiro estava mapeado e eu podia
simplesmente ir e fazer a parte do piano”, diz Wright. “Mas era muito difícil se
Bob ou Roger estivessem lá para dizer ‘está bom’ ou ‘não ficou tão bom’. Mas
essa ideia de que eu ficava sentado no estúdio desperdiçando meu tempo não é
verdade.”
“O relacionamento de Rick com todos nós, especialmente Roger, tornou-se
impossível durante as gravações de The Wall”, disse Gilmour. “Perguntamos se
ele tinha alguma ideia ou algo que quisesse fazer. Saíamos do estúdio à noite e ele
tinha a madrugada inteira para trazer coisas novas, mas ele não contribuiu com
coisa alguma. Ele só ficava ali, sentado, nos deixando loucos.”
Bob Ezrin dá um bom panorama dos problemas de Wright: “Rick não é um
cara que funciona sob pressão e, às vezes, dava a impressão de que Roger estava
forçando a barra. Rick teve um desempenho ansioso. Você precisa deixá-lo em
paz para criar, para se soltar...”.
Fora da banda, as dificuldades no casamento que tinham assaltado Wright
durante a produção de Animals aumentaram. “Na época de The Wall, acho que
estava deprimido”, ele diz. “Por vários motivos – o divórcio, o terrível
relacionamento com minha primeira mulher –, eu não estava oferecendo muito
à banda porque não me sentia bem comigo mesmo. Mas tenho certeza de que os
outros interpretaram como ‘ele não se importa’, ‘ele não está interessado’.”
Na metade das sessões, a Columbia ofereceu um contrato aumentando o
percentual que a banda poderia ganhar se entregasse um álbum pronto para estar
no mercado antes do Natal. Gravações adicionais foram agendadas no estúdio do
pianista de jazz, Jacques Loussier, o Miraval Studios, na Provença, para correrem
em paralelo ao trabalho no Super Bear. Além de poupar tempo, a localização do
estúdio era útil para Waters que, determinado a assinar o máximo possível do
álbum, começou a gravar muitas partes vocais. “O Super Bear era bem lá no alto
das montanhas e é conhecido por ser difícil cantar lá”, lembra-se Gilmour. “E
Roger tinha bastante dificuldade de cantar no tom.” Bob Ezrin recebeu o encargo
de flutuar entre os dois estúdios, satisfazendo Waters em um e Gilmour no outro.
Com férias programadas para agosto, o plano original era se reunir em Los
Angeles, onde eles estavam agendados no Cherokee Studios e no Producers’
Workshop na primeira semana de setembro. Waters montou um cronograma do
que ainda precisava ser feito “e percebi que era impossível”. Faltando ainda
várias partes do teclado para serem gravadas, ele propôs começar dez dias antes
e sugeriu que Ezrin contratasse um tecladista adicional – “porque você vai
precisar” – para trabalhar junto com Wright. Entretanto, Wright não estava a fim
de abreviar a visita que fazia à sua família em Rodes. “Os filhos do resto da
banda eram novos o bastante para estar com eles na França, mas as minhas
(Gala, com 9 anos, e Jamie, com 7) eram mais velhas e tinham que frequentar a
escola. Eu estava sentindo uma falta terrível das minhas meninas.” As
circunstâncias exatas de como Wright foi deposto do Pink Floy d dependem de
qual protagonista está contando a história.
“Pedi que Steve O’Rourke ligasse para Rick e contasse sobre o novo plano”,
afirmou Waters. O empresário do Floy d estava em um cruzeiro no QE2 na
ocasião. “Uns dias depois, recebi uma ligação de Steve e ele disse: ‘Achei Rick.
Ele está na Grécia’. Eu falei: ‘Ah, está tudo bem, então?’, e ele respondeu: ‘Não.
Ele me disse para mandar você se foder’. E essa foi a gota d’água.”
“Eu não disse ‘manda o Roger ir se foder’. Eu falei que iria comparecer na
data combinada”, contradiz Wright. “Todos tinham concordado, e eu teria um
tempo determinado para ficar com minhas filhas. Fora isso, não havia indícios de
que estávamos tão atrasados assim no cronograma. Steve me falou: ‘Tudo bem,
eu entendo’. E foi a última coisa que o escutei dizer até chegar a Los Angeles e
ele me avisar: ‘Roger quer você fora da banda’.”
“As pacatas férias de David Gilmour em Dublin foram rudemente
interrompidas pelas notícias do ultimato de Waters. Como o apartamento que
estava alugando não tinha telefone, o guitarrista foi forçado a ligar para seu
colega de banda de uma cabine pública. “Recordo-me de dizer: ‘Roger, você não
pode fazer isso. Rick tem estado na banda esse tempo todo. Se você não gosta, sua
escolha é sair, e não jogar outra pessoa para fora. Você não acha que está
deixando isso se tornar muito pessoal, não?’. E não vou dizer o que ele
respondeu.”
Entretanto, por mais que Gilmour tenha se oposto ao comportamento duro
de Waters, ele não podia ignorar o fato de que os dois ainda eram capazes de
produzir trabalhos brilhantes juntos. Com casas alugadas uma perto da outra,
Gilmour e Waters dirigiam juntos para o Super Bear com frequência pela
manhã. “Tivemos umas discussões enormes durante The Wall, mas eram
discordâncias artísticas”, Gilmour insistiu depois. “A intenção por trás de The Wall
era fazer o melhor disco que pudéssemos. Lembro-me de estar no carro com
Roger certa manhã e de ele ter dito: ‘Meu Deus, nós nunca devemos parar de
trabalhar juntos. Formamos uma dupla espetacular’.”
Quando o trabalho foi retomado em Los Angeles, Wright abordou Gilmour
e chamou-o para tomar um drinque e conversar sobre o ultimato de Waters. Em
um restaurante, Gilmour contou ao tecladista que defendeu o direito dele de
permanecer na banda, apesar de concordar com Waters de que ele não estava
contribuindo tanto quanto poderia. “Eu disse: ‘Você precisa se decidir quanto a
isso, Rick, mas você não tem sido muito eficiente, certo?’.”
A postura de Waters era clara: ou Wright concordava em sair numa boa no
final do álbum, ou Waters se recusaria a lançar The Wall como um álbum do Pink
Floy d.
“A atitude de Roger foi: ‘É meu disco e estou deixando vocês tocarem
nele’”, diz Bob Ezrin. “Com tudo o que estava ocorrendo financeiramente com a
banda, ele era o cara que estava segurando a onda do que enxergava ser uma
mina de ouro.”
Wright agonizou por dias antes de concordar em sair. “Fiquei aterrorizado
com a situação financeira e senti que a banda inteira estava se desmanchando de
qualquer forma”, ele argumentou. “Mas tomei a decisão de terminar de gravar o
disco e lhes disse que queria fazer shows ao vivo.” Claramente, quaisquer que
fossem as reservas que Waters tinha com a musicalidade de Wright, elas não
colidiam com seu interesse em apresentar um Pink Floy d unido para propósitos
publicitários, uma vez que o álbum fosse lançado. As notícias sobre a saída de
Wright também foram mantidas fora da imprensa musical.
Na década de 1990, quando as relações entre Waters e o reformado Pink
Floy d ainda eram ruins, o baixista disse em entrevistas que, enquanto eles
estavam na França fazendo The Wall, Gilmour sugeriu que eles despedissem
Mason também, além de Wright. Isso equivalia às suspeitas de Wright de que
Waters queria controle total sobre o Pink Floy d, com Gilmour como seu
guitarrista e todos os outros papéis preenchidos por músicos contratados. Mason
disse na época que se sentiu como “comida de navio”. “Eu vi vários
comandantes irem e virem e, quando as coisas ficam realmente ruins, eu apenas
retorno para a cozinha do navio”. Nick, no entanto, foi a favor da tradicional
postura do Floy d de apenas ignorar o problema na esperança de que ele
desaparecesse. E, no caso, desapareceu. “Fico feliz em dizer que todo mundo
nega sequer considerar que eu saia da banda”, ele diz. “Mas certamente não vou
levar a cabo uma investigação da perícia científica sobre o assunto.” Não é
surpresa que o nome de Wright não tenha sido incluído em lugar algum no álbum
original The Wall. Entretanto, o de Mason também não, mas, por sua insistência,
ele foi adicionado em impressões posteriores.
Wright, contudo, nunca partilhou o blefe de Mason ou seu senso inato de
autopreservação. Ele também acreditava que sua saída forçada fora muito mais
um assunto pessoal do que musical: “Eu perturbava Roger e ele me perturbava”.
Ele sempre fora um alvo fácil para Waters desde os dias da Regent Street Poly.
“Roger usava Rick como saco de pancadas”, disse Jenny Lesmoir-Gordon,
lembrando-se de sua viagem à Grécia, em 1966, e o ex-empresário do Pink
Floy d, Andrew King, certa vez falou: “Roger achava que todo mundo tinha que se
embrutecer”.
Posteriormente, rumores contínuos circulariam de que o uso de cocaína
também teria culpa na partida de Wright. “Havia pessoas que estavam usando
muitas drogas”, Waters contou depois à escritora Sy lvie Simmons. “Alguns de
nós tínhamos grandes problemas. Embora eu não estivesse usando nada àquela
altura.”
