TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Jurisprudência Constitucional
Acórdãos
1.o Volume, 2014
Jurisprudência Constitucional
Acórdãos
1.o Volume, 2014
REPÚBLICA DE ANGOLA
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Jurisprudência Constitucional
Acórdãos
1.o Volume, 2014
Ficha Técnica
vii
Prefácio
ix
Prefácio
Para cumprir este segundo dever era preciso dar a conhecer os acórdãos do
Tribunal Constitucional. É o que concretiza a presente obra. É com orgulho que a
apresentamos.
xiii
Índice Geral
Acórdão No
– : 336/2014 – Ribeiro et al c. Supremo Tribunal Militar . . . . . . . 127
Acórdão No
– : 337/2014 – José c. Supremo Tribunal Militar . . . . . . . . . . . 155
Acórdão No
– : 338/2014 – Cabongo c. Tribunal Supremo . . . . . . . . . . . . 169
Acórdão No
– : 339/2014 – Ribeiro et al c. Tribunal Constitucional . . . . . . . 175
E
T
ENSA c. Tribunal Supremo . . . . . . . 83
TECNIL c. Tribunal Provincial de Luanda et
F al . . . . . . . . . . . . . . . . 47
Fernandes et al c. Presidente da FNLA 199
J M
José c. Supremo Tribunal Militar . . . 155 Macon Transportes, Lda c. Tribunal Supremo
73
L MENG, Lda. c. Tribunal Provincial de
Lopes et al. c. Tribunal Supremo . . . . 99 Cabinda . . . . . . . . . . . . 221
Mukumbu c. Juiz Presidente do TC . . 191
M
Ministério Público c. Tribunal Provincial de
R
Benguela . . . . . . . . . . . . 37
Ribeiro et al c. Supremo Tribunal Militar 119
O Ribeiro et al c. Supremo Tribunal Militar 127
OAA c. Assembleia Nacional . . . . . . . 5 Ribeiro et al c. Tribunal Constitucional 175
P
Partido MDIA-PCN c. Tribunal V
Constitucional . . . . . . . . 209 Verma c. Tribunal Supremo . . . . . . 109
xv
Índice Cronológico de Acórdãos
xvii
Índice Cronológico de Acórdãos
xxi
Índice de Preceitos Normativos Citados
Código de Estrada de 1954 . . Ac.328/2014 67.º , 67.º n.º 1, 67.º n.º 2, 72.º , 174.º
Constituição da República de Angola de 5 de n.º 2, 175.º , 177.º , 180.º n.º 2, 186.º f)
Fevereiro de 2010 Ac.336/2014
Artigo 29.º . . . . . . . . Ac.321/2014 Artigos 65.º n.º 4, 67.º , 67.º n.º 1, 76.º n.º 1,
Artigo 17.º n.º 2f . . . . . Ac.323/2014 174.º n.º 2 . . . . . . Ac.337/2014
Artigos 109.º , 143.º . . . Ac.324/2014 Artigos 6.º n.º 2, 28.º n.º 1, 29.º n.º 4, 29.º
Artigo 72.º . . . . . . . . Ac.325/2014 n.º 5, 36.º n.º 1, 57.º n.º 1, 64.º n.º 1,
Artigos 67.º n.º 2, 68.º , 177.º n.º 2, 177.º 66.º n.º 1, 67.º , 67.º h), 68.º , 72.º . .
n.º 3, 80.º n.º 1 . . . . Ac.326/2014 Ac.338/2014
Artigos 6.º , 57.º , 65.º n.º 1, 65.º n.º 2, 65.º Artigos 26.º n.º 1, 51.º , 57.º n.º 1, 239.º ,
n.º 3, 65.º n.º 4, 67.º n.º 2, 180.º n.º 2e 240.º , 241.º . . . . . Ac.339/2014
Ac.328/2014 Constituição de 1992 . . . . . Ac.321/2014
Artigos 6.º n.º 1, 6.º n.º 3, 26.º , 27.º , 28.º ,
28.º n.º 1, 29.º , 29.º n.º 1, 29.º n.º 4,
52.º n.º 2, 56.º n.º 2, 57.º , 57.º n.º 1 1a D
parte, 58.º n.º 1, 75.º , 164.º c), 174.º Decreto 231/79 de 16 de Julho
n.º 2, 177.º , 177.º n.º 1, 180.º , 226.º , Artigos 13.º , 14.º , 15.º , 15.º b), 24.º . .
233.º , 236.º , 239.º . . . 329/2014 Ac.321/2014
Artigos 2.º , 11.º , 27.º , 29.º , 29.º n.º 4, 49.º Artigos 22.º , 23.º , 23.º n.º 1, 23.º n.º 2, 24.º
, 57.º , 72.º , 174.º , 180.º n.º 2 a), 193.º Decreto-Lei 35007
, 193.º n.º 1, 193.º n.º 2, 194.º , 194.º Artigo 44.º . . . . . . . . Ac.321/2014
n.º 1, 194.º n.º 2, 230.º n.º 1, 230.º n.º
Decreto-Lei n.o 16-A/95, de 15 de Dezembro
2f) . . . . . . . . . . Ac.330/2014
Artigos 57.º n.º 1, 57.º n.º 3 Ac.322/2014
Artigos 26.º , 26.º n.º 3, 28.º n.º 1, 29.º n.º 4,
Decreto-Lei n.º 5/08, de 29 de Setembro
57.º n.º 1, 72.º , 180.º n.º 1, 180.º n.º 2
Preâmbulo . . . . . . . . Ac.328/2014
a), 180.º n.º 2 d) . . . Ac.331/2014
Artigo 2.º . . . . . . . . . Ac.328/2014
Artigos 57.º , 67.º , 67.º n.º 1 . . . . . . .
Decreto n.º 231/79 de 16 de Julho
Ac.332/2014
Artigos 22.º , 23.º , 23.º n.º 1, 23.º n.º 2,
Artigo 17.º n.º 3f) . . . . Ac.333/2014
24.º . . . . . . . . . Ac.328/2014
Artigos 1.º n.º 2, 6.º , 14.º , 37.º , 6.º , 13.º ,
Decreto do Conselho de Ministros n.º 47/03
37.º . . . . . . . . . Ac.334/2014
de 08 /de Julho . . . Ac.333/2014
Artigos 6.º , 23.º , 23.º n.º 2, 60.º , 63.º , 65.º
, 67.º , 68.º , 72.º , 174.º , 174.º n.º 2,
175.º , 176.º f), 177.º , 186.º j) . . . .
Ac.335/2014 E
Artigos 6.º , 12.º , 23.º , 23.º n.º 1, 23.º n.º 2, Estatutos da Ordem dos Advogados (Decreto
29.º , 29.º n.º 4, 34.º , 34.º n.º 2, 61.º n.º n.º 26/96 de 13 de Setembro)
1, 63.º , 63.º e), 63.º g), 65.º , 65.º n.º 2, Artigos 42.º , 65.º . . . . Ac.330/2014
Índice de Preceitos Normativos Citados
xxv
Índice de Preceitos Normativos Internacionais Citados
xxvii
Índice de Doutrina Citada
xxix
Índice Ideográfico
A D
Aclaração . . . . . . . . . . . Ac.320/2014 Deferimento tácito . . . . . . Ac.322/2014
Acordo extra-judiciário . . . . Ac.325/2014 Despacho de destituição de funções . . . .
Aplicação da pena mais favorável . . . . . . Ac.323/2014
Ac.328/2014 Diminuição da imputabilidade Ac.326/2014
Aplicação ou desaplicação de norma Dever de identificação, verificação, registo e
constitucional . . . . Ac.329/2014 conservação, de comunicação e
Afastamento da aplicação do princípio do obrigação de denúncia de operações
esgotamento prévio e aplicação suspeitas ou de transações
directa da Constituição . . . . . . indiciadoras de branqueamento de
Ac.329/2014 capitais . . . . . . . Ac.330/2014
Ambiguidade . . . Ac.320/2014, 339/2014 Direito à segurança . . . . . . Ac.330/2014
Alteração das siglas . . . . . Ac.333/2014
Agravação de penas e direitos fundamentais E
Ac.336/2014, 337/2014 Excesso de competência . . . Ac.323/2014
Extinção do partido . . . . . Ac.324/2014
B Extemporaneidade Ac.325/2014, 332/2014
Branqueamento de Capitais e Financiamento
ao Terrorismo . . . . Ac.330/2014 F
Falta de legitimidade . . . . . Ac.321/2014
C Fim da lide . . . . . . . . . . Ac.325/2014
Falta de esgotamento dos recursos ordinários
Comprovativo de pagamento do imposto de na jurisdição comum Ac.331/2014
justiça . . . . . . . . Ac.321/2014
Caução . . . . . . . . . . . . Ac.326/2014
H
Cópia da notificação do acórdão proferido
pelo Tribunal Supremo . . . . . . Habeas Corpus . . . Ac.320/2014, 326/2014,
Ac.327/2014 332/2014, 335/2014, 338/2014
Competência para conhecer matéria
constitucional no caso concreto . . I
Ac.329/2014 Inciativa processual do Tribunal
Competência para conhecer mérito da causa Constitucional . . . Ac.324/2014
Ac.329/2014 Inutilidade superveniente da lide . . . . . .
Citação do Ministério Público Ac.334/2014 Ac.325/2014
xxxi
Incidente de inconstitucionalidade . . . . . Princípio da legalidade penal Ac.328/2014
Ac.329/2014 Princípio da restrição mínima de direitos .
Inciativa processual incumbe as partes . . . Ac.328/2014
Ac.334/2014 Propósito e efeito das norams Ac.330/2014
Intervenção do Ministério Público . . . . . Proporcionalidade Ac.330/2014, 332/2014
Ac.334/2014 Pedido de afastamento do princípio do prévio
esgotamento de recursos . . . . .
M Ac.331/2014
Menor de idade . . . . . . . . Ac.326/2014
R
N Responsabilidade como comitente . . . . .
Ac.321/2014
Não suprimento de deficiências . . . . . . .
Revogação tácita . . . . . . . Ac.328/2014
Ac.327/2014
Restrição do direito ao segredo profissional
Não anexou cópia do despacho de
do Advogado . . . . Ac.330/2014
indeferimento do Tribunal
Provincial . . . . . . Ac.331/2014
Notificação do despacho de acusação e novos S
prazos . . . . . . . . Ac.338/2014 Sentido do Acórdão Ac.320/2014, 339/2014
Suspensão de participação em órgãos do
O partido . . . . . . . Ac.323/2014
Segredo profissional do Advogado . . . . .
Obscuridade . . . Ac.320/2014, 339/2014
Ac.330/2014
Obrigações e deveres impostos aos
advogados e à Ordem dos
Advogados . . . . . Ac.330/2014 T
Tempestividade . . . . . . . . Ac.333/2014
P
Princípio da novidade . . . . Ac.322/2014 U
Percentagem mínima de votos Ac.324/2014 Usurpação de competências . Ac.323/2014
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
ACÓRDÃOS
VOLUME 1/ 2014
PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA
— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
SUMÁRIO
PEDIDO DE FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE NORMAS DA LEI DO COMBATE AO BRAN-
QUEAMENTO DE CAPITAIS E DO FINANCIAMENTO AO TERRORISMO
5
— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
6
— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
segurança nacional (artigo 11.ºda Constituição) que prescinde do dever de segredo profissional
para salvaguarda de outras garantias e liberdades consagrados na Constituição. Seja, por outro
lado, porque respeitou a proporcionalidade, pois, as limitações impostas preservam o núcleo
essencial do direito ao sigilo profissional quando o advogado esteja a praticar um acto típico
de advocacia. As operações que constituem foco das obrigações impostas aos advogados nada
têm a ver com processos judiciais ou relacionados. No âmbito dessas transações, o advogado
age como mero consultor económico. O segredo profissional podia servir de guarda-chuva a
actos criminais ou potencialmente criminosos por quem se pretenda valer do advogado não
para aconselhamento em defesa, mas para cometer crimes tão graves como aqueles previstos
na lei em questão.
Por outro lado, houve uma notável e essencial redução do campo de aplicabilidade da
Lei n.º34/11 aos advogados previstas no n.º2 do seu artigo 30.º. Por essas razões, entende este
Tribunal que o legislador ordinário se conduziu dentro dos limites constitucionais.
DIPLOMAS CITADOS
7
— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
O que segue são os motivos da decisão e a decisão proferida pelos Juízes Conselheiros presentes no Plenário do
Tribunal Constitucional.
8
— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
I. – RELATÓRIO
[1] A ORDEM DOS ADVOGADOS DE ANGOLA, OAA daqui por diante, vem, ao abrigo
da alínea f) do n.º 2 do artigo 230.º da Constituição e legislação consequente, requerer a fiscalização
abstracta das seguintes normas da Lei do Combate ao Branqueamento de Capitais e do Financiamento
ao Terrorismo, aprovada pela Lei n.º 34/11, de 12 de Dezembro de 2011:
[2] Tudo no que se refere às obrigações e deveres impostos aos advogados e à Ordem, e
com os seguintes fundamentos:
1. Estes preceitos legais fazem recair sobre os advogados o dever de levar ao conhecimento da
Unidade de Informação Financeira (UIF) sempre que se apercebam de razões para suspeitar
que teve lugar ou está em curso ou foi tentada uma operação susceptível de estar associada
à prática do crime de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo ou de
qualquer outro crime.
2. A própria inclusão dos Advogados no elenco, por recomendação da Financial Action Task Force
(FATF), não tinha de ser seguida por Angola pois não resulta obrigatoriamente das várias
convenções assinadas, dispondo Angola de um amplo espaço de manobra para os Estados
melhor conformarem os seus respectivos direitos internos com os objectivos pretendidos no
combate à criminalidade.
3. Embora conhecendo excepções, estas novas regras, importadas por via de Convenções Interna-
cionais, não atentaram com a devida consideração na realidade jurídica e constitucional de
Angola cuja Constituição reconhece a advocacia como uma instituição essencial à realização
da justiça.
4. Mostram-se, assim, ofendidos alguns dos princípios basilares sobre os quais se acha estruturada
a organização política, social, económica e judicial, nomeadamente:
9
— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
5. Com efeito, a referida Lei e os seus dispositivos acima enunciados ao fazer recair sobre os
Advogados deveres/obrigações prudenciais e de prevenção que, em parte, são uma duplicação
de deveres e obrigações impostas pelo próprio estatuto dos advogados e a Lei da Advocacia e por
isso inúteis, vão desproporcionadamente mais além intrometendo-se indevida e gravemente
no exercício livre e independente da advocacia na sua acepção constitucional de instituição
essencial à realização da justiça.
6. Não se concebe um Estado de Direito sem que se assegure aos profissionais forenses total
independência, autonomia e sigilo profissional no que se refere às informações que lhes são for-
necidas e providenciadas, livre e voluntariamente, pelos seus clientes no âmbito do respectivo
mandato.
7. Embora esse dever de informação se deva concretizar com a supervisão e fiscalização da OAA, é
ao Advogado que incumbe o referido dever de informação à UIF, entidade de competência não
judicial, resultando em clara e evidente perda de autonomia e independência dos Advogados
considerando os artigos 49.º , 174.º , 193.º e 194.º da Constituição.
8. Ainda em reforço desta autonomia ameaçada, o Tribunal Constitucional num dos seus mais
recentes Acórdãos reconheceu a OAA como integrando o poder autónomo determinando ser
imperativo constitucional que a Ordem tenha, nas suas relações com os órgãos estaduais, a
autonomia necessária para poder gerir os assuntos e atribuições a seu cargo, significando uma
efectiva garantia da democracia, da descentralização e da autonomia local.
9. Ora, as normas acima referidas da Lei do Combate ao Branqueamento de Capitais vêm chocar
com as normas estatutárias dos Advogados, imiscuindo- se em matérias como a regulação
do mandato afectando de forma fulcral as suas prerrogativas de independência e autonomia
criando verdadeiras normas regulatórias da actividade forense.
10
— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
referidas disposições acabam por entrar e ferir o acervo de garantias constitucionais concedidas
ao Advogado (n.º s 1 e 2 do artigo 193.º e 194.º da CRA).
12. É evidente que um dever de informação como aquele a que os Advogados passam a ficar
adstritos nas situações previstas na alínea g) do n.º 2 do artigo 3.º , nos artigos seguintes até ao
artigo 13.º , nos artigos 15.º a 20.º e bem assim nos artigos 29.º e 30.º da referida Lei aniquila uma
das mais relevantes e sagradas garantias do Advogado e do Estado de Direito, nomeadamente o
dever de guardar sigilo concernente a informações voluntariamente providenciadas e confiadas
pelos respectivos clientes no âmbito da relação de patrocínio estabelecidas com o seu cliente,
verdadeiro princípio de ordem pública.
13. O sigilo profissional encontra-se regulado no artigo 65.º do Estatuto da Ordem dos Advogados
(EOA) e daí decorre que esse dever se mantém, independentemente da própria vontade do
cliente, podendo apenas ser objecto de revelação a terceiros nos casos de necessidade de
protecção da própria esfera de interesses do cliente ou do próprio advogado, não sendo
possível a sua revelação incólume fora destes casos previstos nos Estatutos.
14. Não é, pois, admissível que o dever de informação consagrado na Lei do Combate ao Branque-
amento de Capitais e do Financiamento ao Terrorismo, nos termos do qual deve o Advogado
fornecer à UIF informações e dados referentes a determinadas operações ou transacções dos
seus clientes, coloque o profissional forense na forte probabilidade de vir a ser responsabilizado
não apenas civil e criminalmente mas igualmente do ponto de vista disciplinar, atendendo às
regras deontológicas a que se encontra vinculado.
15. O sigilo profissional encontra-se mesmo protegido de forma expressa na Constituição, no n.º
2 do seu artigo 194.º , não podendo esta disposição ter outra interpretação que não seja a de
limitar as situações de acesso à informação constante em quaisquer documentos ou qualquer
outro tipo de informação em suporte documental revelada ou disponibilizada pelos respectivos
clientes aos seus advogados.
11
— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
impõem a necessidade de ser assegurada uma tutela judicial efectiva e o direito a um processo
justo e equitativo com respeito pela dignidade da pessoa humana ainda que estejamos perante
outros interesses ou bens jurídicos do Estado, como seja o da sua segurança e a prossecução do
interesse público da investigação criminal.
17. Esta garantia dos Advogados à inviolabilidade dos documentos atinentes ao exercício da sua
actividade profissional assume-se como um direito fundamental de natureza análoga aos
direitos e liberdades e garantias devendo por conseguinte gozar do mesmo regime jurídico-
constitucional nos termos do artigo 27.º da Constituição.
18. Daqui decorre que a obrigação de informação prevista nos preceitos acima citados da Lei
em apreciação ultrapassou os limites constitucionalmente estabelecidos no disposto no n.º 1
do artigo 194.º e artigo 57.º ambos da Constituição, reduzindo substancialmente o conteúdo
intrínseco da referida garantia constitucional de tutela de direitos fundamentais.
[3] Ouvida a Assembleia Nacional para, nos termos do previsto no artigo 16.º n.º 1 da Lei
3/08 de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional, se pronunciar sobre o pedido, esta referiu
essencialmente o seguinte:
1. Ser verdade, como alega a OAA que a Lei n.º 34/11 de 12 de Dezembro foi influenciada pelo
contexto normativo vigente no plano internacional, designadamente pela legislação relativa à
prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos do branqueamento de capitais e de
financiamento do terrorismo.
2. Contudo, não poderia ser de modo diferente, ante a constatação da comunidade internacional
de que, por se tratar de um crime marcado pela nota da internacionalidade, o esforço isolado
dos países na sua prevenção e repressão seria inútil e de que os instrumentos legais de cada
país seriam por si sós, incapazes de enfrentar esse novo fenómeno criminal.
3. Assim se compreende que as recomendações internacionais em matéria de prevenção e combate
à lavagem de dinheiro já tenham sido adoptadas por mais de 180 países, incluindo Angola que
foi admitida como membro observador do Grupo de Países do Sul e Leste de África contra a
Lavagem de Dinheiro - o ESAAMLG - do qual se tornou, em Agosto de 2012, membro efectivo.
4. Este ingresso foi o resultado de contactos iniciados pelo Governo de Angola (com a coordenação
do Banco Nacional de Angola), junto de organismos internacionais, como o Grupo de Acção
Financeira Internacional (GAFI), uma vez que Angola era considerada como uma jurisdição
pouco comprometida com o processo contra o Branqueamento de Capitais e Financiamento do
Terrorismo, tendo em conta as recomendações do referido GAFI.
5. O GAFI não só promove avaliações mútuas dos países como cria mecanismos de pressão
política para aqueles que não cumpram satisfatoriamente as suas recomendações, relacionando
12
— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
os países que não cooperam e oferecem risco ao sistema financeiro internacional (estas listas
podem consultar-se em www.ftf-gafi.org).
6. Além disso, podem ser adoptadas algumas providências, no plano político sendo a mais
grave a aplicação da Recomendação 19, dirigida a todas as instituições financeiras do mundo,
propondo o emprego de medidas de diligência reforçada às relações com pessoas físicas e
jurídicas e instituições financeiras do país que não cumpram as recomendações, incluindo
sanções como a proibição de relações comerciais e financeiras com os nacionais do país em
questão.
8. Os próprios normativos que regem a actividade dos advogados fazem certas ressalvas ao
direito de sigilo, em hipóteses de justa causa ou do estabelecimento de excepções por outra lei.
9. A Lei n.º 34/11 limita-se a estabelecer determinadas ressalvas ao segredo profissional de certos
profissionais entre os quais se consideram incluídos os advogados quando estes actuem no
prosseguimento de algumas actividades, vulgarmente designadas por “advocacia de opera-
ções"as quais se caracterizam pela colaboração material para consolidar operações financeiras,
comerciais, tributarias ou similares, sem que essa actividade tenha relação directa com um
litígio ou um processo.
10. Não atinge, pois, a Lei n.º 34/11 de 12 de Dezembro, a advocacia vinculada à administração da
justiça, caso em que, efectivamente se estaria atingindo o núcleo essencial dos princípios do
contraditório e da mais ampla defesa.
11. O que a Lei n.º 34/11 acautela, num exercício de ponderação de interesses, é que o advo-
gado comunique determinadas operações sempre que houver fortes indícios do crime de
branqueamento de capitais.
12. Os deveres de controlo estipulados na lei são manifestamente compatíveis com a garantia de
um processo equitativo previsto no artigo 6.° da Convenção Europeia para a Protecção do
Homem e das Liberdades Fundamentais, ante a necessidade de lutar eficazmente contra o
branqueamento de capitais, que tem a profunda influência na expansão do crime organizado,
o qual representa uma especial ameaça para as sociedades actuais.
13
— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
13. A mesma argumentação é válida para afastar a alegada ofensa ao princípio da proporcio-
nalidade pois os advogados só estão sujeitos ao disposto na lei sempre que participem em
transacções financeiras ou empresariais, nomeadamente pela prestação de serviços de con-
sultoria fiscal, em relação às quais prevaleça um risco mais acentuado de os seus serviços
serem utilizados de forma abusiva para efeitos de branqueamento do produto de actividades
criminosas, financiamento do terrorismo, actividade criminosa ou evasão fiscal agressiva ou se
o advogado estiver ciente de que o cliente solicita os seus serviços para esses efeitos.
14. Os advogados, nos termos da Lei n.º 34/11, apenas têm o dever de garantir que os serviços
que prestem não serão utilizados para efeitos de uma estratégia subreptícia de branqueamento
de capitais.
II. – COMPETÊNCIA
[4] O Tribunal Constitucional é o competente nos termos não só do n.º 2, alínea a) do artigo
180 como do n.º 1 do artigo 230.º ambos da Constituição e bem assim nos termos da alínea a) do
artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional e do artigo 19.º
da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional.
III. – LEGITIMIDADE
[5] Vem a Ordem dos Advogados de Angola requerer a fiscalização abstracta sucessiva de
vários preceitos da Lei n.º 34/11 de 12 de Dezembro. Tem a Requerente legitimidade nos termos da
alínea f) do n.º 2 do artigo 230.º da Constituição que estabelece o elenco das entidades que podem
requerer a declaração de inconstitucionalidade de qualquer norma legal.
IV. – OBJECTO
[6] O presente processo tem por objecto apreciar a constitucionalidade das seguintes
normas da Lei n.º 34/11 de 12 de Dezembro, Lei do Combate ao Branqueamento de Capitais e do
Financiamento ao Terrorismo:
14
— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
[7] Como decorre da transcrição destas normas adiante, estas disposições fazem impender
sobre os advogados e outros profissionais determinadas obrigações e deveres no contexto do combate
ao branqueamento de capitais e do financiamento ao terrorismo. Cabe a este Tribunal Constitucional
determinar se os deveres ali estabelecidos estão em desconformidade com alguma regra da Consti-
tuição por implicarem alguma restrição ao segredo profissional, um direito fundamental análogo
que, como tal será merecedor de idêntica protecção. Colhidos os vistos legais, cumpre assim apreciar
e decidir.
V. – FUNDAMENTAÇÃO
I – As Normas em Apreciação
2. Estão ainda sujeitas à presente lei as seguintes entidades não financeiras, que exerçam actividade em
território nacional:
15
— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
As entidades sujeitas estão vinculadas, no desempenho da respectiva actividade, ao cumprimento das seguintes
obrigações gerais:
a) Obrigação de identificação;
b) Obrigação de diligência;
c) Obrigação de recusa;
d) Obrigação de conservação;
e) Obrigação de comunicação;
f) Obrigação de abstenção;
g) Obrigação de cooperação;
h) Obrigação de sigilo;
i) Obrigação de controlo;
j) Obrigação de formação.
1. As entidades sujeitas devem exigir identificação e verificar a identidade dos seus clientes, e se aplicável,
dos seus representantes, e do beneficiário efectivo, mediante a apresentação de documento comprovativo
válido sempre que:
2. Caso o montante total das transacções previstas na alínea b) do n.º 1 do presente artigo, não seja conhecido
no momento do início da operação, a entidade sujeita, deve exigir a identificação, a partir do momento
que conheça o valor em causa, e este for superior ao limite imposto na alínea mencionada.
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— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
3. No caso de pessoas singulares, a verificação da identidade deve ser efectuada mediante a apresentação de
documento comprovativo válido em que exiba uma fotografia, do qual conste o nome completo, a data de
nascimento e a nacionalidade.
4. Tratando-se de clientes que sejam pessoas colectivas a identificação faz-se mediante a apresentação de
original ou fotocópia autenticada dos seus estatutos ou certidão do registo comercial ou licença válida
emitida pela entidade competente e número de identificação fiscal.
5. No caso da pessoa colectiva ser não residente em território nacional a identificação é feita mediante
documento equivalente.
7. Sempre que a entidade sujeita tenha conhecimento ou fundada suspeita de que o cliente não actua por
conta própria, deve tomar medidas adequadas que lhe permitam conhecer a identidade da pessoa ou
entidade por conta de quem o cliente está a actuar, nomeadamente dos beneficiários efectivos.
8. As entidades sujeitas devem também verificar se os representantes dos clientes se encontram legalmente
habilitados a actuar em seu nome e representação.
9. A obrigação de identificação prevista no presente artigo deve aplicar-se aos clientes já existentes e
a verificação da identidade desses clientes é objecto de regulamentação emitida pelas autoridades de
supervisão e fiscalização.
3. Não obstante o disposto no número anterior, no caso de abertura de contas de depósito bancário, as
instituições financeiras bancárias não podem permitir a realização de quaisquer movimentos a débito ou
a crédito na conta subsequente ao depósito inicial, disponibilizar quaisquer instrumentos de pagamento
sobre a conta ou efectuar quaisquer alterações na sua titularidade, enquanto não se mostrar verificada a
identidade do cliente, de acordo com as disposições legais ou regulamentares aplicáveis.
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— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
4. O disposto no n.º 2 não é aplicável, ainda que o risco seja diminuto, sempre que surgir uma suspeita
de que a operação esteja relacionada com o crime de branqueamento de capitais ou de financiamento do
terrorismo, caso em que se deve aplicar o disposto no n.º 1 do presente artigo.
Para além da identificação dos clientes, dos seus representantes e dos beneficiários efedivos as entidades sujeitas
devem:
1. No cumprimento das obrigações de identificação e de diligência previstas nos artigos 5.º a 7.º da presente
lei, as entidades sujeitas podem adaptar a natureza e a extensão dos procedimentos de verificação e
das medidas de diligência em função do risco associado de cliente, a relação de negócio, ao produto, à
transacção e à origem ou destino dos fundos.
2. As entidades sujeitas devem estar em condições de demonstrar a adequação dos procedimentos adoptados,
nos termos do número anterior, sempre que tal lhes seja solicitado pela competente autoridade de supervisão
ou de fiscalização.
3. As entidades sujeitas devem adoptar políticas ou medidas que se revelem necessárias para evitar a
utilização abusiva de novas tecnologias em esquemas de branqueamento de capitais e financiamento do
terrorismo.
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— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
a) Quando o cliente seja o Estado ou uma pessoa colectiva de direito público, de qualquer natureza,
integrada na administração central ou local;
b) Quando o cliente seja uma autoridade ou um organismo público sujeito a práticas contabilísticas
transparentes e objecto de fiscalização.
2. Nos casos previstos no número anterior, as entidades sujeitas devem, em qualquer caso, recolher infor-
mação suficiente para verificar se o cliente se enquadra numa das categorias ou profissões, bem como
acompanhar a relação negociai de forma a poder detectar transacções complexas ou de valor anormalmente
elevado que não aparentam ter objectivo económico ou fim lícito.
1. Sem prejuízo do cumprimento do disposto nos artigos 5.º e 7.º , as entidades sujeitas devem aplicar medidas
acrescidas de diligência em relação aos clientes e às operações, atendendo à natureza, a complexidade, o
volume, o carácter não habitual, a ausência de justificação económica ou susceptibilidade de enquadrar
num tipo legal de crime.
2. Verificadas as circunstâncias descritas no número anterior, as entidades sujeitas devem procurar infor-
mação do cliente sobre a origem e destino dos fundos e reduzir a escrito o resultado destas medidas, que
deve estar disponível para as autoridades competentes.
3. São sempre aplicáveis medidas acrescidas de diligência às operações realizadas à distância e especialmente
as que possam favorecer o anonimato, às operações com pessoas politicamente expostas, às operações de
correspondência bancária com instituições financeiras bancárias estabelecidas em países terceiros e a
quaisquer outras designadas pelas autoridades de supervisão ou de fiscalização do respectivo sector, desde
que legalmente habilitadas para o efeito.
4. Sem prejuízo de regulamentação emitida pelas autoridades competentes, nos casos em que a operação
tenha lugar sem que o cliente, ou, caso aplicável, o seu representante, ou o seu beneficiário efectivo
estejam fisicamente presentes, a verificação de identidade pode ser complementada por documentos ou
informações suplementares consideradas adequadas para verificar ou certificar os dados fornecidos pelo
cliente.
5. Quantas às relações do negócio ou transacções ocasionais com pessoas politicamente expostas, as entidades
suspeitas devem:
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— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
a) Dispor de procedimentos adequados e baseados no risco, para determinar se o cliente ou, caso aplicável,
representante ou beneficiário efectivo pode ser considerado politicamente exposta;
b) Obter autorização do órgão de gestão competente da entidade sujeita antes do estabelecimento de
relações de negócio com tais clientes;
c) Tomar as medidas necessárias para determinar a origem do património e dos fundos envolvidos nas
relações de negócio ou nas transacções ocasionais;
d) Efectuar um acompanhamento contínuo acrescido da relação do negócio.
6. O regime previsto no número anterior deve continuar a aplicar-se a quem, tendo deixado de ter a qualidade
de pessoa politicamente exposta, continue a representar um risco acrescido de branqueamento de capitais
ou de financiamento do terrorismo, devido ao seu perfil ou à natureza das operações desenvolvidas.
1. Não obstante as disposições mencionadas no artigo 9.º da presente lei, caso os requisitos mencionados
nos artigos 5.º , 7.º ou 10.º da presente lei não possam ser cumpridos as entidades sujeitas devem:
2. Sempre que ocorram as situações previstas no número anterior, as entidades sujeitas devem analisar
as circunstâncias que a determinaram e, se suspeitarem que a situação pode estar relacionada com a
prática de um crime de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, devem efectuar as
comunicações previstas no artigo 13.º da presente lei e, quando aplicável, ponderar pôr termo à relação
de negócio.
1. As entidades sujeitas devem conservar por um período de dez anos a partir do momento em que for
efectuada a transacção ou após o fim da relação do negócio no mínimo os seguintes documentos:
20
— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
d) Cópia das comunicações efectuadas pelas entidades sujeitas à Unidade de Informação Financeira e
com as autoridades competentes.
2. A informação referida no número anterior deve ser colocada à disposição da Unidade de Informação
Financeira e das demais autoridades competentes.
1. As entidades sujeitas devem, por sua própria iniciativa, informar, de imediato, a Unidade de Informação
Financeira, sempre que saibam, suspeitem ou tenham razões suficientes para suspeitar que teve lugar, está
em curso ou foi tentada uma operação susceptível de estar associada à prática do crime de branqueamento
de capitais ou de financiamento do terrorismo ou de qualquer outro crime.
2. As entidades sujeitas devem ainda comunicar à Unidade de Informação Financeira todas as transacções
em numerário igual ou superior, em moeda nacional, ao equivalente a USD 15 000,00 (quinze mil
Dólares dos Estados Unidos da América).
3. As informações fornecidas, nos termos dos números anteriores, penas podem ser utilizadas em processo
penal, não podendo ser revelada, em caso algum, a identidade de quem as forneceu.
1. Sempre que se constate que uma determinada operação evidencia fundada suspeita e seja susceptível
de constituir crime, as entidades sujeitas, para além da obrigação decorrente do artigo 5.º da presente
lei, devem abster-se de executar quaisquer operações relacionadas com o pedido do cliente, e aguardar
pela decisão, comunicada por escrito, ou por qualquer outro meio, cuja informação seja posteriormente
confirmada por escrito, pela Unidade de Informação Financeira, nos termos dos números seguintes,
podendo esta autoridade determinar a suspensão da respectiva execução.
2. A decisão da Unidade de Informação Financeira deve ser comunicada à entidade sujeita num prazo
máximo de três dias úteis a contar da comunicação, findo o qual a operação pode ser executada, caso a
ordem de suspensão não seja confirmada pela Unidade de Informação Financeira.
3. Em caso de decisão pela execução da suspensão das operações suspeitas de branqueamento de capitais
ou de financiamento de terrorismo, a Unidade de Informação Financeira pode determinar a execução da
suspensão por um período máximo de vinte e oito dias.
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— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
5. A Procuradoria Geral da República deve pronunciar-se no prazo de dez dias a contar da solicitação da
Unidade prevista no número anterior, sendo que no caso de a Procuradoria Geral da República não se
pronunciar no prazo referido, a decisão de execução da suspensão considera-se tacitamente deferida.
7. No caso da entidade sujeita considerar que a abstenção referida no n.º 1 do presente artigo não é possível
ao que, após consulta à Unidade de Informação Financeira, possa ser susceptível de prejudicar a prevenção
ou a futura investigação do branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, a referida
operação pode ser realizada, devendo a entidade sujeita fornecer, de imediato, à Unidade de Informação
Financeira as informações respeitantes à operação.
2. Após início do processo de investigação formal, as entidades sujeitas devem cooperar com as autoridades
judiciárias e policiais competentes.
As entidades sujeitas e os membros dos respectivos órgãos sociais, ou que nela exerçam funções de direcção,
de gerência ou de chefia, os seus empregados, os mandatários e outras pessoas que lhe prestem serviço a
título permanente, temporário ou ocasional, não podem revelar ao cliente ou a terceiros, que transmitiram
as comunicações legalmente devidas ou que se encontra em curso uma investigação criminal.
As informações prestadas de boa fé pelas entidades sujeitas no cumprimento das obrigações mencionadas
nos artigos 13° e 15° da presente lei não constituem violação de qualquer obrigação de segredo, imposto
por via legislativa, regulamentar ou contratual, nem implicam, para quem as preste, responsabilidades
disciplinar, civil ou criminal.
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— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
Todas as entidades sujeitas, incluindo as respectivas filiais, sucursais, agências, ou qualquer outra forma
de representação comercial, com sede em território angolano devem dotar-se de políticas, processos e
procedimentos, nomeadamente em matéria de avaliação e gestão de risco, auditoria e controlo interno
adequados para verificar o cumprimento dos mesmos, bem como procedimentos adequados para assegurar
critérios exigentes de contratação de empregados, de forma a permitir-lhes que, em qualquer altura,
estejam aptas a cumprir as obrigações preconizadas pela presente lei.
1. Todas as entidades sujeitas devem garantir a formação adequada aos seus empregados e dirigentes, visando
o cumprimento das obrigações impostas pela presente lei e regulamentação em matéria de prevenção e
repressão do branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo.
2. As entidades sujeitas devem conservar, durante um período de cinco anos, cópia dos documentos ou
registos relativos à formação prestada aos seus empregados e dirigentes.
As entidades não financeiras estão sujeitas às obrigações enunciadas no artigo 4.º , com as especificações
previstas nos artigos seguintes e nas normas regulamentares emitidas pelas autoridades de supervisão e
fiscalização mencionadas no n.º 2 do artigo 35.º da presente lei.
