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Leituras do Cânon 3 – Prof.ª Dr.

ª Maria Elisa Cevasco – Matutino


Douglas Mattos Moraes – 8977807
Issue Paper #6 – Go tell it on the mountain (conclusion)

Um dos aspectos mais complicados de se entender na obra de Baldwin é a religião, de


maneira que fica difícil concluir se há crítica, neutralidade ou até concordância por parte do
implied author. Depois de ler e discutir, acredito que a religião seja uma possibilidade.
Talvez possamos tentar entendê-la a partir de três vieses – não que os limiares entre eles
sejam claros; se interseccionam. O primeiro seria o institucional. Pelas falas das personagens,
pela conduta que a crença os faz seguir e pelo tipo de narrativa que o Cristianismo veicula,
vemos um forte movimento de regulação. Por um lado, estão todos presos à ideia de pecado, ao
medo do inferno, e suas relações tornam-se plásticas, a individualidade parece ir se embaçando,
de maneira que até a linguagem das personagens é tomada pelo jargão bíblico. Por outro, porque
de certa forma levados a um conformismo, ficam “presos”, submetidos ao seu status quo sócio-
histórico. Já imersos nesse ideário religioso, há várias falas e momentos com menção a
passagens da bíblia que tratam da escravidão. Isso parece gerar forte efeito de submissão à
situação social em que se encontram, porque, afinal, Deus virá quando for a hora e a seus
seguidores de verdade libertará. Ou seja, institucionalmente, a religião parece tolher a
subjetividade/individualidade, regular pelo medo e fazer seus seguidores submissos.
Não sendo um livro otimista, nem no tom geral, nem no que tange a religião, vê-la como
um aparelho de controle social não é uma perspectiva difícil de assumir. Há, no entanto, dois
contrapontos, que seriam os dois outros vieses acima mencionados. Um deles, bastante
relacionado ao institucional, é o social ou coletivo. Num país cuja história foi feita sobre os
corpos dos negros, para a qual eles foram essenciais e que a eles é negada, no momento que
vivem, ainda repleto de discriminação, a religião parece oferecer a possibilidade de
protagonismo – já que nela eles podem construir uma relação direta com o divino e se
encontrarem como agentes reconhecidos –, o que tem por consequência a criação de uma
identidade coletiva. Se por séculos exploraram-se e coisificaram-se os negros nos EUA, esse
momento histórico já pós-escravidão, mas ainda sem integração social – como em larga medida
o é até hoje –, essa comunidade desenvolvida em torno da religião é a possibilidade de compor
algo na sociedade, encontrando, como dito, uma espécie de identidade coletiva, uma união, um
meio comum. Não necessariamente isso é muito positivo, considerando-se tudo aquilo que o
Cristianismo implica, tal como o discutido no parágrafo acima, mas é um ponto de partida para
tentarmos entender as contradições do papel da religião no livro.
O terceiro viés, por fim, seria o da própria espiritualidade, que não é necessariamente
negada ao longo da obra e, mais do que isso, parece ser afirmada – senão apenas constatada – na
cena em que John passa pelo que parece ser uma jornada até o inferno e através do que seriam as
verdades de seu deus. Nada na cena nos faz questionar a experiência do rapaz; nada indica que
seja fruto de alucinação, que seja produto de seu inconsciente nem nada equivalente. No entanto,
não há também uma confirmação por parte do autor implícito/narrador de que aquilo tenha sido
uma visão de fato, no sentido espiritual e parapsíquico de “visão”.
Assim, de maneira talvez irônica e seca, talvez apenas furtiva, o implied author da obra
não parece nos apontar diretamente para a religião – se é isto ou aquilo, se vale ou não; fica
como possibilidade. Mas, sobretudo, ele nos aponta para os efeitos dela na vida das pessoas e
para a maneira como elas recortam e significam sua própria narrativa de vida a partir de um
ponto de vista religioso já arraigado em sua linguagem e, por conseguinte, em sua subjetividade.

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