Wright sempre foi alvo de rumores sobre ter problemas com cocaína.
“Posso dizer com honestidade que não foi uma questão de uso de drogas”, ele
disse em 1999, embora admita que cocaína fosse usada socialmente por todos os
membros da banda durante o tempo em que eles estavam fazendo The Wall.
“Rick é uma pessoa com grande coração, mas ele sofreu terrivelmente com tudo
o que aconteceu”, disse um colega. Nas próprias palavras de Wright ditas em
2000: “Desde que comecei a falar com um terapeuta, percebi que era provável
que estivesse deprimido. Ele acha que ainda estou zangado com tudo o que
aconteceu”.
“Quando você faz parte de um grupo pop por quinze anos, as coisas que
o faziam rir no começo podem irritá-lo mais tarde.”
David Gilmour
A morte do Pink Floy d Versão II não veio com um tiro ou um lamento, mas
com um tipo de ganido. The Final Cut, o último disco do Pink Floy d a trazer Roger
Waters e David Gilmour, é, como o guitarrista pontuou na época, “o bebê de
Roger”. Isso significava que Gilmour havia sido deixado de lado e feito os vocais
principais em apenas uma canção. Roger fez o restante do álbum com aquele
uivo do coração, histérico, afetado e, ocasionalmente, estrangulado. Seria
impossível imaginar as canções sendo feitas por alguma outra pessoa.
Os créditos finais pelo filme The wall prometiam que a trilha sonora estava
disponível agora. Após regravar algumas canções do original para o longa, a
banda planejou juntar material o suficiente para outro disco inteiro, Spare Bricks.
Quando o conflito nas Malvinas começou, Waters ficou distraído e começou a
escrever uma composição que seria intitulada “Requiem for a Post-War
Dream”. De forma inevitável, esse novo trabalho seria dedicado ao seu pai, Eric
Fletcher Waters. Spare Bricks foi esquecido imediatamente.
“The Final Cut era sobre como, com a introdução do estado de bem-estar
social, sentíamos que estávamos seguindo em direção a algo que se assemelhava
a um país liberal, onde todos tomaríamos conta uns dos outros”, explicou Waters.
“Vi tudo aquilo ser esculpido, mas era quase um retorno a uma sociedade
dickensiana sob o comando de Margart Thatcher. Senti na época, como sinto
agora, que o governo inglês deveria ter buscado vias diplomáticas, em vez de
decidir no calor do momento que sua força-tarefa fosse enviada ao Atlântico.”
Por mais que sua opinião fosse de esquerda na privacidade, David Gilmour
estava menos enamorado pela causa da politização aberta de Waters. Com
desgastes inevitáveis, os dois bateram cabeça no momento em que Waters propôs
o álbum.
“Havia todo tipo de discussão sobre assuntos políticos, e eu não partilhava
das visões dele”, explicou Gilmour em 2000. “Mas nunca, jamais, quis ficar no
caminho dele de expressar a história de The Final Cut. Eu só não achava que isso
cabia à música.”
O problema de Gilmour era o “rescaldo”: quatro canções que constituíam
o novo ciclo de músicas – “Your Possible Pasts”, “One of the Few”, “The Final
Cut” e “The Hero’s Return” – eram esboços de The Wall que haviam sido
destinados para o álbum Spare Bricks. Embora a banda tivesse reciclado com
frequência coisas de sua “biblioteca de lixos” no passado, Gilmour foi firme ao
dizer que, aquelas músicas em particular, não eram boas o bastante. Waters
parecia, novamente, estar operando em um modo de política fechada no que se
tratava de compor para o Floy d. Mas ele tinha suas razões.
“Dave queria que eu esperasse até que ele tivesse escrito mais material”,
disse o baixista. “Mas como ele tinha escrito só três músicas nos últimos cinco
anos, eu não conseguia visualizar quando isso aconteceria.” Desde então,
Gilmour admitiu algo do gênero. “Decerto sou culpado por ter sido preguiçoso às
vezes, e pode ter havido momentos em que Roger tenha dito ‘bem, o que você
trouxe?’, e eu ficava enrolando, ‘bom, não tenho nada ainda’, ou dizia que
precisava de um pouco mais de tempo para colocar as ideias na fita. Há
elementos de toda essa porcaria que, anos depois, você olha para trás e diz: ‘Bom,
ele tinha certa razão’. Mas Roger não estava certo em querer colocar algumas
faixas de rescaldo em The Final Cut. Eu lhe disse: ‘Se essas músicas não foram
boas o bastante para The Wall, o que o faz pensar que elas são boas agora?’.”
Como Bob Ezrin recordou-se das sessões de The Wall, “David estava um
pouco mais taciturno na época; ele sorria bastante e raramente se tornava
competitivo, mas, quando o fazia, era inflexível”.
Infelizmente, Ezrin, o grande mediador, não estava disponível para ajudar.
Ainda banido para a Sibéria pessoal do Pink Floy d, após revelar acidentalmente
informações sobre o show de The Wall, ele parecia ocupado produzindo novos
trabalhos para seus antigos parceiros, Alice Cooper e Kiss. Mas Michael Kamen,
que ajudara a orquestrar parte da trilha de The Wall, foi trazido a bordo. Kamen,
James Guthrie e Waters, naturalmente, partilhariam os créditos finais de
produtores; a ausência do nome de Gilmour resultaria em uma discordância
posterior durante as últimas sessões do álbum.
Os créditos dos músicos em The Final Cut parecem uma sessão de 1982 de
“Quem é Quem” para instrumentistas. Na falta de Richard Wright, o pianista
clássico Kamen assumiu, além de tocar harmônio e conduzir a National
Philharmonic Orchestra. Andy Bown, o membro substituto em The Wall e agora
vizinho de Waters na East Sheen, foi contratado para tocar o órgão Hammond.
Nick Mason viu seu papel ser dividido com a chegada do percussionista de Elton
John, Ray Cooper e, quando Mason não conseguiu dominar o andamento
necessário para a canção “Two Suns in the Sunset”, Andy Newmark o substituiu,
tendo recém-gravado o álbum do Roxy Music, Avalon. O veterano agregado do
Floy d, Dick Parry, foi substituído pelo saxofonista Raphael Ravenscroft, que
anteriormente pôde ser ouvido no single de 1978 de Gerry Rafferty, “Baker
Street”. Para uma banda outrora tão insular e autopreservada, esta era uma
maneira muito diferente de trabalhar. De forma similar, em vez de se trancarem
em seu próprio Britannia Row, o trabalho foi levado para não menos que oito
estúdios, incluindo o May fair, em Primrose Hill, o estúdio de Gilmour na
Hookend Manor e a “Sala de Bilhar” na nova casa de Waters, em East Sheen,
onde o baixista tinha instalado uma mesa com 24 canais ao lado da mesa verde
obrigatória. Waters era, para todos os efeitos, um formidável jogador de snooker.
“Roger dava a você dez ou quinze pontos de vantagem e ainda assim vencia”,
explica Andy Bown. “Em um jogo, cheguei a pensar que ele ia colocar uma
venda nos olhos para me dar alguma chance.”
Inicialmente, Gilmour e Waters trabalharam juntos no estúdio. O baixista
se recordaria depois que a dupla se entretinha com Donkey Kong, o então recém-
lançado jogo de computador da Nintendo, quando não estava gravando. Mas,
com o passar do tempo, a tensão se instaurou e os dois optaram por trabalhar
separadamente.
“James (Guthrie) e eu literalmente ficamos com um de cada lado, disse
Andy Jackson, coengenheiro de The Final Cut. “Eu tendia a ir com Roger e
trabalhar os vocais com ele, enquanto James ficou com Gilmour e trabalhou nas
guitarras. Ocasionalmente, nós nos encontrávamos e juntávamos o que havia sido
feito.” Embora Jackson afirme que aquela era uma forma particularmente
incomum de trabalhar, ela também trazia seus benefícios. “Quando Dave e
Roger estavam juntos no estúdio era definitivamente congelante.”
Andy Bown, tecladista do Status Quo desde 1973, tem uma visão um pouco
diferente. “Havia muito atrito. Mas as diferenças entre o Pink Floy d e qualquer
outra banda com a qual trabalhei é que eles são cavalheiros. Ninguém de fora
poderia dizer que havia atritos. O Pink Floy d foi a única banda que encontrei que
sabia como se comportar apropriadamente.”
Entretanto, até mesmo o quieto e sorridente Gilmour não poderia manter a
cordialidade para sempre, conforme ia sendo cada vez mais excluído do projeto.
“Perdi a calma mais de uma vez. Não houve agressão física, mas chegou bem
perto em algumas ocasiões.”
Até mesmo os novos colaboradores de Waters sentiram a tensão. O
material de Michael Kamen em The Wall tinha sido feito em Nova York, longe da
banda. Quando ele finalmente foi trabalhar com eles cara a cara, sabiamente
escolheu manter distância das disputas internas da banda. Mas mesmo sua
discrição profissional foi desafiada durante uma sessão particularmente brutal, na
sala de bilhar. Waters nunca achou fácil cantar, mas naquele dia estava tendo
problemas especificamente com uma tonalidade. Kamen sentou-se
pacientemente na técnica e começou a escrever em um pedaço de papel. Waters
perdeu a paciência após um tempo, tirou os fones de ouvido e exigiu saber o que
Kamen escrevia. Cansado do tortuoso vocal, o pianista começou a achar que era
algum tipo de punição por algo que havia feito em uma vida passada.