1. No cumprimento da obrigação de comunicação, prevista no n.º 1 do artigo 13.º da presente lei, as entidades
não financeiras comunicam as operações suspeitas à Unidade de Informação Financeira, sem prejuízo do
disposto no número seguinte.
2. Os Advogados e estando em causa as operações referidas no n.º 1 do artigo 15.º da presente lei, não
são abrangidos pela obrigação de comunicação prevista no número anterior, as informações obtidas no
contexto da avaliação da situação jurídica do cliente, no âmbito da consulta jurídica, no exercício da
sua missão de defesa ou representação do cliente num processo judicial, ou a respeito de um processo
judicial, incluindo o aconselhamento relativo à maneira de propor ou evitar um processo, bem como as
informações que sejam obtidas antes, durante ou depois do processo.
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— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
[9] Todas as normas acima transcritas inserem-se, como se lê no Preâmbulo da Lei n.º 34/11,
no cumprimento pela República de Angola das Resoluções por si aprovadas e ratificadas, referentes
às Convenções das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, a
criminalidade transnacional e a supressão do financiamento ao terrorismo, com vista a garantir a segurança
territorial e o normal funcionamento do sistema financeiro.
[10] Esta Lei revoga a Lei n.º 12/2010, de 9 de Julho - Lei sobre o Combate ao Branqueamento
de Capitais e Financiamento do Terrorismo, visando, como se refere no Preâmbulo, a necessidade
premente de proceder à revisão do sistema de prevenção e repressão do combate ao branqueamento de capitais e
do financiamento do terrorismo, no sentido de estabelecer a sua eficiência e eficácia em conformidade com os
padrões internacionais aditando também, aspectos fundamentais ao referido sistema que reforçam sobremaneira
o exercício das funções das autoridades angolanas na prevenção e repressão dos referidos crimes.
• Capítulo I Disposições Gerais - o artigo 3.º que inclui os advogados no elenco das entidades
sujeitas ás obrigações estabelecidas;
• Capítulo II Obrigações das Entidades Sujeitas - os artigos 4.º , 5.º a 13.º , 15.º a 20.º ;
• Capítulo IV Obrigações Específicas das Entidades Não Financeiras - os artigos 29.º e 30.º
[12] Ainda com interesse para a apreciação da constitucionalidade das normas indicadas,
as regras estabelecidas no Capítulo V - Da Supervisão e Fiscalização, muito particularmente a alínea
d) do n.º 2 do artigo 35.º da Lei n.º 34/11 onde se estabelece que relativamente aos advogados, a
supervisão e fiscalização do cumprimento das suas obrigações incumbe à Ordem dos Advogados.
[13] Interessam ainda as disposições dos Capítulos VII (Regime transgressional), VIII
(Disposições processuais) e IX (Disposições penais), nomeadamente os artigos 42.º (Aplicação no espaço)
em que se distinguem os factos praticados em território angolano, fora do território nacional e
os praticados a bordo de navios ou aeronaves de bandeira angolana; 43.º (Responsabilidade) e 44.º
(Negligência) em que é estipulado que "a negligência é sempre punível" embora graduada a pena
consoante as circunstâncias.
[14] No Capítulo IX são definidos os tipos de crime previstos e punidos:
24
— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
• Violação da protecção na prestação de informações, com pena de prisão até 3 anos e multa - artigo 59.º ;
[15] Fica claro que toda esta legislação é fruto do impulso da legislação internacional e
que medidas idênticas foram adoptadas por mais de 180 países. A única questão que se suscita
neste pedido de fiscalização da Lei n.º 34/11 de 12 de Dezembro tem exclusivamente a ver com
a circunstância de nela se imporem especiais deveres ao advogado. Em síntese, impõem-se ao
advogado o dever de identificação, ou seja, a verificação, registo e conservação da identidade dos
clientes, e muito especialmente o dever de comunicação das operações suspeitas , ou seja, a obrigação
de denúncia de operações suspeitas ou de transacções indiciadoras de branqueamento.
[16] O Estatuto da Ordem dos Advogados determina que o advogado é obrigado a guardar
segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício
das suas funções ou da prestação dos seus serviços, tal como estatui o n.º 2 do artigo 65.º do Estatuto
da Ordem dos Advogados: "a obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido
ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o
advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou o serviço..."
[17] A Lei ora em apreciação ao introduzir a obrigação de denúncia estabelece uma excepção
relativamente a este princípio geral que rege a deontologia própria da profissão e a ética do exercício
da advocacia.
[18] A questão fulcral a apreciar pelo Tribunal Constitucional é a de saber se estes deveres
agora estabelecidos aos advogados, estão em desconformidade com a Constituição, especificamente
com as garantias que ela estabelece para o exercício da advocacia.
[19] Em Angola, como na generalidade dos países que se assumem como Estados de Direito,
a Constituição e a Lei asseguram aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato
e regulam o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça sendo que a
imunidade necessária ao desempenho eficaz do mandato forense é assegurada aos advogados pelo
25
— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
[24] Como a própria Requerente o observa (ponto 14 da sua petição) as bases pelas quais
a FATF defendeu a inclusão dos profissionais forenses, incluindo os Advogados nas regras de combate ao
branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo se encontram descritas no respectivo relatório de 2013,
designado por Money Laundering and Terrorist Financing Vulnerabilities of Legal Professional, nos termos da
qual, e com base no estudo realizado, se encontra devidamente descrito que a procura de profissionais forenses
por redes criminosas pode ocorrer na medida em que (i) acabam por legitimar uma determinada transacção, (ii)
o envolvimento de um profissional forense permite dar uma imagem de credibilidade dissuadindo a possibilidade
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— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
de suspeição sobre os actos praticados e (iii) o envolvimento de um profissional forense fornece um obstáculo
nas investigações atendendo às suas garantias e prerrogativas.
[25] Esta constatação não padece de dúvidas, pois, os advogados, por natureza da sua
profissão, são frequentemente procurados para aconselhamento e defesa de quem praticou actos
delituosos. Nestes casos, com a referida ressalva da lei, ainda que o cliente tenha algum envolvimento
com o crime de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, o advogado tem o
direito de guardar sigilo profissional.
[26] O mesmo só não acontecerá quando o cliente procura o advogado não para ser acon-
selhado ou defendido, mas para obter a colaboração profissional do advogado para levar a cabo
alguma das operações já acima indicadas relativamente à alínea g) do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º
34/11:
v. Criação, exploração ou gestão de pessoas colectivas ou de centros de interesses colectivos sem personalidade
jurídica e compra e venda de estabelecimentos e de entidades comerciais;
vi. Prestadores de serviços a sociedades, a outras pessoas colectivas ou a centros de interesses colectivos sem
personalidade jurídica que não estejam abrangidas nas alíneas g) e f).
[27] Entende a Ordem dos Advogados que, mesmo nestes casos, se está a violar a Consti-
tuição, nomeadamente o princípio do Estado de Direito Democrático (artigo 2.º da CRA), incluindo
os subprincípios da legalidade, da protecção das expectativas e confiança; o princípio da proporci-
onalidade na restrição de direitos (artigo 57.º da CRA): o princípio da independência do sistema
judicial e dos seus agentes (artigos 193.º e 194.º da CRA); o princípio da autonomia deontológica
e estatutária da OAA e dos Advogados no exercício do mandato forense (artigos 193.º e 194.º da
CRA); o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional (artigo 29.º da CRA) e até o princípio
do direito a um julgamento justo e equitativo (n.º 4 do artigo 29.º e artigo 72.º da CRA).
[28] Entende ainda a OAA que as disposições citadas da Lei n.º 34/11 não só não consideram
a inclusão da Ordem dos Advogados entre as instituições reconhecidas como essenciais à Justiça,
na Constituição, como directamente ofendem o direito ao segredo profissional, um direito análogo
aos direitos fundamentais, consagrado na própria Constituição no n.º 2 do seu artigo 194.º segundo
o qual "É garantida a inviolabilidade dos documentos respeitantes ao exercício da profissão, nos limites do
previsto na lei, apenas sendo admissíveis buscas, apreensões, arrolamentos e diligências semelhantes ordenados
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— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
28
— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
[33] Como atrás ficou dito, a imposição aos advogados da obrigação de informação e
denuncia, constitui uma excepção ao direito dever do advogado ao sigilo profissional.
[34] Note-se, desde logo, que a Constituição, (artigo 194.º n.º 1) estabelece que as garantias
do advogado e as suas imunidades, como é o caso do direito ao sigilo profissional, não são valores
absolutos e intangíveis, podendo a lei vir a estabelecer limites a tal direito com sucedeu com a Lei n.º
34/11 ora em apreciação.
[35] A questão de fundo que agora se coloca, no plano jusconstitucional, é a de saber se
os limites impostos por esta Lei respeitam os princípios da necessidade e da proporcionalidade
estabelecidos no artigo 57.º da CRA para legitimar qualquer medida legal de restrição de direitos ou
interesses constitucionalmente protegidos.
[36] Convém observar que o advogado que não esteja a praticar um típico acto de advocacia,
como seja uma consulta, uma avaliação jurídica, a preparação de um processo ou em qualquer
intervenção judicial, antes, durante e depois de um processo e tenha a suspeita de que é solicitado para
de algum modo colaborar na prática de um crime de branqueamento de capitais ou de financiamento
do terrorismo, tem o direito e o dever de se abster, de recusar e comunicar a sua fundada suspeita à
OAA sob pena de se tornar ou cúmplice ou co-autor ou pelo menos encobridor de um crime grave.
[37] A distinção da natureza dos actos praticados por advogados referidos na Lei n.º 34/11
e os actos que judicial ou extrajudicialmente constituem os actos típicos de advocacia é a questão
que importa agora decidir. No fundo trata-se da questão de saber se o segredo profissional pode
servir de guarda-chuva a actos criminosos ou potencialmente criminosos.
[38] A Ordem dos Advogados manifesta as suas reservas, aliás compreensíveis, na medida
em que nem sempre aquela distinção é clara, e por entender que tais obrigações de denúncia irão
ser no futuro uma inibição para se procurar o advogado, ou quando procurado, não lhe permitir o
melhor aconselhamento por receio de revelação de todos os factos por parte do seu cliente. Mais uma
vez deve atentar-se que as operações que constituem o foco das obrigações impostas aos advogados
nada têm que ver com processos judiciais, ou mesmo com o aconselhamento jurídico quanto à forma
de evitar ou promover um determinado processo judicial, É nesse âmbito que a palavra é prata e o
silêncio ouro... é aí que o segredo é sagrado e sacramentado como tem sido proclamado. Ninguém
pode duvidar que o dever de guardar sigilo seja a regra de ouro da advocacia, honra e timbre da
profissão, condição sine qua non da sua plena dignidade.
[39] Seria no entanto contraditório se esse dever sagrado fosse usado e abusado por quem
precisamente se pretenda valer do advogado, não para aconselhamento ou para sua defesa, mas
para cometer crimes tão graves como aqueles que estão definidos na Lei n.º 34/11... sobre os
quais o advogado não é procurado para aconselhar, evitar o cometimento, mas dar-lhes cobertura.
Circunstância de que o advogado pode até não se aperceber... o advogado não é obrigado a reportar
casos duvidosos, mas apenas os casos em que se aperceba de ciência certa, ou tenha razões suficientes
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— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
para suspeitar que teve lugar, está em curso ou foi tentada uma operação susceptível de estar associada
à prática do crime de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo ou de qualquer
outro crime. E, volta a repetir-se, conhecimento ou suspeita fundamentada, não no âmbito de uma
consulta ou avaliação jurídica de um processo actual ou potencial, mas quando o advogado tenha
sido solicitado para intervir (i) numa compra e venda de imóveis ou de participações sociais; (ii)
na gestão de fundos, valores mobiliários ou outros activos de diferente natureza; (iii) na gestão
de contas bancárias e contas poupança; (iv) na organização de contribuições destinadas à criação,
exploração ou gestão de sociedades; (v) na criação, exploração ou gestão de pessoas colectivas ou de
centros de interesses colectivos sem personalidade jurídica e compra e venda de estabelecimentos e
de entidades comerciais; (vi) na prestação de serviços a sociedades e outras pessoas colectivas ou a
centros de interesses colectivos sem personalidade jurídica.
[40] Em nenhum destes casos existe um mandato forense. Considera-se mandato forense o
mandato judicial para ser exercido em qualquer tribunal, incluindo os tribunais arbitrais e os julgados
de paz. O artigo 42.º dos estatutos da Ordem dos Advogados de Angola define o mandato judicial
como a representação e assistência... nomeadamente para a defesa de direitos, patrocínio de relações jurídicas
controvertidas, composição de interesses ou em processos de mera averiguação, ainda que administrativa,
oficiosa ou de qualquer outra natureza.
[41] Também não se está em nenhum destes casos perante uma consulta jurídica igualmente
não abrangida no dever de informação. Considera-se consulta jurídica a actividade de aconselha-
mento jurídico que consiste na interpretação e aplicação de normas jurídicas.
[42] Resulta com muita clareza a necessidade de distinguir este tipo de actividade da
prática pelo advogado como autor moral ou material, ou como cúmplice, de factos constitutivos do
crime de branqueamento em qualquer das suas manifestações ou formas. Em casos como este não
pode ser garantido o segredo profissional nem a inviolabilidade dos documentos respeitantes ao
exercício da profissão, admitindo a Constituição no já citado no n.º 2 do artigo 194.º da Constituição
que se efectuem buscas, apreensões, arrolamentos e diligência semelhantes ao escritório de advogado,
desde que ordenadas por decisão judicial.
[43] De forma preventiva, e porque existe o risco de os advogados poderem vir a encontrar-se
nessa situação é que se lhe impõem obrigações de diligência no sentido de não virem a ser envolvidos
em crimes da natureza descrita na Lei n.º 34/11. Esses deveres prudenciais, como o dever de
identificação e outros conexos com o mesmo estão minuciosamente previstos na Lei no sentido de
uma cooperação com a realização da Justiça.
[44] Acontece que o dever de comunicação baseado apenas no juízo subjectivo de suspeita
por parte do advogado é na prática dificilmente sindicável. Apenas no âmbito de um concreto
processo de branqueamento de capitais se poderá avaliar em que medida a intervenção do advogado
foi delituosa, sendo certo que sempre será punida a sua negligência, por violação dos referidos
deveres de diligência explicitados na Lei n.º 34/11.
30
— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
[45] A lei n.º 34/11 é porém mais assertiva e no sentido de tornear essa subjectividade, como
que cria no n.º 2 do artigo 13.º um juízo objectivo de suspeita com base no valor da operação praticada.
Assim se exige que os advogados devem comunicar à UIF todas as transacções em numerário de
valor igual ou superior em moeda nacional, ao equivalente a USD 15.000,00 (quinze mil Dólares dos
Estados Unidos da América).
[46] Nestes casos, tantos naqueles em que o advogado tem razões para suspeitar da prática
do crime de branqueamento de capitais, como no reporte objectivo das operações de certo valor
determinado na lei, tem de se reconhecer que o segredo profissional não é chamado a exercer o
seu tradicional papel de blindagem. Nestes casos a obrigação de comunicação conforma-se com
um uso limitado, proporcionado ao risco e ao perigo de cometimento de crimes graves, do segredo
profissional. Nem se põe verdadeiramente a questão da quebra de confiança do cidadão ou cliente
no seu advogado, porque no caso de suspeita séria ele não é merecedor dessa confiança, e porque no
caso do reporte de operações acima de certo valor o cidadão sabe, à partida, que essa comunicação
deve ser efectuada nos termos da lei.
[47] Entende o Tribunal Constitucional que o legislador ordinário se conduziu dentro dos
limites constitucionalmente estabelecidos, seja porque a restrição é necessária em face do interesse
público de adequado e eficaz combate ao branqueamento de capitais e ao terrorismo, para salvaguarda
da segurança nacional (artigo 11.º da CRA), seja por outro lado porque respeitou a proporcionalidade,
pois, as limitações impostas preservam o núcleo essencial do direito ao sigilo profissional quando o
advogado esteja a praticar um acto típico de advocacia.
8. Resumo e Conclusão
[48] Assim, e em conclusão, o advogado tem o estrito dever e o direito de reserva absoluta,
isto é, não está obrigado ao dever de comunicação, ou seja, está isento da obrigação de participação
ou não tem o dever de denúncia, bem pelo contrário, em qualquer das seguintes situações:
2. quando exerça a sua missão de defesa ou representação do cliente num processo judicial,
ou a respeito de um processo judicial, isto quer as informações sejam obtidas antes, durante
ou depois do processo. Ou seja, enquanto o advogado age como tal, enquanto pratica actos
próprios da advocacia, tal como estão definidos na Lei n.º 1/95, de 6 de Janeiro , não está
obrigado ao dever de comunicação ou de denúncia, nem sequer ao Bastonário.
31
— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
ou tem a suspeita da prática de qualquer dos crimes previsto na Lei n.º 34/11, tem a obrigação de
comunicar a sua suspeita à Ordem dos Advogados.
[50] Nestes casos, o advogado age, não como advogado, mas
• como mero consultor económico, fora da previsão dos serviços conexos com o aconselhamento,
o patrocínio ou a defesa;
[51] Não está, nem pode estar, abrangido por tal isenção do dever de denúncia das ope-
rações suspeitas. Ainda assim, e tendo em conta a sua qualidade pessoal de advogado, e não
propriamente qualquer acto praticado no exercício da profissão, só terá o dever de denúncia das
operações suspeitas através da sua própria Ordem, dirigindo-se ao seu Bastonário que, em única ou
última e definitiva instância decidirá.
[52] Embora se continue a poder dizer que o advogado deve respeitar a obrigação de
guardar segredo relativamente a toda a informação confidencial de que tome conhecimento no
âmbito da sua actividade profissional, o advogado deve reconhecer que a sua actividade profissional
não forense, está imbuída de riscos relativamente aos quais deverá estar continuamente vigilante.
Acresce que a obrigação de segredo profissional não é estabelecida em benefício directo de cada
um dos clientes, pois vincula o advogado mesmo contra a vontade e o interesse do seu cliente. A
obrigação de segredo profissional do advogado é um dever de ordem pública, só cedendo nos casos
excepcionalmente previstos na lei, como é agora o caso das obrigações que lhe são impostas na Lei
do Combate ao Branqueamento de Capitais e de Financiamento do Terrorismo.
[53] Por outro lado, nos próprios termos estatutários, o advogado pode revelar factos
abrangidos peio segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa
da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes,
mediante prévia autorização do Presidente do Conselho Provincial respectivo, com recurso para
o Bastonário (n.º 4 do artigo 65.º do Decreto n.º 28/96, de 13 de Setembro, Estatuto da Ordem
dos Advogados). Afigura-se razoável interpretar como atentatória da dignidade e dos direitos ou
interesses legítimos do advogado o aproveitamento do segredo profissional como uma cobertura
para uma actividade gravemente delituosa.
[54] Este Tribunal não adere a uma acepção do segredo profissional dos advogados em
qualquer circunstância, mesmo quando o sigilo respeite a factos revelados pelos respectivos clientes
e que, de forma directa ou indirecta, possam ter por objecto actos ou operações de branqueamento
de capitais ou de financiamento do terrorismo. Ao contrário do que sustenta a Requerente, nesses
casos é o próprio princípio do Estado de Direito Democrático e o interesse de garantia da segurança
nacional que prescindem do dever de segredo profissional para salvaguarda de outras garantias e
liberdades consagradas na Constituição.
32
— PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA —
[55] De tudo o acima exposto decorre que o alcance do dever de denúncia pelos advogados
se enquadra dentro dos limites não só legais como constitucionais. Longe de tornar os advogados
em traidores dos clientes que neles confiaram e em colaboradores da polícia e do Ministério Público,
é no âmbito da realização da Justiça relativamente ao tipo de crimes a que a Lei n.º 34/11 se refere
que a cooperação esperada dos advogados é também essencial.
[56] Entende, assim, este Tribunal Constitucional que se mostra plenamente assegurado o
sigilo profissional dos advogados não havendo, consequentemente, qualquer desconformidade da
Lei n.º 34/11 com a Constituição.
VI. – DECISÃO
Notifique-se e publique-se.
33
RECURSO ORDINÁRIO DE
INCONSTITUCIONALIDADE
— RECURSO ORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
SUMÁRIO
RECURSO ORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE CONTRA DECISÃO DO TRI-
BUNAL PROVINCIAL DE BENGUELA EM RELAÇÃO AO ARTIGO 23.º DO DECRETO
N.º 231/79 DE 16 DE JULHO
37
— RECURSO ORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
38
— RECURSO ORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
DIPLOMAS CITADOS
Código Penal
Artigos 1.º, 5.º, 6.º, 18.º, 54.º
Constituição da República de Angola
Artigos 6.º, 57.º, 65.ºn.º1, 65.ºn.º2, 65.ºn.º3, 65.ºn.º4, 67.ºn.º2, 180.ºn.º2e
Código de Estrada
Artigos 1.º, 121.º, 121.ºn.º1, 125.º, 132.º, 177.º, 177.ºn.º1, 177.ºn.º2, 177.ºn.º3, artigo 177.ºn.º6
Código de Estrada de 1954
Decreto n.º231/79 de 16 de Julho
Artigos 22.º, 23.º, 23.ºn.º1, 23.ºn.º2, 24.º
Decreto-Lei n.º5/08, de 29 de Setembro
Preâmbulo, Artigo 2.º
Lei n.º2/08 de 17 Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional
Lei n.º3/08 de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional
Artigos 11.º, 15.º, 36.ºn.º1, 36.ºn.º1b), 36.ºn.º2, 37.ºn.º1a), 44.º
O que segue são os motivos da decisão e a decisão proferida pelos Juízes Conselheiros presentes no Plenário do
Tribunal Constitucional.
39
— RECURSO ORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
I. – RELATÓRIO
1. Que o Tribunal recorrido, ao aplicar a pena prevista nos artigos 23.º e 24.º do Decreto n.º
231/79, interpreta de forma ilegal, analógica e extensivamente a última parte do artigo 111.º
, n.º 2, do Código de Estrada, cujo articulado estabelece de maneira duvidosa condicionada,
imprecisa e vaga se sanção mais grave não estiver prevista para a infracção praticada, o que contraria
o princípio da legalidade, previsto no artigo 62.º da Constituição da República de Angola, CRA,
e o disposto nos artigos 1.º , 5.º , 6.º ,18.º e 54.º do Código Penal.
2. Que o arguido deve ser sancionado com a pena de multa, nos termos dos artigos 121.º , n.º 1 e
177.º , n.º 2 do Código de Estrada e não com a pena de prisão efectiva prevista e punível pelo
artigo 232.º , n.º 1, conjugado com o artigo 242.º , ambos do Decreto n.º 231/79, pelo facto de
estas normas terem sido derrogadas pelos artigos 121.º e 177.º , n.º 2 do Código de Estrada.
3. Que a aplicação dos artigos 23.º , n.º 1 e 24.º do Decreto n.º 231/79 e do artigo 177.º , n.º 2 do
Código de Estrada constitui violação ao princípio da aplicação da lei penal mais favorável, bem
como ao direito à presunção da inocência, consagrados, respectivamente, nos artigos 65.º , n.º
3 e 4 e 67.º , n.º 2 da Constituição da República de Angola, CRA.
4. Que o artigo 177.º , n.º 2 do Código de Estrada por incluir no seu articulado a expressão "se
sanção mais grave não estiver prevista para a infracção praticada"contraria o artigo 6.º da CRA
e as disposições combinadas dos artigos 1.º , 5.º , 6.º , 18.º e 54.º do Código Penal por violar o
princípio da legalidade e da proibição do recurso à analogia e da interpretação extensiva do
Direito Penal.
[3] Face aos argumentos expendidos, o Recorrente pede ao Tribunal Constitucional que
declare a inconstitucionalidade dos artigos 23.º , n.º 1 e 24.º do Decreto 231/79, de 16 de Julho bem
40
— RECURSO ORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
como do artigo 177, n.º 2 do Código de Estrada, na parte que refere "se sanção mais grave não estiver
prevista para a infracção praticada"e a revogação em conformidade do acórdão recorrido.
II. – COMPETÊNCIA
[4] O presente recurso foi interposto pelo Ministério Público como recurso ordinário de
inconstitucionalidade, e como tal admitido, com efeito suspensivo e subida nos próprios autos, nos
termos das disposições combinadas dos artigos 36.º , n.º 1 a), 37.º , n.º 1, a) e 44.º da Lei 3/08 de 17 de
Junho, Lei do Processo Constitucional.
[5] Incide sobre norma que fundamenta a sentença final proferida pelo Meritíssimo Juiz
da 1a Secção da Sala dos Crimes do Tribunal Provincial de Benguela, cuja inconstitucionalidade foi
arguida durante a sessão de julgamento, conforme acta da audiência de julgamento, inserida a fls.
22 a 24 dos autos.
[6] O Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 180.º n.º 2, alínea e) da CRA e do artigo
36 n.º 1, alínea b) da Lei n.º 3/08, Lei do Processo Constitucional, LPC, é competente para apreciar em
recurso a constitucionalidade das decisões dos demais Tribunais que apliquem normas cuja constitucionalidade
haja sido suscitada durante o processo.
III. – LEGITIMIDADE
[7] O Ministério Público goza de legitimidade processual activa para interpor recurso
ordinário de inconstitucionalidade, artigo 37.º , n.º 1, alínea a) da L.P.C. Além disso e como se
dispõe no artigo 21.º , n.º 3 da Lei n.º 2/08 de 17 de Junho, sempre que no processo se questiona a
constitucionalidade de uma norma o Ministério Público tem a obrigação legal de interpor recurso
ordinário de inconstitucionalidade.
[8] Por conseguinte, o Recorrente, Ministério Público, é parte legítima na presente acção.
IV. – OBJECTO
[9] A questão a sindicar, de harmonia com o n.º 2 do artigo 36.º da Lei 3/08 de 17 de Junho,
incide, strictu sensu, sobre a inconstitucionalidade do artigo 23.º do Decreto n.º 231/79 de 16 de Junho
e sobre a questão de saber se a sua aplicação fere princípios ou normas constitucionais. Estabelece o
artigo 23.º , com a epígrafe, Condução Ilegal, o seguinte: 1. Todo aquele que for encontrado a conduzir um
veículo sem que para tal esteja legalmente habilitado, será condenado na pena de prisão de um a seis meses e a
multa de cinco mil Kwanzas. - 2. Em caso de reincidência, a pena de prisão será de três meses a um ano e a
multa de dez mil Kwanzas..
[10] Todavia, o Recorrente, em sede de alegações, pede igualmente ao Tribunal Consti-
tucional que declare a inconstitucionalidade do artigo 24.º daquele mesmo Decreto e a da última
41
— RECURSO ORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
parte do n.º 2 do artigo 177.º do Código de Estrada, embora as normas em causa não tivessem sido
impugnadas durante o processo de julgamento do Arguido.
[11] O artigo 24.º do Decreto n.º 231/79, sob a epígrafe Efectividade das Penas, prevê que
A pena de prisão e a inibição prevista nos artigos anteriores (artigos 22.º - e 23.º ) não poderão em nenhum
caso ser suspensas ou substituídas por quaisquer outras medidas.
[12] Por seu lado, o artigo 177.º , n.º 2 do Código de Estrada dispõe no sentido seguinte:
Art.º 177.º Infracções ao uso de carta de condução e seguro de responsabilidade civil - 1 ". "2. A
infracção ao disposto no artigo 121B relativamente à condução de veículos sem estar devidamente habilitado é
sancionada com a multa de 84 a 420 UCF, se sanção mais grave não estiver prevista para a infracção praticada.
3..... 4"
[13] Considerando os poderes de cognição do Juiz estabelecidos no artigo 11.º da Lei n.º
3/08 e atendendo que os artigos 24.º do Decreto n.º 231/79 e 177.º , n.º 2 do Código de Estrada
foram aplicados em conjugação com o artigo 23.º , deve este Tribunal igualmente apreciar se da sua
aplicação resultou a violação de normas ou de princípios constitucionais. Colhidos os vistos legais,
cumpre apreciar e decidir.
V. – FUNDAMENTAÇÃO
[14] Face ao que no âmbito do presente recurso cabe apreciar, vai este Tribunal pronunciar-
se, a título de consideração prévia, sobre a vigência ou não na ordem jurídica angolana do Decreto
n.º 231/79, tendo em conta a aprovação do novo Código de Estrada pelo Decreto-Lei n.º 5/08 de 29
de Setembro.
[15] O Preâmbulo do Decreto-Lei aqui em referência dá-nos conta do escopo normativo
subjacente à entrada em vigor do novo Código de Estrada que veio revogar expressamente o Código
de Estrada de 1954 bem como dois outros diplomas legais que disciplinavam o trânsito nas vias
públicas. Daí se colhe ter tido que ver com a necessidade ... de proceder a uma revisão profunda da
legislação existente ...., integrar num mesmo quadro a legislação avulsa ... e actualizar as regras jurídicas
aplicáveis ao trânsito nas vias públicas..., após um período em que o Código de Estrada de 1954 e o seu
regulamento foram considerados desajustados da realidade, tendo originado diversas alterações e aditamentos
aos diplomas então em vigor. Tal facto, lê-se ainda no Preâmbulo do Decreto - Lei n.º 5/08, conduziu a
uma situação de coexistência de um vasto conjunto de disposições regulamentares avulsas, tornando difícil não
só a interpretação do normativo vigente, como também a eficácia da respectiva aplicação.
[16] Nessa conformidade, o artigo 2.º do Decreto - Lei n.º 5/08, apesar de não fazer menção
expressa à revogação do Decreto n.º 231/79 que incorpora a norma ora impugnada, o artigo 23.º ,
dispõe, todavia, sobre a revogação de toda a legislação (avulsa) que contrarie o disposto no (novo)
Código de Estrada, COmo se segue: Art. 2.º -É revogado o Código de Estrada aprovado pelo Decreto-Lei n.º
42
— RECURSO ORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
39 672, de 20 de Maio de 1954, o Decreto-Lei n.º 152/75 de 31 de Outubro, o Decreto executivo n.º 77/04 de
23 de Julho, bem como toda a legislação que contrarie o disposto no Código de Estrada aprovado pelo presente
decreto-lei.
[17] Sendo esta última (toda a legislação que contrarie o disposto no Código de Estrada) uma
formulação imperfeita em termos de boa técnica legislativa, já que levanta dúvidas relativamente
à legislação objecto de revogação, certo é, porém, que o novo Código de Estrada vem legislar
sobre matéria igualmente regulada pelo Decreto n.º 231/79, como a que se refere aos crimes e às
contravenções cometidos no exercício da condução automóvel. O seu artigo 132.º , com a epígrafe
Legislação aplicável e inserido no Capítulo II sobre Responsabilidade por Violação das Normas do Código
de Estrada, estabelece que Os crimes e as contravenções cometidos no exercício da condução automóvel são
punidos nos termos da Legislação Penal e do Presente Código,...
[18] Em decorrência, é consagrada uma nova disciplina jurídica para os referidos crimes e
contravenções, associada, prima facie, a um regime mais favorável relativamente à punibilidade das
infracções praticadas. Aqui se inserem, vg., as infracções ao uso da carta de condução, para as quais
o artigo 177.º do Código de Estrada comina, na maior parte dos casos, penas de multa, apesar da
redacção imprecisa dos seus n.º s 1, 2, 3 e 6, que resulta do recurso, in fine, à expressão se sanção mais
grave não estiver prevista para a infracção praticada ou se sanção mais grave não for aplicável por força de
outra disposição legal.
[19] Ora, uma boa parte da doutrina considera que a revogação do direito anterior pode
resultar da simples incompatibilidade com o novo regime jurídico conferido à matéria objecto de
regulamentação. Nesse sentido, a atenuação das consequências penais estabelecidas no artigo 177.º
do Código de Estrada em vigor para a condução sem habilitação legal para o efeito, afigura-se
objectivamente incompatível com a aplicação das disposições do Decreto n.º 231/79 sobre esta
matéria.
[20] Consequentemente, entende este Tribunal que a norma do artigo 23.º seria sempre
passível de derrogação por aplicação do regime mais favorável (lex mellior) consagrado no Código
de Estrada, sendo este o que melhor salvaguardaria o princípio constitucionalmente positivado da
restrição mínima dos direitos fundamentais da pessoa humana, conforme dispõe o artigo 57.º da
CRA. No caso em análise, o direito à liberdade do arguido em confronto com a pena privativa da
liberdade a que vem condenado.
[21] Acresce que outros argumentos concorrem para um entendimento no sentido de o
Decreto n.º 231/79 estar tacitamente revogado. Desde logo, como se extrai do seu preâmbulo, o facto
de ter sido aprovado numa altura em que o legislador entendia não ser possível rever ou substituir o
Código de Estrada de 1954, revogado agora pelo Decreto-Lei n2 05/08. O facto ainda de o Decreto
n.º 231/79 fazer também depender a punibilidade dos crimes e contravenções sobre as quais legisla
da aplicação, ainda que subsidiária, do Código de Estrada, entretanto revogado, tal como decorre do
disposto no seu artigo 1.º , Sob a epígrafe legislação aplicável: Os crimes e as contravenções cometidos
no exercício da condução automóvel são punidos nos termos da lei penal e do Código de Estrada... Esta norma
43
— RECURSO ORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
tem, aliás, redacção semelhante a do artigo 132.º do Código de Estrada em vigor, como acima se
verifica.
[22] Avaliado o todo que antecede, em particular o facto de o novo Código de Estrada
legislar, assente num regime mais favorável, sobre a matéria objecto do Decreto n.º 231/79, entende
este Tribunal que, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 05/08, operou-se uma revogação tácita
deste primeiro Decreto, ou seja, do Decreto n.º 231/79, de 16 de Junho na parte que se refere aos
crimes e contravenções cometidos no exercício da condução automóvel.
[23] Consequentemente, estando tacitamente revogado o Decreto n.º 231/79, a sua aplicação
no processo foi inconstitucional por violar o princípio da legalidade penal, expresso na fórmula
latina nullum crimen, nulla poena sine lege, como de seguida se aprecia.
[24] Como decorre do presente recurso, o Tribunal a quo fez uso das disposições do Decreto
n.º 231/79, partindo claramente do pressuposto da sua vigência na ordem jurídica angolana.
[25] Todavia, impõe-se aqui atender, como já aflorado, que a intervenção do direito e da
justiça penais subordina-se aos princípios constitucionais que teleologicamente integram o regime
de garantias do cidadão face ao ius puniendi do Estado, como o princípio da legalidade, maxime da
legalidade penal, que a CRA acolhe nos seus artigos 6.º e 65.º , n.º s 1 e 2. É, pois, este o princípio que
o Recorrente alega ter sido violado com a aplicação dos artigos 23.º e 24.º do Decreto n.º 231/79, na
dimensão que se consubstancia no princípio nullum crimen nulla poena sine lege, também previsto nos
artigos 1.º e 5.º do Código Penal, CP.
[26] Desta dimensão decorre não só a exigência da legalidade formal do crime e da pena,
sendo que só a lei é chamada a definir os delitos e as penas, mas também a obrigatoriedade de existir
uma conexão expressa entre o ilícito penal e a sanção cominada na lei.
[27] Com fundamento neste pressuposto, parece evidente, ante o "concurso/sucessão"de
leis aplicáveis à situação de condução sem habilitação legal para o fazer, no caso em apreço, o Código
de Estrada e o Decreto n.º 231/79, a dificuldade em determinar a relação entre o facto punível e a
pena, o que efectivamente põe em causa o princípio da legalidade na dimensão aqui vertida.
[28] Numa outra afloração, a situação em apreço entraria igualmente em contradição
com o princípio nullum crime nulla poena sine lege certa, também princípio da tipicidade, face à
indeterminabilidade da lei a aplicar ao caso vertente, o que, em contraponto e atentos a dimensão
subjectiva dos princípios constitucionais traduzidos em mecanismo de garantia para o cidadão,
poderia, no limite, levar a não penalizar a conduta ilícita, o que igualmente daria fundamento a
aplicação do princípio da presunção da inocência.
[29] Mas ao princípio da legalidade está igualmente associado um outro princípio consti-
tucional fundamental em matéria jurídico-penal e de política criminal, já antes mencionado, que é
o princípio da restrição mínima dos direitos fundamentais, artigo 57.º , da CRA, do qual decorre
44
— RECURSO ORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
o princípio da aplicação da lei mais favorável que a Constituição da República de Angola também
acolhe no seu artigo 65.º , n.º 4. Nos termos do que dispõe a referida norma ninguém pode sofrer
pena ou medida de segurança mais grave do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da
verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável
ao arguido.
[30] Resulta deste princípio, cujo ratio tem que ver com a função essencial de prevenção
geral atribuída à pena, a imperatividade de, perante a sucessão de leis penais, aplicar-se a lei
que menos severamente penaliza a infracção praticada. Neste está assim subjacente a ideia da
máxima limitação possível da pena, sendo, como se colhe em Direito Penal, de Américo Taipa de
Carvalho, penalista também citado pela Recorrente, que a pena e o seu quanto só se justificam, jurídico-
constitucionalmente, na medida do indispensável à protecção dos direitos ou interesses constitucionalmente
protegidos.
[31] Deste modo, é entendimento deste Tribunal que assiste razão ao Recorrente quando
alega que a aplicação dos artigos 23.º e 24.º do Decreto n.º 231/79 configura uma violação ao princípio
constitucional da lei mais favorável, conforme dispõe o artigo 65.º , n.º 4, ou seja, da lei que menos
limitaria o direito à liberdade do arguido. A este entendimento é de acrescer um outro fundamento
que tem que ver com o paradigma em que assenta hodiernamente a intervenção penal que confere
carácter alternativo às penas privativas de liberdade sempre que medidas menos severas se mostrem
adequadas para sancionar o facto ilícito e suficientes para realizar a função de prevenção geral
atribuída à pena. E este não é o caso, se considerado em vigor o Decreto n.º 231/79.
