Você está na página 1de 2

RESENHA

ZUSAK, M (1999). O Azarão. Trad. Ana Resende. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012. 175p. (Trilogia
Irmãos Wolfe, v.1)
Douglas José Mattos de Moraes

O Azarão (“The Underdog”, originalmente) é o primeiro livro publicado pelo autor australiano
Markuz Zusak, mais conhecido por seu best-seller A menina que roubava livros (“The Book Thief”, no
original, publicado em 2005). É também o primeiro da “Trilogia Irmãos Wolfe”. Zusak começou a
escrever com 16 anos e, tentando sempre atingir um público-alvo amplo, espera que todos os seus leitores
possam se identificar com algum aspecto de suas histórias, pois procura sempre escrever de forma muito
humana1. E assim o faz em O Azarão, um curto, porém rico, romance.

Quem narra a história é o próprio protagonista, Cameron Wolfe, de 15 anos, caçula de dois irmãos
e uma irmã. Ele se mostra um adolescente típico do começo ao fim do volume. Sua família é simples e
seu cotidiano, pouco extraordinário.

O livro narra os acontecimentos do último inverno do personagem, descritos por ele próprio como
“normais”, permeando em sua narrativa um tom de ingenuidade que é, no mínimo, hilário. Sem grandes
floreios, “dramalhões” ou finais felizes-de-contos-de-fada, a trajetória dos dias do garoto é comum e,
por isso, brilhante, justamente pela escrita não buscar nada além do que há de mais corriqueiro e humano
na vida de um adolescente. Como o próprio personagem resume já em poucas páginas: passou a ajudar
seu pai, encanador, no trabalho — onde conhece uma garota por quem se apaixona —; seu irmão mais
velho, Steve, torceu o tornozelo; e o namorado de sua irmã, Sarah, terminou com ela. Coisas simples.

De mais inusitado, há os planos de Cameron e de seu irmão, Rube, para cometer pequenos assaltos
e outros crimes, sem que nenhum se realize de fato. Sempre acabam em situações ridículas, como ao
encantarem-se pela secretária do dentista que assaltariam, ou, se concretizado o ato, passam a sentir-se
culpados pouco depois.

Cameron é um garoto muito infeliz em relação a si mesmo, descrente de sua capacidade e de sua
vida. Carrega pensamentos derrotistas, que são repetidos diversas vezes ao longo de seus dias, seja por
ele próprio, seja por outrem, ou algum irmão, ou a mãe, severa. Suavemente, vai-se dando conta de que
deve lutar contra essa autoimagem depreciativa.

Ao longo do romance, o protagonista azarão passa por situações que vão lhe mostrando a
necessidade de amadurecer. Uma das partes mais belas em que isso se dá é quando tem, aparentemente

1
Segundo a breve biografia do autor contida na edição de O Azarão indicada na referência.
pela primeira vez, consciência da solidão humana. Está caminhando errante pela cidade, quando percebe
que está sozinho. De fato, começara a caminhada assim, mas, naquele momento, percebeu que esteve
solitário também. Isso o assusta, e ele deseja não se sentir assim, ainda que circunstâncias como essa
certamente se darão ao longo da vida.

Há também os momentos, ora hilariantes, em que Cameron se sente culpado: considera-se


pervertido devido às fotos de mulheres seminuas que recortou de catálogos de fim de ano. Decide jogá-
las fora, mesmo com receio de se arrepender mais tarde. Afinal, sabia “que elas voltariam no próximo
Natal”, seria “inevitável”.

Mais à frente, o personagem mostra um lado sensível tão humano e tão usualmente retirado da
representação do universo masculino: ao ver sua irmã e o namorado bem, de mãos dadas, declara a si
que quer ter um relacionamento como o deles e promete a si mesmo que jamais magoaria sua amada,
que a trataria sempre muito bem. Quanto a querer, também, as mulheres do catálogo, justifica-se,
declarando, brilhantemente, saber que são irreais, temporárias.

Quando conhece a garota por quem se apaixona, Rebecca, filha de clientes de seu pai, a cena já o
desfavorece: está todo sujo devido ao trabalho. Na semana seguinte, volta para tentar encontrá-la, e ela
não está. Mais uma semana, e os dois se encontram, numa cena que nos faz crer na possibilidade do
começo de um romance, mas que, no breve diálogo que se forma, já se desfalece sob nossos olhos, como
sob os de Cameron. Nada acontece entre eles, senão a desilusão do garoto. Apesar disso, fica-se
questionando quanto a seus sentimentos e a sinceridade deles, pois não gosta de se imaginar pervertido
quanto à garota, buscando convencer-se de que gosta dela genuinamente, e não apenas por seu exterior.

Ao fim de cada capítulo, são registrados sonhos “esquisitos, doentios, pervertidos e, algumas
vezes, bonitos”, como o próprio Cameron caracteriza. Ora e outra são, também, hilários. Neles, vemos
claros símbolos que representam aquilo que foi vivido e sentido ao longo do dia, como quando sonha
estar sendo seduzido por uma das mulheres do catálogo, a quem diz que não pode se envolver, pois ele
tem alguém real, que não seja só uma “coisa” que deseje. Esse sonho ocorre no dia em que conhece
Rebecca.

Dessa forma, sem fazer grandes dramas, subjugando a adolescência, e sem fazer histórias pouco
verossímeis e clichês — como a de “garotos azarões” que, no fim de uma história, ficam com sua amiga,
que era, antes, apaixonada por um “garoto-príncipe”, mas que demonstra-se fútil ao final —, temos um
romance saboreável tanto por adultos, como por jovens que estejam, ou não, na mesma situação de
Cameron. Markus Zusak soube criar uma narrativa simples, cômica e magnífica, explorando o universo
adolescente de forma realista, contando com seus momentos prazerosos, seus dissabores, suas
ansiedades, suas dúvidas e suas inseguranças.

Você também pode gostar