Traumatizado, ele começou a escrever “eu não devo transar com ovelhas”
repetidas vezes no papel.
O envolvimento do homem da cozinha, Nick Mason, no álbum foi, em suas
próprias palavras, “mínimo”. A paixão da banda por tecnologias ultramodernas
tinha sido satisfeita pela primeira vez com a versão quadrifônica de Dark Side of
the Moon. A mania do som em quad jamais chegou a pegar, e conjuntos hi-fi não
costumavam lhe fazer justiça de fato. Para The Final Cut, o grupo recebeu a
promessa de um “holofônico” ou total sound, criado por um cientista italiano.
Esse processo funcionava em toca-fitas estéreo, mas quando tocado em fones de
ouvido podia efetivamente “mover” o som ao seu redor, para dar a impressão de
que estava sendo escutado de cima, ao lado ou detrás da cabeça do ouvinte.
Fanático por efeitos especiais, Waters confiou a Nick Mason a supervisão
da gravação de vários efeitos sonoros holofônicos para o álbum. Mason ficou
ocupado gravando o som de aviões de guerra na base da RAF, em Warwickshire,
e pneus de carro cantando na escola de direção da polícia. Contudo, longe de suas
tarefas musicais, ele também estava livre para curtir sua paixão por
automobilismo. Na hora em que ele voltou para as sessões finais, o
relacionamento entre Waters e Gilmour havia se rompido por completo.
“Às vezes, quando dirigia de volta para casa após as gravações no estúdio,
eu gritava e xingava, embora estivesse sozinho no carro”, admitiu Gilmour. “Isso
foi culpa do Roger. Ele não queria minha música, não queria minhas ideias.
Chegou um ponto em que eu tive que dizer: ‘Se você precisar de um guitarrista,
me telefone e eu vejo o que posso fazer’.”
O desfecho da discussão final foi o nome de Gilmour como produtor ter
sido removido dos créditos, embora fosse acordado que ele ainda seria pago.
“As atitudes e crenças de Dave eram muito diferentes das minhas, e muita
mesquinhez se desenvolveu”, explicou Waters. “Mas se você quiser estar em
uma banda e fazer dinheiro, e quiser ser um superstar, precisa ter músicas.
Gilmour não gostava da política do The Final Cut. Ele não gostava dos ataques a
Margaret Thatcher. Mas ele precisava se comprometer porque não tinha canções
de sua autoria. Nenhuma. Tudo ficou muito sórdido.”
Apesar de toda a sua tenacidade e disposição de lutar até a morte, mesmo
Waters sentia a tensão. “Eu estava em um estado bastante desolador. Havia muito
conflito em minha vida profissional. Quando chegamos a um quarto do caminho
na produção de The Final Cut, eu já sabia que jamais faria outro disco com Dave
Gilmour e Nick Mason.” O baterista, durante tanto tempo o aliado mais próximo
de Waters no Pink Floy d, também se viu pender para os argumentos musicais de
Gilmour.
As forças argentinas se renderam nas Malvinas em junho de 1982, ocasião
em que ambos os lados contabilizaram mil mortes. Em dezembro de 1982,
Gilmour e Mason foram forçados a consentir com os desejos de Waters e
efetivamente renunciar a qualquer controle que pudessem ter tido sobre The
Final Cut. A verdade é que Waters chegou a dar a entender que lançaria o
trabalho como um disco solo seu, mas, como a banda tinha um contrato com a
EMI para mais um álbum do Pink Floy d, é improvável que a gravadora tivesse
permitido.
Embora o processo de criação do disco tenha sido claramente uma
experiência atormentadora, The Final Cut tem sofrido muito por causa de
associações malfeitas. Hoje a história o vê tão ligado à dispersão do Pink Floy d
que se tornou difícil dissociá-lo musicalmente. Os vocais dominantes de Roger
Waters garantem que não é um álbum de introdução para os curiosos. Entretanto,
seus uivos enlouquecidos – e, sim, estrangulados –, se encaixam na maior parte
do material. “Muito da irritação foi colocada para fora no vocal, o que, olhando
para trás, foi mesmo bastante torturante”, ele admite.
Decerto ele se mostra definitivamente comprometido com suas letras
pessoais: criticando a decisão da primeira-ministra Thatcher em “The Post-War
Dream” (Oh, Maggie, Maggie what have we done?...) 1 e culpando-a pelo
afundamento do General Belgrano em “Get Your Filthy Hands Off My Desert”.
A elucubrativa “Southampton Dock”, um lamento sobre o retorno dos heróis de
guerra e aqueles que seguiram em frente para enfrentar a morte, novamente
toca na história do pai ausente de Waters, desaparecido em ação. Em “Your
Possible Pasts” e “Two Suns in the Sunset”, a voz de Waters tem até um pouco de
Bob Dy lan durante seu período mais grasnado, no final dos anos 1970. Com seu o
profissionalismo estoico, Gilmour também poderia ter cantado essas canções
com tanta convicção. Contudo, por mais que ele tenha sido deixado de lado, seus
solos de guitarra em “Your Possible Pasts” e “The Fletcher Memorial Home” são
praticamente equivalentes a qualquer coisa feita em The Wall.
Apesar do desespero universal de Waters quanto ao estado da Grã-
Bretanha, The Final Cut ainda trazia o tradicional final feliz do Pink Floy d. O tema
sobre como impedir o Armagedom nuclear em “Two Suns in the Sunset”
encontra Waters ponderando suas decisões nos últimos minutos de vida de seu
personagem. “Ela diz: ‘Não tenha medo de viver sua vida’”, Waters disse à
escritora Carol Clerk. “Não tenha medo de assumir riscos. Não tenho medo de
assumir o risco de tocar as pessoas ou de estar vulnerável.”
Lançado em março de 1983 na Inglaterra, The Final Cut apareceu com
uma capa projetada por Waters, com fotografias tiradas pelo seu cunhado, Willie
Christie. O detalhe, na frente, de várias medalhas por serviços na Segunda
Guerra Mundial, incluindo a distinta Fly ing Cross, foi bem mais sutil que uma
fotografia da contracapa de um soldado segurando uma lata de filme debaixo do
braço, com uma faca enfiada nas costas. The Final Cut deu ao Pink Floy d outro
álbum número 1, embora isso esteja claramente ligado mais à popularidade de
The Wall do que ao apelo comercial do material. Nos Estados Unidos, ele chegou
a um expressivo sexto lugar.
Os sons de abertura retirados de diversos noticiários britânicos, incluindo
um discutindo as Malvinas, dão ao disco inteiro um identificável sabor inglês, que
muito desconcertou o público americano, perplexo ao escutar notícias de guerras
ocorridas em partes do mundo que eles nunca ouviram falar. “Not Now John”, a
única canção em que David Gilmour faz os vocais principais, foi lançada como
single na Inglaterra e nos Estados Unidos, após Steve O’Rourke persuadir a banda,
dizendo que as rádios americanas estavam ansiosas para tocá-la. Uma das
poucas faixas do álbum uptempo,2 ela teve sua linha vocal do refrão fuck all that
substituída por stuff all that. A voz grave de Gilmour e sua guitarra tempestuosa
davam pistas falsas. Uma canção sobre a mentalidade não questionadora do
extremo nacionalismo britânico, “Not Now John” ainda era um número cínico e
brutal.
Para os ouvintes ingleses, também parecia haver algo espinhoso e esnobe
em suas linhas finais, com a frase Where’s the bar? repetida em francês, italiano,
grego, espanhol e, finalmente, inglês: Oi, where’s the fucking bar?. A canção
entrou para o Top 30 na Inglaterra, mas fracassou nos Estados Unidos. A reação
crítica ia da brusca avaliação da Melody Maker de que The Final Cut era “um
marco na história do horror” à crença da Rolling Stone de que era “a obra-prima
da arte do rock”. Na NME, Richard Cook afirmou que as composições de Waters
foram “explodidas para o inferno, como os pequenos e amaldiçoados soldadinhos
que assombram sua mente”.
Waters deu um depoimento a Karl Dallas, no qual ele admite que “a
comunicação na banda não está muito boa”, embora insista que seus comentários
em uma entrevista anterior não sugerem “o fim da banda, o que seria nonsense”,
somente que agora ele estava brincando com a ideia de lançar um álbum solo.
David Gilmour manteve sua discrição em uma entrevista do mesmo ano.
“Tivemos uma discussão sobre os créditos de produção, porque minhas ideias
sobre produção não batiam com as de Roger (...). [The Final Cut] é muito bom,
mas pessoalmente não é como eu veria um próximo disco do Pink Floy d”, ele
explicou com cuidado.
Nos anos vindouros, Gilmour tenderia a classificar o álbum cada vez mais
baixo, dando uma resposta padrão de que só há três boas canções no disco, “‘The
Fletcher Memorial Home’, ‘The Final Cut’ e, humm, não consigo me lembrar
agora... mas tem duas delas, de qualquer modo”.