[32] Alega ainda o Recorrente que com a aplicação dos artigos 23.º e 24.º do Decreto n.º
231/79 o Tribunal recorrido fez uma interpretação ilegal, analógica e extensiva da última parte do n.º 2
do artigo 177.º que dispõe sobre o estabelecimento de sanção mais grave (se sanção mais grave não
estiver prevista para a infracção praticada).
[33] Na verdade, o artigo 177.º , n.º 2 ao estatuir, de modo vago e impreciso, tal como refere
o Recorrente, sobre sanção mais grave, utilizando a formulação se sanção mais grave não estiver prevista
para a infracção praticada traz efectivamente à liça o problema da colisão com o princípio da tipicidade
na dimensão já acima analisada. Também aqui assiste razão ao Recorrente, pois são de considerar
ilegítimas, à luz deste princípio, quer as expressões vagas e imprecisas, quer as que não permitem
determinar com clareza o tipo de pena a aplicar, porquanto é sempre exigível estabelecer o nexo de
causalidade entre a infracção e a punição. É de considerar, por outro lado, que a aplicação dessa
formulação legal apenas se apresenta conforme às exigências constitucionais se o caso concreto
configurar um concurso de infracções.
[34] Quanto ao artigo 24.º do Decreto 231/79, resulta do que nele se preceitua não ter
aplicabilidade de per si, já que é uma norma que se suporta em outras normas, artigos 22.º e
23.º , para agravar a punibilidade prevista nessas outras normas, não permitindo a suspensão ou
substituição da pena prisão prevista no artigo 23.º . Assim, se afastada a aplicação do artigo 23.º com
45
— RECURSO ORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
fundamento na vigência de uma lei mais favorável, então, seria igualmente de derrogar ou afastar a
aplicação do referido artigo 24.º .
III – Conclusão
1. As normas do Decreto n.º 231/79 referentes aos crimes e contravenções cometidos no exercício
da condução automóvel estão tacitamente revogadas pelas normas sobre a matéria constantes
no Decreto n.º 5/08, de 29 de Setembro, como se estabelece no artigo 22.º deste diploma que
aprova o novo Código de Estrada;
2. Os artigos 23.º e 24.º do Decreto n.º 231/79 são normas tacitamente revogadas;
3. A aplicação pelo Tribunal a quo destas normas revogadas é inconstitucional por violação do
princípio da legalidade penal estabelecido no artigo 65.º , ns.º 1 e 2 da CRA e também por ter
resultado na aplicação ao arguido de uma lei menos favorável, em contravenção ao estabelecido
no n.º 4 do artigo 65.º da CRA.
VI. – DECISÃO
Notifique-se e publique-se.
46
— RECURSO ORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
SUMÁRIO
RECURSO ORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE CONTRA DESPACHO SEN-
TENÇA DO TRIBUNAL PROVINCIAL DE LUANDA POR INDEFERIMENTO DO RE-
QUERIMENTO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO - INCIDENTE DE APRECIAÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE
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— RECURSO ORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
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— RECURSO ORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
DIPLOMAS CITADOS
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— RECURSO ORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
O que segue são os motivos da decisão e a decisão proferida pelos Juízes Conselheiros presentes no Plenário do
Tribunal Constitucional.
50
— RECURSO ORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
I. – RELATÓRIO
[1] A TECNIL - Sociedade Técnica e Industrial de Construções, Lda. veio interpor Recurso
Ordinário de Inconstitucionalidade do Despacho Sentença n.º 108/2012, da 1a Secção da Sala do Cível
e do Administrativo do Tribunal Provincial, que indeferiu o denominado Incidente de Apreciação de
Inconstitucionalidade, deduzido no âmbito de uma Acção de Reivindicação de Propriedade, autuada
sob o processo n.º 0684/2006-A, em que a aqui Recorrente é Autora.
[2] O presente recurso foi admitido por despacho do Venerando Juiz Conselheiro Presidente
de fls. 34 dos autos como Recurso Ordinário de Inconstitucionalidade, na sequência de reclamação
apresentada pela Recorrente contra a não admissão pelo Tribunal recorrido do requerimento de
interposição do recurso aqui em causa.
[3] No pedido de incidente, a Recorrente requereu a apreciação da inconstitucionalidade
do Despacho Conjunto n.º 760/07, de 21 de Dezembro, dos Ministros da Justiça e do Urbanismo
e Ambiente, que decretou o confisco a favor do Estado de um prédio urbano cuja propriedade é
reivindicada pela TECNIL na acção supra citada, que igualmente corre trâmites na 1a Secção da Sala
do Cível e do Administrativo.
[4] No Despacho Sentença reclamado, o Tribunal a quo declarou a sua incompetência,
em razão da matéria, para conhecer do Incidente de Inconstitucionalidade, com fundament no
artigo 180.º da Constituição da República de Angola, CRA, que atribui competência ao Tribunal
Constitucional para apreciar a constitucionalidade de quaisquer normas e demais actos do Estado, e
na primeira parte da alínea b) do artigo 474.º do Código do Processo Civil, CPC, que se refere ao
indeferimento liminar do pedido quando seja manifesta a incompetência absoluta do tribunal.
[5] Em 2010, importa notar, a TECNIL havia já, em sede de recurso contencioso de acto ad-
ministrativo junto do Tribunal Supremo, impugnado o Despacho Conjunto n.º 760/07, dos Ministros
da Justiça e do Urbanismo e Ambiente.
[6] Nessa instância, o recurso foi julgado extemporâneo, por ter sido interposto decorrido
sensivelmente o lapso de tempo de um ano após o término do prazo, que era de sessenta dias, nos
termos do n.º 2 do artigo 13.º da Lei 2/94 - Lei da Impugnação dos Actos Administrativos. Como se
colhe do Acórdão da Câmara do Cível e do Administrativo do Tribunal Supremo, datado de 10 de
Dezembro de 2010, a Recorrente, que alegou ter tido conhecimento do despacho de confisco a 21
Junho de 2009, viria a interpor recurso somente a 11 de Junho de 2010.
[7] Face aos antecedentes do caso sub judice, a TECNIL pretende agora que, ao abrigo do
presente recurso ordinário de inconstitucionalidade, o Tribunal Constitucional se pronuncie sobre os
fundamentos, o conteúdo, o sentido e o alcance normativos não apenas do Despacho Sentença n.º
108/12, como também do Acórdão do Tribunal Supremo de 10 de Dezembro de 2010 e do Despacho
51
— RECURSO ORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
Conjunto n.º 760/07, dos Ministros da Justiça e do Urbanismo e Ambiente, que confiscou o imóvel
cuja propriedade a Recorrente reivindica.
[8] Para tanto, extrai-se das suas extensas alegações o que abaixo se descreve, considerando
este Tribunal o que mais releva para o caso em apreço:
3. Que a causa em que vem intervindo remonta ao ano de 2005 sem que sobre a mesma tenha sido
proferida qualquer decisão final e definitiva, o que constitui violação flagrante aos princípios
estruturantes do Estado Constitucional de Direito Democrático. Em consequência, violação
de direitos e garantias fundamentais como o direito de acesso ao direito, o direito de acesso
ao tribunal para a tutela jurisdicional efectiva, o direito à decisão, que se pressupõe final e
definitiva, e o direito ao processo equitativo, todos previstos no artigo 29.º da CRA;
4. Que os direitos e garantias acima elencados obedecem ao regime jurídico da sua aplicabilidade
directa e vinculação vertical, sendo que a sua efectividade não pode ser condicionada por
qualquer lei infraconstitucional, sob pena de restrição dos referidos direitos e dos respectivos
fundamentos, conteúdo, sentido e alcance normativos, salvo se a Constituição assim o deter-
minar (artigos 57.º , n.º 1, 1a parte e 164.º , alínea c) da CRA). Que a interpretação e aplicação
restritiva dos preceitos constitucionais referentes aos regime jurídico de protecção e defesa dos
direitos, liberdades e garantias fundamentais é constitucionalmente ilegítima na medida em
que lesa as garantias constitucionais previstas nos artigos 52.º , n.º 2, 56.º , n.º 2 e 58.º , n.º 1 da
CRA;
52
— RECURSO ORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
7. Que o regime processual preconizado pelo legislador constitucional não está dependente
de qualquer lei ordinária, sendo que o regime de defesa e de protecção jurisdicional dos
direitos, liberdades, garantias e dos preceitos constitucionais a eles respeitantes é dominado
pela legalidade material sobre a legalidade formal;
2. Não aplique aos presentes autos o princípio do esgotamento prévio previsto na primeira parte
da alínea m) do artigo 2.º da Lei n.º 24/10, de 3 de Dezembro e no artigo 13.º da Lei 25/10 de 3
de Dezembro;
53
— RECURSO ORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
4. Que seja reconhecido ao Recorrente o direito à indemnização previsto no artigo 75.º da CRA,
face à lesão constitucionalmente ilegítima do seu direito e garantia previstos nos n.º 1 e 4 do
artigo 29.º da CRA e de harmonia com o que dispõem os artigos 26.º , 27.º , 28.º , n.º 1, 174.º ,
n.º 2 in fine e 177.º , todos da Constituição da República de Angola.
II. – COMPETÊNCIA
[10] Ao Tribunal Constitucional é atribuída competência para conhecer deste recurso nos
termos das disposições combinadas da alínea e) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei
Orgânica do Tribunal Constitucional, com a redacção dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 24/10, de 3 de
Dezembro e da alínea b) do n.º 1 do artigo 36.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo
Constitucional e com base na fundamentação que subjaz à sua admissão.
III. – LEGITIMIDADE
[11] Ao abrigo da alínea b) do artigo 37.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Julho podem interpor
recurso ordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional as pessoas que, de acordo
com a lei reguladora do processo em que a decisão foi proferida, tenham legitimidade para dela
interpor recurso ordinário, desde que tenham suscitado a inconstitucionalidade perante o tribunal
que proferiu a decisão recorrida e em termos deste estar obrigado a dela conhecer.
[12] A Recorrente é Autora na Acção de Reivindicação da Propriedade no âmbito da qual
foi deduzido o incidente de inconstitucionalidade. A Recorrente é, por conseguinte, parte legítima
na presente acção.
IV. – OBJECTO
[13] Como acima dito, pretende a Recorrente que o Tribunal Constitucional aprecie a
conformidade com a constituição:
54
— RECURSO ORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
[14] Conforme estabelecem a Constituição (alíneas d) e e), do artigo 180.º , n.º 2) e a Lei do
Processo Constitucional (artigo 36.º n.º 1), o objecto de um recurso ordinário de inconstitucionalidade
é obrigatoriamente a verificação da constitucionalidade de uma norma aplicada ou desaplicada
numa sentença.
[15] Assim sendo, o objecto do presente recurso, por imperativo constitucional e legal, fica
inevitavelmente limitado à verificação da questão de saber se o Despacho que deu causa ao presente
recurso ordinário aplicou ou desaplicou alguma norma inconstitucional. Colhidos os vistos legais,
cumpre apreciar e decidir.
V. – FUNDAMENTAÇÃO
[20] Do n.º 1 do artigo 177.º da CRA (Os Tribunais garantem e asseguram a observância da
Constituição, das leis e demais disposições normativas vigentes, a protecção dos direitos e interesses
55
— RECURSO ORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
legítimos dos cidadãos e das instituições e decidem sobre a legalidade dos actos administrativos)
resulta que qualquer tribunal tem competência de controlo da constitucionalidade, no âmbito do
aqui consagrado sistema difuso de controlo da constitucionalidade, que tem no topo o Tribunal
Constitucional.
[21] Qualquer tribunal pode assim, à luz do presente preceito legal, conhecer e decidir
sobre questões concretas de constitucionalidade suscitadas incidentalmente no decurso de uma
acção submetida a juízo. Ou seja, qualquer tribunal está investido do poder de fiscalização da consti-
tucionalidade e, como tal, é competente para julgar e decidir sobre a questão da constitucionalidade
de normas e leis susceptíveis de serem aplicadas a um caso concreto.
[22] Ao contrário do que evidencia a interpretação do Meritíssimo Juiz a quo, o artigo
180.º da CRA não vem afastar da competência dos tribunais comuns o contencioso sobre conflitos
de natureza jurídico-constitucional, o que a acontecer entraria em colisão com a norma do n.º 1
do artigo 177.º também da CRA. Delimita antes o âmbito das competências que são específicas do
Tribunal Constitucional, nas quais se insere a de actuar como instância de recurso no que tange à
apreciação da constitucionalidade das decisões dos demais tribunais que apliquem normas cuja
constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (artigo 180.º , n.º 2, alínea e)).
[23] O Tribunal Constitucional, no domínio do controlo difuso da constitucionalidade,
funciona, assim, como instância última de recurso sobre a decisão final prolatada a propósito da
questão constitucional decidida.
[24] Nesse sentido, o Tribunal “a quo"andou mal quando se considerou incompetente para
conhecer matéria constitucional, tendo, nessa medida, feito uma interpretação constitucionalmente
incorrecta do artigo 180.º da CRA.
[25] Porém, esse equívoco não significa que o Tribunal recorrido tenha incorrido em dene-
gação de justiça ou violação do princípio do acesso ao direito e a tutela jurisdicional efectiva, como
alega a Recorrente. Resulta do princípio de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, de entre
as suas múltiplas manifestações, a garantia de obtenção de uma decisão judicial proferida dentro
dos ditames da Constituição e da lei. Mesmo não tendo o Tribunal “a quo” se pronunciado sobre
o incidente requerido, isto não configura um acto de denegação de justiça entendida aqui no seu
sentido mais lacto, se considerado o próprio despacho sentença de indeferimento. A prolação deste
despacho significa que o pedido foi recebido e analisado ainda que indeferido liminarmente por
alegada incompetência material do Tribunal a quo, acto que, à partida, se traduz numa intervenção
restritiva no âmbito do direito em causa. Pela mesma razão, considera este Tribunal que não se
coloca também uma questão de violação ao princípio da proporcionalidade.
[26] Considerando o fundamento usado pelo Juiz “a quo” ao indeferir o incidente limi-
narmente, fazendo com que não conhecesse o mérito da causa- o que não significa que daria ganho
de causa à Recorrente - pode-se aludir que a mesma viu as suas expectativas frustradas. Neste
sentido, poder-se-á entender que a decisão tomada não foi a mais adequada se considerados os
fins visados pelo princípio de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva. Mas essa medida
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— RECURSO ORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
não chegou a afectar o conteúdo essencial do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva da
Recorrente, porquanto, como se pode constatar dos autos, conforme Exposição de fls. 13 a 16, datada
de 2 de Dezembro de 2012, a mesma já havia intentado no Venerando Tribunal Supremo um recurso
contencioso de impugnação de acto administrativo, pedindo a anulação do Despacho-Conjunto n.º
760/07 de 21 de Dezembro dos Ministros da Justiça e do Urbanismo e Ambiente. A acção foi, porém,
julgada extemporânea. Como se extrai da Exposição junta aos autos, o Despacho- Conjunto data de
Dezembro de 2007, sendo que a Recorrente teve conhecimento do mesmo a 2 de Junho de 2009. A
impugnação contenciosa do acto veio, contudo, a acontecer apenas a 11 de Junho de 2010, decorrido
sensivelmente o lapso de tempo de um ano após o término do prazo.
[27] Sem prejuízo do acabado de apreciar é entendimento do Tribunal Constitucional que,
efectivamente, o Tribunal recorrido não está investido de competência para, conforme pretendia a
Recorrente, apreciar a constitucionalidade e/ou a legalidade do despacho ministerial do confisco
do imóvel (Despacho Conjunto n.º 760/07 de 21 de Dezembro) pois, nos termos estabelecidos nas
pertinentes disposições da lei processual constitucional e da legislação sobre o contencioso admi-
nistrativo, tal competência incumbe ao Venerando Tribunal Supremo e não ao Tribunal Provincial
Recorrido.
[28] Isso mesmo resulta implícito no despacho proferido pela Juíza a quo a fls. 41 dos autos
designados Acção de Incidente para Apreciação da Inconstitucionalidade, cabendo-lhe assim razão
quando proferiu o despacho de indeferimento liminar de fls. 17 sustentado nos artigos 101.º e 474.º
al.b) ambos do CPC.
[29] Resumindo tudo o acima dito, o Tribunal Recorrido é realmente incompetente em
razão da matéria e da hierarquia para conhecer o pedido do Recorrente, com este fundamento e não
com aquele referido na decisão recorrida.
[30] Quanto aos demais pedidos formulados pela Recorrente, importa observar, como já
acima referido que, objecto do recurso ordinário de inconstitucionalidade pode ser, de harmonia
com a alínea b) do n.º 1 artigo 36.º da Lei 3/08, as sentenças dos demais tribunais que apliquem
norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo.
[31] O preceito legal aqui citado pressupõe, prima facie, que o Tribunal Constitucional
aprecie a desconformidade ou não com normas e princípios consagrados na CRA de um acto
normativo aplicado a um caso concreto submetido à decisão judicial.
[32] O controlo concreto da constitucionalidade pode, porém, incidir sobre a validade
constitucional da interpretação dada a uma determinada norma, interpretação que, se não conforme
com a constituição, pode colidir com direitos, liberdades e garantias constitucionalmente tutelados.
[33] O Tribunal Constitucional constata que o Despacho Sentença que constitui o objecto
do presente recurso, nos seus termos e no seu conteúdo não se pronunciou (no sentido positivo ou
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— RECURSO ORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
negativo) sobre a constitucionalidade de qualquer norma referente ao processo. E não tinha que se
pronunciar pela simples razão de, nesse processo, a Recorrente não ter questionado a constitucionali-
dade de nenhuma norma a aplicar ou a não aplicar.
III – Improcedência
[34] Não pode proceder o pedido formulado pela Recorrente a este Tribunal de,excepcionalmente,
aplicar directamente a Constituição na avaliação dos muitos pedidos que solicita apreciação e, con-
sequentemente, afastar no julgamento do caso concreto a aplicação do princípio do esgotamento
prévio previsto na primeira parte da alínea m) do artigo 2.º da Lei n.º 24/10, de 3 de Dezembro e no
artigo 25/10 de 3 de Dezembro.
[35] Entende o Tribunal Constitucional que, apesar do que alega a Recorrente, o seu pedido
não procede. É preciso ter em conta que a aplicação directa prevista no artigo 28.º da CRA, que traduz
o princípio da força normativa da constituição-acomodando dois outros princípios da constituição,
quais sejam, os princípios da supremacia da constituição, e da presunção de constitucionalidade
dos actos do Estado, artigos 6.º , n.º 1, e 226.º da Constituição não confere potestação aos titulares de
direitos fundamentais. Ou seja, não os transforma em direitos subjectivos concretos e definitivos que
valham de per si.
[36] Se é verdade que a autorizada aplicação directa da constituição inerente a direitos,
liberdades e garantias decorre da natureza preceptiva que está intrínseca à sua normatividade, não
menos verdade é considerar que a dispensa da investigação dos pressupostos de aplicabilidade directa
não é um factor aleatório. É sempre imperioso existir um alicerce jurídico, necessário e suficiente,
para que a demanda de posições jurídicas individuais seja vinculativa, porquanto é importante
notar que a causa da aplicabilidade directa não dispensa a determinabilidade necessária, isto é, não
dispensa um conteúdo jurídico suficientemente preciso e determinável quanto aos pressupostos de
facto, consequências jurídicas e âmbito de protecção do direito invocado.
[37] Ora, acontece que a Recorrente em nenhum momento apresentou fundamento consti-
tucionalmente válido que leve este Tribunal a aplicar directamente a Constituição em detrimento do
que dispõe a lei infraconstitucional, por esta se apresentar desajustada ou por violar os seus direitos
fundamentais. Gomes Canotilho lembra a este respeito “que se esta ideia de aplicabilidade directa
significa uma normatividade qualificada, nem sempre os direitos, liberdades e garantias dispensam
a concretização através do preceituado legalmente.
[38] O que decorre do caso em apreço é que a lei ordinária, na sua acepção formal ou
material, apresenta-se como mediação metódica do justo constitucional. Consequentemente constata
este Tribunal que não há qualquer desconformidade com a Constituição, que justificaria, ipso facto,
o direito de acesso directo à Constituição no caso sub-judice.
[39] Assim considerando, entende este Tribunal que, não se sustenta na resolução do caso
concreto, o argumento da Recorrente segundo o qual o regime processual preconizado pelo legislador
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— RECURSO ORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
constitucional não está dependente de qualquer lei ordinária, alegadamente por o regime de defesa
e de protecção jurisdicional dos direitos, liberdades, garantias e dos preceitos constitucionais a eles
respeitantes ser dominado pela legalidade material sobre a legalidade formal.
[40] O Tribunal Constitucional considera que a Recorrente está a partir do pressuposto
que é titular do bem que reivindica (como tal é um direito que lhe assiste e que impõe aos demais,
incluindo o Estado, o dever de respeito) e não tem em conta que a sua titularidade está a ser contestada
em juízo e de que existe em vigor um despacho ministerial de confisco desse bem.
[41] Esta é, justamente, uma situação que precisa de ser resolvida nos tribunais comuns, nos
quais corre termos um processo adequado (Acção de Reivindicação de Propriedade n.º 0684/2006-A
do Tribunal Provincial de Luanda), não podendo por isso e em razão da hierarquia ser a mesma
conhecida pelo Tribunal Constitucional antes da sentença final desse processo e do eventual pronun-
ciamento, em recurso, do Venerando Tribunal Supremo.
[42] Assim sendo, nada mais há a apreciar que importe e caiba no âmbito do presente
recurso ordinário.
[43] Estabelecem o n.º 1 do art.º 177.º e as alíneas d) e e) do n.º 2 do art.º 180.º ambos
da CRA, que todos os Tribunais Comuns têm competência para verificar e pronunciar-se sobre a
constitucionalidade de qualquer norma aplicável aos processos concretos submetidos ajuízo.
IV – Conclusão
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— RECURSO ORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
VI. – DECISÃO
Com custas pela Recorrente - artigo 15.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho.
Notifique-se e publique-se.
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RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE
INCONSTITUCIONALIDADE
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
SUMÁRIO
PEDIDO DE ACLARACÃO DO ACÓRDÃO N.º 315/2013 DO TRIBUNAL CONSTITUCI-
ONAL PROFERIDO NO ÂMBITO DE UM RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONS-
TITUCIONALIDADE CONTRA DECISÃO DO TRIBUNAL SUPREMO POR TER INDE-
FERIDO A PROVIDÊNCIA DE HABEAS CORPUS
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
tal situação não se enquadra nem na letra e nem no espírito do artigo 669.ºdo CPC.
Não haverá obscuridade nem ambiguidade quando do requerimento chegar-se a conclu-
são que o Requerente compreendeu bem os fundamentos da decisão e apenas não concordou
com esta. No nosso ordenamento jurídico esse artigo serve apenas para o esclarecimento de
alguma obscuridade ou ambiguidade que a sentença possa conter; apenas é permitido, em
face de uma eventual obscuridade ou ambiguidade, o pedido de esclarecimento da decisão
propriamente dita e não sobre os seus fundamentos. O acórdão será obscuro quando contenha
algum passo cujo sentido seja ininteligível, ou seja, quando não se sabe o que o juiz quis dizer.
Será ambíguo o acórdão quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes,
isto é, quando à decisão, no passo considerado, podem razoavelmente atribuir-se dois ou mais
sentidos diferentes. Resumindo, uma decisão é obscura ou ambígua quando for ininteligível,
confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado. A aclaração de
sentença não tem como finalidade fixar jurisprudência.
DIPLOMAS CITADOS
ACÓRDÃOS CITADOS
CITADOS:
Acórdão n.º315/2013 do Tribunal Constitucional
O que segue são os motivos da decisão e a decisão proferida pelos Juízes Conselheiros presentes no Plenário do
Tribunal Constitucional.
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
I. – RELATÓRIO
[1] WALTER GIL PINTO DE RODRIGUES PEREIRA, Requerente nos autos acima cota-
dos, tendo sido notificado do acórdão n.º 315/2013, vem, nos termos e para os efeitos do disposto
nos artigos 669.º e 666.º n.º 1 e 3 do Código de Processo Civil, aplicáveis ao Processo Constitucional
por força do artigo 2.º da Lei 03/08, de 17 de Junho, requerer a ACLARAÇÃO do douto acórdão,
com os seguintes fundamentos:
1. A fls. 115 e 116 dos autos demonstram que não havia indícios suficientes, nos termos do
artigo 2.º , n.º 2 da Lei da Prisão Preventiva em Instrução Preparatória, aquando da captura do
Requerente e que tais indícios foram colhidos somente no âmbito das diligências posteriores à
prisão preventiva ordenadas a fls. 116 dos autos;
2. Demonstram também as fls. 115 e 116 que a informação que o Tribunal Supremo recebeu,
constante de fls. 14 a 38 dos autos, do órgão à ordem de quem o Recorrente se encontrava
preventivamente detido não correspondia com a verdade dos factos;
3. Pretende o Tribunal Constitucional - quando entende que o Tribunal Supremo não concedendo
a providência de habeas corpus de acordo com as informações que lhe foram prestadas pelo órgão
que ordenou a prisão, não violou de per si qualquer norma constitucional - fixar jurisprudência
no sentido de que mesmo quando a informação passada pelo órgão à ordem de quem o
arguido se encontra detido se mostrar comprovadamente falsa em recurso extraordinário de
inconstitucionalidade, a decisão do Tribunal Supremo não será impugnável pelo simples facto
de se sustentar na aludida informação que lhe fora passada, independentemente da veracidade
da informação;
4. O Tribunal Supremo constatou que tem razão o recorrente quando alega que o Despacho de
Prorrogação da Prisão Preventiva deveria ter sido fundamentado e que essa falta de funda-
mentação consta também do visto mencionado a fls. 150.º dos autos, sendo que a falta de
fundamentação toma por si só a detenção ilegal e consequentemente procedente o pedido de
Habeas Corpus;
5. Permitir-se que a Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP) ou outra entidade
possam prorrogar a prisão preventiva sem que para tal notifiquem os presos preventivamente
dos respectivos fundamentos representaria um arbítrio, uma vez que significaria manter em
prisão alguém que, apesar de beneficiar do direito constitucional à presunção de inocência (...) já está
irremediavelmente condenado;
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
7. Que no seu douto acórdão o Tribunal Constitucional escreveu que o Recorrente não alegou
qualquer situação de excesso de prisão preventiva, mas na página 2 do mesmo acórdão reco-
nhece que o recorrente alegou ter sido ilegalmente mantido em prisão preventiva, mesmo que
excedidos os 45 dias de prazo legal, sem que tenha sido notificado da prorrogação do prazo;
8. Entende o Requerente que esse facto harmoniza-se com o ter sido detido no dia 31 de Janeiro de
2012 e somente ter sido notificado do despacho de prorrogação do prazo de prisão preventiva
no dia 21 de Abril de 2012, ou seja, passados quase 90 dias;
9. Não percebe que sentido se deve extrair do douto acórdão, se é o de que o Requerente não
alegou qualquer excesso de prisão preventiva ou se efectivamente alegou e não foi notificado de
qualquer despacho de prorrogação após o decurso dos primeiros 45 dias de prisão preventiva.
[2] No seu visto - fls. 203 e 204, o Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos:
"Os fundamentos apresentados para requerer a aclaração não se nos revelou susceptíveis de
necessidade de qualquer esclarecimento, porquanto o acórdão não apresenta qualquer obscuridade
ou ambiguidade. Julgamos sim, pretender-se obter por via oblíqua a modificação do decidido, não
sendo este o mecanismo legal para o efeito".
II. – COMPETÊNCIA
[3] A aclaração do douto acórdão foi requerido nos termos dos artigos 669.º e 666.º n.º 1
e 3 do Código de Processo Civil, aplicáveis ao Processo Constitucional por força do artigo 2.º da
Lei 03/08, de 17 de Junho, que estabelece que uma vez proferida a sentença e assim esgotado o seu
poder jurisdicional, pode o Juiz esclarecer dúvidas existentes na sentença.
[4] No caso presente trata-se da aclaração de uma decisão deste douto Tribunal, e da qual
não cabe mais nenhum recurso.
III. – LEGITIMIDADE
[5] O Requerente, como arguido nos autos, tem legitimidade para requerer a aclaração do
douto acórdão.
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
[6] Vem o Requerente solicitar a aclaração do acórdão n.º 315/2013, proferido no âmbito de
um Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade, do Processo n.º 290-A/2012, com sucedâneo
nos n.º 1 e 3 do artigo 666.º e do artigo 669.º ambos do Código de Processo Civil, aplicáveis ao Processo
Constitucional por força do artigo 2.º da Lei 3/08 de 17 de Junho - Lei do Processo Constitucional,
ao invés do n.º 2 do artigo 666.º do CPC.
[7] Senão vejamos, é o n.º 2 do citado artigo que consagra a possibilidade do juiz, uma vez
proferida sentença e assim esgotado o seu poder jurisdicional, de esclarecer dúvidas existentes na
sentença, pretensão do Requerente conforme se deduz da explanação do seu Requerimento.
[8] Ora, o n.º 3 do mesmo artigo estabelece uma extensão da possibilidade do juiz de
rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes ou efectuar uma reforma
quanto às custas e à multa das sentenças aos despachos por ele proferidos, o que não é o caso, uma
vez que o Requerente pretende o esclarecimento de algumas questões da sentença que o mesmo
considera serem ambíguas.
[9] Por outro lado, estabelece o artigo 669.º do CPC referido pelo Requerente que "pode
qualquer das partes requerer no tribunal que proferiu a sentença: a) o esclarecimento de alguma obscuridade ou
ambiguidade que ela contenha; b) a sua reforma quanto a custas e multa".
[10] Conforme já foi referenciado, da explanação apresentada pelo Requerente, deduz-se
facilmente que pretende o esclarecimento pelo douto Tribunal de algumas questões que considera
ambíguas.
[11] Porém, é pertinente frisar que no nosso ordenamento jurídico esse artigo serve apenas
para o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que a sentença possa conter.
[12] Ou seja, à luz do nosso ordenamento jurídico, e nos termos dos artigos supra ci-
tados, apenas é permitido, em face de uma eventual obscuridade ou ambiguidade, o pedido de
esclarecimento da decisão propriamente dita e não sobre os seus fundamentos.
[13] Assim, o acórdão será obscuro quando contenha algum passo cujo sentido seja ininte-
ligível, ou seja, quando não se sabe o que o juiz quis dizer. Será, por outro lado, ambíguo o acórdão
quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes, isto é, quando à decisão, no passo
considerado, podem razoavelmente atribuir-se dois ou mais sentidos diferentes.
[14] Resumindo, uma decisão é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou
de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado. O que não se pode permitir é que o
Requerente, não concordando com a decisão, pretenda, através do expediente jurídico de aclaração
do acórdão, uma nova apreciação do litígio, uma vez que tal situação não se enquadra nem na letra e
nem no espírito do supra mencionado artigo 669.º do CPC, constituindo antes, um comportamento
processual abusivo por parte do Requerente.
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
[15] Nestes termos, não haverá obscuridade nem ambiguidade quando do requerimento
chegar-se a conclusão que o Requerente compreendeu bem os fundamentos da decisão e apenas não
concordou com esta. Finalizando, é função da aclaração iluminar algum ponto obscuro da decisão
e através dela apenas se pode corrigir a sua forma de expressão e não modificar o seu alcance ou
conteúdo.
V. – OBJECTO
[16] Do pedido apresentado pelo Requerente podemos esquematizar três grandes questões:
1. Pretenderá fixar jurisprudência o Tribunal Constitucional no sentido de que a decisão do
Tribunal Supremo não será impugnável quando a detenção for fundamentada pela informa-
ção passada pelo órgão que efectuou a detenção, independentemente da veracidade dessa
informação?
2. Questiona ainda o Requerente se pretende o Tribunal Constitucional fixar jurisprudência no
sentido de que mesmo que não esteja fundamentado o despacho de prorrogação da prisão
preventiva o interesse processual e a inadmissibilidade de liberdade provisória impede o
deferimento do pedido de habeas corpus.
3. Por último, o Requerente não percebe que sentido se deve extrair do douto acórdão, se é o de
que o Requerente não alegou qualquer excesso de prisão preventiva ou se efectivamente alegou
e não fora notificado de qualquer despacho de prorrogação após o decurso dos primeiros 45
dias de prisão preventiva.
VI. – FUNDAMENTAÇÃO
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
diz que segundo o Tribunal Supremo "a gravidade dos factos e a complexidade de instrução do processo
justificaram a prorrogação do prazo de prisão preventiva".
[21] Estamos aqui perante um confronto entre a verdade material e a verdade formal, uma
vez que, apesar de o despacho não ter sido fundamentado, os fundamentos existiam, ou seja, neste
caso concreto a falta de fundamentação não corresponde à uma inexistência de fundamentos.
[22] Os fundamentos existiam, e que foram entretanto deduzidos por oficio do Procurador-
Geral Adjunto da República junto do DNIAP que "por razões de interesse processual e inadmissibilidade
de liberdade provisória a prisão do arguido foi prorrogada pelo receio de fuga para o exterior, o comprovado
perigo de perturbação da recolha de prova, o receio de continuação da actividade criminosa e ainda o receio de o
arguido sofrer represálias por parte de integrantes do grupo rival de foi líder a vítima Júlio Tchinhama Sumixi".
[23] Por outro lado, entendemos que a aclaração de sentença não tem como finalidade fixar
jurisprudência, pelo contrário, conforme já foi referido, é um mecanismo que visa esclarecer algum
ponto de uma decisão que se mostre obscura ou ambígua, isto é, confusa ou de difícil interpretação,
ou que seja susceptível de interpretações diferentes.
[24] Para finalizar, no que toca a terceira e última questão levantada pelo Requerente que
tem a ver com a clarificação do sentido do acórdão de saber se o Requerente alegou ou não o excesso
de prisão preventiva ou se alegou mas não foi notificado de qualquer despacho de prorrogação do
prazo de prisão preventiva, é nosso entendimento que o Requerente confunde as diversas fases do
processo, ou seja, numa primeira fase realmente o Requerente alega o excesso de prisão preventiva,
uma vez que estavam já decorridos os 45 dias sem que tivesse sido notificado do despacho de
prorrogação da prisão preventiva.
[25] Porém, a posteriori o Requerente acabou por ser notificado desse despacho, que veio
terminar com o excesso de prisão preventiva. E nessa fase, o Requerente deixou de alegar o seu
excesso, que deixou de existir, passando apenas a alegar a falta de fundamentação do referido
despacho, o que já vimos acabou por ser justificado pelo ofício do Procurador-Geral Adjunto junto
do DNIAP.
[26] Consequentemente, nas alegações de recurso extraordinário de inconstitucionalidade
o recorrente também nada alegou sobre o excesso de prisão preventiva, uma vez que como tivera
sido prorrogada, essa ainda não se encontrava excedida, o que só se veio a verificar em sede de
discussão e aprovação do acórdão, entretanto objecto desse pedido de aclaração, encontrando-se já o
Requerente pronunciado.
[27] Somos a concluir que o pedido deve ser indeferido, por absoluta desnecessidade, visto
resultar das pertinentes alegações que o Requerente entendeu claramente o sentido do acórdão e em
virtude de os fundamentos do pedido entrarem em contradição com o espírito do legislador quanto
aos fins previstos no artigo 669.º do CPC invocado.
70
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
VII. – DECISÃO
Notifique-se e publique-se.
71
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
SUMÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE CONTRA DECISÃO
DO TRIBUNAL SUPREMO POR TER INDEFERIDO O RECURSO INVOCANDO A LE-
GITIMIDADE
73
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
74
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
DIPLOMAS CITADOS
O que segue são os motivos da decisão e a decisão proferida pelos Juízes Conselheiros presentes no Plenário do
Tribunal Constitucional.
75
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
I. – RELATÓRIO
[1] O Réu Pedro Sahunguelo Cavanda foi acusado, em processo de polícia correcional, que
correu seus trâmites no Tribunal Provincial do Bengo (TPB), pela prática de um crime de ofensas
corporais com culpa grave p.p. pelos artigos 13.º e 15.º b) do Decreto 231/79, de 16 de Julho e por
outro de danos com culpa grave p.p. pelos artigos 14.º e 15.º b) do mesmo diploma.
[2] Foi condenado pelo acórdão, de fls. 116 e 117, proferido no processo n.º 413-E/09, de
18 de Março de 2010, na pena de 18 meses de prisão correcional e 18 meses de multa, (pelo crime
de ofensas corporais) e na pena de um ano (pelo crime de danos com culpa grave). Embora sem
qualquer referência ao cúmulo jurídico, o TPB condenou o réu na pena única de 1 ano e 6 meses de
prisão, 18 meses de multa à taxa de 80,00 AKZ/dia.
[3] Todavia, foi o réu condenado no pagamento de 16.000,00 AKZ de taxa de justiça; 3.000,00
AKZ de emolumentos ao defensor oficioso; 150.000,00 AKZ de indemnização ao ofendido Raúl
Maqueque Fuma e finalmente, no pagamento dos danos produzidos à viatura da ofendida MACON
Transportes, Lda, que na qualidade de assistente deduziu acção cível em processo penal, nos termos
dos artigos 29.º , 30.º , 32.º e 34.º , todos do Código do Processo Penal.
