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A volúpia do aborrecimento
Machado de
Assis
PREÂMBULO E RESSALVA
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acadêmicos para publicação, que me obrigaria citar a todo instante as leituras ( obra ,
página, edição, etc.) que apóiam (ou não) a minha “visão prévia”, i.e. as articulações a
seguir apresentadas. Acredito contar com o beneplácito tanto de Brás Cubas como de
Heidegger : o primeiro afirma que “a obra em si mesma é tudo”, e o segundo define a
fenomenologia como “deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra, tal como
se mostra a partir de si mesmo”. Bastam, portanto, a obra e o “método” dos dois
mestres.
Há uma curiosa, mas por certo não casual, coincidência entre a abordagem
fenomenológica de Heidegger e as teorias literárias contemporâneas, como as
estéticas da recepção e do efeito, principalmente a segunda. Grosso modo, eu
apontaria a questão da valorização daquilo que não se mostra, do que se “vela e re-
vela” constantemente, pois é exatamente o não-dito que mais tem “a dizer” no texto
literário. Não nos parece descabido parafrasear a assertiva de W. Iser : “ o significado
do texto resulta de uma retomada ou apropriação daquela experiência que o texto desencadeou e
que o leitor assimila e controla segundo suas próprias disposições “ , em termos de Ser e
Tempo : “ a significância de uma coisa (o texto) é fruto da compreensão da coisa a partir de si
mesma na sua abertura para a pre-sença (o leitor), que dela se apropria (assimila e controla) a
partir de um interesse (suas disposições próprias) pelo qual – sempre-já – está tomado ”.
Basta de teoria : “ – vamos ao texto, ele mesmo ! ”.
Brás Cubas está “fora” deste mundo, é um defunto autor. Faz questão de
distinguir sua situação daquela que seria a de autor defunto. É alguém que só fala
(como autor) depois de morto. Curiosamente, não fala da morte, nem de anjos, nem de
deuses, muito menos de julgamentos, ou juízos finais. Só fala , e muito, da vida e dos
vivos; de “dentro” da vida. Isso iguala vida à morte, dentro à fora ? São para Brás uma
única e mesma coisa ? Podemos pensar que sim. Mas aonde isso nos poderia levar ?
Vida como morte, como uma sucessão de “mortes”, sendo a última, a biológica,
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apenas mais uma morte. E por que só falar agora ? Por que a lucidez que permite a
elaboração do discurso (logos) só agora é possível ? Fechou-se o círculo, e o ponto de
chegada revelou-se : “... sempre a mesma coisa ...”. Seria esta a revelação definitiva
da sensação expressa por : “volúpia do aborrecimento” ou “voluptuosidade do
nada” ? A “terrível” compreensão de que nossa vida é gratuita, não tem nenhum
“sentido” para além de si mesma, fato que somente seria possível apreender após o
fecho do círculo ?
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Nas quarta e quinta utilizações do termo, temos, claramente, uma
conotação positiva associada à voluptuosidade e voluptuoso, respectivamente : para
descrever a alegria e o orgulho masculino de Brás, ao supor que Virgília esperava
um filho que seria seu; e para discorrer sobre a habilidade e o regozijo que sentimos
ao estarmos “insulado” e imersos em “considerações” mesmo em meio a uma
multidão ativa e barulhenta.
A VOLÚPIA DO ABORRECIMENTO
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Quando Brás Cubas, ao aproximar-se a velhice, “esquece” essa lucidez e
a noção das suas limitações humanas, e se imagina capaz de “corrigir” o mundo,
criando um medicamento “destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade”, é
prontamente
castigado pela Natureza, tal qual um herói trágico ao desafiar os deuses. É ele
mesmo que nos diz, no primeiro capítulo :
SUPOSIÇÃO
Matr. : 103161310