Por mais que seja desprezado por parte do público e pela própria banda
hoje (até mesmo Waters admitiria depois que “nem tudo pode ser uma porra de
uma obra-prima”), The Final Cut não permite que o Pink Floy d seja acusado de
complacência. Os trabalhos musicais de muitos dos seus contemporâneos dos
anos 1960 e 1970 mostram a dificuldade que vários de seus pares tiveram de
permanecer relevante na nova década. O álbum dos Rolling Stones, Dirty Work,
viu a sitiada parceria Jagger/Richards chegar ao seu ponto mais baixo, e o
lançamento de It’s Hard, do The Who, mostrou que mesmo Pete Townshend, sua
antiga marca incendiária, estava ficando sem gás. Em tal companhia sem brilho,
The Final Cut, por mais arrastado que fosse, soava como se o Pink Floy d ainda
não desse a mínima para coisa alguma.
Em junho, com o Pink Floy d ainda dando os toques finais em seu disco,
Roger Waters lançou seu novo álbum. A disputa estava valendo de novo. Radio
K.A.O.S. era outro trabalho conceitual. E que conceito. O personagem central da
história era um garoto inglês incapaz chamado Billy, que tinha poderes
telepáticos. O cuidador de Billy é seu irmão gêmeo, um minerador que fora
preso durante a famosa greve nas minas de carvão (uma disputa industrial que a
primeira-ministra Thatcher atacou na época com o mesmo gosto que fez com a
Argentina na Guerra das Malvinas). Billy é mandado para ficar com seus tios em
Los Angeles, onde descobre que seus poderes telepáticos o capacitaram a
vasculhar sistemas de computadores. Billy se torna amigo de um DJ local (com a
voz de Jim Ladd, um dos mestres de cerimônia da turnê de The Wall) na fictícia
estação da Rádio K.A.O.S., e lhe conta sobre como ele e seu irmão estão em
apuros. Billy hackeia o satélite militar e engana o mundo para acreditar que
mísseis balísticos estão para ser detonados nas maiores cidades do globo. A faixa
de encerramento, “The Tide is Turning (After Live Aid)”, chega à conclusão de
que a guerra é fútil e que o amor de uma pessoa por sua família e pelo mundo
em geral é mais importante do que todas as coisas (embora tenha sido relatado
depois que Waters adicionou um final feliz por sugestão da EMI, que acreditava
que o álbum estava muito sem vida). Uma complicação adicional era que a
subtrama do álbum apoiava as tentativas da ficcional Rádio K.A.O.S. de se
insurgir contra o rígido formato das rádios americanas na época. O álbum era
inteiramente dedicado a “todos aqueles que se encontram no violento fim do
monetarismo”. Até mesmo Waters não estava convencido: “Na metade do disco
aceitei que, como forma narrativa, o álbum estava destinado ao fracasso”. Ele
também admitiu: “Agora acho levemente embaraçosa a parte em que Billy
finge que começou a Terceira Guerra Mundial”.
Para o guitarrista Jay Stapley, Radio K.A.O.S. encontrou Waters em seu
elemento. “O estúdio era o métier de Roger. Lembro-me de ter escutado uma
entrevista com Dave Gilmour na qual ele disse que você se sentava no estúdio
com Roger e, se tivesse a introdução de uma canção tocando, ele diria: ‘Certo,
alguma coisa precisa acontecer exatamente agora’. Ele tinha um senso teatral
perfeito aplicado à música. Acho que ele era inseguro algumas vezes em relação
à sua própria habilidade, já que não é um músico treinado. Mas todos admiram a
habilidade de Roger de fazer aquilo que não podemos – escrever letras
sensacionais e conceber shows maravilhosos.”
Mas Waters havia estabelecido um desafio difícil para si próprio. Com suas
referências à greve dos mineradores britânicos, ao bombardeio norte-americano
em Trípoli, a Ronald Reagan, a mísseis balísticos e até a telefones sem fio, Radio
K.A.O.S. é definitivamente um produto de 1987. Infelizmente, a música também.
Dominado por samplers Fairlights, baterias com forte reverbe e a voz sintetizada
de Billy, Radio K.A.O.S. é uma luta auditiva no século XXI antes mesmo que
você consiga entrar na complicada narrativa. Na ausência de Bob Ezrin, Waters
coproduziu o disco com Nick Griffiths e o antigo saxofonista da Deaf School, Ian
Ritchie.
“Ian Ritchie e eu realmente fodemos aquele disco”, admite Waters.
“Tentamos demais fazer com que soasse moderno.” A maior parte das letras e
ideias que valiam a pena é perdida em sua produção acetinada e sons de bateria
que então estavam na moda, embora sua balada final, “The Tide is Turning
(After Live Aid)”, com o pleno acompanhamento vocal do Pontardulais Male
Voice Choir, tenha sido um surpreendente single que encontrou um improvável
fã. “Escutei ‘The Tide is Turning’ e realmente gostei”, disse David Gilmour. “O
resto não satisfaz meus gostos, de fato. Mas obviamente tenho meus
preconceitos.”
O disco também não era do gosto do público que compra álbuns. Radio
K.A.O.S. chegou ao número 50 nos Estados Unidos e 25 na Inglaterra. “Waters
levanta muitos assuntos difíceis sobre comunicação, mas ele nunca chega de fato
a derrubá-los”, diz a resenha da Rolling Stone, embora também tenha aclamado
o álbum como “seu trabalho mais escutável desde The Wall”. Waters
permaneceria firme em defesa de que a arte importa mais que as vendas (“se
você for usar vendas como critério, isso torna Grease um produto melhor do que
Graceland”), mas ele também percebeu que era agora uma vítima de seu
próprio anonimato cuidadosamente cultivado. “Eu queria anonimato. Eu o
valorizava. Mas agora é como se os últimos vinte anos não tivessem valor
algum.”
A presença de um novo Pink Floy d não o ajudava. Waters lançou a turnê de
Radio K.A.O.S. em Nova York, em agosto, um mês antes do lançamento de A
Momentary Lapse of Reason e dois meses antes da próxima turnê do Pink Floy d.
Na produção cheia de exageros, Waters direcionou algumas novas propostas
junto com as usuais animações, projeções ao fundo e som quadrifônico. Uma
cabine telefônica foi instalada no meio do público para Waters receber perguntas
dos fãs; uma assombrosa reviravolta para um homem que, dez anos antes, havia
cuspido em um deles. Em outro movimento altamente surpreendente, a
Moosehead, uma empresa canadense de cerveja, patrocinou o braço norte-
americano da turnê.
No palco, Waters entrecortava seleções de Radio K.A.O.S. com um medley
de canções do Pink Floy d, incluindo “Have a Cigar” e “Mother”, além de exibir o
filme promocional do grupo, “Arnold Lay ne”. O tecladista e vocalista Paul
Carrack era um dos novos recrutas da The Bleeding Heart Band. Parte de seus
deveres incluía cantar músicas do Floy d como “Money ”. “Na verdade, minha
versão saiu como um lado B, e até recebi ameaças de morte por causa dela”, ri
Carrack. “Eles disseram que eu deveria ser baleado. Vimos muita loucura na
turnê do K.A.O.S. Lembro-me de ter chegado em um show e havia um cara do
lado de fora que estava convencido de que era Billy, o personagem do álbum, e
que toda aquela coisa tinha sido escrita sobre ele.”
Como líder da banda, Roger Waters provou ser uma presença mais sã. “Sei
que ele pode ser intimidador e exigente”, admite Carrack. “Mas eu não estava
sendo tratado dessa forma, e acho que ele queria assim. A força de Roger é o
grande conceito. Ele realmente cumpre o que promete, e você não pode culpá-lo
por seu comprometimento, mas ele pode tornar tudo um trabalho árduo. Acho
que às vezes ele tem dificuldade de se comunicar com a banda, porque sua
música é basicamente muito simples, e alguns dos instrumentistas ficam
assustados sobre o que tocar e como tocar, já que ele nem sempre consegue
transmitir o que procura.”
A camaradagem dentro da The Bleeding Heart Band era boa. Quando o
braço da turnê no Extremo Oriente foi para o espaço devido a vendas fracas de
ingressos, Waters, sem se abater, levou a banda para o Compass Point Studios,
em Nassau, para gravar músicas para o novo álbum. Entretanto, quando eles
voltaram para a estrada, em novembro, o Pink Floy d já estava tomando a cena.
No verão, até mesmo David Gilmour percebeu que eles não poderiam
remendar mais nada. A Momentary Lapse of Reason finalmente chegou às lojas
em setembro de 1987. Para tirar qualquer dúvida do público sobre quem estava
de fato dentro do Pink Floy d, o grupo rompeu com a tradição e incluiu uma
fotografia no interior do disco, tirada por David Bailey, com Gilmour de terno e
botas e Mason sorrindo presunçosamente para a tela. O nome de Richard Wright
aparecia entre os numerosos créditos de outros músicos.