[4] Usando da faculdade extraordinária do artigo 94.º do Código Penal (CP),foi, a pena
aplicada,reduzida para 1 ano de prisão. E nos termos do artigo 88.º do CP foi essa mesma pena
suspensa por um período de 3 anos.
[5] Inconformada com esta decisão, a Assistente Macon dela interpôs recurso e veio nas
suas alegações dizer que:
1. O Réu trabalha para a empresa EMPRESCO que é co-ré, no âmbito da responsabilidade solidária;
2. Um dos passageiros feridos (Raúl Maqueque Fuma) ficou internado no Hospital do Bengo onde sofreu
várias intervenções cirúrgicas com as despesas orçadas em KZ. 365. 000, 00;
3. Este ferido ficou com o seu salário reduzido em 50de KZ 70.000, 00 mensal;
4. A Recorrente Macon para além de ter perdido a sua viatura, deixou de obter as receitas que arrecadava
com o meio acidentado;
5. Ficou provado que o Réu Pedro Cavanda estava por ocasião do acidente, ao serviço da EMPRESCO;
76
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
7. Por altura do acidente, o Réu Raúl Fuma estava ao serviço da EMPRESCO, como motorista, logo havia
uma relação de Comissário Comitente entre ambos. Assim sendo, existe uma responsabilidade solidária
no pagamento dos danos e das indeminizações, por força do artigo 500.º do Código Civil (CC);
1. O Tribunal Provincial do Bengo não notificou directa nem pessoalmente do Acórdão do Tribunal Supremo,
o mandatário judicial da Reclamante;
2. Apenas fê-lo por intermédio de um trabalhador da Reclamante, o Sr. Fragoso Manuel que ignora qualquer
procedimento na tramitação processual e no cumprimento dos prazos legais e judiciais;
4. O TPB ao agir como agiu, incorreu numa irregularidade, numa omissão gravíssima, contrariando e
violando flagrantemente a lei, como prescreve o n.º 1 do artigo 253.0 do CPC, já que a lei ordena que a
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
notificação seja efetuada na pessoa do mandatário judicial para as causas pendentes e como consequência,
tal omissão comporta a nulidade do acto deste tribunal, conforme os artigos 201.º e 202.º do Código do
Processo Civil;
5. Chamando à colação o regime dos prazos legais e judiciais previstos nos artigosl44. 145.0 do CPC
combinados com a alínea b) do artigo 279.º e artigo 296.º e 297.º todos do Código Civil. A Reclamante
considerou estar em tempo de praticar o acto, porque foi notificada do Acórdão a 10 de Agosto de 2010.
Assim, aplicando-se o regime da contagem dos prazos, fica desde já patente que para o caso não deve
começar a sua contagem no dia 10, mas sim a 11 de Agosto, logo o prazo dos 8 dias terminaria no dia
19/09/2010;
6. Nesta conformidade, ao abrigo do n.º 5 do artigo 145.º do CPC ainda era possível praticar o acto até ao
dia 20 de Agosto de 2010 mediante pagamento de multa;
7. Assim, nos termos n.º 4 do artigo 145.º e do artigo 146.º do CPC, verificou-se um justo impedimento,
traduzido no facto de o mandatário da Reclamante bem como a própria Reclamante terem o seu domicílio
profissional e a sua sede na província de Luanda ficando por isso, ambos fora da Comarca do Tribunal
Provincial do Bengo;
8. Nestes termos, o despacho do Tribunal Supremo é contrário ao disposto no artigo 29.º da Constituição.
[11] Termina requerendo que seja considerada procedente a sua reclamação e em con-
sequência, seja revisto o despacho de indeferimento do recurso extraordinário de inconstitucionali-
dade.
[12] Esta reclamação foi recebida e admitida pelo Juiz Presidente do Tribunal Constitucio-
nal com fundamento na irregularidade da notificação do acórdão do tribunal a quo pelo facto de a
notificação não ter sido feita na pessoa do mandatário judicial constituído, conforme determina o
artigo 253.º do CPC, aplicável ao processo constitucional por força do artigo 2.º da Lei do Processo
Constitucional. Em consequência dessa visão,foi admitido o recurso extraordinário de inconstitucio-
nalidade para produzir efeito suspensivo e subir nos próprios autos, conforme os artigos 43.º e 44.º
da Lei do Processo Constitucional.
II. – COMPETÊNCIA
[13] Nos termos da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (alínea m) do artigo 16.º ),
compete ao Tribunal Constitucional, após exaustão dos recursos ordinários legalmente previstos
para o caso concreto, julgar os recursos de constitucionalidade interpostos de sentenças e de actos
administrativos que violem princípios, direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, estabelecidos na
Constituição. Com efeito, à luz do artigo 53.º da Lei do Processo Constitucional, compete ao Plenário
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
deste Tribunal decidir, sobre o recurso extraordinário de inconstitucionalidade que veio interposto
contra a decisão do Tribunal Supremo.
III. – LEGITIMIDADE
IV. – OBJECTO
[16] O objecto deste recurso é o acórdão do Tribunal Supremo que não conheceu do mérito
do recurso invocando falta de legitimidade do Recorrente. Corridos os vistos legais cumpre agora
apreciar e decidir.
V. – FUNDAMENTAÇÃO
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
acto por que o imposto é devido e, se não for pago nesse prazo, considerar-se-á sem efeito o requerimento, não
havendo lugar a execução ou conversão".
[20] Dos autos resulta que o Recorrente ainda em instrução preparatória juntou reque-
rimento para se constituir assistente nos autos (fls. 24, proc.º n.º 413-E/09) e daí em diante não
requereu nem praticou nenhum outro acto no sentido de legitimar a sua intervenção no processo ou
seja não pagou o imposto devido. Assim sendo, andou bem a Câmara Criminal do Tribunal Supremo
ao não conhecer do mérito do recurso por falta de legitimidade do mandatário do Assistente.
[21] A situação em causa não permite sequer que os actos sejam praticados após decurso
do prazo. São duas as situações em que a lei permite a prática de actos fora do prazo legalmente
exigido. A primeira, em situações de justo impedimento (cff. o n.º 4 do artigo 145.º do CPC). Defmido
como o evento imprevisível, estranho à vontade da parte, que a impossibilite de praticar o acto por
si ou por mandatário (cff. o n.º 1 do artigo 146.º do CPC).Segunda, para lá do justo impedimento,
quando a lei abre ainda a possibilidade de determinado acto poder ser praticado no primeiro dia
útil seguinte ao termo do prazo porém, mediante o pagamento de uma multa (cfr. o n.º 5 do artigo
146.º CPC), não se aplica nos casos de constituição de assistente (cfr. Artigo 152.º e § único do artigo
161.º ambos do CCJ).
[22] Nos autos constata-se, ainda, que na discussão da causa em primeira instância, a
acusação do MP foi deduzida a 13.11.2009 e o despacho de equiparação exarado a 26.11.2009 e a
acusação particular deduzida a 30.12.2009 o que implicava o não acolhimento da acusação particular.
Os poderes conferidos ao juiz nos processos de polícia correcional limitam-se a ordenar data para
o julgamento valendo assim a douta acusação como pronúncia em observância ao princípio do
acusatório, estruturador do processo penal como disposto no artigo 44.º do DL 35007. Assim a
vinculação temática da acusação, neste processo, não violou o direito do requerente a um julgamento
justo e imparcial. Recebida a acusação o Juiz ordenou, em observância ao disposto no artigo 354.º
CPP (fls. 47 Processo n.º 413/09 - TPB), data para julgamento, numa altura em que a acusação
particular não tinha dado entrada sendo certo que o seu recebimento posterior impediria o juiz de
reformular a promoção do MP o que está conforme a Constituição.
[23] Nas suas alegações a Recorrente requereu de igual forma que seja considerado inconsti-
tucional o acórdão proferido em primeira instância, na parte em que ficou inquinada, designadamente
na absolvição da Empresa Empresco quanto à sua responsabilidade como comitente. Vê-se que o
Recorrente excedeu - se no âmbito e no objecto deste recurso nos termos do disposto na alínea a)
e no § único do artigo 49.º da Lei n.º 03/08 - LPC. Não obstante o já referido, os artigos 26.º e 28.º
do Código Penal e a dogmática jurídico - penal impedem que para efeitos dos crimes da natureza
dos que os autos fazem referência, as pessoas Colectivas sejam penalmente responsabilizadas. Pelo
que andou bem o Tribunal de primeira instância ao afirmar no douto acórdão (de fls. - 116ss, proc.
413-E/2009) "vai igualmente o réu condenado a reparar os danos causados a viatura da ofendida MACON no
valor aqui nos autos requerido pelo assistente, pois só o responsável criminalmente pode ser demandado no
regime da acção civil deduzida em processo penal (vide artigos 29.º , 30.º 32.º e 34.º do CPP) (...) neste caso,
80
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
deve-se instaurar uma acção cível autónoma, seguindo então a tramitação do artigo 30.º do CPP pelo que não
se pode atender no presente processo ao pedido de indemnização formulado contra a empresa EMPESCO".
[24] Deste modo conclui-se que a decisão vertida no acórdão recorrido não é desconforme
com os princípios fundamentais da Constituição e não violou nem o direito de defesa, nem o direito
a um julgamento justo e conforme.
VI. – DECISÃO
Notifique-se e publique-se.
81
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
SUMÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE CONTRA DESPACHO
DE INDEFERIMENTO DO TRIBUNAL SUPREMO
83
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
DIPLOMAS CITADOS
O que segue são os motivos da decisão e a decisão proferida pelos Juízes Conselheiros presentes no Plenário do
Tribunal Constitucional.
84
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
I. – RELATÓRIO
[1] ENSA - Empresa de Seguros de Angola, Delegação de Benguela, veio a este Tribunal,
apresentar Reclamação contra o despacho do Tribunal Supremo (fls. 246) que indeferiu o requeri-
mento de interposição do Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade, com fundamento na
extemporaneidade do requerimento;
[2] Apresentada reclamação contra o referido indeferimento foi esta recebida e em con-
sequência admitido por despacho do Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional o
interposto recurso extraordinário de inconstitucionalidade.
[3] Os factos que dão lugar ao presente recurso reportam-se à tramitação que o presente
litígio teve em primeira instância (Tribunal Provincial de Benguela) e no Venerando Tribunal Supremo,
incidindo de um modo geral sobre matéria ligada a observância de prazos processuais, pagamento
tempestivo de custas e notificações judiciais.
[4] Com efeito e como consta do alegado pela Recorrente:
1. A Recorrente foi notificada da sentença (fls. 169) a 2 de Março de 2007 e dela interpôs recurso
a 5 de Março de 2007; o recurso foi admitido como sendo de Apelação com efeito suspensivo
em 26 de Junho de 2007 (fls. 179).
2. A Recorrente foi notificada do pagamento das custas nos autos de acção declarativa de indem-
nização com processo ordinário a 6 de Julho de 2007 (fls. 203).
3. Foi notificada do pagamento das custas contadas da acção declarativa de indemnização com
processo ordinário a 6 de Julho de 2007 (fls. 205).
4. Tendo juntado as alegações de recurso a 5 de Julho de 2007 e pago as respectivas guias a 6 de
Julho de 2007 (fls. 207).
5. A 24 de Abril de 2008 foi notificada do pagamento do preparo inicial e taxas de justiça para os
autos de recurso de apelação (fls. 218);
6. A Recorrente pagou e juntou as guias de pagamento a 9 de Maio de 2008 (fls. 219);
7. O relator da causa fez o despacho de deserção do Recurso com fundamento na extemporanei-
dade do pagamento dos preparos iniciais a 27 de Maio de 2008 (fls. 221).
8. Esta decisão foi comunicada a Recorrente a 25 de Setembro de 2008 (fls. 225).
9. Veio novamente a Recorrente reagir contra a decisão do despacho que dava o recurso como
deserto a 23 de Outubro de 2008 (fls. 228).
85
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
10. A reclamação foi indeferida a 9 de Outubro de 2008 e desse indeferimento foi a Recorrente
notificado a 2 de Fevereiro de 2009 (fls.235 e 239).
11. Insatisfeita, a Recorrente veio agravar em 2.a instância (fls. 240) do referido indeferimento, cujo
fundamento foi igualmente a extemporaneidade da interposição do Recurso em 6 de Março de
2009 (fls. 241).
13. O requerimento foi indeferido por extemporaneidade, a 11 de Maio de 2009 (fls. 246). Deste
despacho veio reclamar ao Tribunal Constitucional.
15. A Recorrente vem em síntese alegar que o despacho sentença veio ferido de erro grave quando mandou
cumprir o disposto no art. 134.º do CCJ, porque no seu entender esta disposição só se aplica quando a
parte não faz o pagamento do preparo inicial. A decisão do Tribunal Supremo de julgar deserto o recurso
teve por fundamento o facto de o cartório só ter verificado muito mais tarde que as guias já haviam sido
pagas.
16. Entende ter havido uma violação a um julgamento justo e conforme nos termos do artigo 72.º da
Constituição da República de Angola, que consagra o direito a um julgamento justo e conforme.
17. Continua ainda o Recorrente alegando que a estatuição do art. 134.º do CCJ no seu corpo não cria
obrigações, mas confere faculdade. E o prazo para pagamento de preparos iniciais nos recursos vem
referenciado no artigo 127.º do CCJ.
18. Conclui pedindo pela procedência do presente recurso; declaração de nulidade do despacho que julgou
deserto o recurso com fundamento no art. 292.º , n.º 1 do CPC uma vez que os requisitos contidos
genericamente na disposição legal 134.º do CPC, fundamento do despacho recorrido não se apresentaram
reunidos nem de forma isolada, subsidiária, alternativa, ou cumulada e por se terem mostrados não
provados. Porque o preparo inicial foi pago no tribunal de primeira instância e, nesta todas as demais
custas contadas liquidadas, conforme documento junto aos autos. Deve ser declarado nulo o despacho
sentença por má interpretação do CCJ, em particular o art. 134.º e deve o mandatário ser ressarcido das
custas que suportar pois voluntariamente pagou as guias com o presente recurso nos termos do art. 91.º
do CCJ.
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
II. – COMPETÊNCIA
[5] Nos termos das disposições conjugadas da alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08 de
17 de Junho, com a redacção dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 24/10 de 03 de Dezembro e do n.º 1, do
artigo 43.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho, o Tribunal Constitucional é competente para conhecer e
decidir o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade.
III. – LEGITIMIDADE
[6] A legitimidade processual é apreciada por uma relação da parte com o objecto da
acção. Essa relação é estabelecida através do interesse da parte em demandar ou em contradizer.
A Recorrente é apelante no processo em que ficou vencida por deserção e dele interpôs recurso
extraordinário de inconstitucionalidade que foi indeferido e que considera não ter sido bem decidido.
Assim, nos termos da alínea a), do artigo 50.º da Lei n.º 3/08 de 17 Junho, a Recorrente é parte
legítima.
IV. – OBJECTO
[7] O objecto do recurso é a decisão do Venerando Tribunal Supremo de fls. 241 que indefere
o recurso interposto contra a sentença proferida em primeira instância pelo Tribunal Provincial de
Benguela. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
V. – FUNDAMENTAÇÃO
[8] As decisões judiciais, uma vez proferidas, não são necessariamente irrevogáveis. A lei
permite a quem se sinta prejudicado por alguma delas, que julgue injusta ou ilegal, reagir contra ela.
[9] Nas suas alegações (apresentadas a 23 de Outubro de 2013 no Tribunal Constitucional)
a recorrente, por via do seu mandatário judicial trouxe ao conhecimento deste Tribunal, que a parte
legítima no processo - ENSA, Seguros de Angola, SA, por acordo extrajudicial, considerou o processo
como findo, vide fls. 37 e 38, 50 e 53 dos autos. Com efeito a fls. 37 e 38 diz a Recorrente: "...Sucede
que, depois de admitido o recurso, a ENSA, sede em Luanda, não a mandante Delegação de Benguela, decidiu
dar por fim o processo, recusando-se a pagar as demais custas, designadamente as que lhe foram cobradas no
TS com o presente incidente"
[10] A fls. 50 e, citando um e-mail do Director de Gabinete Jurídico da ENSA, diz este que:
...a administração da empresa já havia dado por encerrado esse processo. Razão pela qual a ENSA não irá
suportar mais despesas com o mesmo...
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
[11] Assim, entende este Tribunal que, ao ter a ENSA - Seguros de Angola, SA., chegado
a um acordo extra-judicial que põe fim a lide, verifica-se uma inutilidade superveniente desta nos
termos da alínea e) do art.º 287.º conjugado com o n.º 2 do art.º 293.º ambos do CPC, aplicados por
força do art.º 2.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho Lei do Processo Constitucional.
VI. – DECISÃO
Notifique-se e publique-se.
88
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
SUMÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE CONTRA ACÓRDÃO
DO TRIBUNAL SUPREMO POR INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE HABEAS CORPUS
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
fez um segundo pedido de habeas corpus ao Tribunal Supremo invoncando violação da Lei
e descumprimento de uma decisão de um Tribunal Superior por parte do juiz da causa. O
Tribunal Supremo negou o pedido por entender que o juiz da causa não tinha violado a Lei
nem desrespeitado uma decisão de um Tribunal Superior. Entendeu ainda que se tratavam de
fases processuais distintas (com novos prazos) e de um crime (homicídio qualificado) cuja pena
abstratamente aplicável não admitia caução. A Recorrente interpôs Recurso Extraordinário de
Inconstitucionalidade contra essa decisão para este Tribunal alegando violação do princípio da
presunção de inocência e do caso julgado.
Este Tribunal entende que constitui facto relevante e consta dos autos que, em nenhum
momento, o Acórdão recorrido do Tribunal Supremo teve em conta que, à data da prática
da infracção, a Recorrente tinha 17 anos, pelo que era menor para os efeitos do artigo 108°do
Código Penal. Este Tribunal constata que a Recorrente foi detida em 17 de Dezembro de
2012 e, embora tenha sido solta e permanecido fora da prisão por um período de 17 dias, no
momento da presente apreciação, já decorreram mais de 365 dias de detenção, pelo que à luz
da jurisprudência deste Tribunal (Acórdão n.º312 de 2013, entre outros) deve, de igual modo, a
prisão preventiva dar lugar à liberdade provisória mediante caução.
Decidido. Dá provimento ao recurso e restitui a Recorrente à liberdade provisória mediante
caução.
O artigo 108.ºdo Código Penal estabelece: se o criminoso tiver menos de dezoito anos ao tempo
da perpetração do crime, nunca lhe será aplicada pena mais grave do que a do n.º5 do artigo 55, ou seja,
pena de 2 a 8 anos. Resulta do Código do Processo Penal que as medidas de coação são a prisão
preventiva, a caução e o termo de identidade e residência. O critério de aplicação de qualquer
destas medidas é o previsto na alínea a) do parágrafo 2 do artigo 291.ºdo Código do Processo
Penal conjugado com o artigo 10.ºda Lei n.º18-A/92 de 17 de Julho (Lei da Prisão Preventiva
em Instrução Preparatória). Assim, a liberdade provisória não é admissível se ao crime for
aplicável pena superior à de 2 a 8 anos de prisão. Mas quando aos crimes seja aplicável pena
igual ou inferior à de 2 a 8 anos de prisão, é permitida a liberdade provisória e o meio que se
substitui a prisão é a caução ou termo de identidade e residência. Por força do artigo 108.ºdo
Código Penal, à Recorrente nunca será aplicada a pena superior do que a de 2 a 8 anos de
prisão.
Neste sentido é entendimento deste Tribunal que os artigos 107.ºa 109.ºdo Código Penal
não se limitam a indicar o máximo da pena aplicável aos menores, mas sim a indicar o termo da
escala de penas para os menores, independentemente do tipo de crime que tenham cometido;
isto porque estes artigos se baseiam na diminuição da imputabilidade e o contrário, levaria ao
absurdo de os menores serem tratados e punidos da mesma maneira e receberem o mesmo
tratamento que caberia aos adultos. Razão que, naturalmente, está fora de questão, tendo em
conta o ideário constitucional de particular protecção e tutela da menoridade.
A República de Angola é parte da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da
90
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
DIPLOMAS CITADOS
Código Civil
Artigos 5.º, 7.º, 12.º
Código das Custas Judiciais
Código do Processo Penal
Artigos 55.ºn.º5, 107.º, 108.º, 109.º, 274.º, 282.º, 291.º, 291.ºn.º2 a), 291.ºn.º3, 315.ºc), 321.º, 323.ºc), 371.º,
655.º
Código Penal de 1886
Artigos 107.º, 108.º, 109.º
Constituição da República de Angola
Artigos 67.ºn.º2, 68.º, 177.ºn.º2, 177.ºn.º3, 80.ºn.º1
Lei n.º3/08 de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional
Artigos 49.º, 49.ºa), 50.ºa)
Lei n.º18-A/92 de 17 de Julho, Lei da Prisão Preventiva em Instrução Preparatória
Artigos 10.º, 10.ºn.º1 b), 10.ºn.º2 a), 25.º, 26.º
ACÓRDÃOS CITADOS
CONSIDERADOS:
Acórdão da Câmara Criminal do Tribunal Supremo sobre o processo n.º306/2013
Acórdão da Câmara Criminal do Tribunal Supremo de 21 de Novembro de 2013
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 Outubro de 1954
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 Janeiro de 1969
Acórdão n.º312/2013 do Tribunal Constitucional
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
O que segue são os motivos da decisão e a decisão proferida pelos Juízes Conselheiros presentes no Plenário do
Tribunal Constitucional.
92
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
I. – RELATÓRIO
[1] Jéssica Alexandra Alves Coelho, com os demais sinais de identificação nos autos, veio
interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, com fundamento no artigo 49.º
e seguintes da Lei n.º 3/08, Lei do Processo Constitucional (LPC), do Acórdão da Câmara Criminal
do Tribunal Supremo, que indeferiu o pedido de habeas corpus, mantendo, consequentemente, a
situação carcerária da Recorrente.
[2] Na sustentação do pedido, a Recorrente alega, no essencial, o seguinte:
1. Interpôs, junto da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, uma providência de habeas corpus
com fundamento no excesso de prisão preventiva, nos termos do artigo 68.º da Constituição da
República de Angola (CRA), 25.º e 26.º da Lei n.º 18 - A/92, de 17 de Julho e na al. c) do artigo
315.º do Código do Processo Penal (C.P.P).
2. A Câmara Criminal do Tribunal Supremo, através do Acórdão sobre o processo n.º 306/2013,
deu provimento ao pedido de habeas corpus, ordenando a restituição provisória à liberdade da
arguida, mediante caução no valor de 3.000.000,00 AKZ, com a obrigação de não se ausentar de
Luanda e do país, sem autorização do Tribunal da causa principal e a apresentação quinzenal
no respectivo Tribunal.
3. A decisão que constitui o Acórdão proferido no processo n.º 306, foi efectivada entre os dias
19.07.2013 e 29.07.2013. Contudo, decorridos dez (10) dias, a contar da data referida supra e
apesar de ter sido interposto recurso do despacho de pronúncia nos termos dos artigos 371.º e
655.º do C.P.P., o Juiz da causa pronunciou a arguida, ordenando a sua detenção imediata e
emitindo o mandado de captura e condução à cadeia no dia 05.08.2013. O recurso em questão
foi admitido com efeito suspensivo, tendo sido mantida a prisão.
4. A Recorrente entende que a atitude do Juiz da causa principal representa uma clara violação à
lei, nomeadamente aos n.º s 2 e 3 do artigo 177.º da CRA e à al. c) do artigo 323.º do C.P.P, não
cumprindo deste modo, a decisão de um Tribunal superior, sendo a nova prisão ilegal, nos
termos do n.º 3 do artigo 291.º do C.P.P.
93
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
6. Alega, ainda, a Recorrente que, ao indeferirem a sua pretensão, tanto o Tribunal a quo quanto o
Tribunal ad quem, denotam claramente uma tendência de execução antecipada da pena, dando
costas, desde já, aos princípios da presunção de inocência e do caso julgado.
II. – COMPETÊNCIA
[3] O presente recurso foi interposto nos termos e com os fundamentos da alínea a) do
artigo 49.º e seguintes da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (LPC), esgotados que foram todos os recursos
da jurisdição comum, sendo por isso competente o Tribunal Constitucional.
III. – LEGITIMIDADE
[4] Nos termos da alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (LPC), podem
interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o Ministério Público e as pessoas que, de acordo
com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela
interpor recurso ordinário.
[5] A Recorrente é co-arguida no processo n.º 661/13-D, que corre os seus trâmites como
acção principal no Tribunal Provincial de Luanda, cujo Acórdão da Câmara Criminal do Tribunal
Supremo a respeito do não provimento do segundo pedido de habeas corpus, é objecto de apreciação
neste Tribunal. Nos termos do Código de Processo Penal, a aludida Recorrente tem legitimidade para
interpor recurso ordinário, resultando daí, pois, clara a sua legitimidade para interpor o presente
recurso extraordinário.
IV. – OBJECTO
[6] O objecto do presente recurso é a decisão proferida pela Câmara Criminal do Tribunal
Supremo que, no seu Acórdão de 21 de Novembro de 2013, fls. 41 a 44, indeferiu, na providência de
habeas corpus, o pedido de liberdade provisória, com fundamento na sua inadmissibilidade, mantendo
a situação carcerária da Recorrente, estabelecida na pronúncia. Colhidos os vistos legais, cumpre
apreciar e decidir.
94
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
V. – FUNDAMENTAÇÃO
[7] A Recorrente foi primeiramente detida na fase de instrução preparatória, dado que
sobre ela impendiam fortes suspeitas da prática de um crime punível com pena de prisão maior
e viu a sua liberdade ser restituída provisoriamente pelo Tribunal Supremo, em consequência de
uma providência de habeas corpus (Proc. n.º 306/2013) deferida, em virtude de se terem esgotado os
prazos de prisão preventiva sem culpa formada.
[8] Porém, alguns dias depois da soltura, foi novamente detida em função de um mandado
de captura expedido pelo Juiz da causa principal, no respectivo despacho de pronúncia.
[9] A Recorrente, sentindo-se injustiçada e inconformada, lançou mãos de uma segunda
providência de habeas corpus, no Tribunal Supremo, alegando desta vez, que a segunda providência
não se justificava, devendo entender-se que a anterior decretada pelo Tribunal Supremo continuava
vigente, que o seu efeito deveria ser respeitado até ao julgamento da acção principal e que a anterior
decisão do Tribunal Supremo que a restituíra à liberdade provisória deveria manter-se mesmo após
a pronúncia e, inclusivamente, até que a sentença transitasse em julgado.
[10] A Câmara Criminal do Tribunal Supremo declarou improcedente o pedido da segunda
providência de habeas corpus, sustentando a sua decisão no facto de que com culpa formada e após
pronúncia correm novos prazos para a prisão preventiva, devendo o Juiz da causa pronunciar-se
sobre a situação carcerária dos arguidos, alterando-a ou mantendo-a, nos termos da lei. Uma vez
que a Recorrente incorreu no crime de homicídio qualificado, que comina a pena abstracta de 20 a 24
anos de prisão maior, deve ser decretada, na pronúncia, a prisão por inadmissibilidade de liberdade
provisória, nos termos do artigo 10.º , n.º l, alínea b) e n.º 2 alínea a) da Lei n.º 18-A/92, de 17 de Julho.
Concluiu, assim, o Tribunal Supremo que o juiz da causa, ao ordenar a detenção da Recorrente, não
incumpriu a sua decisão anterior e nem incorreu em ilegalidade, na medida em que o artigo 274.º
do CPP deve ser conciliado com o artigo 282.º do mesmo Código. Por isso manteve a detenção da
Recorrente.
[11] Inconformada, a Recorrente veio interpor recurso extraordinário de inconstitucionali-
dade junto deste Tribunal por alegada quebra de caução e concomitantemente violação dos direitos
fundamentais à liberdade e à dignidade da pessoa humana bem assim como do caso julgado. A
Recorrente entende que a decisão do Tribunal Supremo de que recorre ao ratificar a decisão do Juiz
do Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 321.º ss, 371.º e 655.º , todos do C.P.P.
[12] Ao contrário do que sustenta a Recorrente, o Tribunal Constitucional considera estar-se
diante de duas fases processuais distintas e ante fundamentos de prisão preventiva diferentes. No
primeiro momento, a prisão preventiva da Recorrente foi decretada na fase inicial do processo
principal, tendo, durante a instrução e perante o excesso desta prisão, sido posta em liberdade.
No segundo momento, com a pronúncia, a sua prisão preventiva decorre das circunstâncias que
resultam da culpa formada.
95
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
[13] Porém, constitui facto relevante e consta dos autos que, em nenhum momento, o
Acórdão recorrido do Tribunal Supremo teve em conta que, à data da prática da infracção, a Recorrente
tinha 17 anos, pelo que era menor para os efeitos do artigo 108.º do Código Penal. Este artigo
estabelece: se o criminoso tiver menos de dezoito anos ao tempo da perpetração do crime, nunca lhe será
aplicada pena mais grave do que a do n.º 5 do artigo 55.º , ou seja, pena de 2 a 8 anos.
[14] Resulta do Código do Processo Penal que as medidas de coação são a prisão preventiva,
a caução e o termo de identidade e residência. O critério de aplicação de qualquer destas medidas é
o previsto na alínea a) do parágrafo 2.º do artigo 291.º do Código do Processo Penal conjugado com
o artigo 10.º da Lei n.º 18-A/92 de 17 de Julho (Lei da Prisão Preventiva em Instrução Preparatória).
[15] Decorre das referidas disposições que a liberdade provisória não é admissível se ao
crime for aplicável pena superior à de 2 a 8 anos de prisão. Significa que, quando aos crimes seja
aplicável pena igual ou inferior à de 2 a 8 anos de prisão, é permitida a liberdade provisória e o meio
que substitui a prisão é a caução ou o termo de identidade e residência.
[16] No caso em análise, à Recorrente, por força do artigo 108.º do CP, nunca será aplicável
pena superior do que a de 2 a 8 anos de prisão.
[17] Neste sentido é entendimento deste Tribunal que os artigos 107.º a 109.º do Código
Penal não se limitam a indicar o máximo da pena aplicável aos menores, mas sim a indicar o termo
da escala de penas para os menores, independentemente do tipo de crime que tenham cometido; isto
porque estes artigos se baseiam na diminuição da imputabilidade e o contrário, levaria ao absurdo
de os menores serem tratados e punidos da mesma maneira e receberam o mesmo tratamento
que caberia aos adultos. Razão que, naturalmente, está fora de questão, tendo em conta o ideário
constitucional de particular protecção e tutela da menoridade.
[18] No caso, a caução que é uma das modalidades de liberdade provisória que também
desempenha a função de medida alternativa e/ou de substituição à prisão preventiva devia ter sido
mantida, porque já aplicada, em atenção à penalidade aplicável ao crime que se imputa à recorrente,
2 a 8 anos, dado que a caução incide sobre a pena e não sobre o crime.
[19] Aliás, é jurisprudência na República de Angola, (Acórdãos do Supremo Tribunal de
Justiça de 13 de Outubro de 1954 e 8 de Janeiro de 1969) que os artigos 107.º e 108.º do Código
Penal de 1886, ainda em vigor, fixam o limite máximo das penas aplicáveis aos menores e não
das penas aplicadas, movimentando-se o julgador para aquém destes limites de harmonia com o
condicionalismo, sem que a lei imponha qualquer relação proporcional.
[20] Significa que, tratando-se de menor de 18 anos, o que é o caso, independentemente
do crime de que venha indiciado, é sempre admissível a liberdade provisória, porque, o custo da
liberdade não pode ser superior à pena esperada, uma vez que a limitação pretendida deve ser
proporcional à pena aplicável ao agente do crime.
[21] De resto, a República de Angola é parte na Convenção das Nações Unidas sobre os
Direitos da Criança aprovada a 20 de Novembro de 1989 e ratificada em 5 de Dezembro de 1990.
96
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
Desta decorre que, a detenção, prisão preventiva ou outra medida semelhante, deve ser aplicada ao
menor em última instância, ou seja, só quando outra menos grave não puder ser aplicada.
[22] Neste sentido, a medida de coacção não se deve mostrar desproporcionada, preser-
vando assim a proporção entre o quanto da pena que vai ser aplicada e as limitações que sofre o
arguido que, de resto, se presume inocente até ao transito em julgado da sentença de condenação,
n.º 2 do artigo 67.º da Constituição da República de Angola (CRA).
[23] É entendimento do Tribunal Constitucional que o critério legal estabelecido para
aplicação da pena a menores de dezoito anos, quer se considere a moldura penal em concreto, quer
se considere em ábstracto, reconduz sempre à admissibilidade de aplicação da medida cautelar de
liberdade provisória e não a prisão preventiva imposta por lei, independentemente de existir ou não
pronúncia, conforme resulta das disposições conjugadas do artigo 108.º do CP e 291.º , n.º 2, al. a) do
CPP.
[24] Tem-se igualmente em consideração que o direito penal moderno, e que se encontra
sufragado na Constituição de 2010, aponta para o favorecimento de escolha de medidas não privativas
da liberdade, face às medidas detentivas.
[25] Na verdade, até ao trânsito em julgado da decisão condenatória a Recorrente presume-
se inocente e como tal encontra protecção constitucional, mormente no artigo 67.º , n.º 2. Nos termos
do dispositivo normativo presume-se inocente todo o cidadão até ao trânsito em julgado da sentença de
condenação, o que implica a aplicação à Recorrente das leis de conteúdo mais favorável, das medidas
mais favoráveis para que se possam enquadrar dentro do critério constitucional estabelecido.
[26] Além de tudo o que acima fica dito, o Tribunal Constitucional constata que a Recorrente
foi detida em 17 de Dezembro de 2012 e, embora tenha sido solta e permanecido fora da prisão
por um período de 17 dias, no momento da presente apreciação, já decorreram mais de 365 dias de
detenção, pelo que à luz da Jurisprudência deste Tribunal (Acórdão n.º 312 de 2013, entre outros)
deve, de igual modo, a prisão preventiva dar lugar à liberdade provisória mediante caução.
[27] Conclui assim, o Tribunal Constitucional que, pelo facto de a Recorrente ser menor
de idade à data da eventual prática da infracção (art.º 108.º do CP) e, ao contrário do decidido
no Acórdão recorrido, não se verifica, no caso em apreço, uma situação de inadmissibilidade da
liberdade provisória, nos termos do previsto nos artigos 291.º do CPP conjugado com o artigo 10.º
da Lei n.º 18-A/92 de 17 de Julho.
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
VI. – DECISÃO
Notifique-se e publique-se.
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
SUMÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE CONTRA ACÓRDÃO
DO TRIBUNAL SUPREMO QUE NEGOU PROVIMENTO AO PEDIDO DE HABEAS COR-
PUS
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
Este Tribunal entende que o acórdão do Tribunal Supremo não violou os referidos artigos
da Constituição porque agiu a coberto da Lei. Por outro lado, o artigo 57.ºda Constituição não
se aplica aos Tribunais.
Decidido. Nega provimento ao recurso.
O Tribunal Supremo ao indeferir o pedido de habeas corpus dos recorrentes não infringiu
a Constituição porque agiu a coberto da Lei. A prisão preventiva foi ordenada com base no
disposto conjugadamete na alínea a) do n.º1 e alínea a) do n.º2 ambos do artigo 10.ºda Lei
n.º18-A/92 de 17 de Julho, Lei da Prisão Preventiva e no n.º5 do artigo 366.ºdo Código de
Processo Penal.
O artigo 57.ºda Constituição visa prima facie balizar a actividade do legislador, não dos
tribunais. A Câmara dos Crimes Comuns do Tribunal Supremo que proferiu o acórdão recorrido
não é um órgão legislativo e como tal não pode obedecer ou seja violar o disposto no artigo
57.ºda Constituição.
DIPLOMAS CITADOS
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
ACÓRDÃOS CITADOS
APLICADOS:
Acórdão n.º312/2013 do Tribunal Constitucional
O que segue são os motivos da decisão e o decisão proferida pelos Juízes Conselheiros presentes no Plenário do
Tribunal Constitucional.
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
I. – RELATÓRIO
[1] ADÃO DOMINGOS LOPES, MANUEL JOSÉ BARROS NUNES E JECONIAS SA-
CONDONGO CULIPANGA, co-réus devidamente identificados nos autos, vieram a este Tribunal
interpor Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade do Acórdão do Tribunal Supremo, que
negou provimento ao pedido de habeas corpus, por extemporaneidade (fls. 57), impetrado pelos
Recorrentes, com fundamento na violação das normas da Lei n.º 18-A/92, de 17 de Julho, Lei da
Prisão Preventiva e da CRA.
1. Adão Domingos Lopes, Manuel José Manuel Baixos Nunes e Jeconias Sacondongo Culipanga,
Réus, foram detidos aos 04 de Novembros de 2012, acusados da prática do crime de burla por
deffaudação p.p. pelo artigo 480.º do C.P. (fls. 19 a 21) por ordens do Director Provincial de
Investigação Criminal;
2. Foram postos em liberdade aos 09/11/2012 mediante termo de identidade e residência (fls. 22
a 27) por despacho do Digno representante do Ministério Público (fls. 28 a 37);
3. Foram outra vez detidos no dia 06 de Janeiro de 2014 (fls. 22 a 27). Porém, do Despacho
aposto na fls. 40, resulta que os mesmos foram notificados da pronúncia e naturalmente dos
respectivos mandados de captura sem que tivessem efectivamente sido capturados, e desta
apresentaram recurso, que foi prontamente aceite (fls. 41);
102
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
8. Diante dos fundamentos aduzidos pelos Reclamantes o Juiz Conselheiro Relator solicitou
esclarecimentos à Secretaria Judicial (fls. 70) sobre a imprecisão das datas. Esta assumiu a
responsabilidade sobre a questão (fls. 70v), dando origem a um outro despacho (fls. 71) que
revogou o anterior, aposto na fls. 57, e em consequência admitiu o recurso, com subida nos
próprios autos e a junção das alegações junto do Tribunal Constitucional (fls. 71);
9. Sucede que os Recorrentes reclamaram do indeferimento, em simultâneo, no Tribunal Consti-
tucional, culminando com a abertura do processo n.º 411-D/2014;
10. Porém, o Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional após ter tomado contacto
com o teor do despacho de admissibilidade do recurso, aposto a fls. 71, considerou inútil
o prosseguimento da referida reclamação, ordenando o seu arquivamento (fls. 12 e 12v do
processo arquivado);
11. Situação carcerária dos Réus: os Recorrentes, no processo de querela que corre os seus termos
no Tribunal Provincial de Luanda, encontram- se a aguardar julgamento em prisão preventiva
após culpa formada. Ou seja, os Recorrentes já foram notificados da douta acusação deduzida
pelo Ministério Público e da respectiva pronúncia.
12. Em tempo os Recorrentes juntaram as suas alegações de recurso extraordinário de inconstituci-
onalidade (fls. 74 a 107) alegando, em síntese, os seguintes fundamentos:
(a) Aos 06 de Janeiro de 2014, os arguidos foram surpreendidos nos seus postos de trabalho
pelos agentes da Polícias Nacional, munidos de mandados de captura, tendo sido detidos
ao abrigo do § 2.º da alínea b) do artigo 10.º da Lei 18-A/92, de 17 de Julho - Lei da Prisão
Preventiva em Instrução Preparatória;
103
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
(b) Constitui uma flagrante violação dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente
reconhecidas a todos os cidadãos nos termos do n.º 1 do artigo 67.º da CRA. Direitos e
garantias constitucionais que foram reiteradamente cerceados, violando assim o disposto
no artigo 11.º da Lei 18-A/92 de 17 de Julho;
(c) O artigo 57.º da CRA estabelece restrições à limitação dos direitos ou interesses cons-
titucionalmente protegidos. Mas o juiz a quo embora tivesse admitido o recurso com
efeito suspensivo não ordenou a libertação dos mesmos, quando antes da interposição
do recurso encontravam-se detidos mediante termo de identidade e residência violando
assim também o artigo 67.º , e consequentemente negando aos Réus a defesa que têm
direito - princípio do contraditório;
(d) O acórdão recorrido violou também o artigo 655.º do CPP e n.º 2 do artigo 658.º do CPP
que dispõe que o recurso do despacho de pronúncia suspende o processo.
[2] Os Recorrentes solicitam que seja dado provimento ao seu pedido, considerando o
acórdão recorrido inconstitucional e em consequência devem ser restituídos a liberdade.
II. – COMPETÊNCIA
[3] Nos termos das disposições conjugadas das normas da alínea m) do artigo 16.º da Lei
n.º 2/08 de 17 de Junho, com a redacção dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 24/10 de 03 de Dezembro,
da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, com a redacção dada pelo artigo 13.º da Lei n.º 25/10 de
03 de Dezembro e do artigo 53.º da Lei n.º 3/08, compete ao Plenário do Tribunal Constitucional,
após esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos para o caso, julgar os recursos
de constitucionalidade que venham a ser interposto de sentenças que violem princípios, direitos,
liberdades e garantias dos cidadãos, estabelecidas na Constituição. Assim, é este Tribunal competente
para apreciar e julgar o presente recurso.
III. – LEGITIMIDADE
104
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
IV. – OBJECTO
V. – FUNDAMENTAÇÃO
[6] Dispõe este preceito constitucional que cit A lei só pode restringir os direitos, liberdades e
garantias nos casos expressamente previstos na Constituição devendo as restrições limitar-se ao necessário,
proporcional e razoável numa sociedade livre e democrática, para salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos.
[7] Os Recorrentes invocam que, não obstante o recurso interposto no Tribunal Supremo
ter sido admitido com efeito suspensivo, o Juiz a quo, não os restituiu à liberdade provisória, tendo
sido ordenada a sua detenção, o que configura violação do citado art.º 57.º da CRA.
[8] Ora, considera este Tribunal que o artigo 57.º da CRA, segundo o qual A lei só pode
restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição devendo as
restrições limitar-se ao necessário, proporcional e razoável numa sociedade livre e democrática, para salvaguardar
outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, refere-se às restrições de direitos, liberdades
egarantias constitucionais pelas leis.
[9] Assim sendo, visa prima face balizar a actividade legiferante tendo como único destina-
tário o legislador.
[10] Significa, pois, que o legislador constituinte impôs estas limitações ao legislador
ordinário no sentido de este último abster-se de aprovar leis restritivas dos direitos, liberdades e das
garantias constitucionais, excessivas ou desproporcionais.
[11] Neste sentido o ilustre Professor Jorge Reis Novais, Os Princípios Constitucionais Estru-
turantes da República Portuguesa, Reimpressão, Coimbra, 2014, defende que (...) deve caber ao poder
constituído autor da restrição a escolha do que considera o mais adequado (...). nessa altura, importa, apenas,
garantir que a restrição não seja inadequada, desrazoável, desproporcionada.
[12] Assim, na eventualidade de o legislador ordinário as aprovar (leis restritivas), elas só
podem restringir direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição,
devendo assim estas limitações cingir-se ao necessário, proporcional e razoável, a fim de salvaguardar
outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Além do mais, é ainda importante
tomar em consideração que o art.º 57.º da CRA obriga a que estas leis revistam carácter geral e
105
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
abstracto, não lhes podendo ser conferido efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o conteúdo
dos preceitos constitucionais.
[13] Portanto, a disposição legal invocada pelos Recorrentes está desconforme com a reali-
dade suscitada nesta instância constitucional, porquanto a Câmara dos Crimes Comuns do Tribunal
Supremo que proferiu o acórdão ora recorrido não é um órgão legislativo e como tal não pode
desobedecer, ou seja, violar o disposto no comando normativo do artigo 57.º da CRA.
1. Ninguém pode ser detido, preso ou submetido a julgamento senão nos termos da lei, sendo garantido a
todos os arguidos ou presos o direito de defesa, de recurso e de patrocínio judiciário.
3. O organismo tem direito de escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo,
especificando a lei os casos ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as
fases em que a assistência por advogado é obrigatória.
4. Os arguidos presos têm direito de receber visitas do seu advogado, de familiares, amigos e assistente
religioso e de com eles se corresponder, sem prejuízo do disposto na alínea e) do artigo 63.º e o disposto no
n.º 3 do artigo 194.º .
5. Aos arguidos ou presos que não possuam constituir advogado por razões de ordem económica deve ser
assegurada, nos termos da lei, adequada assistência judiciária.
6. Qualquer pessoa condenada tem direito de interpor recurso ordinário ou extraordinário no tribunal
competente da decisão contra si proferida em matéria penal, nos termos da lei.
[15] Esta disposição estabelece as garantias do processo criminal, dentre outros, as garantias
contra detenções ou prisões arbitrárias, garantia de um julgamento justo e realizado nos termos da
lei, direito de defesa, direito ao patrocínio judiciário, direito à presunção de inocência, bem como o
direito ao recurso.
[16] O Tribunal Constitucional considera que, em abstracto e à luz dos factos carreados
ao processo, a prisão preventiva dos Recorrentes foi ordenada a coberto da lei visto o disposto
conjugadamente na alínea a) do n.° 1, e alínea a) do n.º 2 ambas do artigo 10.º da Lei n.º 18-A/92 de
17 de Julho - Lei da Prisão Preventiva e n.º 5 do art.º 366.º do CPP.
[17] Assim sendo, podemos concluir que, neste particular, o Tribunal Supremo andou bem
pois a sua decisão é consentânea com a CRA e a lei aplicável.
106
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
[18] Não obstante o dito supra, o Tribunal Constitucional em matérias de prazos de prisão
de preventiva orienta-se no sentido de que na interpretação do § 2.º e 3.º do art.º 337.º do CPP, o prazo
entre a prolação da pronúncia e o julgamento não devera exceder 110 dias, (Vide Acórdão n.º 312/2013,
proferido no âmbito do processo 296-C/2012).
[19] Os Recorrentes encontram-se presos, após a culpa formada, há mais de 110 dias.
[20] Consequentemente, conclui o Tribunal Constitucional que os Recorrentes encontram-
se em situação de detenção ilegal, por já terem decorrido os prazos máximos admissíveis de prisão
após culpa formada, devendo, em consequência, ser restituídos à liberdade.
VI. – DECISÃO
Notifique-se e publique-se.
107
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
SUMÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE CONTRA DESPACHO
DE INDEFERIMENTO DO TRIBUNAL SUPREMO POR FALTA DE CITAÇÃO E INTER-
VENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
109
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
e não declarou nulo tudo o que se processou depois da petição inicial. O Tribunal Supremo
condenou o Recorrente a reconhecer o direito de propriedade de Eva Coelho. O Recorrente
interpôs Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade para o Tribunal Supremo mas este
não admitiu o recurso. O Recorrente apresentou reclamação do despacho de indeferimento do
recurso do Tribunal Supremo para Tribunal Constitucional por ausência de fundamentos.
Este Tribunal entende que o acórdão recorrido não infringiu os referidos artigos da
Constituição e está bem fundamentado.
Decidido. Nega provimento ao recurso.
Sobre a alegada violação ao artigo 6.ºda Constituição, o Estado não é nem nunca foi parte
no processo. A inciativa processual incumbe as partes (artigo 264.ºdo Código de Processo
Civil). O Ministério Público emitiu parecer em primeira instância mas não foi parte no processo
(artigo 196.ºCódigo de Processo Civil).
Sobre a alegada violação ao artigo 14.ºda Constituição, não existem dois direitos de
propriedade sobre o mesmo imóvel. Os recorrentes nunca apresentaram qualquer contrato de
compra e venda celebrado por escritura pública, tendo apenas juntado um termo de quitação.
Eva Coelho tem um termo de quitação mais antigo. O negócio jurídico de compra e venda
celebrado por escritura pública prevalece sobre qualquer outro documento (artigo 875.ºdo
Código de Processo Civil).
DIPLOMAS CITADOS
Código Civil
Artigos 875.º, 1305.º, 1316.º
Código de Processo Civil
Artigos 194.ºb), 196.º, 264.º, 690.ºn.º1, 687.ºn.º3, 687.ºn.º6
Constituição da República de Angola
Artigos 1.ºn.º2, 6.º, 14.º, 37.º, 6.º, 13.º, 37.º
Lei n.º2/08 de 17 Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional
Artigo 16.º
Lei n.º3/08 de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional
Artigos 2.º, 49.º
Lei n.º24/10 de 3 de Dezembro
110
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
DOUTRINA CITADA:
PIRES, Lucas. Teoria da Constituição. 1976. Pág. 300.
O que segue são os motivos da decisão e a decisão proferida pelos Juízes Conselheiros presentes no Plenário do
Tribunal Constitucional.
111
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
I. – RELATÓRIO
[1] Vinod Verma, melhor identificado nos autos, apresentou reclamação do despacho
proferido pelo Tribunal Supremo que não admitiu o Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade,
tendo alegado o seguinte:
2. Que no referido despacho é manifesta a falta de sustentação de facto e de direito, posto que
não indicou quais foram as razões ou os fundamentos de direito que estiveram na base do
indeferimento;
3. Que o n.º 6 do artigo 687.º do Código de Processo Civil (CPC)(querendo, na verdade, o Re-
querente referir-se ao n.º 3 do artigo 687.º ) determina que os requerimentos de interposição
de recurso só podem ser indeferidos quando (i) se entenda que a decisão não admite recurso
(ii) quando este é interposto fora do prazo ou (iii) quando o Recorrente não tem as condições
necessárias para recorrer;
4. Que o indeferimento do recurso por falta de fundamento não está previsto naquela norma;
5. Alega ainda que a decisão do Tribunal Supremo é recorrível e que o recurso foi interposto por
quem tem legitimidade, tendo-o feito tempestivamente.
[2] Termina pedindo que a sua reclamação seja julgada procedente e que o despacho que
indeferiu o recurso seja revisto.
[3] Alega juntar dois documentos que, de facto, apenas foram recebidos em data diversa.
[4] Concluso o processo ao Juiz Presidente deste Tribunal, o mesmo ordenou que o Recla-
mante apresentasse, em cinco dias, cópia dos seguintes documentos:
112
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
[5] O Reclamante foi notificado deste despacho no dia 6 de Março do ano em curso, mas
só respondeu a 13 do mesmo mês e ano, tendo alegado justo impedimento.
[6] O Recorrente foi notificado da admissibilidade do recurso no dia 21 de Maio do ano
corrente tendo, no dia 3 de Junho subsequente, juntado alegações, em que, em síntese, deduziu o
seguinte:
1. Que os recorrentes tomaram de arrendamento o imóvel sito na rua Dr. Agostinho Neto n.º 20,
R/C, n.º 113, bairro da Kinanga, zona 2, de Eva Coelho;
2. Que em 1994, celebraram novo contrato com a Direcção Provincial da Habitação de Luanda;
3. Que no ano de 1994, compraram o referido imóvel ao Estado angolano.
4. Que Eva Coelho propôs-se a comprar o imóvel em questão no ano de 2003;
5. Que o Estado angolano vendeu o mesmo imóvel a duas pessoas distintas e que a venda feita
a Eva coelho é nula pois que, na altura, já não se encontrava na esfera jurídica do Estado
angolano;
6. Que a venda feita a Eva Coelho viola o princípio do respeito pela propriedade privada;
7. Que o Estado celebrou novo contrato de arrendamento com os Recorrentes ao abrigo do
privilégio de execução prévia;
8. Que, em termos materiais, já não existia qualquer contrato de arrendamento entre o Estado
e Eva Coelho, em razão do subarrendamento não autorizado e pela desocupação efectiva do
imóvel por cerca de duas décadas;
9. Que o Estado não tinha legitimidade para vender o imóvel, pois este encontrava-se já na esfera
jurídica dos Recorrentes e que esta venda viola o princípio constitucionalmente protegido da
propriedade privada;
10. Que o Tribunal 11 a a quo violou o princípio da legalidade ao recusar-se a aplicar a alínea b) do
artigo 194.º do CPC e declarar nulo tudo o que se processou depois da petição inicial, por não
se ter mandado citar o Ministério Público e que só com a intervenção do Estado a sentença
recorrida poderá obter o efeito útil que se pretende.
113
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
II. – COMPETÊNCIA
[8] Nos termos da alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, com as alterações
impostas pela Lei n.º 24/10, de 3 de Dezembro, o Tribunal Constitucional é competente para apreciar
a questão.
[9] De resto, nos termos do § único do art.º 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei
do Processo Constitucional (LPC), com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 24/10, de 3 de
Dezembro, estão esgotados os recursos ordinários oponíveis. Nesta senda, o Tribunal Constitucional
é competente para conhecer do presente Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade.
III. – LEGITIMIDADE
[10] O Acórdão ora recorrido julgou improcedente a pretensão dos Recorrentes, tendo
estes sido condenados a reconhecer o direito de propriedade da então Recorrida e ainda a restituir
imediatamente, o imóvel em causa, livre de pessoas e bens.
[11] Ora, enquanto parte principal e vencida, nos termos do n.º 1 do artigo 680.º do CPC,
aplicável ex vi do artigo 2.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, o Recorrente tem legitimidade para
interpor o presente recurso.
IV. – OBJECTO
[12] O presente recurso tem por objecto o Acórdão proferido pelo Tribunal Supremo, em
que o Recorrente é condenado a reconhecer o direito de propriedade de Eva da Silva Gomes Alves
Coelho sobre o imóvel situado na rua Dr. António Agostinho Neto, n.º 20, r/c, n.º 113, bairro da
Kinanga, Zona 2, Luanda, por entender que esta decisão viola os artigos 6.º , 14.º e 37.º da CRA.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
V. – FUNDAMENTAÇÃO
[13] Alega o Recorrente que a falta de citação do Ministério Público violou a alínea b)
do artigo 194.º do CPC. Importa pois saber se o Estado Angolano era ou não parte no processo.
Concluindo-se pela positiva, então este devia ter sido citado.
[14] Entende-se como parte toda a pessoa, singular ou colectiva, que seja sujeito da relação
material controvertida.
[15] Não resulta dos autos que a acção tenha sido intentada contra o Estado angolano ou
que este tenha intentado qualquer acção tendo por objecto a propriedade do imóvel em litígio.
114
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
[16] Assim o Estado não é, nem nunca foi parte no processo em questão.
[17] O Recorrente parte da premissa segundo a qual devia ser o Tribunal a fazer intervir o
Estado como parte no processo, quando, à luz do princípio dispositivo, são as partes que determinam
o se e o como do processo. Conforme refere o artigo 264.º do CPC, A iniciativa e o impulso processual
incumbem às partes.
[18] Se o Recorrente quisesse fazer intervir o Estado angolano como parte, devia tê-lo feito
na primeira ou na segunda instâncias, utilizando para isso um incidente de intervenção de terceiros.
[19] Na verdade, no processo a quo, o Autor intentou a acção contra e apenas contra o ora
Recorrente e este em nenhum momento fez intervir o Estado, quer na primeira instância, quer no
tribunal ad quem.
[20] Em todo caso e como bem concluiu o Tribunal Supremo, o Ministério Público, enquanto
fiscal da legalidade, emitiu, em primeira instância, parecer no processo e nao se arrogou nem interveio
na qualidade de parte.
[21] Outrossim, na segunda instância, emitiu inclusive parecer concordante com a sentença
recorrida, como se pode ver a fls. 222/223 dos autos.
[22] Resulta útil atentar sobre o que a este propósito estabelece o artigo 196.º do CPC e que,
infra, se passa a citar: Se (...) o M.º P.º intervier no processo sem arguir logo a falta de citação, considera-se
sanada a nulidade.
[23] Pelo exposto, conclui-se que não foi violado o princípio da legalidade, previsto no
artigo 6.º da CRA.
II – Violação dos artigos 14.º (propriedade privada e livre iniciativa) e 37.º (direito de proprie-
dade, requisição e expropriação), ambos da CRA.
[24] O direito à propriedade privada está inserido no leque de direitos, liberdades e garan-
tias fundamentais, que como se sabe, são de aplicação directa e vinculam todas as entidades públicas
e privadas.
[25] A propriedade é assim o maior bastião real da autonomia da sociedade, como o afirma
Lucas Pires, in Teoria da Constituição de 1976, pág. 300.
[26] Outrossim, a CRA, ao afirmar que a todos é garantido o direito à propriedade privada... e
o Estado protege a propriedade privada das pessoas singulares... nos termos da Constituição e da Lei, está a
reconhecer o âmbito privado económico do indivíduo face ao Estado, isto é, garante proteger todo o
acervo patrimonial que o indivíduo adquiriu ou venha a adquirir durante a sua vida.
[27] No entanto, não se pode descurar que esta protecção apenas é garantida em relação
aos bens legal e efectivamente inscritos na esfera jurídico-patrimonial dos indivíduos, isto é, quando
se tenham observado todos os trâmites legais.
115
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
[28] Assim, é necessário saber qual das vendas efectuadas pela Comissão Nacional de
Venda do Património Habitacional do Estado deve ser considerada válida, posto que, o Estado não
pode proteger dois direitos de propriedade sobre o mesmo bem (salvo, mutatis mutandis, os casos de
compropriedade).
[29] Não podem coexistir dois direitos de propriedade sobre o mesmo bem. Com efeito,
os poderes inerentes ao proprietário (uso, fruição e disposição), são de seu gozo pleno e exclusivo
conforme dispõe o artigo 1305.º do Código Civil (CC).
[30] No acórdão proferido pelo Tribunal Supremo sobre o processo n.º 1578/10, juntado
aos autos pelo Recorrente, em dado momento diz-se que ...o negócio jurídico de compra celebrado por
escritura pública pela apelada em 20/6/2003, prevalece sobre qualquer outro documento por força do disposto
no art.º 875.º do C. Civil que impõe:
[31] o contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública
salvo disposto em lei especial.
[32] Assim sendo, a escritura pública da apelada (Eva Coelho) sobrepõe-se a qualquer outro do-
cumento na posse dos apelantes (aqui Recorrentes,), por nenhum deles possuir força probatória superior
comparativamente ao exibido por aquela
[33] Resulta também do Acórdão já referido que Eva Coelho se tomou inquilina do Estado
angolano em Novembro de 1976.
[34] Fica deste modo esclarecido que não existem dois direitos de propriedade sobre o
mesmo imóvel!
[35] Um dos modos válidos de se adquirir a propriedade é mediante contrato, conforme
reza o artigo 1316.º do CC. No entanto e por exigência do artigo 875.º deste mesmo diploma legal,
quando se trata de adquirir bens imóveis, este contrato tem de ser celebrado por escritura pública. A
venda só se consolida com a celebração da escritura pública. Cumpridos este requisitos, é dever do
Estado (incluindo os tribunais) proteger este direito adquirido. Pelo exposto, fica demonstrado que o
Recorrente não é titular do direito de propriedade do imóvel em causa. Quem titula os referidos
direitos é outra pessoa, no caso, Eva Coelho.
[36] Os Recorrentes alegam que compraram o imóvel em questão mas não apresentaram
(porque inexistente) qualquer contrato de compra e venda celebrado por escritura pública, tendo
apenas juntado um termo de quitação.
[37] Porém, observa-se que além da escritura pública exibida pela contraparte no processo
a quo esta juntou igualmente um termo de quitação mais antigo que o carreado aos autos pela
Recorrente.
[38] Assim, para além da escritura pública, Eva Coelho também detém um termo de
quitação mais antigo.
[39] Deste modo, ao decidir conforme decidiu, o Tribunal Supremo não ofendeu um direito
de propriedade do Recorrente e, em consequência, não infringiu qualquer dispositivo constitucional.
116
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
VI. – DECISÃO
Com custas pelo Recorrente - artigo 15.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho.
Notifique-se e publique-se.
117
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
SUMÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE CONTRA ACÓRDÃO
DO TRIBUNAL SUPREMO POR TER NEGADO A PROVIDÊNCIA DE HABEAS CORPUS
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
DIPLOMAS CITADOS
ACÓRDÃOS CITADOS
CONSIDERADOS:
Acórdão n.º122/2010 do Tribunal Constitucional
Acórdão n.º146/2011 do Tribunal Constitucional
Acórdão n.º240/2013 do Tribunal Constitucional
O que segue são os motivos da decisão e a decisão proferida pelos Juízes Conselheiros presentes no Plenário do
Tribunal Constitucional.
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
I. – RELATÓRIO
[1] Joaquim Vieira Ribeiro, António João, António Paulo Lopes Rodrigues, Manuel João
Fernandes Couceiro, Sebastião Manuel Palma, Domingos José Gaspar, João Lango Caricoco Adolfo
Pedro, José Agostinho Matias, Lutero José, Eduardo Campos Pereira da Silva e outros, vieram a
este Tribunal interpor Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade do Acórdão do Supremo
Tribunal Militar, proferido a 10 de Julho de 2013, no âmbito do processo n.º 11/011, que lhes negara
a providência de habeas corpus por não estarem reunidos os pressupostos legais para a sua concessão,
o que fizeram apresentando, em síntese, os seguintes fundamentos:
1. Estão presos e a ser julgados há mais de dois anos, sem nunca terem sido notificados de qualquer
acusação formal para que tomassem conhecimento prévio dos factos cuja responsabilidade
lhes foi imputada e pudessem exercer na plenitude o seu direito à defesa.
2. Para justificar a falta de acusação formal, o Supremo Tribunal Militar apresenta o fundamento
de que no processo penal não se aplicam as normas do artigo 174.º , n.º 2, da CRA e dos artigos
352.º , 415.º do CPP, como se em Angola existisse uma Constituição para os civis e outra para os
militares, colocando assim em causa os princípios da legalidade, da igualdade, do acusatório e
do contraditório, ex vi artigos 6.º , 23.º , 174.º , 175.º e 177.º da CRA.
3. Foram notificados do despacho de pronúncia, sem que antes lhes tivesse sido dada a possibili-
dade de organizar e exercer na plenitude o seu direito à defesa.
4. É verdade que a Lei n.º 5/94, de 11 de Fevereiro - Lei Sobre a Justiça Penal Militar - apenas
determina de forma expressa que se deve notificar o arguido da pronúncia, mas a falta de noti-
ficação da acusação ao arguido coarta-lhe a possibilidade de requerer instrução contraditória,
o que deve ser afastado por inconstitucionalidade superveniente resultante da consagração
constitucional dos princípios do acusatório e do contraditório, ex vi o artigo 174.º , n.º 2 da
CRA.
5. Aponta neste sentido a jurisprudência do Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 122/2010,
proferido no caso SME, que declara que a negação do pedido, feito pelos arguidos, da abertura
da instrução contraditória serviu como um dos fundamentos para a declaração da nulidade
daquele julgamento. Se o indeferimento de um pedido de abertura da instrução contraditória
tem como consequência a nulidade do julgamento, a fortiori, a não notificação da acusação
aos arguidos terá consequência similar, já que é mais grave, pois coarcta a possibilidade de
requererem a instrução contraditória, por desconhecimento das verdadeiras razões por que
foram acusados e do momento em que se considerou terem a culpa formada.
121
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
6. Quando o Tribunal recebe a acusação do Ministério Público e se pronuncia sobre ela sem dar
possibilidade a que os acusados apresentem a sua versão, viola o princípio do contraditório,
mas também o princípio do acusatório, que confere a função de acusar a uma entidade distinta
da que possui a função de julgar, para evitar que esta última crie uma convicção antecipada
sobre os factos e as pessoas dos arguidos, como garantia de um julgamento justo, imparcial e
objectivo.
7. A falta de notificação da acusação aos arguidos implica que estes continuem, até ao momento
em que apresentaram o recurso, presos preventivamente em instrução preparatória pois,
devido às irregularidades mencionadas, é inevitável a declaração de nulidade da pronúncia e,
consequentemente, do julgamento.
8. Os arguidos DOMINGOS JOSÉ GASPAR, ANTÓNIO JOÃO e LUTERO JOSÉ foram presos
fora do flagrante delito, sem mandado de captura. Os arguidos DOMINGOS JOSÉ GASPAR,
ANTÓNIO PAULO LOPES RODRIGUES e JOÃO LANGO CARICOCO ADOLFO PEDRO
ficaram 22 dias privados do contacto com os seus advogados e familiares e foram obrigados
a assinar declarações cujo conteúdo nada tinha a ver com as que proferiram em instrução
preparatória.
9. As prisões dos arguidos não observaram o preceituado na alínea j) do artigo 186.º da CRA, que
estabelece que as medidas de coacção processual têm natureza jurisdicional, já que colidem
com direitos, liberdades e garantias do cidadão, do que se retira o corolário de que só um
magistrado judicial deve ordenar a prisão preventiva de uma pessoa, pelo que, à luz da CRA, o
Ministério Público, por força do princípio do acusatório, dirige a instrução contraditória mas
não tem competência para ordenar a privação de liberdade do cidadão.
10. O Supremo Tribunal Militar é incompetente, em razão da matéria, para receber a acusação do
Ministério Público pelo facto de os crimes objecto do processo serem de natureza comum, por
um lado, e o presumível crime militar ser inexistente, já que a violência contra inferior ou superior
de que resulta a morte - conforme o objecto do processo, fixado pela pronúncia - não encontra
eco na letra e no espírito dos artigos 18.º , n.º 3 e 19.º , n.º 3 da Lei 4/94, de 28 de Janeiro.
11. O princípio nullum crimen sine lege, ou da legalidade criminal, leva a que as normas incrimi-
natórias e sancionatórias não devam ser interpretadas extensivamente, nem aplicadas por
analogia. Ora, os funcionários do Ministério do Interior mortos a 21 de Outubro de 2010,
vítimas no processo principal, não foram fisicamente agredidos antes de serem mortos, tendo
os agentes desse crime agido com intenção de matar e nunca de ofender corporalmente as
vítimas, como se pode aferir pela forma e meios utilizados na execução da acção criminosa,
descrita no processo principal (rajadas de armas automáticas à queima-roupa).
122
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
II. – COMPETÊNCIA
[2] Nos termos da alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do
Tribunal Constitucional (LOTC), com as alterações impostas pela Lei n.º 24/10, de 03 de Dezembro,
conjugados com o parágrafo Único do artigo 49.º da Lei n.º Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do
Processo
[3] Constitucional (LPC), o Tribunal Constitucional é competente para conhecer do presente
recurso.
III. – LEGITIMIDADE
[4] Nos termos do artigo 26.º do CPC, a legitimidade é aferida pelo interesse da parte em
demandar ou contradizer. No caso vertente, os requerentes encontram-se presos, pretendendo a sua
restituição à liberdade, pelo que têm legitimidade nos termos da alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º
3/08, de 17 de Junho, LPC.
[5] Conforme os termos do artigo 38.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, LPC, a interposição
do recurso foi apresentada dentro do prazo legal.
123
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
IV. – OBJECTO
V. – FUNDAMENTAÇÃO
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
os pressupostos legais para a sua concessão, ou seja, a prisão não está ferida de ilegalidade na medida
em que foi ordenada e efectuada por quem para tanto tinha competência legal, foi motivada por
facto pelo qual a lei autoriza a prisão e não se terem excedido os prazos para apresentação em juízo,
conforme as alíneas a), b) e c) do parágrafo Único do artigo 315.º do CPP.
[16] Como se pode aferir do Acórdão ora recorrido (página 5), a prisão dos réus foi ordenada e
mantida nos termos da Lei da Prisão Preventiva em Instrução Preparatória - Lei n.º 18-A/92, de 17 de Julho -
mais precisamente com ( base nas disposições dos artigos 25.º e 10.º , n.º 2, alíneas a) e c) e n.º 3, alínea b), por
se tratar de crimes militares e comuns puníveis com penas de prisão maior cuja duração vai de 8 a 12 e de 20 a
24 anos.
[17] Entretanto, o Tribunal Constitucional não pode eximir-se de referir o facto alegado
pelos Recorrentes quanto ao excesso da sua prisão preventiva no momento da interposição do
presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade com base no seu pedido de habeas corpus.
[18] Acontece porém, que é do seu conhecimento oficioso, pelos processos que posterior-
mente deram entrada neste Tribunal, que os Recorrentes foram já condenados, estando a cumprir a
pena que lhes foi determinada relativamente a qual já não é admissível recurso ordinário.
[19] Embora tenham sido interpostos outros dois recursos extraordinários de inconstituci-
onalidade relativos ao mesmo processo, mostram-se substancialmente alteradas as circunstâncias
relativas à prisão preventiva com base na qual foi apresentado o pedido, o qual fica, nessa medida
prejudicado.
[20] Assim, é entendimento deste Tribunal que as normas constitucionalmente tuteladas
invocadas pelos Recorrentes não servem de fundamento ao caso em análise porquanto não ficou
provado que a prisão ou detenção tenha sido por virtude de um acto de abuso de poder, conforme
artigo 68° da CRA a contrariu sensu.
VI. – DECISÃO
Notifique-se e publique-se.
125
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
SUMÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE CONTRA DECISÃO
DO SUPREMO TRIBUNAL MILITAR POR TER AGRAVADO AS PENAS APLICADAS
AOS RECORRENTES
127
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
Militares). O Ministério Público interpôs recurso dessa decisão para o Plenário do Supremo
Tribunal Militar pedindo aquele Tribunal para condenar os Recorrentes de forma correcta,
agravando as penas concretas para cada um dos Recorrentes, autores dos crimes de violência. Os
Recorrentes também interpuseram recurso para o Plenário do Supremo Tribunal Militar contra
o Acórdão condenatório. O Tribunal rejeitou o recurso, confirmou parcialmente o Acórdão
do Tribunal de Primeira Instância e agravou as penas aplicadas aos Recorrentes. Contra essa
decisão, os Recorrentes interpuseram Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade para este
Tribunal. Os Recorrentes sustentam, entre outros, que o Acórdão recorrido violou o princípio
da legalidade (falta de competência em razão da matéria; falta de fundamentação da decisão e
prisão preventiva ilegal); o princípio do contraditório e do acusatório (falta de notificação da
acusação); o princípio da presunção de inocência e o princípio in dubio pro reo (insuficiência de
provas na decisão condenatória); o princípio da igualdade (falta de oportunidade para exercer
o direito de defesa) e o princípio do processo equitativo e justo (falta de notificação da acusação;
impossibilidade de exercer defesa plena e inteira). Pediram também a este Tribunal para serem
postos em liberdade por excesso de prisão preventiva.
O Ministério Público pede a este Tribunal para rejeitar o recurso por não haver lugar aos
vícios invocados pelos Recorrentes.
Este Tribunal entende que o Acórdão recorrido do Supremo Tribunal Militar, pelo facto
de ter agravado a pena dos recorrentes, não violou os referidos princípios porque a decisão
recorrida não enferma esses vícios de inconstitucionalidade.
Decidido. Nega provimento ao recurso e mantem o Acórdão recorrido nos seus termos.
Relativamente ao princípio da legalidade, compulsados os autos, constata-se que, por
um lado, (i) não existe qualquer prova que sustente a coacção física e moral de que alegam
terem sido objecto; (ii) por outro lado, as fls. 150 e 151 dos autos, invocadas pelos Recorrentes
para sustentarem a sua alegação, tratam apenas de requerimentos com o pedido de número do
processo junto da Procuradoria Militar, sendo que as fls. 901, 910 e 911, igualmente chamadas
à colação pelos Recorrentes com o mesmo propósito, se referem à reclamação contra o excesso
de prisão preventiva. Em momento nenhum, no processo, se demonstra ter havido coacção
física e moral nem ocorreu promoção de qualquer processo contra essa alegada coacção física
e moral. Os Recorrentes foram detidos por despachos do Magistrado do Ministério Público
junto da Procuradoria Militar que conduzia a instrução, uns na sequência de mandados corres-
pondentes, outros no final do interrogatório de arguido. Por outro lado, fica prejudicada por
inutilidade superveniente da lide a apreciação da situação de excesso de prisão preventiva em
instrução preparatória, uma vez que que quando foi interposto o recurso de habeas corpus os
recorrentes haviam sido condenados.
Relativamente aos princípios do contraditório e do acusatório, os factos e a lei aplicável
no processo que deu origem ao Acórdão n.º122/10 são distintos dos factos e da lei aplicável
no presente processo, não podendo por isso ser comparadas as situações nem invocada, como
128
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
129
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
judiciais, que foram de acordo ou não com a pretensão dos respectivos requerentes, o que é
normal na dialética contraditória dos julgamentos e cabe na competência do Juiz enquanto
entidade que dirige o julgamento.
Relativamente à violação do direito a um julgamento justo, célere e conforme à lei, o
julgamento foi regido pela lei aplicável ao caso dos Recorrentes, com a observância da demais
legislação aplicável, não resultando daíqualquer inconstitucionalidade.
Relativamente à violação do direito à não auto-incriminação, o Plenário do Supremo Tri-
bunal Militar, ao agravar a pena dos Recorridos, limitou-se a subsumir e qualificar as condutas
dos agentes (as mesmas que resultaram provadas no julgamento, bem como outras afastadas
pelo tribunal a quo) nos preceitos penais aplicáveis, por entender que, neste particular, esteve
mal o Tribunal inferior, ao (i) afastar a prática de determinados crimes (nomeadamente o crime
de abuso de confiança) e ao (ii) valorizar como circunstâncias atenuantes extraordinárias, nos
termos do artigo 94.º, n.º1 do CP, actos que não deveriam ter sido qualificados como tal (longo
tempo de serviços prestados ao país) no presente caso, uma vez que as circunstâncias agravantes
se mostram, de longe, superiores às atenuantes, devendo levar ao afastamento dessa atenuação
extraordinária. Neste caso, o Supremo Tribunal Militar apenas considerou esta circunstância
para modificar a pena, em obediência ao estatuído no artigo 667.ºdo Código de Processo Penal.
DIPLOMAS CITADOS
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
ACÓRDÃOS CITADOS
APLICADOS:
Acórdão n.º122/2010 do Tribunal Constitucional
O que segue são os motivos da decisão e o Acórdão proferido pelos Juízes Conselheiros presentes no Plenário do
Tribunal Constitucional.
131
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
I. – RELATÓRIO
[1] JOAQUIM VIEIRA RIBEIRO, ANTÓNIO PAULO LOPES RODRIGUES, JOÃO LANGO
CARICOCO ADOLFO PEDRO, DOMINGOS JOSÉ GASPAR, JOSÉ AGOSTINHO MATIAS, SEBAS-
TIÃO MANUEL PALMA, ANTÓNIO JOÃO, JOÃO FERNANDES COUCEIRO, CARLOS ALBERTO
UKUAMA, DAMIÃO SAMPAIO QUITENGO E MANUEL DA MATA JOÃO, com os demais sinais
nos autos, vieram, com fundamento no art. 49.º e seguintes da Lei n.º 3/08, Lei do Processo Cons-
titucional, interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade contra o Acórdão
do Plenário do Supremo Tribunal Militar que, confirmando parciaímente o Acórdão do mesmo
Supremo Tribunal Militar enquanto primeira instância, agravou as penas que aos arguidos fora
aplicada.