Por mais dilapidada que a equipe estivesse, os consumidores não se
importaram. A Momentary Lapse… chegou ao número 3 nos dois lados do
Atlântico, perdendo o topo das paradas no Reino Unido para o disco de Michael
Jackson, Bad, e o trabalho do Pet Shop Boy s, Actually, e nos Estados Unidos para
Bad e os roqueiros rejuvenescidos do Whitesnake, com 1987. Mason admitiria
depois que o timing do lançamento do álbum poderia ter sido melhor, em vez de
ter encarado uma competição tão pesada. Na época, contudo, parecia um álbum
construído para encarar tal disputa, com tudo soando maior, mais alto e mais
caro, como se o valor de cada derradeiro dólar tivesse sido somado às suas
numerosas mãos contratadas.
A faixa de abertura, “Signs of Life”, trazia um teclado funerário sobre o
som do marujo do barco de Gilmour remando no rio Tâmisa. Na grande tradição
do Pink Floy d, ela trazia efeitos dramáticos antes de permitir que o guitarrista
tocasse as primeiras notas, à la “Shine On You Crazy Diamond”. A canção de
trabalho do álbum, “Learning to Fly ”, acena sua forte melodia contra o som de
um flutuante Nick Mason e letras que falam sobre, nas palavras de Bob Ezrin,
“deixar suas tendências terrenas para trás e liberar seu espírito”. A música de
encerramento, “Sorrow”, partilha de um senso de propósito e confiança similar.
Escrita por Gilmour em uma semana no Astoria, ela abriga o melhor solo de
guitarra do disco, uma verdadeira extravagância de bends, e uma letra que
alguns fãs, estejam certos ou errados, dizem ser sobre Roger Waters.
O que o álbum deixava claro é quem estava agora no assento do piloto. A
mensagem política de The Final Cut e o persistente desespero de The Wall não
podiam ser vistos em local algum.
Liricamente, nada ali era capaz de tirar o sono de Waters, um fato do qual
ele sentiu prazer depois. Em vez disso, o humor melancólico da maior parte de A
Momentary Lapse… sugere que o quarentão Gilmour, após vários cálices de
vinho, reflete sobre a própria vida; incluindo o relacionamento com Waters e
com sua mulher Ginger, de quem ele estava se distanciando cada vez mais. O
casal se divorciaria um ano depois. Em “Yet Another Movie”, a letra, que fazia
referência a uma cama vazia, tinha se inspirado em uma cena ocorrida na
residência do casal, em Lindos. O guitarrista contou aos críticos que via o álbum
como um retorno aos dias de glória de Dark Side of the Moon, quando, na sua
visão, a música não tinha tomado ainda o assento traseiro para favorecer letras
de Waters. “Isso é o que estou tentando fazer”, ele insistiu, “me focar mais na
música e restaurar o equilíbrio.”
Nem todos na banda concordaram que ele tinha sido bem-sucedido.
Entrevistado em 2000, o subutilizado Richard Wright admitiu: “As críticas de
Roger são justas. Não é mesmo o disco de uma banda”.
A Momentary Lapse of Reason foi, contudo, o disco certo para o Pink Floy d.
O ponto em que peca é, tal qual Radio K.A.O.S., estar preso àquela época. Como
a maioria dos roqueiros em sua faixa etária, um dos maiores medos de Gilmour
e Mason deve ter sido que eles soassem passé. Para começar, as baterias com
reverbe são a própria essência de meados dos anos 1980, mas estão a anos-luz de
distância do som mais cheio de apelo de um Nick Mason desenvolto em Live at
Pompeii. A mesma bateria, baixo gaguejante e sintetizadores de “One Slip” são
intercambiáveis com os do álbum de Peter Gabriel, So, do ano anterior, mas seja
como for, o extraordinário músico de estúdio Tony Levin tocou em ambos os
discos. Os parceiros de composição de Gilmour estão em sintonia com essa
época. Pat Leonard, seu colaborador em “Yet Another Movie”, tinha sido o
cérebro por trás dos hits de Madonna, “Like a Pray er” e “Live to Tell”. Em
defesa do álbum, Gilmour toca com o coração, mas muitas de suas músicas não
têm alma. “Não achei que fosse o melhor álbum já feito do Pink Floy d, mas fiz o
melhor que pude”, ele disse depois.
Os críticos concordaram. A revista Q, que levou a seus leitores, fãs de
música, uma pesquisa sobre suas preferências em relação ao Pink Floy d,
afirmou: “Deu o álbum de Gilmour, no mesmo grau que pesquisas anteriores
apontaram os de Waters”, considerando que o guitarrista tinha liberado seu
“talento reprimido”. Até mesmo o confidente de Waters, Karl Dallas, ficou do
lado do Floy d, apesar de sua promessa anterior de que o segundo álbum de
Waters seria “de arrepiar os cabelos”. “O novo disco do Pink Floy d é um
clássico, e o de Roger é... bem... é o de Roger.”
Waters não se mostrou reticente ao dar sua visão de A Momentary Lapse of
Reason. “Acho que ele é muito condescendente, uma falsificação bastante
esperta”, ele disse ao escritor David Fricke. “As canções são pobres em geral;
nem posso acreditar nas letras. Os versos de Gilmour são de terceira categoria.”
Entretanto, ultrapassando Radio K.A.O.S. nas vendas em lojas, e com o
Floy d lotando estádios contra a lotação baixa nos teatros de Waters, já havia o
cheiro de vitória pairando no ar. Então, veio a importante questão de como eles
iriam tocar ao vivo.
O tecladista Jon Carin, já confirmado na turnê, tocaria ao lado de Richard
Wright. A ausência de Waters também deixava uma lacuna à esquerda de
Gilmour. O papel de baixista da banda seria assumido por Guy Pratt, um músico
de estúdio, de 25 anos, cujos clientes anteriores incluíam Robert Palmer, Bry an
Ferry e The Smiths; seus talentos musicais haviam sido herdados do pai, o ator e
compositor Mike Pratt, protagonista da série de televisão dos anos 1960, Detetive
fantasma , e tinha coescrito o sucesso de Tommy Steele, “Little White Bull”.
A iniciação de Pratt no Pink Floy d veio quando ele era adolescente e viu
um dos shows do The Wall, em Earls Court, enquanto curtia uma viagem de LSD.
“Uma coisa da qual me recordo é de Roger em sua camiseta número 1, partindo
para a ofensa contra Alan Jones, da Melody Maker”, diz Guy. “Fiquei pensando:
‘Uau, ele realmente está desempenhando bem esse papel de astro do rock’. Eu
não sabia que só estava sendo ele mesmo. Também dei um jeito de ir aos
bastidores na noite em que deram sua festa. Eles tinham um monte de strippers e
todos aqueles bonecos infláveis das antigas turnês. Infelizmente, estava viajando
e vagando por ali vestido como um membro do The Clash. Naquele dia, jamais
imaginei que poderia tocar com o Pink Floy d. Estava fora de questão.” Guy
chamou a atenção de Gilmour pela primeira vez quando tocou no álbum de
Bry an Ferry, Bête Noire, e depois quando gravou com os protegidos do
guitarrista, Dream Academy.
Como Wright, Nick Mason tocaria junto com outro instrumentista. Em seu
caso, o percussionista de 23 anos, Gary Wallis, cujo estilo de performance
altamente visual – atacando uma pletora de gongos, tambores e pratos montados
dentro de uma jaula – era o perfeito contraste com a abordagem mais discreta
de Mason.
O saxofonista Scott Page, que já tocara em A Momentary Lapse of Reason,
foi outra adição à equipe. Embora não fosse fã do Pink Floy d (“para ser honesto,
eu devo ser a única pessoa que nunca escutou Dark Side of the Moon”), ele se
tornaria instantaneamente reconhecível para os fãs, até mesmo nos assentos mais
baratos do estádio, por causa de seu pródigo penteado. Para o necessário
glamour, lá estavam as backing vocals Rachel Fury, Margaret Tay lor e, depois,
Durga McBroom. Tay lor foi mais tarde substituída pela irmã de Durga, Lorelei.
Um rosto familiar entre tantas caras novas era um amigo de Gilmour de
Cambridge, o guitarrista Tim Renwick. Um sobrevivente da turnê do disco de
Waters, Pros and Cons of Hitch-hiking, Renwick vinha tocando para o musical de
Cliff Richard Time, no Dominion Theatre, em Londres, quando recebeu o
telefonema de Gilmour.
Ao chegar em Toronto para os ensaios, a banda encontrou novos
problemas. Guy Pratt rapidamente descobriu que não havia sido a primeira
escolha para baixista do Floy d. “Quando aparecemos para ensaiar, havia alguns
artigos de jornal noticiando que o o Pink Floy d estava na cidade para começar
sua nova turnê e vários diziam: ‘Estrelando Tony Levin no baixo’. Então eu estava
lá somente porque Tony não estava disponível. Fiquei pensando: ‘Ah, que
maravilha!’.”
A banda tinha contratado um hangar no aeroporto Lester B. Pearson para
ensaiar, mas havia uma notável falta de disciplina. “A linha de baixo do Pink
Floy d não é a mais difícil do mundo”, diz Guy, “mas Nick não tocava bateria
fazia anos, e David não parecia que curtia tanto assim estar no comando.”
“Foi um desastre”, admite Tim Renwick. “Ninguém se lembrava de como
tocar coisa alguma. Foi tudo um disparate.” Mas Gilmour sabia para quem ligar.