[2] Nas suas alegações de recurso, os Recorrentes, apesar de não estruturarem as conclusões
como impõe o n.º 1 do art. 690.º do CPC, apresentam, no essencial, os seguintes fundamentos:
I – Princípio da Legalidade
[3] O Acórdão recorrido violou o princípio da legalidade, previsto nos artigos 6.º , 175.º e
177.º da Constituição da República de Angola (CRA), uma vez que:
2. Os Recorrentes Domingos José Gaspar, Lutero José e Lourenço Borges da Silva foram presos
fora de flagrante delito sem lhes ter sido apresentado o respectivo mandado de captura;
3. O agora conhecido caso “Quim Ribeiro” é a repetição da história do caso “Frescura”, já que os
protagonistas são os mesmos membros dos Serviços de Inteligência e Segurança do Estado;
5. Os Recorrentes Joaquim Vieira Ribeiro, António Paulo Lopes Rodrigues, João Caricoco Adolfo
Pedro, Eduardo Campos Pereira da Silva, Domingos José Gaspar e José Agostinho Matias foram
condenados pela prática de um crime inexistente na ordem jurídica angolana, resultante da
qualificação errada dos factos ocorridos no Zango, no dia 21 de Outubro de 2010 - crime de
violência contra inferior e contra superior de que resultou a morte, previsto no n.º 3 do artigo 18.º
132
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
e no n.º 3 do artigo 19.º da Lei n.º 4/94, de 28 Janeiro (Lei dos Crimes Militares). Sustentam,
nesta sede, que o único crime de natureza militar pelo qual os Recorrentes foram condenados
não poderá proceder, uma vez que os crimes referidos nos artigos 18.º , n.º 3, e 19.º , n.º 3 da
Lei dos Crimes Militares, resultam em morte através de ofensas corporais e, no caso sub judice,
não existiram ofensas corporais mas somente dois homicídios voluntários.
6. Ora, tendo em conta que tais crimes não encontram tipificação na Lei Penal Militar, existe aqui
uma clara violação do princípio da legalidade criminal que se manifesta no princípio universal
penal do nullum crimen sine lege, consagrado no artigo 65.º da CRA e 5.º e 18.º do CP.
7. Por este motivo, alegam, ainda, que o Supremo Tribunal Militar é incompetente em razão da
matéria, pois, na verdade, os crimes pelos quais os Recorrentes foram condenados têm apenas
natureza comum;
9. A prisão preventiva dos Recorrentes não foi legal por ter sido ordenada pelo Ministério Público,
em violação do disposto no artigo 186.º , alínea f), da CRA, que estabelece que as medidas
de coacção processual, por colidirem com direitos fundamentais, liberdades e garantias dos
cidadãos, têm natureza jurisdicional e, consequentemente, só um magistrado judicial deve
ordenar a prisão preventiva no âmbito dos poderes de fiscalização da instrução preparatória
dirigida pelo Ministério Público.
2. Veja-se, neste sentido, o Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional a respeito do caso
SME, que veio declarar inconstitucional a sentença do tribunal a quo por falta de instrução
contraditória, tendo vindo a ser declarada a nulidade do julgamento. Ora, se assim foi, alegam
os Recorrentes que a falta de notificação da acusação, por ser mais grave, deve também dar
lugar à nulidade dos actos processuais subsequentes.
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
1. Além da testemunha Augusto Viana Mateus, cuja credibilidade foi posta em causa, nada mais
sustenta a decisão condenatória;
2. O Acórdão condenatório sustenta-se em elementos estranhos ao processo, nomeadamente
numa gravação cujo conteúdo não foi submetido a peritagem, assim como em históricos de
chamadas telefónicas obtidos ilicitamente, porque em violação do preceito do artigo 34.º da
CRA;
3. Pelas provas produzidas em audiência de julgamento fica demonstrado que existem graves
omissões e inverdades a sustentarem a decisão aqui recorrida, uma vez que a decisão do
tribunal a quo se baseia apenas em presunções, numa clara violação do n.º 2 do artigo 67.º da
CRA.
IV – Princípio da Igualdade
[6] O Acórdão viola o princípio da igualdade, previsto no artigo 23.º da CRA, uma vez que:
[7] O Acórdão viola o princípio do processo equitativo e justo, uma vez que:
1. Para além dos motivos referidos acima, não foram dadas as mesmas oportunidades à defesa e à
acusação, em violação do n.º 2 do artigo 174.º da CRA, porquanto: (i) não foram os Recorrentes
notificados da acusação, (ii) ao longo das fases da instrução e do julgamento, a defesa foi
impedida de solicitar esclarecimentos aos declarantes, testemunhas ou co-arguidos, tendo-lhe
sido, inclusive, impedido interrogar directamente os co-arguidos sem intermédio dos seus
constituintes.
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
[8] O Acórdão viola o direito a um julgamento justo, célere e conforme à lei, previsto no
artigo 72.º da CRA, uma vez que:
2. Relativamente à inexistência do processo quanto aos crimes de violência contra superior ou inferior de
que resultou a morte, alegam os Recorrentes que o Tribunal recorrido julgou com base em meras
presunções, não tendo sido apreendida a viatura onde se deslocavam os autores dos homicídios
ou as armas que dispararam contra as vítimas e, igualmente, nunca ficou determinado o valor
exacto objecto dos autos.
3. Por outro lado, referem que o Recorrente Joaquim Vieira Ribeiro não poderia nunca ter dado
as ordens de execução das vítimas através de uma chamada telefónica em roaming da Movicel,
porquanto, nessa data, esta empresa não prestava, ainda, serviços de roaming;
4. Ao longo da instrução preparatória, houve lugar a uma clara manipulação de provas: (i) apare-
cimento de fotografias e peças estranhas ao processo, tais como a carta da vítima Joãozinho, que
não chegou a ser assinada; (ii) não é possível que a vítima tenha sido ouvida pela DNIAP/PGR
no mesmo dia em que a sua carta foi entregue, já que o mesmo se encontrava preso; (iii) quem
terá marcado a audiência de Joãozinho com Sua Excelência Ministro do Interior, visto que o
mesmo se encontrava preso?
5. Ao longo do processo, foram inventadas várias testemunhas e declarantes: Viana, Pacheco Manuel
(quanto a esta testemunha - que foi posteriormente afastada pelo Tribunal - foram apresentados
dois documentos de identificação não coincidentes e foi dito que não sabia ler e nem escrever
mas, entretanto, veio assinar o seu nome, não coincidente com o nome que consta dos autos)
e Paixão (que não foi integralmente identificado nos autos). As fotografias e a gravação não
foram objecto de qualquer auto de apreensão no processo. Acresce que não ficou provado que
as fotografias tenham tido proveniência da DNIC, o que se constatou através de declarações
contraditórias dos funcionários da DNIC durante o processo. A gravação, por sua vez, para
além de não ter sido objecto de peritagem, também não foi apreendida, tendo alegadamente
sido directamente entregue pelo declarante aos instrutores do processo em julgamento. A
Senhora Teresa Pintinho e o seu filho não declararam, junto da PGR, que lhes terão sido
apreendidos Kwanzas e não dólares;
6. Não pode ser aplicada a norma sobre abuso no exercício do cargo, p.p. no artigo 28.º da Lei dos
Crimes Militares, uma vez que a mesma apenas se aplica (...) sempre que a sua conduta não
constitua crime mais grave (...) Ora, no caso em concreto, não podem existir crimes mais graves,
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
pois os Recorrentes terão sido condenados pela prática dos crimes de homicídio qualificado,
abuso de confiança e falsificação de documentos por empregado público.
[9] O Acórdão viola o direito à não auto-incriminação, previsto no artigo 63.º , alíneas f) e
g), da CRA, uma vez que:
1. Os Recorrentes terão sido obrigados a assinar declarações que não correspondiam a factos
verdadeiros;
2. O Tribunal a quo, em violação do direito dos Recorrentes constitucionalmente consagrado
de permanecerem calados ou não prestarem declarações, terá utilizado tal argumento para
agravar a pena dos Recorrentes, referindo que os mesmos não queriam colaborar com a justiça
para a descoberta da verdade material.
IX – Direito de Defesa
[11] O Acórdão viola o direito de defesa previsto no artigo 67.º n.º 1 da CRA, uma vez que:
1. A falta de notificação da acusação retirou aos Recorrentes o seu direito fundamental de defesa;
2. A defesa foi impedida, durante o processo, de solicitar esclarecimentos a determinados decla-
rantes e testemunhas;
3. Alguns Recorrentes, declarantes e testemunhas terão sido alvo de coacção;
4. O Recorrente Joaquim Vieira Ribeiro e sua esposa terão sofrido, a 16 de Dezembro de 2010, uma
tentativa de assassinato no Largo do Patriota, por funcionários dos Serviços da Inteligência do
Estado, sem que, até à presente data, tenha sido aberto o respectivo processo de investigação.
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
II. – COMPETÊNCIA
[17] O presente recurso foi interposto nos termos e com os fundamentos da alínea a)
do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional, que estabelece
a possibilidade de recurso de sentenças que contenham fundamentos de direito e decisões que
contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição. Este tipo de recursos
exige, nos termos do parágrafo introduzido pela Lei n.º 24/10, de 3 de Dezembro, que tenham sido
esgotados todos os recursos que possam ser interpostos da decisão questionada. Deste modo,
esgotados que foram os recursos da jurisdição competente (entenda-se aqui, Tribunal Militar) o
Tribunal Constitucional é competente para conhecer o recurso extraordinário de inconstitucionalidade
interposto sobre o Acórdão do Plenário do Supremo Tribunal Militar.
III. – LEGITIMIDADE
[18] Os Recorrentes são parte legítima nos termos da alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08,
de 17 de Junho, ao abrigo do qual podem interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o
Tribunal Constitucional o Ministério Público e as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em
que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário.
IV. – OBJECTO
[19] Tal como referido acima, apesar da deficiente estruturação das conclusões das alega-
ções, cabe a este Tribunal apreciar a questão das eventuais inconstitucionalidades do Acórdão do
Plenário do Supremo Tribunal Militar posto em causa pelos Recorrentes, a saber:
137
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
V. – FUNDAMENTAÇÃO
[21] Ao longo das suas alegações, os Recorrentes, sem prejuízo de suscitarem as questões
de inconstitucionalidade atrás elencadas, invocam muitas matérias decorrentes da organização e
condução do julgamento, umas vezes referindo-se à sua opinião sobre factos e à forma como as
questões suscitadas foram resolvidas, outras, enunciando a sua perspectiva sobre os factos dados
como provados.
[22] Importa salientar que a função jurisdicional desta instância constitucional é a apre-
ciação e julgamento da violação ou não da Constituição nas decisões judiciais e não proferir um
juízo de valor sobre os factos provados e a forma como os mesmos foram ajuizados pelos julgadores,
função que cabe em exclusivo a outras instâncias, salvo quando tal forma entra em conflito com o
constitucionalmente estabelecido.
[23] O sistema de fiscalização concreta extraordinária é limitativo quanto ao objecto do
recurso, determinando que apenas os fundamentos da decisão e as decisões do Acórdão que con-
trariem direitos e princípios, liberdades e garantias fundamentais podem ser sindicados. Com
efeito, o Tribunal Constitucional não é uma nova instância de recurso, para reapreciar os factos, o
processo e a prova. Cabe-lhe sim uma intervenção muito específica, restrita à matéria constitucional
suscitada, ou seja, avaliar se foram ou não assegurados aos Recorrentes todos os direitos e garantias
constitucionalmente consagrados.
[24] E é sobre a existência ou não da violação desses princípios que o presente Acórdão se
irá debruçar:
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
I – Princípio da Legalidade
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
o art. 10.º da Lei n.º 18-A/92, de 17 de Julho, define os requisitos da prisão preventiva fora de
flagrante delito, remetendo para o art. 12.º do mesmo diploma legal, o elenco das entidades com
competência para ordenar ou efectuar a prisão. E, em consequência, os magistrados do Ministério
Público, enquanto promotores da acção penal, aparecem logo na alínea a) do referido art. 12.º , razão
pela qual os Recorrentes foram detidos preventivamente fora de flagrante delito por entidade a quem
a lei atribui competência para o efeito.
[31] Por outro lado, fica prejudicada por inutilidade superveniente da lide a apreciação
da situação de excesso de prisão preventiva em instrução preparatória, uma vez que quando foi
interposto o recurso de habeas corpus os Recorrentes haviam sido condenados. 94, 95, 340,413, 423,
476, 945, 946 e 947).
[32] Por tudo o que se disse até aqui, conclui-se que a decisão recorrida não enferma do
vício de inconstitadonalidade por violação do princípio da legalidade.
[35] Importa destacar, desde já, que os factos e a lei aplicável no processo que deu origem
ao Acórdão n.º 122/10 são distintos dos factos e da lei aplicável no presente processo, não podendo
por isso ser comparadas as situações nem invocada, como pretendem os Recorrentes, a força do
precedente jurisprudencial.
[36] Naquele processo (Processo n.º 159/2010), a lei aplicável (Código Penal e Código de
Processo Penal) previa a necessidade de instrução contraditória, pelo que a recusa desse procedimento
foi qualificada por este Tribunal como violação do direito à defesa com a cominação conhecida
(nulidade dos actos processuais posteriores).
[37] No presente processo, como de seguida se apreciará, a lei aplicável (Lei n.º 5/94, de 11
de Fevereiro - Lei da Justiça Penal Militar, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 1- A/08, de 23
de Maio) é uma lei especial que na tramitação dos processos penais militares não prevê que se faça a
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
notificação da acusação nem a instrução contraditória nos termos previstos no Código de Processo
Penal.
[38] Os presentes autos tiveram o seu início na Direcção Nacional de Investigação Criminal.
Com base na informação de fls. 86 a 88 dos autos, prestada pelo respectivo instrutor, foi proferido
pelo Magistrado do Ministério Público despacho de remessa do processo à Procuradoria Militar,
atenta a qualidade dos arguidos e dos ofendidos (vide fls. 89 vs). Recebido o processo, a Procuradoria
Militar aceitou a devolução da competência e deu início à continuidade da instrução a partir dessa
fase.
[39] Tendo em conta a qualidade dos sujeitos envolvidos nos actos criminais de que vêm
os Recorrentes condenados, a lei aplicável ao processo é a Lei n.º 5/94, de 11 de Fevereiro - Lei da
Justiça Penal Militar. E este facto não é contestado pelos Recorrentes. Estes apenas põem em causa o
facto de não terem sido notificados da acusação, muito embora a lei do processo ser a que rege a
Justiça Penal Militar. No entendimento dos Recorrentes, apesar da aplicação da Lei da Justiça Penal
Militar, a notificação da acusação sempre seria devida, por aplicação subsidiária da lei processual
penal comum.
[40] Ora, não pode haver dúvidas de que se está perante uma lei processual especial, que
se enquadra na natureza própria dos agentes sujeitos à lei penal criminal, isto sem prejuízo da
colmatação de lacunas através da aplicação de normas do processo penal comum.
[41] Mas é preciso ter em conta a razão da especialidade da Lei da Justiça Penal Militar para
se analisar se é correcta ou não a afirmação de que, mesmo na Justiça Penal Militar, os Recorrentes
têm de ser notificados da acusação. E os Recorrentes sustentam esta necessidade de notificação, por
um lado porque (i) não há qualquer norma na Lei n.º 5/94 que proíba a notificação da acusação, e,
por outro lado, (ii) a inexistência de uma norma que mande notificar da acusação deve-se a uma
mera lacuna, que deve ser preenchida através da aplicação da lei processual penal comum.
[42] Ora, no seu preâmbulo, a Lei n.º 5/94 refere que O ideal seria a elaboração de um Código
de Justiça Penal Militar, tarefa de momento fora de nosso alcance dada a morosidade e profundidade que
tal empreendimento exige, em contraste com a necessidade urgente da aprovação de mecanismos expeditos
tendentes a fazer face a um número crescente de casos, que pela sua natureza e pela qualidade dos seus agentes
devem ser remetidos ao conhecimento do foro militar. Ou seja, foi preocupação, do legislador criar um
mecanismo processual especial, adaptado às necessidades e especificidades próprias das forças
militares e para-militares, garantindo um procedimento célere e expedito, sem prejudicar contudo os
fundamentais e mais elementares direitos de defesa. Com efeito, estamos na presença de cidadãos
(militares e para-militares) integrados num sector especial da organização do Estado, gozando de
direitos especiais (nomeadamente, acesso directo a armas de guerra e outros dispositivos, sendo
especialmente treinados para a sua utilização e aproveitamento), pelo que esta circunstância implica
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
que estes cidadãos tenham responsabilidades igualmente especiais, quer na qualificação dos actos
por eles praticados quer no que se refere ao processo de investigação e julgamento de tais actos.
[43] Acresce o facto de ser extremamente importante que os crimes de natureza militar
sejam resolvidos em tempo oportuno, até pela repercussão que o seu arrastamento tem no seio da
hierarquia militar. Portanto, não restam dúvidas que estamos no âmbito de um processo- crime
militar, ao qual são aplicadas as normas da Lei da Justiça Penal Militar.
[44] Prescreve o artigo 45.º da Lei de Justiça Penal Militar que Finda a instrução, se o Procurador
entender que dos autos resultam indícios suficientes para introduzi-los em Juízo, deduz acusação, remetendo o
Processo ao Tribunal. Seguidamente, O Juiz, antes de proferir despacho de pronúncia, se entender que se
tomam necessárias outras diligências para o apuramento da verdade dos factos, poderá ordená-las à entidade
instrutora, devolvendo-lhe o processo para esse efeito (art. 46.º ). Se o processo houver de seguir para julgamento,
o juiz proferirá despacho de pronúncia, cujo duplicado é obrigatoriamente entregue ao réu (art. 47.º ). São
requisitos do despacho de pronúncia, entre o mais, a indicação de que o processo estará à vista na Secretaria
do Tribunal, podendo aí ser livremente consultado pelo defensor no prazo de 10 dias, assim como a indicação
de que no mesmo prazo o defensor poderá apresentar por escrito a contestação, deduzir todas as questões prévias
e indicar as testemunhas de defesa e outros meios de provas. (art. 48.º , al. h) e i)).
[45] Nos termos previstos no art. 52.º da Lei n.º 5/94, Findo o prazo de 10 dias a que se refere o
anigo 49.º , alínea h) o Juiz aprecia o requerimento de defesa, resolve todas as questões levantadas e designará o
dia para julgamento em despacho que deverão ser notificados às partes com uma antecedência mínima de 5 dias.
[46] É esta a tramitação processual estabelecida para a Justiça Penal Militar antes do julga-
mento. Como se vê, nesta tramitação especial, o contraditório antes do julgamento faz-se depois
da notificação do despacho de pronúncia, o qual representa a verdadeira acusação, numa primeira
fiscalização judicial da actuação do Ministério Público. Com efeito, o Juiz, ao receber o processo
e a respectiva acusação, faz uma primeira triagem, podendo devolver, inclusive, o processo para
melhor instrução, se assim o entender. Se ajuizar pela suficiência da instrução, pronuncia o arguido
e notifica-o obrigatoriamente, dando indicação expressa de que, em dez dias, pode consultar livre-
mente o processo na Secretaria do Tribunal e, querendo, apresentar por escrito a contestação, deduzir
todo as questões prévias e indicar testemunhas e outros meios de prova.
[47] Findo esse prazo (10 dias), o Juiz está obrigado a apreciar e resolver todas as questões
levantadas na contestação e, apenas depois disso, designará o dia para julgamento. Quer isto dizer
que é nesse momento que o arguido pode contrapor os factos de que foi pronunciado através da
acusação, convencendo o Juiz, se for o caso, a devolver o processo ao Procurador para melhor
prova. Atente-se na seguinte especificidade: enquanto no processo penal comum, à apresentação da
contestação se segue o julgamento sem mais actos preliminares, na Justiça Penal Militar, antes do
agendamento do julgamento, o juiz é obrigado a apreciar e resolver todas as questões suscitadas na
contestação.
[48] Aqui chegados, não se pode afirmar que foi coarctado aos Recorrentes o direito ao
contraditório, uma vez que esse direito lhes foi assegurado nos precisos termos da lei aplicável ao
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
processo. Por outro lado, não é correcto afirmar-se que, na Lei 5/94, se encontra implicitamente
assegurada a obrigação de notificação da acusação, por aplicação subsidiária da lei processual
comum, pois a aplicação subsidiária a que se refere o n.º 2 do art. 34.º da referida lei não pretende
significar a criação de actos processuais não previstos, mas apenas o aproveitamento da lei geral
para a materialização/execução dos actos já naquela lei previstos.
[49] Ou seja, a título de mero exemplo, a Lei de Justiça Penal Militar, apesar de prever a
prática de actos judiciais, não define os termos da sua oportunidade. Neste caso, aplica-se o que se
acha previsto na lei processual comum sobre a matéria. Com efeito é a lei comum que diz como os
actos judiciais são praticados (ex.: nos dias úteis, durante o horário da secretaria), o que não está
previsto expressamente na Lei n.º 5/94. Coisa diversa é a notificação da
[50] acusação, relativamente à qual entendeu o legislador que a defesa contraditória ocorre
apenas depois da pronúncia e antes do julgamento.
[51] O certo é que, na Justiça Penal Militar, os factos imputados ao arguido são-lhe notifica-
dos após fiscalização da acusação pelo Juiz e se proferido despacho de pronúncia. Cabe ao arguido
contestar, no prazo de 10 dias a contar da notificação, suscitando todas as questões que tiver por
convenientes, que serão apreciadas e resolvidas antes do julgamento.
[52] No caso específico dos presentes autos, todos os Recorrentes foram pessoalmente
notificados do despacho de pronúncia, entre os dias 3/06/2011 e 8/06/2011, com a indicação
expressa de que dispunham de 10 dias para apresentarem, querendo, contestação - vide fls. 954, 955
e 956. Igualmente, os respectivos mandatários judiciais foram notificados entre os dias 7/06/2011 e
10/06/2011. - vide fls. 957 a 966 dos autos. Os Recorrentes não apresentaram contestação, tendo
optado por interpor recurso do despacho de pronúncia, admitido por despacho de fls. 994 vs e
seguintes.
[53] O Acórdão que conheceu do recurso apresentado pelos Recorrentes e que negou a sua
pretensão foi-lhes devidamente notificado entre os dias 24/08/2011 e 1/09/2011, com a indicação,
novamente, do prazo de 10 dias para apresentação da contestação - vide fls. 1130 a 1140 dos autos.
[54] Os Recorrentes não apresentaram contestação, tendo optado por interpor recurso
extraordinário de inconstitucionalidade, recurso que foi admitido pelo Tribunal a quo, mas rejeitado
pelo Presidente do Tribunal Constitucional, nos termos das suas competências específicas. Do
despacho do Juiz Presidente do Tribunal Constitucional, os Recorrentes apresentaram recurso para
o Plenário deste Tribunal - vide fls. 1173, 1208, 1209 e 1213 dos autos, que confirmou o despacho de
indeferimento do Juiz Presidente em virtude de considerar que se tratava de decisões interlocutórias
não susceptíveis de recurso extraordinário de inconstitucionalidade.
[55] Resolvidas as questões suscitadas junto do Tribunal Constitucional e após a baixa do
processo, os recorrentes foram de novo notificados de que o processo estaria disponível na Secretaria,
para livre consulta, e de que dispunham de 10 dias para, querendo, apresentarem contestação (Vide
fls. 1324 no qual o Venerando Juiz exara despacho nos seguintes termos: Os sucessivos recursos inviabi-
lizaram o cumprimento do disposto na al. h) do art. 49.0 da Lei n.º 5/94, de 11 de Fevereiro, pelos mandatários
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
dos RR tal como reza a pronúncia. Entendendo este Tribunal que o seu cumprimento é imprescindível e se
enquadra nas garantias do processo penal consagradas na Constituição da República de Angola (art. 67.0
CRA), precisamente o direito de defesa, manda que os presentes autos estejam à vista no cartório deste Tribunal,
no prazo cominado pela lei, onde poderá ser livremente consultado pelos ilustres mandatários. Este despacho
foi notificado aos Recorrentes entre os dias 8/12/2011 e 19/12/2011 - vide fls. 1336 a 1350 dos autos.
[56] Dentro do prazo previsto na lei, e apesar de devidamente notificados (em três ocasiões),
os Recorrentes não apresentaram contestação, não deduziram quaisquer questões prévias, nem
requereram quaisquer meios de prova. Em consequência, no dia 13/01/2012, o Juiz da causa
agendou o julgamento - vide fls. 1353 vs dos autos.
[57] Face ao que se acaba de expor, dúvidas não restam de que aos Recorrentes foi garantido,
nos termos da lei processual aplicável, o direito de defesa, com a possibilidade de contestarem os
factos que lhes eram imputados e de suscitarem todas as questões que entendessem poder abalar
tais factos. Realce-se que o direito de defesa e o exercício do contraditório não existe apenas com a
formal notificação da acusação, como sustentam os Recorrentes. Esse direito, na lei especial aplicável
ao processo, está disponível no momento da notificação da pronúncia e antes do julgamento.
[58] Inconstitucional seria se a lei especial aplicável aos Recorrentes não consagrasse qual-
quer direito de defesa e de contestação. O que não é o caso, pois o direito de defesa e do contraditório,
nos termos da legislação processual apücável, foi oferecido aos Recorrentes em três ocasiões diferen-
tes, tendo sido salvaguardado o comando previsto no n.º 1 do art. 61.º da CRA. Simplesmente, os
Recorrentes optaram por renunciar àquele direito, pelo que não pode proceder o seu entendimento
de que lhes foi coarctado o direito do contraditório, razão pela qual é entendimento deste Tribunal
que o Acórdão recorrido não violou os princípios do contraditório e do acusatório.
[59] Mas ainda que se considerasse que houve falta de notificação da acusação, tal facto
representaria uma mera irregularidade, porque não prevista no artigo 98.º do Código do Processo
Penal como causa de nulidade absoluta e, consequentemente, sanável nos termos do artigo 100.º do
Código do Processo Penal, o que sempre teria ocorrido com a notificação do despacho de pronúncia.
[60] Refira-se, finalmente, que não é legítimo que os Recorrentes pretendam ao abrigo do
presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade que o Tribunal Constitucional declare a
inconstitucionalidade da norma da Lei da Justiça Penal Militar (aplicada ao processo) que não prevê
a notificação da acusação.
[61] Com efeito, a referida pretensão dos Recorrentes apenas poderia ser suscitada através
do recurso ordinário de inconstitucionalidade previsto, entre outros, nos artigos 36.º a 48.º da Lei
do Processo Constitucional e que tem por objecto especifico conhecer os pedidos de verificação da
constitucionalidade de normas aplicadas (ou “desaplicadas”) num processo quando tal questão
tenha sido suscitada no tribunal a quo.
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
[62] Mais, sustentam os Recorrentes que o Acórdão recorrido viola o principio da presunção
da inocência e, consequentemente, o principio uin dúbio pro reoComo suporte desta sua afirmação,
alegam os Recorrentes que, além da testemunha Augusto Viana Mateus, cuja credibilidade foi posta
em causa, nada mais sustenta a decisão condenatória. Alegam, ainda, que o Acórdão condenatório
se sustenta em elementos estranhos ao processo, nomeadamente numa gravação cujo conteúdo não
foi submetido a peritagem, assim como em históricos de chamadas telefónicas obtidos ilicitamente,
porque em violação do preceito do artigo 34.º da CRA. Alegam, fmalmente, que, pelas provas
produzidas em audiência de julgamento, fica demonstrado que existem graves omissões e inverdades
a sustentarem a decisão aqui recorrida, tendo-se esta baseado em presunções, numa clara violação
do n.º 2 do artigo 67.º da CRA.
[63] O princípio in dubio pro reo concretiza o princípio da presunção da inocência, ou seja,
a insuficiência de provas deve favorecer o réu, pelo que, na dúvida, deve julgar-se a favor do réu.
Trata-se de uma das garantias fundamentais no âmbito do processo penal, corolário do princípio
da legalidade. Entre nós, o princípio in dubio pro reo encontra-se consagrado no n.º 2 do art. 67.º
da CRA, que dispõe que Presume-se inocente todo o cidadão até ao trânsito em julgado da sentença de
condenação.
[64] Voltando à análise do processo, a forma como os Recorrentes equacionam a possível
violação do princípio in dubio pro reo leva-nos a realçar que, como se deixou já exposto aquando
da apreciação da questão da violação do princípio da legalidade, o Tribunal Constitucional não é
mais uma instância comum de recurso, pelo que não pode apreciar a matéria de facto suscitada
nos recursos de inconstitucionalidade. Atente-se ao facto de os Recorrentes pretenderem que este
Tribunal faça uma apreciação sobre a bondade do juízo de culpabilidade dos Recorrentes, decorrente
da produção de prova, formulado pelo Tribunal a quo que, em primeira instância, julgou e condenou
os Recorrentes.
[65] São disso exemplos as seguintes alegações dos Recorrentes:
1. Aqui importa chamar à colação para sustentar a nossa tese a prova produzida em julgamento e a
fundamentação da decisão condenatória - As. 165 dos autos do Tribunal Constitucional.
2. Além da testemunha Augusto Viana Mateus, cuja credibilidade foi posta em causa, nada mais sustenta a
decisão condenatória.
3. Ninguém naquela sala durante cerca de um ano e seis meses disse, com excepção de Augusto Viana
Mateus cujo depoimento sustentou a acusação, pronúncia e Acórdão, que foi Joaquim Ribeiro quem
mandou matar Joãozinho e Mizalaque pois, ao admitir-se a versão de Viana, quem transmitiu a ordem
aos cinco elementos condenados como autores materiais se as pessoas que ele cita, a saber o próprio Viana
e António Paulo, o primeiro foi simplesmente afastado da condição de arguido e o segundo absolvido
deste presumível crime? - fls. 166 e 167.
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
4. Como podem cinco pessoas dispararem três armas? Quais dos cinco dispararam? - fls. 167
[66] Contudo, o Tribunal Constitucional apenas tem competência para apreciar a constituci-
onalidade das decisões dos demais Tribunais que apliquem normas cuja inconstitucionalidade tenha
sido suscitada no processo, conforme ressalta do artigo 180.º , n.º 2, alínea e) da CRA, e do artigo
11.º da Lei 3/08, de 17 de Junho. Neste particular, o recurso, atenta a forma como os Recorrentes
o configuram, refere-se à especifica decisão proferida sobre a matéria de facto de onde resultou
a convicção dos julgadores, e que ditou a condenação dos Recorrentes, pelo que este Tribunal se
encontra legalmente impossibilitado de o conhecer. Sem prejuízo desta circunstância, sempre se
dirá que, em relação à gravação posta em causa pelos Recorrentes, o seu conteúdo foi reproduzido,
de viva voz, pelo portador da mesma (declarante José Manuel Teixeira), quer durante a instrução
do processo, quer na audiência de julgamento, pelo que a convicção do Tribunal não resultou da
simples relevância daquela prova, mas sim da prova produzida no julgamento - vide fls. 117 a 122,
235 e ss e 1645 a 1600 (na verdade 1660) dos autos.
[67] No que respeita aos históricos de chamadas telefónicas, é entendimento do Tribunal
Constitucional que, o art. 34.º da CRA abarca o sigilo do conteúdo das comunicações e, também, o
sigilo do acesso ao registo das chamadas telefónicas e outras formas de comunicação (vide, entre
outros, Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, página 373, V,
Coimbra Editora, 2005). Significa isso que só com autorização de autoridade judicial competente é
licito o acesso e a utilização, como meio de prova, das comunicações privadas (artigo 34.º , n.º 2 da
CRA).
[68] No caso presente, a obtenção do relatório das chamadas telefónicas efectuadas foi
determinada pelo Ministério Público (fls. 90 dos autos), entidade que, embora não seja autoridade
judicial, é a responsável pela direcção da instrução dos processos e vem de facto, actualmente, até
que sejam instituídos os “juizes de instrução”, exercendo a função de fiscal das garantias em sede
de instrução processual preparatória. Nessa medida, e por se tratar de uma situação transitória, o
Tribunal Constitucional entende estar justificada, no processo, a intervenção do Ministério Público
para ordenar o acesso ao registo das comunicações privadas dos Recorrentes.
[69] De qualquer das formas, também aqui, atenta a farta prova produzida nos autos,
não se pode afirmar que o Tribunal formou a sua convicção, de que resultou a condenação dos
Recorrentes, a partir de ou essencialmente com base nos referidos históricos de chamadas telefónicas.
Assim, ainda que se entendesse que o pedido daqueles históricos foi ilegal, a relevância desse facto
nenhuma consequência teria para o desfecho do processo, por não resultar provado que aquele meio
de prova foi determinante para a condenação dos Recorrentes.
[70] Termos em que, também aqui, improcede a pretensão dos Recorrentes.
146
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
VI – Princípio da Igualdade
[71] Alegam, também, os Recorrentes que o Acórdão recorrido viola o princípio da igual-
dade, previsto no artigo 23.º da CRA. Para alicerçar a sua alegação, sustentam que, no decurso do
processo em causa, se violou, reiteradas vezes, o princípio da igualdade. Alegam os Recorrentes que
no caso sub judice nem todos eles tiveram as mesmas oportunidades para exercer o seu direito de
defesa, porquanto (i) os Recorrentes presos ficaram impedidos de comunicar com os seus advoga-
dos, (ii) foram realizadas algumas diligências sem a presença dos advogados, (iii) houve falta de
notificação da acusação e (iv) houve dificuldades na consulta do processo.
[72] O princípio da igualdade vem previsto no art. 23.º da CRA, cujo n.º 1 prescreve que
Todos são iguais perante a Constituição e a lei, sendo que Ninguém pode ser prejudicado, privilegiado, privado
de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da sua ascendência, sexo, raça, etnia, cor, deficiência,
língua, local de nascimento, religião, convicções políticas, ideológicas ou filosóficas, grau de instrução, condição
económica ou social ou profissional - n.º 2.
[73] Convém, no entanto, realçar que o princípio da igualdade não deve ser assumido
de forma descontextualizada, sob pena de poder o próprio conceito criar injustiças. Com efeito, o
que este princípio garante é que todos devem ser tratados de forma igual em função da igualdade
das situações, reservando tratamento desigual para as situações desiguais na medida da respectiva
desigualdade. Ou seja, proíbe-se que sejam criadas diferenciações arbitrárias, que levem a possíveis
discriminações infundadas, mas é certo que o tratamento igual entre iguais e desigual entre desiguais
encerra, em si mesmo, uma materialização do conceito de Justo.
[74] Retomando o processo que nos ocupa, os Recorrentes afirmam que os militares e para-
militares não são cidadãos de segunda classe, logo têm os mesmos direitos e deveres que os demais
cidadãos comuns. Por outro lado, voltam a levantar a questão da falta de notificação da acusação,
indicando igualmente dificuldades de contacto com os advogados e de contacto com o processo.
[75] Já tivemos oportunidade de apreciar e fundamentar o motivo da aplicação aos Recor-
rentes de uma lei processual especial. A qualidade e a responsabilidade que os Recorrentes têm no
seio da organização do Estado justifica que, no âmbito criminal, os mesmos tenham um tratamento
diferenciado dos demais comuns cidadãos, desde que, apesar disso, estejam assegurados os direitos
fundamentais dos agentes. Assim, a questão da violação do princípio da igualdade apenas se daria
se, por um lado, a lei especial a eles aplicável não lhes garantisse meios de defesa e de contestação (já
que é um direito constitucionalmente assegurado a todos os cidadãos), ou, por outro lado, se, no
âmbito do processo, lhes fossem negados direitos assegurados a outros militares e para-militares no
âmbito da Justiça Penal Militar.
[76] Ora, como ficou já resolvido, não estamos na presença de quaisquer das hipóteses
aventadas, razão pela qual entende este Tribunal que o Acórdão recorrido não violou o princípio da
igualdade.
147
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
[77] A seguir, alegam os Recorrentes que o Acórdão recorrido também viola o princípio do
processo equitativo e justo, decorrente do n.º 2 do art. 174.º . Trazem de novo à colação a questão da
falta de notificação da acusação, acrescentando que, ao longo das fases da instrução e do julgamento,
a defesa foi impedida de solicitar esclarecimentos aos declarantes, testemunhas ou co-arguidos,
tendo-lhe sido, inclusive, impedido interrogar directamente os co-arguidos sem intermédio dos seus
constituintes.
[78] Desde logo, os Recorrentes não indicam quaisquer meios de onde se pode inferir
a veracidade destas alegações. O certo é que, mesmo mantendo o princípio de que não cabe ao
Tribunal Constitucional apreciar matéria de facto, compulsados os autos, constata-se que todas as
reclamações e/ou protestos da defesa foram objecto de pronunciamento e decisão do Tribunal Com
efeito, vários foram os requerimentos apresentados - quer da defesa, quer do Ministério Público,
quer do Assistente - e sobre os mesmos recaíram sempre despachos judiciais, que foram de acordo
ou não com a pretensão dos respectivos requerentes, o que é normal na dialética contraditória dos
julgamentos e cabe na competência do Juiz enquanto entidade que dirige o julgamento. Veja-se, a
título A questão da falta de notificação da acusação já se acha apreciada, pelo que nos abstemos de a
repetir.
[79] Conclui-se, pois, que ao longo do processo e, essencialmente, do julgamento, foi
assegurado a todos os envolvidos mecanismos de defesa dos seus direitos, com respeito pelos
princípios do acusatório e do contraditório, pelo que não assiste razão aos Recorrentes.
[80] Meramente exemplifícativo, fLs. 1505, 1513, 1515, 1531, 1538, 1570, 1585, 1600, 1604,
1612 a 1615, 1657, 1733, 1877, 1909, 2054,2070, 20160,2237 a 2277, 2310 a 2328.
[81] A seguir, invocam os Recorrentes que o Acórdão recorrido viola o direito a um jul-
gamento justo, célere e conforme à lei, previsto no artigo 72.º da CRA. Para sustentar esta sua tese,
os Recorrentes alegam, nomeadamente, que, quanto à inexistência do crime de violência contra
superior ou inferior de que resultou a morte, de que resulta a incompetência do Tribunal Militar, o
Tribunal recorrido julgou com base em meras presunções.
[82] Mais alegam que (i) o Recorrente Joaquim Vieira Ribeiro não poderia nunca ter dado
as ordens de execução das vitimas através de uma chamada telefónica em roaming da Movicel,
porquanto, nessa data, esta empresa não prestava, ainda, serviços de roaming. Que (ii) o processo se
prolongou por tempo excessivo por motivo exclusivamente imputável ao Tribunal recorrido e que
(iii) o Tribunal julgou com base em meras presunções. Que (iv) foram inventadas várias testemunhas
e declarantes e que (v) não pode ser aplicada a norma sobre abuso no exercício do cargo, p.p. no
artigo 28.º da Lei dos Crimes Militares, uma vez que a mesma apenas se aplica “(...)sempre que a sua
148
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
conduta não constitua crime mais grave No caso em concreto, não podem existir crimes mais graves,
pois os Recorrentes terão sido condenados pela prática dos crimes de homicídio qualificado, abuso
de confiança e falsificação de documentos por empregado público.
[83] Dispõe o art. 12.º da CRA que A todo o cidadão é reconhecido o direito a julgamento justo,
célere e conforme a lei. Estes três princípios - julgamento justo, julgamento célere e julgamento conforme
a lei - representam uma das muitas garantias dos direitos e liberdades fundamentais (Secção II do
Capítulo II do Título II) da CRA, e são o concretizar do princípio geral de acesso ao direito e tutela
jurisdicional efectiva consagrado no art. 29.º da CRA.
[84] O direito a julgamento justo deve ser entendido enquanto imposição da lei de que,
aquando da administração da justiça, seja assegurado ao arguido todo um conjunto de direitos
e garantias legalmente previstos, desde o momento da suspeita de cometimento do crime até ao
momento da total execução da pena condenatória. Assim, no caso do julgamento, o tribunal está
obrigado a respeitar os princípios da independência e imparcialidade, como condição de garantia
do arguido de que as audiências sejam conduzidas com equidade. Julgamento justo é aquele que
respeita o principio da igualdade de armas e trata as partes e os seus representantes de maneira
formalmente igual.
[85] Aqui chegados, cabe analisar se, no caso dos presentes autos, faltou equidade no
julgamento dos Recorrentes. Abstemo-nos de reproduzir aqui o que já foi dito em relação à inadmis-
sibilidade de reapreciação da prova produzida, por não caber nas competências deste Tribunal, pelo
que não serão analisadas as questões da matéria de facto suscitadas pelos Recorrentes.
[86] Como se referiu a propósito da eventual violação do princípio do processo equitativo e
justo, ao longo das 64 Sessões de julgamento, muitos foram os requerimentos promovidos pela defesa
e pelo Ministério Público e Assistente, tendo sempre sobre os mesmos recaído despachos judiciais,
que, nuns casos, deu razão aos requerentes e, noutros, lhes negou deferimento. Claro que as partes
vencidas nas questões suscitadas tinham o direito de reagir contra a decisão, mediante interposição
de recurso, reclamação e/ou por consignação de protesto em acta. Em nenhum momento, qualquer
destes direitos fundamentais foi negado à defesa ou aos outros intervenientes. Uma nota para realçar
que, como ficou demonstrado, os Recorrentes optaram por não apresentar contestação nem indicar
testemunhas ou outros meios de prova. Mas nem por isso lhes foi negada a total participação na
produção da prova, reclamando de tudo aquilo com o que não concordavam. Pelos factos alegados
pelos Recorrentes, não se pode concluir ter havido preterição de julgamento equitativo - logo, justo.
[87] No que se refere ao princípio de julgamento célere, dispõe o n.º 4 do ait. 29.º da CRA
que Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante
processo equitativo. Nestes termos, o princípio da celeridade processual não pode deixar de estar
ligado à ideia do razoável, ou seja, um juízo de celeridade no contexto do que pode ser, em cada caso
concreto, razoável. Quer isto dizer que a celeridade processual não pode ir ao ponto de comprometer
os direitos fundamentais das partes envolvidas, essencialmente, no âmbito do processo penal.
149
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
[88] Não especificam os Recorrentes quais os actos praticados ou omitidos pelo Tribunal
que prejudicaram a celeridade do julgamento. De qualquer das formas, compulsados os autos,
verifica-se que de Junho de 2011 a Dezembro do mesmo ano não foi possível agendar e iniciar o
julgamento porque os Recorrentes exerceram o seu direito de recorrer contra o despacho de pronúncia.
O julgamento foi agendado exactamente após o decurso do prazo de 10 dias fixado para que os
Recorrentes pudessem, querendo, contestar, suscitar questões prévias e juntar testemunhas e outros
meios de prova.
[89] O julgamento teve o seu início no dia 10 de Fevereiro de 2012 (vide fls. 1414) e teve
a sua última sessão no dia 17 de Junho de 2013 (fls. 2466). Durante as 64 sessões do julgamento,
foram inquiridos 21 réus, ouvidas 27 testemunhas e 50 declarantes. Acresce que vários foram os
incidentes promovidos pelas partes, que o tribunal teve de conhecer e decidir, nomeadamente, os
diversos requerimentos e protestos ditados para a acta. Por outro lado, além da simples inquirição
e audição, foram realizadas acareações para esclarecimentos diversos - vide, a título meramente
exemplificativo, fls. 1909 a 1957, 2237 a 2277, 20310 a 2328.
[90] Aqui chegados, com base nas alegações dos Recorrentes, não se pode afirmar que o
julgamento levou tempo não considerado razoável atenta a sua complexidade - e muito menos que a
responsabilidade para que isso tenha acontecido possa ser assacada ao Tribunal.
[91] No que se refere ao princípio de julgamento conforme a lei, como já se disse, o julga-
mento foi regido pela lei aplicável ao caso dos Recorrentes, com a observância da demais legislação
aplicável, não resultando daí qualquer inconstitucionalidade.
[92] Acresce, por último, que relativamente à alegada inexistência do processo quanto aos
crimes de violência contra superior ou inferior de que resultou a morte, pode-se aferir dos autos as razões
que sustentam e justificam a incriminação dos Recorrentes pela prática destes crimes.
[93] Os crimes de violência contra superior e inferior estão tipificados na lei - vide artigos
18.º e 19.º , ambos da Lei dos Crimes Militares. Como bem sustentam os Recorrentes nas suas
alegações, Violência é um conceito geral e indeterminado, porque o legislador disse mais do que pretendia, pois
nele (conceito de violência) cabe quase tudo, violação, roubo, ofensas corporais, homicídios, etc., tal conceito é
assimilável nos tipos legais de crimes previstos nestes artigos. Ora, os Recorrentes foram condenados
nos termos do n.º 3 do artigo 18.º e 19.º da Lei dos Crimes Militares, que estabelecem que Se das
ofensas corporais previstas neste artigo resultar como efeito necessário a morte, a pena será a de prisão maior de
20 a 24 anos.
[94] De facto, a utilização de uma arma de fogo e os disparos à queima-roupa constitui um
acto de violência; tais actos poderiam causar apenas ferimentos mas, no caso em concreto, resultou
na morte das vítimas. Tal consubstancia, efectivamente, violência contra superior ou inferior, nos
termos da referida Lei.
[95] Não há, pois, fundamento bastante que afaste tal qualificação, sendo certo que o
Acórdão recorrido não deixou de sustentar as razões que determinaram a subsunção daqueles
preceitos legais.
150
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
[98] Alegam, também, os Recorrentes que o Acórdão recorrido viola o direito à não auto-
incriminação, previsto nas alíneas f) e g) do artigo 63.º da CRA. Alicerçam as suas alegações no facto
de, entre outros, os Recorrentes terem sido obrigados a assinar declarações que não correspondiam
a factos verdadeiros. Por outro lado, alegam que, em violação do direito dos Recorrentes constitucio-
nalmente consagrado de permanecerem calados ou não prestarem declarações, o Tribunal a quo
utilizou tal argumento para agravar a pena dos Recorrentes, referindo que os mesmos não queriam
colaborar com a justiça para a descoberta da verdade material.
[99] Contudo, não se verifica nos autos qualquer especificação das declarações falsas que
os Recorrentes terão sido obrigados a assinar.
[100] Além disso, era perfeitamente possível aos Recorrentes rectificarem as suas declara-
ções em audiência de julgamento, o que não fizeram por opção própria. Não decorrem dos autos
quaisquer declarações cuja veracidade faltasse e que os Recorrentes tenham sido obrigados a assinar
na audiência do julgamento.
[101] No que se refere à relevância do silêncio dos Recorrentes, que os mesmos pretendem
referir como tendo sido aproveitado para o agravamento das penas de que foram acusados, é preciso
separar as duas situações: (i) relevância do silêncio e (ii) proibição de agravação da pena.
[102] Quanto ao primeiro, não decorre dos autos a realidade alegada pelos Recorrentes.
Com efeito, o Supremo Tribunal Militar sustenta que Os réus permaneceram em silêncio durante todo o
julgamento e por este facto o Tribunal “a quo” considerou: “os réus apesar das graves acusações que pesam
sobre eles mantiveram-se calados durante a audiência de julgamento, numa clara demonstração de não quererem
colaborar com a justiça na descoberta da verdade material. Contrariamente ao que alegam os ilustres causídicos,
não vislumbramos nesta citação, nem em qualquer outra parte do Acórdão recorrido, o Tribunal “a quo ” a
considerar como agravante o silêncio dos réus. Na verdade aos réus assistia o direito de manterem-se calados
relativamente aos factos, um direito constitucionalmente consagrado. Porém, não é menos verdade que o
silêncio neste particular, é no sentido da não auto incriminação. No caso sub judice, os réus ao manterem-se
151
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
calados, perderam a derradeira oportunidade de exercer a faculdade de auto defesa que se lhes abria através
do interrogatório, e trazer aos autos, factos que contrariassem a acusação contra os mesmos e colaborar com
a justiça na descoberta da verdade material. Outrossim, entendemos que, da mesma forma que a confissão
não acompanhada de outros elementos de prova não faz fé, logo não tem eficácia probatória, relativamente ao
silêncio, não obstante ser um direito do réu não se lhe impondo a obrigação nem o dever de fornecer elementos
de prova que lhes prejudiquem, o silêncio neste particular, traduz-se em prejuízo, advindo do facto dos réus não
utilizarem a faculdade de auto defesa que se lhes abre, repetimos, auto-defesa e não auto incriminação Ou seja,
o Tribunal a quo limita-se a esclarecer que a afirmação sobre o silêncio dos réus em nada tinha a
ver com a perspectiva alegada pelos Recorrentes. De resto, esta circunstância - silêncio dos réus em
julgamento - não consta do rol das circunstâncias agravantes tomadas em consideração quer pela
Conferência quer pelo Plenário do Supremo Tribunal Militar.
[103] O agravamento das penas de que vinham condenados os Recorrentes, e aqui entrando
já na segunda das questões acima suscitadas (proibição de agravamento da pena), terá decorrido de
forma ilegal, como sustentam os Recorrentes?
[104] Primeiro, importa sublinhar que, em matéria de recurso, o Plenário do Supremo
Tribunal Militar tem competência para proceder à reapreciação da causa, conhecendo de facto, de
direito, confirmando, revogando, alterando ou anulando, conforme entender, a decisão objecto do
recurso, mas com uma excepção: a consagrada no artigo 667.º do Código de Processo Penal, sobre a
proibição da reformatio in pejus.
[105] A proibição da reformatio in pejus (“reformar para pior”) tem por objectivo evitar
que o réu seja surpreendido por decisão que agrava a sua situação, pondo em causa os princípios
da segurança e certeza jurídicas. Na verdade, num Estado de direito, todos têm direito a esperar
que as decisões que contra elas são tomadas sejam estáveis, e, no caso particular do processo crime,
a alteração da decisão, em princípio, deve ser feita no sentido mais favorável ao arguido e não
representar um agravamento. É a única forma de o arguido se sentir livre para exercer o direito
constitucional de recorrer das decisões contra si proferidas, pois, de contrário, tal direito ao recurso
estaria constitucionalmente comprometido. Porém, como se demonstrará, o princípio da proibição
da reformatio in pejus não é absoluto, conhecendo também as suas excepções.
[106] Com efeito, estabelece o art. 667.º do Código de Processo Penal (proibição da «re-
formatio in pejus») que Interposto recurso ordinário de uma sentença ou Acórdão somente pelo réu, pelo
Ministério Público no exclusivo interesse da defesa, ou pelo réu e pelo Ministério Público nesse exclusivo
interesse, o tribunal superior não pode, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrente:
1. Aplicar pena que, pela espécie ou pela medida, deva considerar-se mais grave do que a constante da
decisão recorrida;
2. Revogar o beneficio da suspensão da execução da pena ou da sua substituição por pena menos grave;
3. Aplicar qualquer pena acessória, não contida na decisão recorrida, fora des casos em que a lei impõe essa
aplicação;
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
1.º Quando o tribunal superior qualifique diversamente os factos, nos termos dos artigos 447.º e 448.º ,
quer a qualificação respeite à incriminação, quer a circunstâncias modificativas da pena;
2.º Quando o representante do Ministério Público junto do tribunal superior se pronunciar, no visto
inicial do processo, pela agravação da pena, aduzindo logo os fundamentos do seu parecer, caso em
que serão notificados os réus, a quem será entregue cópia do parecer, para resposta no prazo de oito
dias.
§ 2.º (...)
[107] Assim sendo, as únicas situações em que a reformatio in pejus é permitida são as
seguintes; (i) quando o recurso não tenha sido interposto no interesse exclusivo da defesa do réu
(por ele próprio, seu assistente ou pelo próprio Ministério Público) ou, tendo-o sido, (i) quando o
tribunal superior qualifique diversamente os factos, nos termos dos artigos 447.º e 448.º , quer quanto
à incriminação, quer quanto às circunstâncias modificativas da pena; e (ii) quando o representante do
Ministério Público junto do tribunal superior, ao ser-lhe dada vista do processo, se pronunciar pela
agravação da pena, aduzindo logo os fundamentos do seu parecer, caso em que serão notificados os
réus, a quem será entregue cópia do parecer, para resposta no prazo de oito dias.
[108] Como refere o Professor Grandão Ramos nas suas Noções Fundamentais de Direito
Processual Penal, O instituto da proibição de reformatio in pejus tem como objectivo fundamental realizar a
justiça material e tornar mais efectivo o direito de defesa, gravemente comprometido pelo natural temor do réu
de, ao recorrer de uma sentença que considera injusta para o tribunal superior, ver por este agravada ainda a
pena e, consequentemente, aumentada a injustiça.
[109] No caso presente, constata-se que a defesa apresentou o seu recurso na audiência
para a leitura do Acórdão - vide fls. 2640. Por sua vez, o Ministério Público, não se conformando
com o douto Acórdão, igualmente apresentou recurso (em sentido contrário) - vide fls. 2670.
[110] Ambos os recursos foram admitidos, tendo sido fixado prazo para as alegações, nos
termos do n.º 2 do art. 69.º da Lei n.º 5/94. Apresentadas as respectivas alegações, as mesmas foram
notificadas às partes contrárias, que exerceram o contraditório - vide fls. 2677 e seguintes, 2757 e
seguintes, 2774 e seguintes e 2826 e seguintes.
[111] Na sua conclusão, o Ministério Público pede expressamente que ...em consequência,
gravidade dos crimes praticados e pela repugnância que os mesmos criaram na sociedade, na Polícia Nacional e
no Ministério do Interior - vide fls. 2772.
[112] Ora, o Plenário do Supremo Tribunal Militar, ao agravar a pena dos Recorridos,
limitou-se a subsumir e qualificar as condutas dos agentes (as mesmas que resultaram provadas no
153
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
julgamento, bem como outras afastadas pelo tribunal a quo) nos preceitos penais aplicáveis, por
entender que, neste particular, esteve mal o Tribunal inferior, ao (i) afastar a prática de determinados
crimes (nomeadamente o crime de abuso de confiança) e ao (ii) valorizar como circunstâncias
atenuantes extraordinárias, nos termos do artigo 94.º , n.º 1 do CP, actos que não deveriam ter
sido qualificados como tal (longo tempo de serviços prestados ao país) no presente caso, uma vez
que as circunstâncias agravantes se mostram, de longe, superiores às atenuantes, devendo levar
ao afastamento dessa atenuação extraordinária. Neste caso, o Supremo Tribunal Militar apenas
considerou esta circunstância para modificar a pena, em obediência ao estatuído no artigo 667.º do
Código de Processo Penal. Não houve, pois, uma reformatio in pejus à margem da lei.
[113] Pelo exposto, considera o Tribunal Constitucional que o douto Acórdão recorrido
não violou as normas e princípios constitucionais invocados pelos Recorrentes.
VI. – DECISÃO
Notifique-se e publique-se.
154
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
SUMÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE CONTRA DECISÃO
DO SUPREMO TRIBUNAL MILITAR POR TER AGRAVADO A PENA APLICADA AO
RECORRENTE
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
Decidido. Nega provimento ao recurso e mantem o acórdão recorrido nos seus termos.
Relativamente à violação dos princípios do contraditório e do acusatório, esta-se perante
uma lei processual especial (Lei da Justiça Penal Militar) que se enquadra na natureza própria
dos agentes sujeitos à lei penal criminal, isto sem prejuízo da colmatação de lacunas através
da aplicação de normas do processo penal comum. Nesta tramitação especial, o contraditório
antes do julgamento faz-se depois da notificação do despacho de pronúncia, o qual representa a
verdadeira acusação, numa primeira fiscalização judicial da actuação do Ministério Público. O
Recorrente foi pessoalmente notificado do despacho de pronúncia, com a indicação expressa de
que dispunha de 10 dias para apresentar, querendo, contestação; não apresentou contestação,
tendo optado por interpor recurso do despacho de pronúncia, o que foi admitido. O acórdão
que conheceu do recurso apresentado pelo recorrente e que negou a sua pretensão foi-lhe
devidamente notificado, com a indicação, novamente, do prazo de 10 dias para apresentação da
contestação. Portanto, acusação foi notificada e o Recorrente teve a possibilidade de apresentar
contestação.
Relativamente à violação do princípio do processo equitativo e julgamento justo, os juízes
da pronúncia actuaram nos estritos termos estabelecidos na lei e vinculados à acusação do
Ministério Público, limitando-se a transcrevê-la. Em relação à coincidência entre os juízes da
pronúncia e os do julgamento, no seu acórdão n.º122/10, o Tribunal Constitucional entende
que a acumulação das funções de pronúncia e julgamento no mesmo juiz é efectivamente
uma questão substancial que aponta para a necessidade de compatibilização da legislação
processual penal vigente em Angola à nova Constituição, nomeadamente, na parte que se
refere ao princípio do contraditório, pois, segundo a melhor doutrina, o juiz da pronúncia não
deve poder ser o juiz do julgamento. Porém, esta é uma questão sistémica, não imputável ao
tribunal a quo. Por isso, não se pode inferir que tenha havido violação do princípio do processo
equitativo e justo.
Relativamente à violação da presunção da inocência, apesar de a pronúncia constar formal-
mente de um acórdão do Supremo Tribunal Militar, este limita-se, materialmente, a formalizar
a acusação. O acórdão não contém qualquer condenação, limitando-se a “pronunciar”os argui-
dos. Não nos parece, assim, ter havido qualquer violação dos artigos 48.ºe 49.ºda referida Lei,
nem ter sido posto em causa o princípio da presunção de inocência do Recorrente.
Relativamente à restrição do direito de defesa, este direito, nos termos da legislação pro-
cessual aplicável, foi oferecido ao Recorrente em três ocasiões diferentes (na fase da pronúncia,
na do julgamento e na do recurso), tendo, assim, sido salvaguardado o comando previsto no
n.º1 do art.º67.ºda CRA.
Relativamente à violação da proibição da reformato in pejus, a proibição da reformatio in
pejus (“reformar para pior”) tem por objectivo evitar que o réu seja surpreendido por decisão
que agrava a sua situação, pondo em causa os princípios da segurança e certezas jurídicas.
Na verdade, num Estado de direito, todos têm direito a esperar que as decisões que contra
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
elas são tomadas sejam estáveis, e, no caso particular do processo crime, a alteração da deci-
são, em princípio, deve ser feita no sentido mais favorável ao arguido e não representar um
agravamento. E a única forma de o arguido se sentir livre para exercer o direito constitucional
de recorrer das decisões contra si proferidas, pois, de contrário, tal direito ao recurso estaria
constitucionalmente comprometido. Porém, como se demonstrará, o principio da proibição da
reformatio in pejus não é absoluto, conhecendo também as suas excepções. O Supremo Tribunal
Militar, ao agravar a pena do Recorrente, limitou- se a subsumir e qualificar a sua conduta (que
resultou provada no julgamento, bem como outras afastadas pelo tribunal a quo) nos preceitos
penais aplicáveis, por entender que, neste particular, esteve mal o Tribunal inferior, ao valorizar
como circunstâncias atenuantes actos que não deveriam ser qualificados como tal no presente
caso (pág. 102), nomeadamente o alegado cumprimento de ordem superior. O tribunal a quo
apenas considerou esta circunstância para modificar a pena, em obediência ao estatuído no
artigo 667.ºdo Código de Processo Penal. Não houve, pois, uma reformatio in pejus à margem da
lei.
DIPLOMAS CITADOS
ACÓRDÃOS CITADOS
APLICADOS:
Acórdão n.º122/10 do Tribunal Constitucional
O que segue são os motivos da decisão e a decisão proferida pelos Juízes Conselheiros presentes no Plenário do
Tribunal Constitucional.
157
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
I. – RELATÓRIO
[1] LUTERO JOSÉ, devidamente identificado nos autos, veio, com fundamento no art.º
45.º da Lei n.º 3/08, Lei do Processo Constitucional, interpor o presente recurso extraordinário de
inconstitucionalidade contra o Acórdão do Plenário do Supremo Tribunal Militar que, confirmando
parcialmente o Acórdão do mesmo Supremo Tribunal Militar enquanto primeira instância, agravou
as penas que ao arguido foram aplicadas.
[2] Nas suas alegações de recurso, o Recorrente apresenta, no essencial, os seguintes
fundamentos:
2. O Acórdão viola o princípio do processo equitativo e julgamento justo, uma vez que alguns
dos juizes da pronúncia foram os mesmos do julgamento, em violação do Acórdão n.º 122/10
do Tribunal Constitucional.
(a) O despacho de pronúncia foi proferido sob a forma de acórdão, em violação dos artigos
48.º e 49.º da Lei n.º 5/94, de 11 de Fevereiro;
(b) O despacho de pronúncia, uma vez que traduz apenas um juízo de probabilidade, não
pode revestir a forma de acórdão, por violar o principio da presunção de inocência e
manifestar “uma convicção antecipada sobre os factos e a condenação antecipada do
arguido".
4. O Acórdão viola o direito de defesa, ex vi artigo 76.º n.º 1 da CRA (deveria querer dizer artigo
67.º ), uma vez que, depois de notificado da data do julgamento e de que o processo estaria, na
Secretaria Judicial, à disposição dos advogados, para consulta, durante dez dias, nem sempre
foi possível consultá- lo, o que se traduziu no enfraquecimento do direito de defesa.
5. O Acórdão viola a proibição da “refonnatio inpejus”, ex vi artigo 65.º , n.º 4 da CRA e do artigo
667.º do CPP, uma vez que o Recorrente foi condenado a uma pena mais grave do que a constante
158
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
da decisão recorrida, sem que: a) O Tribunal superior tivesse qualificado diversamente os factos;
b) O Ministério Público junto do tribunal superior se tivesse pronunciado pelo agravamento
da pena.
II. – COMPETÊNCIA
[6] O presente recurso foi interposto nos termos e com os fundamentos do artigo 45.º ,
quando deveria ter invocado, também, a alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei
do Processo Constitucional, que estabelece a possibilidade de recurso de sentenças que contenham
fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos
na Constituição. Este tipo de recursos exige, nos termos do parágrafo introduzido pela Lei n.º 24/10,
de 3 de Dezembro, que tenham sido esgotados todos os recursos que possam ser interpostos da
decisão questionada.
[7] Deste modo, esgotados que foram os recursos da jurisdição comum (entenda-se aqui,
Tribunal Militar), o Tribunal Constitucional é competente para conhecer o recurso extraordinário de
inconstitucionalidade interposto sobre o Acórdão do Plenário do Supremo Tribunal Militar.
III. – LEGITIMIDADE
[8] O Recorrente é parte legítima nos termos da alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08,
de 17 de Junho, ao abrigo do qual podem interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o
Tribunal Constitucional o Ministério Público e as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em
que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário.
159
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
IV. – OBJECTO
[9] Tal como referido acima, cabe a este Tribunal apreciar a questão das possíveis inconsti-
tucionalidades do Acórdão do Plenário do Supremo Tribunal Militar posto em causa pelo Recorrente,
a saber:
V. – FUNDAMENTAÇÃO
[10] Importa salientar que a função jurisdicional desta instância constitucional é a apre-
ciação e julgamento da violação ou não da Constituição nas decisões judiciais e não proferir um
juízo de valor sobre os factos provados e a forma como os mesmos foram ajuizados pelos julgadores,
função que cabe em exclusivo a outras instâncias, salvo quando tal forma entra em conflito com o
constitucionalmente estabelecido.
[11] O sistema de fiscalização concreta extraordinária é limitativo quanto ao objecto do
recurso, determinando que apenas os fundamentos da decisão e as decisões do acórdão que con-
trariem direitos e princípios, liberdades e garantias fundamentais podem ser sindicados. Com
efeito, o Tribunal Constitucional não é uma nova instância de recurso, para reapreciar os factos, o
processo e a prova. Cabe-lhe sim uma intervenção muito específica, restrita à matéria constitucional
suscitada, ou seja, avaliar se foram ou não assegurados aos Recorrentes todos os direitos e garantias
constitucionalmente consagrados.
[12] É sobre a existência ou não da violação desses princípios que o presente Acórdão se
irá debruçar:
160
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
Militar, atenta a qualidade do arguido e dos ofendidos. Recebido o processo, a Procuradoria Militar
aceitou a devolução da competência e deu início à continuação da instrução a partir dessa fase.
Tendo em conta a qualidade dos sujeitos envolvidos nos actos criminais de que vêm os Recorrentes
condenados, a lei aplicável ao processo é a Lei n.º 5/94, de 11 de Fevereiro - Lei da Justiça Penal
Militar. E este facto não é, contestado pelos Recorrentes. Estes apenas põem em causa o facto de
não terem sido notificados da acusação, muito embora a lei do processo ser a que rege a Justiça
Penal Militar. No entendimento dos Recorrentes, apesar da aplicação da Lei da Justiça Penal Militar,
a notificação da acusação sempre seria devida, por aplicação subsidiária da lei processual penal
comum.
[14] Ora, não pode haver dúvidas de que se está perante uma lei processual especial, que
se enquadra na natureza própria dos agentes sujeitos à lei penal criminal, isto sem prejuízo da
colmatação de lacunas através da aplicação de normas do processo penal comum.
[15] Mas é preciso ter em conta a razão da especialidade da Lei da Justiça Penal Militar para
se analisar se é correcta ou não a afirmação de que, mesmo na Justiça Penal Militar, os Recorrentes
têm de ser notificados da acusação. E os Recorrentes sustentam esta necessidade de notificação, por
um lado porque (i) não há qualquer norma na Lei n.º 5/94 que proíba a notificação da acusação, e,
por outro lado, (ii) a inexistência de uma norma que mande notificar da acusação deve-se a uma
mera lacuna, que deve ser preenchida através da aplicação da lei processual penal comum.
[16] Ora, no seu preâmbulo, a Lei n.º 5/94 refere que O ideal seria a elaboração de um Código
de Justiça Penal Militar, tarefa de momento fora de nosso alcance dada a morosidade e profundidade que
tal empreendimento exige, em contraste com a necessidade urgente da aprovação de mecanismos expeditos
tendentes a fazer face a um número crescente de casos, que pela sua natureza e pela qualidade dos seus agentes
devem ser remetidos ao conhecimento do foro militar. Ou seja, foi preocupação do legislador criar um
mecanismo processual especial, adaptado às necessidades e especificidades próprias das forças
militares e para-militares, garantindo um procedimento célere e expedito, sem prejudicar contudo os
fundamentais e mais elementares direitos de defesa. Com efeito, estamos na presença de cidadãos
(militares e para-militares) integrados num sector especial da organização do Estado, gozando de
direitos especiais (nomeadamente, acesso directo a armas de guerra e outros dispositivos, sendo
especialmente treinados para a sua utilização e aproveitamento), pelo que esta circunstância implica
que estes cidadão tenham responsabilidades igualmente especiais, quer na qualificação dos actos
por eles praticados quer no que se refere ao processo de investigação e julgamento de tais actos.
[17] Acresce o facto de ser extremamente importante que os crimes de natureza militar
sejam resolvidos em tempo oportuno, até pela repercussão que o seu arrastamento tem no seio da
hierarquia militar. Portanto, não restam dúvidas que estamos no âmbito de um processo-crime
militar, ao qual são aplicadas as normas da Lei da Justiça Penal Militar.
[18] Prescreve o art.º 45.º da Lei de Justiça Penal Militar que Finda a instrução, se o Procurador
entender que dos autos resultam indícios suficientes para introduzi-los em Juízo, deduz acusação, remetendo o
Processo ao Tribunal. Seguidamente, o Juiz, antes de proferir despacho de pronúncia, se entender que se tomam
161
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
necessárias outras diligências para o apuramento da verdade dos factos, poderá ordená-las à entidade instrutora,
devolvendo-lhe o processo para esse efeito (art. 46.º ). Se o processo houver de seguir para julgamento, o juiz
proferirá despacho de pronúncia, cujo duplicado é obrigatoriamente entregue ao réu (art.º 47.º ). São requisitos
do despacho de pronúncia, entre o mais, a indicação de que o processo estará à vista na Secretaria do
Tribunal, podendo aí ser livremente consultado pelo defensor no prazo de 10 dias, assim como a indicação de
que no mesmo prazo o defensor poderá apresentar por escrito a contestação, deduzir todas as questões prévias e
indicar as testemunhas de defesa e outros meios de provas. (art. 48.º , al. h) e i)).
[19] Nos termos previstos no art.º 52.º da Lei n.º 5/94, Findo o prazo de 10 dias a que se refere o
artigo 49.º , alínea h) o Juiz aprecia o requerimento de defesa, resolve todas as questões levantadas e designará o
dia para julgamento em despacho que deverão ser notificados às partes com uma antecedência mínima de 5 dias.
[20] É esta a tramitação processual estabelecida para a Justiça Penal Militar antes do julga-
mento. Como se vê, nesta tramitação especial, o contraditório antes do julgamento faz-se depois
da notificação do despacho de pronúncia, o qual representa a verdadeira acusação, numa primeira
fiscalização judicial da actuação do Ministério Público.
[21] Com efeito, o Juiz, ao receber o processo e a respectiva acusação, faz uma primeira
triagem, podendo devolver, inclusive, o processo para melhor instrução, se assim o entender. Se
ajuizar pela suficiência da instrução, pronuncia o arguido e notifica-o obrigatoriamente, dando
indicação expressa de que, em dez dias, pode consultar livremente o processo na Secretaria do
Tribunal e, querendo, apresentar por escrito a contestação, deduzir todo as questões prévias e indicar
testemunhas e outros meios de prova.
[22] Findo esse prazo (10 dias), o Juiz está obrigado a apreciar e resolver todas as questões
levantadas na contestação e, apenas depois disso, designará o dia para julgamento. Quer isto dizer
que é nesse momento que o arguido pode contrapor os factos de que foi pronunciado através da
acusação, convencendo o Juiz, se for o caso, a devolver o processo ao Procurador para melhor
prova. Atente-se na seguinte especificidade: enquanto no processo penal comum, à apresentação da
contestação se segue o julgamento sem mais actos preliminares, na Justiça Penal Militar, antes do
agendamento do julgamento, o juiz é obrigado a apreciar e resolver todas as questões suscitadas na
contestação.
[23] Aqui chegados, não se pode afirmar que foi coarctado ao Recorrente o direito ao
contraditório, uma vez que esse direito lhes foi assegurado nos precisos termos da lei aplicável ao
processo. Por outro lado, não é correcto afirmar-se que, na Lei 5/94, se encontra implicitamente
assegurada a obrigação de notificação da acusação, por aplicação subsidiária da lei processual
comum, pois a aplicação subsidiária a que se refere o n.º 2 do art.º 34.º da referida lei não pretende
significar a criação de actos processuais não previstos, mas apenas o aproveitamento da lei geral
para a materialização/execução dos actos já naquela lei previstos.
[24] Ou seja, a título de mero exemplo, a Lei de Justiça Penal Militar, apesar de prever a
prática de actos judiciais, não define os termos da sua oportunidade. Neste caso, aplíca-se o que se
acha previsto na lei processual comum sobre a matéria. Com efeito é a lei comum que diz como os
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
actos judiciais são praticados (ex.: nos dias úteis, durante o horário da secretaria), o que não está
previsto expressamente na Lei n.º 5/94. Coisa diversa é a notificação da acusação, relativamente à
qual entendeu o legislador que a defesa contraditória ocorre apenas depois da pronúncia e antes do
julgamento.
[25] O certo é que, na Justiça Penal Militar, os factos imputados ao arguido são- lhe notifica-
dos após fiscalização da acusação pelo Juiz e se proferido despacho de pronúncia. Cabe ao arguido
contestar, no prazo de 10 dias a contar da notificação, suscitando todas as questões que tiver por con-
venientes, que serão apreciadas e resolvidas antes do julgamento. No caso específico dos presentes
autos, o Recorrente foi pessoalmente notificado do despacho de pronúncia, com a indicação expressa
de que dispunha de 10 dias para apresentar, querendo, contestação; não apresentou contestação,
tendo optado por interpor recurso do despacho de pronúncia, o que foi admitido.
[26] O Acórdão que conheceu do recurso apresentado pelo Recorrente e que negou a sua
pretensão foi-lhe devidamente notificado, com a indicação, novamente, do prazo de 10 dias para
apresentação da contestação.
[27] O Recorrente não apresentou contestação, tendo optado por interpor recurso extra-
ordinário de inconstitucionalidade, recurso que foi admitido pelo Tribunal a quo, mas rejeitado
pelo Presidente do Tribunal Constitucional, nos termos das suas competências específicas. Do
despacho do Juiz Presidente do Tribunal Constitucional o Recorrente apresentou recurso para o
Plenário deste Tribunal, que confirmou o despacho de indeferimento do Juiz Presidente em virtude
de considerar que se tratava de decisões interlocutórias não susceptíveis de recurso extraordinário
de inconstitucionalidade.
[28] Resolvidas as questões suscitadas junto do Tribunal Constitucional e após a baixa do
processo, o Recorrente foi de novo notificado de que o processo estaria disponível na Secretaria, para
livre consulta, e de que dispunha de 10 dias para, querendo, apresentar contestação (Vide fls. 1324
no qual o Venerando Juiz exara despacho nos seguintes termos: Os sucessivos recursos inviabilizaram o
cumprimento do disposto na dl. h) do art.º 49.º da Lei n.º 5/94, de 11 de Fevereiro, pelos mandatários dos RR
tal como reza a pronúncia. Estendendo este Tribunal que o seu cumprimento é imprescindível e se enquadra nas
garantias do processo penal consagradas na Constituição da República de Angola (art. 67.º CRA), predsamente
o direito de defesa, manda que os presentes autos estejam à vista no cartório deste Tribunal, no prazo cominado
pela lei, onde poderá ser livremente consultado pelos ilustres mandatários). Este despacho foi notificado ao
Recorrente no dia 8/12/2011 - vide fls. 1341 dos autos (Volume 5).
[29] Dentro do prazo previsto na lei, e apesar de devidamente notificado, o Recorrente não
apresentou contestação, não deduziu quaisquer questões prévias, nem requereu quaisquer meios de
prova. Em consequência, no dia 13/01/2012, o Juiz da causa agendou o julgamento - vide fls. 1353
verso dos autos.
[30] Face ao que se acaba de expor, parece não restar dúvidas de que foi garantido ao
Recorrente, nos termos da lei processual aplicável, o direito de defesa, com a possibilidade de
contestar os factos que lhe eram imputados e de suscitar todas as questões que entendesse poder
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
abalar tais factos. Realce-se que o direito de defesa e exercício do contraditório não existe apenas com
a formal notificação da acusação, como sustenta o Recorrente. Esse direito, na lei especial aplicável
ao processo, está disponível no momento da notificação da pronúncia e antes do julgamento.