“David me telefonou em agosto e eles estavam marcados para estrear em
outubro”, lembra-se Bob Ezrin. “Ele disse: ‘Bob, no meu costumeiro e inimitável
estilo, nunca falhei em tentar fazer essas coisas por conta própria e, como
sempre, percebi que preciso de ajuda. Você pode vir e me ajudar?’”, ele ri.
“Cheguei e o show estava uma grande bagunça. O problema é que não havia
produtor ou diretor de palco, e David estava ocupado trabalhando em sua própria
guitarra. Ele não conseguia fazer todas as outras coisas. Não havia significado ou
fluência no show, o setlist precisava ser repensado...”
Ezrin assumiu o comando, vendo os procedimentos da frente do palco e se
comunicando com a equipe por um megafone. “Bob realmente começou a nos
colocar em forma”, diz Renwick, “perambulando por aquele hangar, gritando
ordens, e sendo muito ativo e demonstrativo. Uma das primeiras coisas que ele
fez foi se certificar de que, quem não estivesse tocando, não podia ser visto no
palco: ou ficava fora dos holofotes ou fora do palco.” Ezrin acompanharia a turnê
até que “o bebê estivesse andando e eu pudesse voltar para minha própria
carreira, para ganhar algum dinheiro”.
Além do problema de coordenar onze pessoas no palco, havia também
toda a movimentação em cena para ser considerada. Gilmour e Mason
procuraram primeiro os designers da turnê The Wall, Jonathan Park e Mark
Fisher, mas ambos já tinham se comprometido com a turnê do Radio K.A.O.S..
No lugar de ambos, o designer Paul Staples foi trazido para trabalhar com outros
conhecidos do Floy d, o designer de luz Marc Brickman e o diretor de produção
Robbie Williams, ambos veteranos, respectivamente, das campanhas de The Wall
e Dark Side of the Moon. O objetivo deles era simples, como explicou Marc
Brickman: “A ideia é sempre colocar o último garoto que está no último assento
do estádio participando do show”.
O palco do Floy d seria efetivamente colocado dentro de uma estrutura de
aço com aproximadamente 25 metros de altura e se estendendo pelo
comprimento da boca de cena, da qual suportes de luz eram suspensos. Luzes
adicionais e máquinas de gelo seco também operavam por meio de trilhos.
Buracos no chão do próprio palco também se abriam para revelar luzes
adicionais com visual robótico (apelidadas de “Floy d Droids” e recebendo os
nomes individuais de Manny, Moe, Jack e Cloy d) que se elevavam em momentos
fundamentais do show. Os fundos do palco foram preenchidos, como sempre,
pela tradicional tela circular da banda na qual antigas e novas imagens eram
projetadas, incluindo os filmes especialmente elaborados por Storm Thorgerson,
“Learning to Fly ” e “On the Run”. O porco voador, o aeroplano e uma
gigantesca bola espelhada completavam o visual extravagante. Era necessária
uma equipe de apoio de aproximadamente 160 técnicos, armadores, eletricistas,
entre outros, para manter o show na estrada.
A turnê estreou em 9 de setembro em Ottawa, no Lansdowne Park
Stadium. A maior surpresa do set veio com a canção escolhida para abrir o show,
“Echoes”, de Meddle, que era tocada pela primeira vez em mais de uma década.
Verdadeiro desafio para todos os envolvidos, a peça seria deixada de lado após
um mês, com Nick Mason afirmando que os jovens músicos da banda eram bons
demais para replicar o sentimento hippie de qualidade inferior da gravação
original.
“Há uma batida em ‘Echoes’ que chamamos de ‘a sessão do vento’, na qual
a música desmorona e depois volta”, explica Guy Pratt. “Alguns instrumentistas
jovens, sem mencionar nomes, não conseguiam colocá-la na cabeça sem que
houvesse um conjunto de compassos estabelecido. Era algo do tipo: ‘Você tem
que sentir e saber instintivamente quando voltar’. A grande frase de Dave sobre
isso era ‘o problema com músicos modernos é que eles não sabem como
desintegrar’.”
Incluir A Momentary Lapse of Reason inteiro fazia sentido comercial, mas
significava que a primeira metade do show seria desconhecida para a maior
parte e seria ofuscada pela segunda parte, que trazia a gama de “One of These
Day s” a um bis final com “Run Like Hell”, seguidas de “Wish You Were Here”,
“Another Brick in the Wall Part 2” e “Comfortably Numb” na sequência. “One
of These Day s” seria a canção mais antiga do Floy d a ser tocada (Mason
explicaria depois que a fase dos anos 1960 do Floy d soava “muito antiga”). The
Final Cut e Animals também foram deixados de lado, embora “Sheep” quase
tenha sido incluída, até Gilmour decidir que em termos vocais ela era demais
uma canção de Roger Waters.
Além dos deslumbrantes efeitos especiais, a presença de membros mais
jovens e extravagantes fazia toda a diferença. Os pulos e saltos do percussionista
Gary Wallis para acertar o prato mais alto em sua jaula divergiam a atenção do
cavalheiro de meia idade tocando bateria ao seu lado. O saxofonista de penteado
elaborado Scott Page também recebia uma guitarra e aparecia no palco quando
não era necessário de verdade. “Scott e Gary vieram como parte fundamental
para se obter o resultado”, diz Bob Ezrin. “Aquele tinha que ser um show visual.
Em um concerto do Pink Floy d o ‘fator impressionar’ está intrínseco. As pessoas
querem dizer ‘uau, olha só aquilo!’. Então a banda dá isso a elas.”
A diferença de idade entre os membros originais do conjunto e alguns
contratados não foi um problema no começo. “Eles nos tratavam muito bem”,
lembra-se Guy Pratt. “Veja só, eu morria de medo de David. Nick era o mais
fácil de se lidar, já que era uma pessoa adorável e fascinante.”
Por conta própria, Guy e Jon Carin também se comportaram como fãs do
Pink Floy d, ávidos por escutar histórias sobre as turnês. “Eu estava sempre
pedindo que David contasse histórias”, admite Guy. “O problema é que ele
começava a contar alguma coisa e, como eu era tão fanático pela banda, logo o
estava corrigindo. Rick é fantástico em suas reminiscências, enquanto David
finge ser esquecido.”
Entretanto, ser quinze anos mais jovem que seus chefes criou um problema
imediato para Guy, quando a bela filha adolescente de Richard Wright, Gala,
apareceu durante um braço da turnê australiana. “Decerto há um código ético
quando estamos na estrada. Você não se envolve com ninguém que faça parte da
equipe, não se envolve com ninguém do catering, a não ser que seja
absolutamente o último recurso, e se você se envolver com uma das cantoras,
sempre vai acabar em lágrimas. Mas não há regras sobre filhas da banda – e foi
aí que a diferença de idade ficou aparente.”
“Nós não éramos oficialmente um problema naquela turnê, mas era óbvio
que alguma coisa estava acontecendo, e certamente não me tornou popular, já
que todo mundo estava apaixonado por Gala.”
Entretanto, o pai dela não se sentiu inclinado a colocar Guy de lado. “Eu
estava mais preocupado com David e Nick. Ninguém veio falar comigo de fato,
mas havia muito franzir de testa.”
Quando o Floy d seguiu para a turnê na América do Norte, a lacuna entre
seus shows e a turnê de Radio K.A.O.S. se fechou. “Estávamos tocando em
Toronto quando o Floy d ensaiava bem próximo”, lembra-se Paul Carrack. “Tê-
los por perto adicionou um pouco de tempero. Havia tensão ali, e todos sabiam
que Roger estava sob muita pressão, mas acho que ele se sentiu vingado por estar
fazendo algo diferente. Fizemos alguns números do Floy d, mas não muitos.”
Roger havia proibido expressamente qualquer membro do Pink Floy d de
assistir a seus shows, mas o técnico de monitor foi despachado para um deles a
fim de relatar quantos efeitos especiais e pirotécnicos Waters estava usando.
Durante os ensaios em Toronto, Scott Page, Jon Carin e o antigo companheiro da
banda solo de Waters, Tim Renwick, estavam entre os que caminharam sem ser
reconhecidos em um show de Waters. “Queríamos ver a competição”, diz
Renwick. “E achei que era um tanto quanto desinteressante. Parecia mais com
uma banda tributo.” Durante uma parte do show, um holofote esquadrinhava o
público, pousando aleatoriamente sobre membros da multidão. “E eu me recordo
de rezar”, ri Guy Pratt, “derrotadamente rezar para que ele pousasse em Tim
Renwick.”
As vendas de alguns dos shows de Roger Waters não foram o que poderiam
ter sido. Tocar para um público de três mil pessoas em um teatro de seis mil
lugares em Cincinatti não foi nada bom para seu ego, mas Waters permaneceu
otimista, embora soubesse que o Floy d estaria tocando para oitenta mil pessoas
na noite seguinte. “Senti-me como Henrique V”, ele ri. “We happy few, we band
of brothers… Senti uma grande proximidade com o público porque só havia
alguns deles.”
Entretanto, ainda havia vozes dissidentes no público do Pink Floy d. “Havia
pessoas no público que expressavam seu protesto por Roger Waters não estar ali,
ao gritar muito alto em momentos em que o resto da multidão estava bastante
quieta”, Gilmour contou à revista Q, além de revelar que, em uma ocasião, ele
também viu uma fileira inteira de fãs usando a camiseta “Fuck Roger”.
Incapaz de impedir que qualquer dos shows do Floy d seguisse em frente,
Waters ainda disparava mísseis judiciais, incluindo um mandado que cobrava
mais de 35 mil dólares de direitos autorais pelo Pink Floy d ter usado seu porco
voador. Sem que a banda soubesse, Waters também tinha comprado os direitos
dos filmes animados de Ian Eames e Gerald Scarfe, que ele registrara em uma
empresa de sua propriedade. Entretanto, Gilmour declarou: “Jamais
concordamos que ele tivesse os direitos. O Pink Floy d, todos nós, pagamos por
aquele trabalho”. Para contornar o problema com o porco, o Floy d garantiu que
sua nova versão incluísse um par de robustos testículos que o diferenciasse da
versão original de Waters, que era uma fêmea. Como Gilmour explicou, “um
porco é um porco, pelo amor de Deus, mas colocar os testículos nos divertiu”.
Conforme o final do ano se aproximava, parecia que a batalha legal entre
as duas partes estava finalmente chegando ao fim. Entrevistado para a revista
Rolling Stone em novembro, Waters não admitia a derrota: “Finalmente entendi
que nenhuma corte no planeta está interessada nessa disputa nonsense do que é
ou não o Pink Floy d. Só o que eu poderia possivelmente tirar disso tudo é uma
fatia”.
O tamanho da fatia seria decidido em 23 de dezembro de 1987, quando
Gilmour, Waters e o contador de Gilmour se reuniram no Astoria para dar um
fim ao assunto de uma vez por todas. “Nós debatemos o contrato por algumas
horas, imprimimos, assinamos e é a esse documento legal que estamos presos até
hoje”, explicou Gilmour. Os termos do acordo liberavam Waters de quaisquer
obrigações com Steve O’Rourke e permitiam que Gilmour e Mason usassem o
nome do Pink Floy d perpetuamente. Waters receberia sua fatia, mantendo seu
controle sobre o que, conforme Gilmour explicou, são “os vários pedaços e
bocados”, mais notoriamente o The Wall.
Waters não iria mais a reuniões da diretoria nem tentaria vetar os planos de
Gilmour e Mason. Ao contrário, ele se retirou para planejar sua próxima ação,
mas ainda disparava contra seus antigos colegas na imprensa. Gilmour, de sua
parte, invariavelmente mordia a isca.
Ambas as facções em guerra iriam agraciar as páginas da imprensa
musical. Waters, ainda magro, iria aparecer com frequência usando óculos
escuros e camiseta branca ou preta, o uniforme de um astro do rock mais velho.
“Com Caroly ne, Roger entrou em uma história de rock bem americana”, reflete
seu ex-empresário, Peter Jenner. “Helicópteros, babás e férias no sul da França.”
“Eu ainda era essencialmente o cara alto, de preto, em pé em um canto,
olhando para todo mundo e dizendo ‘deixem-me em paz’, admitiu Waters anos
depois”.
Gilmour e Mason apareceriam menos intimidadores: calças pregueadas e
camisetas brancas amassadas. O guitarrista em especial parecia um pouco mais
pesado do que da última vez que a banda tinha excursionado; Mason dava o
sorriso sábio de um tio gentil, ou, talvez, de um homem que não consegue
acreditar no quão sortudo é. Como Waters iria pontuar sobre os motivos de o
baterista fazer parte do Pink Floy d: “Nick gosta do dinheiro e da atenção”.
O rígido artigo do veterano crítico de rock Timothy White, de setembro de
1988, para a revista Penthouse encontrou Waters destilando veneno contra aquilo
que ele chamou de “aquela falsificação”: listando os nomes dos compositores
que Gilmour abordou para ajudá-lo a fazer um álbum do Pink Floy d; sublinhando
a exata data e localização do encontro com o guitarrista com um preocupado
executivo da gravadora; e, o melhor de tudo, revelando a piada de que Richard
Wright estava recebendo semanalmente 11 mil dólares para tocar. Os fãs, cujos
próprios salários semanais calham de ser consideravelmente menores, se
perguntaram se, em termos de astros do rock, isso era pouco, muito ou justo.
Gilmour e Mason iriam aceitar o desafio e entrar na dança. Ambos fariam
troça das afirmações de Waters de que os dois lutaram para fazer um disco do
Floy d sem ele, buscando, ao contrário, os impressionantes números de vendagem
do novo trabalho e o fato de que a turnê ainda estava rodando o mundo e lotando
estádios. Como Mason explicou, “Roger poderia ter acabado com o Pink Floy d
caso não tivesse saído; mas, ao sair, as cinzas de repente se uniram.” Gilmour é
mais duro. “Se Roger depositasse em sua carreira metade de toda a energia que
usa para brigar conosco, estaria muito melhor do que está agora. Não consigo
entender como ele não enxerga a estupidez de tudo isso.”
Em 1988, a turnê foi para Nova Zelândia e Austrália, e fez oito noites no
Japão, onde eles foram forçados a remover “On the Run” do repertório, pois ela
excedia os níveis de eletricidade permissíveis para uso. Em Melbourne, Gilmour
se juntou a Tim Renwick e os membros mais jovens da banda para uma jam
noturna em seu hotel, tocando para umas duzentas pessoas sob o pseudônimo de
The Fishermen (“baseado em uma antiga piada de Peter Cook”, explicou o
baixista Guy Pratt, “na qual ele inventou uma linguagem rimada com gírias”).
The Fishermen faria outras aparições pelo mundo. Em contraste com as
turnês anteriores do Pink Floy d, os músicos não se dividiam em diferentes
panelinhas. Os três membros originais interagiam bem fora do palco com os
novos membros da banda, dos quais Guy Pratt era, de acordo com Mason,
“invariavelmente o último a sair do bar à noite”.
“Minha atitude era terrível”, admite Pratt. “Entendi tudo errado. Como
músico, você é contratado profissionalmente para fazer um serviço com o
máximo de sua capacidade. Pensei que era um membro da banda e que podia
sair e encher a cara. Escutei de alguém depois de cinco meses que David
realmente queria me despedir, mas não podia, pois eu era o instrumentista mais
consistente da banda, mesmo ficando acordado duas ou três noites seguidas.
Cheguei ao ponto em que ficava nervoso se não estivesse tocando de ressaca.”
Fora do palco, os promotores com frequência forneciam algumas
limusines para a banda, no entanto, Gilmour, Mason e Wright preferiam se
empilhar em uma das vans com o resto do grupo. “Então você tem essa ridícula
situação na qual o promotor estava na primeira limusine com algumas garotas
que ele queria impressionar e cercado por uma escolta policial, depois vinha uma
limusine vazia logo atrás e, atrás dela, a banda em uma van, levando toda a
bebida para o camarim”, diz Guy
Como explica Tim Renwick, “havia um tremendo espírito de banda e um
senso real de liberação”. Para Gilmour, agora carregando a responsabilidade de
comandar o show, isso envolvia curtir a loucura e os privilégios do trabalho: dos
voos em aviões e asas-deltas em seus dias de folga a um conveniente consumo
de drogas e álcool ao estilo astro do rock.
Como Guy Pratt admitiu, as festas na turnê contavam com um
eufemisticamente nomeado “coordenador do ambiente”, cujas tarefas incluíam
tomar conta de qualquer familiar da band,a que os estivesse visitando e procurar
drogas. Entrevistado em 2006 e perguntado que conselho ele daria a si próprio
vinte anos atrás, Gilmour respondeu prontamente: “Pare de usar cocaína”.
“Era hora de festejar”, confessa Tim Renwick. “Dave estava separado de
Ginger. Steve O’Rourke também passava por um longo período sem coleira,
então, se os poderosos estavam na onda de celebrar, todos nós nos juntávamos
com muito gosto e de peito aberto. Foi um período bem alucinado. Dave, em
particular, era um selvagem nas festas.”
Gilmour tinha suas razões. “Eu saí de um casamento que parecia estar se
rompendo havia muito tempo”, disse depois. Ele e Ginger iriam se divorciar
oficialmente em 1990. Após vender a propriedade em Hookend Manor, o casal
se mudou para uma casa de seis quartos estilo georgiana, em Sunbury, de frente
para o rio Tâmisa. Ginger ficou lá, enquanto Gilmour se mudou para o centro,
retomando sua vida de solteiro em uma casa em “Little Venice, em Londres.
Ginger culparia depois o conflitante estilo de vida de ambos pela separação: “Eu
estava ficando mais alternativa – come-çando a meditar – e ele estava cheirando
mais cocaína e andando com todo tipo de gente”.
Problemas no casamento, o escândalo de Norton Warburg, a batalha
jurídica com Roger Waters, tudo havia cobrado um preço. “Eu me deixei levar
pelo estilo de vida da cocaína”, Gilmour afirmou depois. “Achava que a coca me
deixava mais loquaz, mas a realidade era bem mais terrível.”
O passado com drogas do Pink Floy d ganharia novamente as manchetes
em 1988. Em outubro, a EMI lançou Opel, uma coleção de raridades e out-takes
de Sy d Barrett. O cunhado de Sy d, Paul Breen, foi entrevistado por um programa
de rádio para falar sobre Barrett: “Eu acho que [o Pink Floy d] é uma parte da
vida dele que ele prefere esquecer. Existe um nível de satisfação agora que
provavelmente ele não sentia desde quando se envolveu com a música”. Como
Breen revelou, Sy d havia voltado a pintar.
No mesmo mês, a News of the World foi atrás de Barrett em Cambridge e
tirou uma fotografia dele do lado de fora de sua casa. Vizinhos contaram ao
repórter que Sy d era “um caso perdido...” e “havia entrado e saído de hospitais
psiquiátricos”. Foi dito que fãs que apareciam em sua casa o encontravam
empoado de um estranho pó branco e falando coisas sem sentido. Jonathan
Meades repetiu suas afirmações de que os colegas de apartamento de Sy d, na
Egerton Court, o haviam trancado dentro do armário da cozinha. No auge da
preocupação da imprensa com raves ilegais e uso de ácido em danceterias, a
reportagem mostrava aquele rosto amarelo sorrindo, que é uma marca
registrada, mas com a boca virada para baixo, junto da manchete: “Ácido levou
astro do Pink Floy d contra o muro”. Nenhum membro do Pink Floy d do passado
ou presente fez qualquer comentário.
No mesmo ano, o outrora amigo próximo de Barrett e Gilmour, Ian “Pip”
Carter, foi morto durante uma briga do lado de fora de um pub em Cambridge.
Pip havia sido, junto com Emo, um dos mais atentos aduladores de Sy d. “Pip era
um bad boy”, lembra-se Libby Gausden. “Mas Sy d o amava.” David Gilmour
estava entre os que compareceram ao funeral de Carter.
“Você não pode desistir. Você precisa continuar lutando ou, do contrário,
está acabado como ser humano.”
Roger Waters
Este livro não teria sido possível sem a ajuda de amigos e colegas das revisas
Mojo e Q, incluindo Phil Alexander, Danny Eccleston, Gareth Grundy, Ted
Kessler, Paul Rees e Stuart Williams.
Agradeço também a John Aizlewood, Johnny Black, Dave Brolan, Fred
Dellar, Peter Doggett, Tom Doy le, Jerry Ewing, Sarah Ewing, Lora Findlay,
Dawn Foley, Pat Gilbert, Ian Gittins, Ross Halfin, John Harris, Neil Jeffries, Philip
Lloy d-Smee, Steve Malins, Toby Manning, Mark Pay tress, Mark Sturdy, Phil
Sutcliffe e Paul Try nka pelas informações, transcrições de entrevistas, sites
especializados, encorajamento e conselhos.
Caloroso aperto de mãos a Graham Coster da Aurum Press, pelo efusivo
louvor, críticas diplomáticas e uma boa anedota no estilo E.M. Forster; para
Rachel Ley shon, por sua simpática revisão, e para Matt Johns, do excelente
website do Pink Floy d, www.brain-damage.co.uk, por toda a sua ajuda e apoio.
Várias pessoas toleraram minhas constantes chamadas telefônicas e
intromissões em suas vidas (passadas). Então, um agradecimento especial vai
para Jeff Dexter, Iain “Emo” Moore, Matthew Scurfield, Anthony Stern e John
Watkins, que foram especialmente gentis com seu tempo e suas memórias.
Este livro contém minhas próprias entrevistas com David Gilmour, Nick
Mason, Roger Waters e Richard Wright conduzidas entre 1992 e 2006 para várias
revistas, incluindo a Mojo e a Q., e também entrevistas e contribuições de Nick
Barraclough, Andrew Bown, Joe Boy d, Mick Brockett, Ivan Carling-Scanlon, Paul
Carrack, Libby Chisman, Caroline Coon, Alice Cooper, David Crosby, Karl
Dallas, John Davies, Chris Dennis, Jeff Dexter, Geoff Docherty, Harry Dodson,
Bob Ezrin, Jenny Fabian, Mick Farren, Hugh Fielder, Duggie Fields, David Gale,
Ron Geesin, John Gordon, Caroline Greeves, Jeff Griffin, Bob Harris, Dave “De”
Harris, Jeanette Holland, John “Hoppy ” Hopkins, Nicky Horne, Sam Hutt,
Richard Jacobs, Jeff Jarratt, Nick Kent, Susan Kingsford, “Bob” Rado Klose, John
Leckie, Jenny Lesmoir-Gordon, Nigel Lesmoir-Gordon, Peter Jenner, Andrew
King, Jonathan Meades, Tabitha Mellor, Bhaskar Menon, Clive Metcalfe, Peter
Mew, Iain “Emo” Moore, Seamus O’Connell, Davy O’List, Alan Parsons, Danny
Pey ronel, Aubrey “Po” Powell, Guy Pratt, William Pry or, Stephen Py le,
Andrew Rawlinson, Alun Renshaw, Tim Renwick, Pete Revell, Mick Rock, Sheila
Rock, Peter Rowan, Gerald Scarfe, Barbet Schroeder, Matthew Scurfield, Vic
Singh, Christine Smith, Norman Smith, Jay Stapley, Anthony Stern, Steve
Stollman, Storm Thorgerson, Clare Torry, Pete Townshend, John Watkins, Clive
Welham, Peter Whitehead, John Whiteley, Andrew Whittuck, Rick Wills, Peter
Wy nne-Willson, John “Willie” Wilson, Baron Wolman e Emily Young. Meus
obrigados a todos que cederam seu tempo para conversar comigo.
Incontáveis entrevistas em revistas e artigos provaram-se valiosíssimos
para a escrita deste livro, incluindo muitos publicados na Classic Rock, Melody
Maker, Mojo, Musician, NME, Q, Record Collector, Rolling Stone, Sounds, Spin,
Uncut, The Word, entre outras. As que merecem menção especial estão
relacionadas na bibliografia.
Por fim, muito amor e gratidão a Claire e Matthew, pela quantidade infinita
de paciência, particularmente durante o empurrão final.
BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
Artigos de revistas
Black, Johnny, “The Long March” (Mojo, novembro, 2001)
Clerk, Carol, “Lost in Space” (Uncut, junho, 2003)
Clerk, Carol, “The Last Day s of Pink Floy d” (Uncut, junho, 2004)
Constantin, Philippe, “Really Wish You Were Here: The Politics of Absence”
(Street Life, janeiro, 1976)
Ellen, Mark, “The Deal Maker” (The Word, agosto, 2005)
Ewing, Jerry, “The Show Must Go On” (Classic Rock, janeiro, 2000)
Harris, John, “In the Flesh” (Q & Mojo Pink Floy d Special Edition, agosto, 2004)
Johns, Matt and Powell, Paul Jr., Adrian Maben, entrevista
(www.braindamage.co.uk, 2003)
Kent, Nick, “The Cracked Ballad of Sy d Barrett” (New Musical Express, abril,
1974)
McKnight, Connor, “Notes Towards the Illumination of the Floy d” (Zigzag, julho,
1973)
Salewicz, Chris, “Over the Wall” (Q, agosto, 1987)
Simmons, Sy lvie, “Danger! Demolition in Progress” (Mojo, dezembro, 1999)
Snow, Mat, “The Rightful Heir” (Q, setembro, 1990)
Sutcliffe, Phil, “And This Is Me…” (Mojo, abril, 2006)
Sutcliffe, Phil, “The First Men on the Moon” (Mojo, março, 1998)
Sutcliffe, Phil, “The Greatest Show on Earth” (Mojo, julho, 1995)
Websites recomendados
www.brain-damage.co.uk
www.pinkfloy d.com
www.neptunepinkfloy d.co.uk
www.pinkfloy dz.com
www.pinkfloy d.net
www.davidgilmour.com
www.outsidethewall.net
www.pink-floy d.org
www.gilmourish.com
www.sy dbarrett.org
www.floy dianslip.com
www.roger-waters.com
www.rogerwaters.org
Abraço em grupo... Alguém vem? David Gilmour, Roger Waters, Nick Mason
e Richard Wright no final de seu set no Live 8.
PA Photos.
Nick Mason e David Gilmour curtem um momento Big Brother com Roger
Waters durante a cerimônia britânica do Music Hall of Fame, no Alexandra
Palace, Londres. 16 de novembro de 2005. Getty Images.
David Bowie como cantor convidado em “Arnold Lay ne” com David Gilmour
no Roy al Albert Hall, maio de 2006.
Rex Features.
Uma das últimas imagens de Sy d Barrett: na porta de casa, no número 6 da
Margaret’s Square, Cambridge, em janeiro de 2006. Mirrorpix.
Flores do lado de fora da casa de Sy d Barrett após sua morte, em julho de
2006. Rex Features.
Os alto-falantes caseiros de Sy d Barrett e sua guitarra em exposição na casa
de leilões Cheffins, em Cambridge, novembro de 2006. Barrett deixou bens no
valor de 1,25 milhões de libras. Rex Features.
A última vez? Richard Wright, Nick Mason e David Gilmour e Andy Bell do Oasis
– mas sem Roger Waters –, tocando “Arnold Lay ne” no show tributo a Sy d
Barrett. Danny Clifford.
É hora de ir? Nick Mason e Roger Waters nos bastidores do Barbican Theatre
para Madcap’s Last Laugh, o show tributo a Sy d Barrett de 10 de maio de 2007.
Danny Clifford.