[31] Inconstitucional seria se a lei especial aplicável ao Recorrente não consagrasse qualquer
direito de defesa e de contestação. O que não é o caso, pois o direito de defesa e do contraditório,
nos termos da legislação processual aplicável, foi oferecido ao Recorrente nos termos da lei aplicável,
tendo sido salvaguardado o comando previsto no n.º 1 do art.º 67.º da CRA, razão pela qual é
entendimento deste Tribunal que o Acórdão recorrido não violou os princípios do contraditório e do
acusatório.
[32] Mas ainda que se considerasse que houve falta de notificação da acusação, tal facto
representaria uma mera irregularidade, porque não prevista no artigo 98.º do Código do Processo
Penal como causa de nulidade absoluta e, consequentemente, sanável nos termos do artigo 100.º do
Código do Processo Penal, o que sempre teria ocorrido com a notificação do despacho de pronúncia.
[33] Refira-se, finalmente, que não é legítimo que o Recorrente pretenda, ao abrigo do
presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, que o Tribunal Constitucional declare a
inconstitucionalidade da norma da Lei da Justiça Penal Militar (aplicada ao processo) que não prevê
a notificação da acusação.
[34] Com efeito, a referida pretensão do Recorrente apenas poderia ser suscitada através
do recurso ordinário de inconstitucionalidade previsto, entre outros, nos artigos 36.º a 48.º da Lei
do Processo Constitucional e que tem por objecto específico conhecer os pedidos de verificação da
constitucionalidade de normas aplicadas (ou “desaplicadas”) num processo quando tal questão
tenha sido suscitada no tribunal a quo.
[35] Em seguida, alega o Recorrente que o Acórdão recorrido viola o princípio do processo
equitativo e justo, atendendo ao facto de haver coincidência entre alguns dos juízes da pronúncia e
os do julgamento.
[36] Para fundamentar esta alegada violação, o Recorrente traz à colação o Acórdão n.º
122/10, do Tribunal Constitucional (TC) no qual este Tribunal se pronunciou no sentido de que o juiz
a quo ao actuar como julgador e como acusador violou o princípio de processo equitativo e a um julgamento
justo.
[37] O Recorrente faz um chamamento descontextualizado do citado pronunciamento do
Tribunal Constitucional, feito no âmbito de um processo no qual o Juiz da pronúncia, à margem
do legalmente estabelecido, não se vinculou tematicamente à acusação do Ministério Público, refez
a acusação com factos novos, actuando como se fosse ele o acusador e convolando depois essa
qualidade com a de julgador.
164
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
[38] No caso presente, os Juízes da pronúncia actuaram nos estritos termos estabelecidos
na lei e vinculados à acusação do Ministério Público, limitando-se a transcrevê-la.
[39] Além disso, como refere o citado Acórdão quanto à acumulação das funções de
pronúncia e julgamento no mesmo Juiz trata-se efectivamente de uma questão substancial que aponta
para a necessidade de compatibilização da legislação processual penal vigente em Angola à nova Constituição,
nomeadamente, na parte que se refere ao princípio do contraditório, pois, segundo a melhor doutrina, o juiz da
pronúncia não deve poder ser o juiz do julgamento. Porém, esta é uma questão sistémica, não imputável ao
tribunal a quo.
[40] Apesar disso, entende o Tribunal Constitucional que não existe fundamento para se
inferir que tenha ocorrido violação do princípio do processo equitativo e justo.
[41] Sustenta, ainda, o Recorrente que o Acórdão recorrido viola o princípio da presunção
da inocência, uma vez que a pronúncia foi efectuada através de Acórdão dos Juízes do Supremo
Tribunal Militar, em violação do disposto nos artigos 48.º e 49.º da Lei n.º 5/94, de 11 de Fevereiro.
[42] Ora, o Acórdão emitido pelo Supremo Tribunal Militar limita-se a receber a mui douta
acusação formulada pelo Digníssimo Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal.... Com efeito, a
acusação foi feita pelo Ministério Público (fls 840 - volume IV), nos termos do artigo 45.º da Lei da
Justiça Penal Militar, que a remeteu ao Supremo Tribunal Militar para nesta instituição prosseguir a sua
tramitação.
[43] Assim, e apesar de a pronúncia constar formalmente de um Acórdão do Supremo
Tribunal Militar, este limita-se, materialmente, a formalizar a acusação. Compulsados os autos,
constata-se que o aludido Acórdão não contém qualquer condenação, limitando-se a pronunciar os
arguidos. Não nos parece, assim, ter havido qualquer violação dos artigos 48.º e 49.º da referida Lei,
nem ter sido posto em causa o princípio da presunção de inocência do Recorrente.
[44] Não existe, pois, fundamento paxa que se possa invocar violação do princípio da
presunção de inocência.
[45] Alega também, o Recorrente que o Acórdão recorrido restringiu o seu direito de defesa,
atendendo ao facto de, durante os dez dias em que alegadamente o processo podia ser consultado
na Secretaria Judicial, nem sempre foi possível consultá-lo, ora porque o mesmo se encontrava no
gabinete do Juiz, e outras vezes, só parte do processo estava disponível, dificultando o acesso total ao processo e
consequentemente o débil exercício do direito de defesa.
[46] Não existem, ao longo do processo, nem o Recorrente as apresenta agora, quaisquer
provas de ter havido impedimento ou dificuldade de consulta do processo por parte do seu advogado.
165
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
[47] Compulsados os autos, verifica-se que, face à lei aplicável, foi garantido ao Recorrente
o direito de defesa com a possibilidade de contestar os factos que lhe eram imputados e de suscitar
todas as questões que entendesse poderem abalar tais factos.
[48] O direito de defesa, nos termos da legislação processual aplicável, foi oferecido ao
Recorrente em três ocasiões diferentes (na fase da pronúncia, na do julgamento e na do recurso),
tendo, assim, sido salvaguardado o comando previsto no n.º 1 do art.º 67.º da CRA.
[49] Não existe, pois, fundamento para que se possa invocar violação do direito de defesa.
[50] Alega, fínalmente, o Recorrente, ter havido violação da proibição da reformatio in pejus,
uma vez que o Recorrente foi condenado a uma pena mais grave do que a constante da decisão
recorrida.
[51] Importa sublinhar que, em matéria de recurso, o Plenário do Supremo Tribunal Militar
tem competência para proceder à reapreciação da causa, conhecendo as matérias de facto e de direito,
confirmando, revogando, alterando ou anulando, conforme entender, a decisão objecto do recurso,
com uma excepção: a consagrada no artigo 667.º do Código de Processo Penal, que proíbe a reforma
para pior.
[52] A proibição da reformatio in pejus (“reformar para pior”) tem por objectivo evitar que
o réu seja surpreendido por decisão que agrava a sua situação, pondo em causa os princípios da
segurança e certezas jurídicas. Na verdade, num Estado de direito, todos têm direito a esperar que
as decisões que contra elas são tomadas sejam estáveis, e, no caso particular do processo crime,
a alteração da decisão, em princípio, deve ser feita no sentido mais favorável ao arguido e não
representar um agravamento. E a única forma de o arguido se sentir livre para exercer o direito
constitucional de recorrer das decisões contra si proferidas, pois, de contrário, tal direito ao recurso
estaria constitucionalmente comprometido. Porém, como se demonstrará, o principio da proibição
da reformatio in pejus não é absoluto, conhecendo também as suas excepções.
[53] Com efeito, estabelece o art. 667.º do Código de Processo Penal (proibição da «reforma-
tio in pejus») que Interposto recurso ordinário de uma sentença ou acórdão somente pelo réu, pelo Ministério
Público no exclusivo interesse da defesa, ou pelo réu e pelo Ministério Público nesse exclusivo interesse, o
tribunal superior não pode, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrente:
1.º Aplicar pena que, pela espécie ou pela medida, deva considerar-se mais grave do que a constante
da decisão recorrida;
2.º Revogar o beneficio da suspensão da execução da pena ou da sua substituição por pena menos
grave;
3.º Aplicar qualquer pena acessória, não contida na decisão recorrida, fora dos casos em que a lei
impõe essa aplicação;
166
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
§ 2.º (...)
[54] Assim sendo, as únicas situações em que a reformatio in pejus é permitida são as
seguintes: (i) quando o recurso não tenha sido interposto no interesse exclusivo da defesa do réu (por
ele próprio, seu assistente ou pelo próprio Ministério Público) ou, tendo-o sido, (ii) quando o tribunal
superior qualifique diversamente os factos, nos termos dos artigos 447.º e 448.º , quer quanto à
incriminação, quer quanto às circunstâncias modificativas da pena; e (iii) quando o representante do
Ministério Público junto do tribunal superior, ao ser-lhe dada vista do processo, se pronunciar pelo
agravamento da pena, aduzindo logo os fundamentos do seu parecer, caso em que serão notificados
os réus, a quem será entregue cópia do parecer, para resposta no prazo de oito dias.
[55] Como refere o Professor Grandão Ramos nas suas Noções Fundamentais de Direito
Processual Penal, O instituto da proibição de “reformatio in pejus” tem como objectivo jundamental realizar
a justiça material e tomar mais efectivo o direito de defesa, gravemente comprometido pelo natural temor do réu
de, ao recorrer de uma sentença que considera injusta para o tribunal superior, ver por este agravada ainda a
pena e, consequentemente, aumentada a injustiça.
[56] No caso presente, constata-se que a defesa apresentou o seu recurso na audiência
para a leitura do acórdão. Por sua vez, o Ministério Público, não se conformando com esse acórdão,
igualmente apresentou recurso (em sentido contrário).
[57] Ambos os recursos foram admitidos, tendo sido fixado prazo para as alegações, nos
termos do n.º 2 do art.º 69.º da Lei n.º 5/94. Apresentadas as respectivas alegações, as mesmas foram
notificadas às partes contrárias, que exerceram o contraditório.
[58] Na sua conclusão, o Ministério Público pede expressamente que ...em consequência,
condenar os réus de forma correcta, elevando as penas concretas para cada um dos autores dos crimes de
violência contra superior ou contra inferior, observando as respectivas disposições legais, pela gravidade dos
crimes praticados e pela repugnância que os mesmos criaram na sociedade, na Polícia Nacional e no Ministério
do Interior.
167
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
VI. – DECISÃO
Notifique-se e publique-se.
168
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
SUMÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE CONTRA ACÓRDÃO
DO TRIBUNAL SUPREMO POR TER NEGADO A PROVIDÊNCIA DE HABEAS CORPUS
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
O recorrente foi detido a 15 de Março de 2013, perfaz dezanove meses, estando manifes-
tamente excedidos todos os prazos de prisão preventiva (artigo 25.ºn.º1 da Lei n.º18-A/92 e
artigo 308.ºdo Código de Processo Penal).
DIPLOMAS CITADOS
O que segue são os motivos da decisão e a decisão proferida pelos Juízes Conselheiros presentes no Plenário do
Tribunal Constitucional.
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
I. – RELATÓRIO
171
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
3. Não obstante o Recorrente estar indiciado pela prática do crime de homicídio voluntário,
previsto e punível pelo artigo 349 .º do Código Penal (C.P), supostamente por ter tirado a vida
à infeliz Dulce Moreira, sua falecida esposa, alega inocência, como sempre o fez.
4. Foi detido no dia 15 de Março de 2013, depois de ter decorrido muito tempo após o primeiro
interrogatório. Adianta que desde àquela data não foram realizadas outras diligências e o
processo permaneceu parado até que foi notificado da acusação no dia 15 de Outubro de 2013.
[7] O Recorrente termina pedindo a este Tribunal que dê provimento ao presente Recurso,
declarando inconstitucional a decisão recorrida.
II. – COMPETÊNCIA
III. – LEGITIMIDADE
[9] O Recorrente tem legitimidade directa para recorrer, porquanto é Autor no processo
que proferiu a decisão recorrida que correu trâmites no Venerando Tribunal Supremo. Resulta, por
isso, que o Recorrente é parte legítima e como tal tem legitimidade para interpor o presente recurso
extraordinário de inconstitucionalidade, conforme estatui a al. a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17
de Junho, Lei do Processo Constitucional (L.P.C).
IV. – OBJECTO
172
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
V. – FUNDAMENTAÇÃO
a) trinta dias por crimes dolosos a que caibam a penas de prisão até 2 anos;
b) quarenta e cinco dias por crimes a que caibam penas de prisão maior;
173
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
[17] Por seu turno, resulta do disposto da Lei de Prisão Preventiva, n.º 1 do artigo 26.º , que
decorridos os prazos indicados no artigo 25.º da citada lei e sem prejuízo do disposto em relação aos
prazos de prisão preventiva em instrução contraditória é obrigatória a libertação do arguido, que
será colocado em liberdade provisória mediante caução, com obrigações e imposições decorrentes
da lei.
[18] Qualquer que seja a interpretação sobre os prazos e a sua forma de contagem, contínua
ou descontínua, o tempo pelo qual se mostra o Recorrente detido sem julgamento não pode ser
outra a conclusão que não seja dar provimento da providência recorrida. Por isso, constata este
Tribunal que tendo o arguido sido detido a 15 de Março de 2013 perfaz dezanove meses, estando
manifestamente excedidos todos os prazos de prisão preventiva, artigo 25.º , n.º 1 da Lei n.º 18-A/92
e artigo 308.º , § 2 do CPP.
VI. – DECISÃO
Notifique-se e publique-se.
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
SUMÁRIO
PEDIDO DE ACLARAÇÃO DO ACÓRDÃO N.º 336/2014 DO TRIBUNAL CONSTITUCI-
ONAL PROFERIDO NO ÂMBITO DE UM RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONS-
TITUCIONALIDADE CONTRA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL MILITAR
175
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
os fundamentos do pedido do Requerente não estão em linha, mas sim em contradição, com o
espirito do legislador quanto aos fins previstos nos artigos 666.ºe 669.ºdo CPC invocado.
Decidido. Rejeita o pedido e mantem o acórdão nos seus precisos termos.
O pedido de aclaração não tem por propósito obter uma alteração da decisão proferida,
mas tão-somente a supressão de eventuais omissões, ambiguidades ou obscuridades que a de-
cisão possa conter. Com efeito, depois de proferida a decisão esgotam-se os poderes cognitivos
do juiz da causa, sem prejuízo de poder suprir erros materiais e prestar esclarecimentos que
permitam definir o alcance da sentença, assim como reforma-la quanto a custas.
Como ficou expresso no acórdão n.º320/2014 deste Tribunal, o que não se pode permitir é
que o requerente, não concordando com a decisão, pretenda, através do expediente jurídico de aclaração
do acórdão, uma nova apreciação do litígio, uma vez que tal situação não se enquadra nem na letra nem
no espírito do supra mencionado artigo 669.ºdo CPC, constituindo antes, um comportamento processual
abusivo por parte do requerente. Assim, nesta sede e para os efeitos pretendidos, não têm qualquer
relevância os documentos apresentados a fls. 275 a fls.337 e fls.333 a fls. 359.
Relativamente aos princípios do contraditório e do acusatório, o que está em causa é saber
se, com a ausência de notificação da acusação (não prevista na Lei Penal Militar), os Requerentes
ficaram impossibilitados de se defenderem contra os factos que lhes foram imputados. Tal
não aconteceu uma vez que os Requerentes depois de notificados do despacho de pronúncia
passaram a conhecer os factos que lhes eram imputados, com a indicação expressa de que
podiam, querendo, apresentar contestação a tais factos, suscitando questões que entendes-
sem relevantes e apresentando os respectivos meios de prova. Não o fizeram por decisão
própria, pelo que não podem afirmar, como vêm fazendo, que não tiveram oportunidade de
contestar os factos que lhes foram imputados, ou que desconheciam por completo os factos de
que vinham acusados. A inconstitucionalidade da Lei de Justiça Penal Militar existiria se, no
âmbito processual, aos arguidos não fosse possível defender-se dos factos antes do julgamento,
o que, como se viu, não é o caso. Se os Requerentes pretendessem discutir uma tal matéria
o processo próprio não seria o recurso extraordinário de inconstitucionalidade, mas sim o
recurso ordinário de constitucionalidade, previsto, entre outros, nos artigos 36.ºa 48.ºda Lei do
Processo Constitucional e que tem por objecto específico conhecer os pedidos de verificação
da constitucionalidade de normas aplicadas (ou “desaplicadas”) num processo quando tal
questão tenha sido suscitada no tribunal a quo.
Relativamente à notificação da acusação (ou falta dela), considera-se pois aclarada a
questão, pois ficou patente que, no caso concreto, não resultou provada afronta de qualquer
princípio constitucional.
Relativamente à violação do sigilo das comunicações, para efeitos de obtenção de prova,
por ordem do ministério público, entende este Tribunal que a fundamentação do Acórdão
n.º336/2014 é bastante elucidativa. Relativamente à falta de mandados de captura e a sua exibi-
ção aos arguidos, os Requerentes demonstram entender perfeitamente o alcance da decisão,
176
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
limitando-se a apresentar, de novo, a sua visão sobre o assunto, o que justifica a razão da sua
discordância em relação ao decidido.
Relativamente à questão da incomunicabilidade dos arguidos com os seus familiares
e defensores, não se entende qual a real pretensão dos Requerentes, uma vez que, por um
lado, nas suas alegações de recurso esta questão não foi tratada de forma autónoma e, em
consequência, o acórdão n.º336/2014 não se debruçou em específico sobre a matéria.
DIPLOMAS CITADOS
ACÓRDÃOS CITADOS
CONSIDERADOS:
Acórdão n.º320/2014 do Tribunal Constitucional
Acórdão n.º336/2014, do Tribunal Constitucional
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— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
O que segue são os motivos da decisão e a decisão proferida pelos Juízes Conselheiros presentes no Plenário do
Tribunal Constitucional.
178
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
I. – RELATÓRIO
[1] JOAQUIM VIEIRA RIBEIRO, ANTÓNIO PAULO LOPES RODRIGUES, JOÃO LANGO
CARICOCO ADOLFO PEDRO, DOMINGOS JOSÉ GASPAR, JOSÉ AGOSTINHO MATIAS, SEBAS-
TIÃO MANUEL PALMA, ANTÓNIO JOÃO, JOÃO FERNANDES COUCEIRO, CARLOS ALBERTO
UKUAMA, DAMIÃO SAMPAIO QUITENGO E MANUEL DA MATA JOÃO, com os demais sinais
nos autos, tendo sido notificados do Acórdão n.º 336/2014 deste Tribunal, datado de 11 de Setembro
último, vieram, com fundamento no disposto nos arts. 669.º e 666.º , n.º 1, 2 e 3 do Código de
Processo Civil, aplicáveis ao Processo constitucional ex vi do art. 2.º da Lei n.º 03/08, de 17 de Junho,
requerer ESCLARECIMENTO e RECTIFICAÇÃO do Acórdão, invocando, em síntese, os seguintes
fundamentos:
2. O artigo 26.º da CRA, define o âmbito dos direitos fundamentais e o seu n.º 1 remete para
as convenções internacionais, nomeadamente a carta Africana dos Direitos do homem e dos
Povos, cujo artigo 3.º diz que “1- todas as pessoas beneficiam de uma total igualdade perante a
lei” e “2- todas as pessoas têm direito a uma igual protecção”.
3. Por outro lado, o n.º 1 do artigo 57.º da CRA define em que situações é admissível a restrição
de direitos, liberdades e garantias.
4. Admitindo a tese defendida pelo T.C. de que a disciplina das matérias aqui requeridas (necessi-
dade da notificação da acusação e da observação do princípio do contraditório) é diferente no
processo penal comum e no processo penal militar, partindo do princípio que a lei processual
militar foi aprovada em 1994, isto é muito antes da aprovação da actual Constituição, constata-
se que, logo nos termos do artigo 239.º , a CRA determina que “o direito ordinário anterior à
entrada em vigor da Constituição mantém-se, desde que não seja contrário à Constituição”. A
179
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
lei militar não define mas remete para o preceito do art. 145.º do CPP que diz que “o juiz ouvirá
sempre o ministério público e os representantes da parte acusadora sobre os requerimentos dos
representantes da defesa e estes sobre o que tenham requeridos aqueles”, já que a acusação é
um requerimento do ministério público dirigido ao juiz da causa a pedir que receba a acusação
e, consequentemente, pronuncie o arguido.
6. Se os Requerentes contestassem estariam a sanar o vício, uma vez que só se contesta o que se
conhece, seguindo a disciplina do CPC, aqui aplicável subsidiariamente ex vi § único do artigo
1.º do CPP.
7. Não há nos autos qualquer decisão do Supremo Tribunal Militar a sanar o vício evocado, com a
sua devida fundamentação para que os Requerentes, uma vez notificados da decisão pudessem
recorrer da mesma.
8. Com relação à admissibilidade da violação do sigilo das comunicações dos arguidos para
efeitos de obtenção de prova, por ordem do Ministério Público, nos termos do regime do
processo penal militar vigente em Angola, a verdade é que não foi o Ministério Público quem
solicitou os históricos das chamadas telefónicas dos terminais telefónicos dos arguidos, mas
sim o antigo Director Nacional em exercício de Investigação Criminal, Dr. Nascimento Cardoso,
cujo ofício consta dos autos, pelo que deve este Venerando Tribunal rectificar a sua decisão.
9. O legislador, seguindo a orientação do artigo 51.º da CRA, não estabeleceu nenhuma disposição
transitória no que concerne a esta matéria, como acontece com os casos do Presidente da
República, do Vice Presidente e dos deputados, nas disposições finais e transitórias (artigos
240.º e 241.º da CRA), onde se deveria dizer que, enquanto não for determinado por lei o Juiz
e as competências desde magistrado judicial, deve ser o magistrado do Ministério Público a
exercê-las. Idem
10. Quanto à falta de mandatos de captura e da sua exibição aos arguidos, o artigo 12.º da Lei n.º
18-A/92, de 17 de Julho, deve ser interpretado de harmonia com a letra e o espírito da actual
Constituição, por ser anterior a esta, sendo que o magistrado do Ministério Público não, pode
sair do seu gabinete de trabalho e ir a casa de um cidadão e prendê-lo, pois a CRA impõe que
tenha de existir um documento escrito (mandado) que tem que ser exibido à pessoa a prender.
Idem
180
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
11. Quanto à prisão fora do flagrante delito e sem mandado de captura, abundam nos autos provas
bastantes, salvo se à semelhança do que se verificou na instância do Supremo Tribunal Militar
as mesmas foram ocultadas da defesa para dificultar a acção e assim negar o direito a defesa.
Pede-se a aclaração e rectificação da decisão sobre esta matéria, idem
12. No que se refere à questão da incomunicabilidade com os seus familiares e advogados, bem
como à proibição de contra interrogarem os demais co-arguidos que não são seus constituintes,
contrariamente ao que se diz no acórdão, as provas constam dos protestos apresentados e
lavrados em acta e, como se sabe, os protestos não existem para serem decididos pelo tribunal
que põe em causa as garantias e prerrogativas dos advogados no exercício da sua função social,
mas sim para sustentar os recursos sobre a matéria ou o acto impedido de registar ou praticar.
13. Consta dos autos uma exposição manuscrita dos arguidos domingos José Gaspar, João Lango
Caricoco Adolfo Pedro e Paulo Rodrigues, remetida pelo Dr. Ventura ao Procurador das
Forças Armadas, dando a conhecer a situação de incomunicabilidade dos arguidos com os
seus familiares e advogados durante cerca de 22 dias.
14. As declarações prestadas em audiência lavradas nas actas das 5.a e 6.a sessões da audiência
de julgamento falam por si, pois, Domingos José Gaspar, confirmou em julgamento os factos
narrados na exposição. Aqui também se requer aclaração e rectificação da decisão sobre as
questões em pauta.
15. Muitas outras questões também não foram respondidas por este Venerando Tribunal, v.g.,
sobre a proibição da interpretação extensiva dos preceitos incriminatórios para se condenar
os arguidos no chamado crime de violência contra superior ou inferior hierárquico de que /
resultou a morte, já que o princípio da legalidade criminal proíbe tal prática para evitar o livre
arbítrio do aplicador da lei, pelo que também aqui se requer aclaração e rectificação da decisão
em apreço.
[2] Terminam pedindo que as situações suscitadas sejam esclarecidas e rectificada a decisão
de harmonia com a Constituição e a lei.
[3] Juntam um parecer jurídico de um advogado português e seis documentos.
[4] Os autos foram com vista ao digno Magistrado do Ministério Público, que se pronunciou
no sentido de não se dar provimento ao requerimento apresentado pelos Requerentes.
II. – COMPETÊNCIA
[5] A aclaração do Acórdão foi requerida nos termos do previsto nos artigos 669.º e 666.º ,
n.º 1 e 3 do Código de Processo Civil, aplicáveis ao processo constitucional por força do art.º 2.º da
Lei n.º 03/08, de 17 de Junho, o qual estabelece que, proferida a decisão, não obstante esgotar o seu
181
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
poder jurisdicional, pode o Juiz esclarecer dúvidas que subsistam da sentença, bem como suprir
nulidades (n.º 3 do artigo 668.º CPC)
III. – LEGITIMIDADE
[6] Os Requerentes, enquanto Recorrentes nos autos, têm legitimidade para requerer a
aclaração do Acórdão e pedirem o suprimento de qualquer das nulidades enunciadas, nos termos
do disposto nas alíneas do n.º 1 do artigo 668.º do CPC.
IV. – OBJECTO
V. – FUNDAMENTAÇÃO
I – Considerações Prévias
[9] Ao suscitarem estas questões, os Requerentes parecem não ter dúvidas sobre o sentido
e o alcance da Acórdão do Tribunal Constitucional e o sentido dos fundamentos contidos na decisão.
De notar que os Requerentes não argúem qualquer nulidade do Acórdão - não é indicada nenhuma
das nulidades do artigo 668.º do CPC... limitando-se a insinuar que este Tribunal não conheceu
as nulidades de que, em seu entender, enfermaria a decisão recorrida do plenário (?) do Supremo
Tribunal Militar.
182
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
[10] Na verdade, os Requerentes não vêm arguir qualquer nulidade - nem indicaram o
artigo 668.° no seu pedido - mas tão somente requerer esclarecimentos no âmbito da alínea a) do
artigo 669.º do CPC. Ora este pedido, não tem como objecto a produção de qualquer rectificação ao
decidido. Qualquer reforma ou rectificação quanto ao decidido, excluída a matéria de custas (alínea
b) do artigo 669.º - só poderia ter como fundamento qualquer das nulidades das alíneas do n.º 1 do
artigo 668.º do CPC. Para isso seria preciso arguir, nomeadamente que o Tribunal Constitucional:
1. não tivesse especificado os fundamentos de facto e de direito que justificaram a sua decisão
(alínea b) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 668.º do CPC);
2. a sua decisão estivesse em oposição com os fundamentos nela expendidos (alínea c) do n.º 1 e
n.º 3 do artigo 668.º do CPC);
3. não se tivesse pronunciado sobre questão que devesse apreciar ou se pronunciasse sobre
alguma questão que não pudesse tomar conhecimento (alínea d) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 668.º
do CPC);
[11] Não tendo sido arguidas nenhuma destas nulidades - o que podia ter sido feito com
base no disposto n.º 3 do artigo 668.º do CPC, o objecto em apreciação deve limitar-se à verificação
da existência de alguma obscuridade ou ambiguidade eventualmente contida no Acórdão deste
Tribunal que tome ininteligível a decisão ou algum dos seus fundamentos.
[12] O regime de pedido de esclarecimento e reforma da decisão vem previsto no art.º 669.º
do CPC, aplicável ao Processo Constitucional, como se referiu, por força do art.º 2.º da Lei n.º 03/08,
de 17 de Junho.
[13] O pedido de aclaração não tem por propósito obter uma alteração da decisão proferida,
mas tão-somente a supressão de eventuais omissões, ambiguidades ou obscuridades que a decisão
possa conter. Com efeito, depois de proferida a decisão esgotam-se os poderes cognitivos do juiz da
causa, sem prejuízo de poder suprir erros materiais e prestar esclarecimentos que permitam definir
o alcance da sentença, assim como reforma-la quanto a custas.
[14] Como ficou expresso no Acórdão n.º 320/2014 deste Tribunal, O que não se pode permitir
é que o Requerente, não concordando com a decisão, pretenda, através do expediente jurídico de aclaração do
Acórdão, uma nova apreciação do litígio, uma vez que tal situação não se enquadra nem na letra nem no espírito
do supra mencionado artigo 669.º do CPC, constituindo antes, um comportamento processual abusivo por
parte do Requerente.
[15] Aqui chegados, cabe apreciar o requerimento dos Requerentes.
183
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
3. Violação do sigilo das comunicações dos arguidos para efeitos de obtenção de prova, por ordem
do ministério público;
184
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
da notificação de outra peça processual qualquer que cumpra o mesmo objectivo (imputação de
factos ao arguido). Isto é, não é apenas a peça processual formalmente designada “acusação” que
tem o condão de conter os factos imputados ao arguido e de permitir a sua contestação.
[22] O que realçou este Tribunal é que, face à lei processual aplicável aos Requerentes (e a
sustentação sobre esta matéria resulta igualmente clara no Acórdão n.º 336/2014), a Lei de Justiça
Penal Militar, os factos imputados ao arguido são-lhe notificados após fiscalização da acusação pelo
Juiz e se proferido despacho de pronúncia. É com a notificação desta peça (que imputa factos aos
arguidos) que os Requerentes podem exercer o seu direito do contraditório, antes do julgamento,
contestando os factos, suscitando questões e arrolando meios de prova. Portando, em momento ne-
nhum se afirmou que todo e qualquer contraditório dos Requerentes apenas poderia ser apresentado
nesta fase. Prova disso é o facto de, na decisão, se ter realçado a dialética contraditória ao longo do
julgamento. A discussão desta questão circunscreveu-se à fase anterior ao julgamento exactamente
porque os Requerentes assim o solicitaram.
[23] O que está em causa é saber se, com a ausência de notificação da acusação (não prevista
na Lei Penal Militar), os Requerentes ficaram impossibilitados de se defenderem contra os factos
que lhes foram imputados. E, como se viu, tal não aconteceu uma vez que os Requerentes depois
de notificados do despacho de pronúncia passaram a conhecer os factos que lhes eram imputados,
com a indicação expressa de que podiam, querendo, apresentar contestação a tais factos, suscitando
questões que entendessem relevantes e apresentando os respectivos meios de prova. Não o fizeram
por decisão própria, pelo que não podem afirmar, como vêm fazendo, que não tiveram oportunidade
de contestar os factos que lhes foram imputados, ou que desconheciam por completo os factos de
que vinham acusados. A inconstitucionalidade da Lei de Justiça Penal Militar existiria se, no âmbito
processual, aos arguidos não fosse possível defender-se dos factos antes do julgamento, o que, como
se viu, não é o caso.
[24] Coisa diferente é afirmar-se, como agora pretendem os Requerentes, que a Lei n.º
5/94, ao não prever notificação da acusação seria inconstitucional por contrariar o espírito da
CRA. Contudo, como também ficou destacado no Acórdão aqui em referência, se os Requerentes
pretendessem discutir uma tal matéria o processo próprio não seria o recurso extraordinário de
inconstitucionalidade, mas sim o recurso ordinário de constitucionalidade, previsto, entre outros,
nos artigos 36.º a 48.º da Lei do Processo Constitucional e que tem por objecto específico conhecer
os pedidos de verificação da constitucionalidade de normas aplicadas (ou “desaplicadas”) num
processo quando tal questão tenha sido suscitada no tribunal a quo.
[25] Considera-se pois aclarada a questão relacionada com a notificação (ou falta dela) da
acusação aos Requerentes, pois ficou patente que, no caso concreto, não resultou provada afronta de
qualquer princípio constitucional.
[26] Tendo os Requerentes sido notificados da pronúncia os seus direitos não foram preju-
dicados. Não é matéria de esclarecimento pois não existe qualquer obscuridade ou ambiguidade
que tome a decisão ou os seus fundamentos ininteligível.
185
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
[27] Acresce que a pergunta dos Requerentes reflectida no ponto 5 do relatório não reflecte
qualquer dúvida quanto ao decidido no acórdão. O que se pretende é pôr em causa os fundamentos
da decisão e estes foram bem entendidos pelos Requerentes. No que se refere ao dever legal de
notificação da acusação ao arguido no âmbito do processo penal militar, atento ao que se acaba de
sustentar, fica esta questão prejudicada.
[28] Já com relação à alegada violação do sigilo das comunicações dos arguidos para efeitos
de obtenção de prova, por ordem do ministério público, entende este Tribunal que a fundamentação
do Acórdão n.º 336/2014 é bastante elucidativa. De qualquer forma, esclarece-se que quando no
Acórdão é referenciado que a requisição dos registos telefónicos foi determinada por magistrado
do Ministério Público, este Tribunal tomou por referência o despacho do digno Procurador Geral
Adjunto da República e Procurador Adjunto das FAA de fls. 91 a 92 verso, o qual, depois de
aceitar a devolução de competência, ordenou a promoção de um conjunto de diligências, sendo a
requisição dos registos telefónicos uma delas. Com efeito, na alínea b) das diligências ordenadas,
aquele Magistrado expressamente solicita ...da Unitel e da Movicel os registos históricos das chamadas dos
seguintes arguidos e suspeitos, do período de 19 a 30 de Outubro do corrente ano: Joaquim Vieira Ribeiro, (...).
- 09/11/10
[29] Além do esclarecimento atrás feito, as alegações dos Requerentes sobre a inexistência
de disposição transitória na CRA que determina a continuação de competência do Ministério Público
para requerer provas sobre tais matérias, representa uma mera discordância com o posicionamento
deste Tribunal e não uma dúvida sobre a interpretação daquele posicionamento, pelo que fica
prejudicado o seu conhecimento, por não cair no âmbito do expediente em discussão.
[30] O mesmo se diga com relação à alegada falta de mandados de captura e sua exibição
aos arguidos, uma vez que, no seu requerimento, os Requerentes demonstram entender perfeitamente
o alcance da decisão, limitando-se a apresentar, de novo, a sua visão sobre o assunto, o que justifica
a razão da sua discordância em relação ao decidido.
[31] Por fim, no que se refere à questão da incomunicabilidade dos arguidos com os seus
familiares e defensores, não se entende qual a real pretensão dos Requerentes, uma vez que, por
um lado, nas suas alegações de recurso esta questão não foi tratada de forma autónoma e, em
consequência, o Acórdão n.º 336/2014 não se debruçou em específico sobre a matéria.
[32] O que foi apreciado e decidido foi a questão relacionada com a eventual violação do
princípio constitucional da legalidade em processo penal, na sequência do qual este Tribunal entendeu
que, no processo, não se demonstra ter havido coacção física e moral, nem ocorreu promoção de
qualquer processo contra essa alegada coacção física e moral. Na verdade, como se compreende, as
circunstâncias da incomunicabilidade dos arguidos com os seus familiares e defensores, apesar de
poder constituir violação do princípio geral da legalidade, são colaterais ou incidentais à matéria
objecto do processo penal em que se encontram envolvidos os Requerentes e devem ser alvo de
tratamento diferenciado, nomeadamente, através da promoção dos respectivos procedimentos legais
para a salvaguarda destes direitos dos arguidos. Este Tribunal não afirmou no seu Acórdão que
186
— RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE —
tais violações existiram ou não existiram. O que ficou dito é que, do processo, não resulta prova
das referidas violações nem quaisquer processos apensos que tivessem por objecto as matérias
relacionadas com tais violações. Assim, para os efeitos do que foi suscitado pelos Requerentes
(violação do princípio da legalidade), a outra conclusão não poderia chegar este Tribunal se não a
que consta do Acórdão em referência.
[33] Ficam assim esclarecidas as alegadas dúvidas que motivaram o requerimento de
aclaração promovido pelos Requerentes, mantendo-se o decidido nos seus precisos termos.
VI. – DECISÃO
1. Manter o acordão n.º 336/2014, nos seus precisos termos, considerando não haver
obscuridades ou ambiguidades que suporte esclarecer.
Notifique-se e publique-se.
187
RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL
CONSTITUCIONAL
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
SUMÁRIO
RECURSO PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DO DESPACHO
DE INDEFERIMENTO DO JUIZ CONSELHEIRO PRESIDENTE
191
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
192
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
DIPLOMAS CITADOS
Código Civil
Artigos 5.º, 7.º, 12.º
Código de Processo Civil
Artigo 26.º
Decreto-Lei n.o 16-A/95, de 15 de Dezembro
Artigos 57.ºn.º1, 57.ºn.º3
Lei n.º3/08 de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional
Artigo 2.º, 15.º
Lei n.º3/08, Lei dos Partidos Políticos
Artigo 5.ºn.º4
Lei n.º22/10 de 3 de Dezembro, Lei dos Partidos Políticos
Artigos 12.ºn.º2, 12.ºn.º3, 12.ºn.º4, 19.º, 19.ºn.º2
ACÓRDÃOS CITADOS
CONSIDERADOS:
Acórdão n.º234/2013 do Tribunal Constitucional
O que segue são os motivos da decisão e a decisão proferida pelos Juízes Conselheiros presentes no Plenário do
Tribunal Constitucional.
193
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
I. – RELATÓRIO
1. No dia 02 de Outubro de 2002 a Comissão Instaladora da UPA deu entrada de um pedido para
o seu credenciamento, ao abrigo do n.º 2 do artigo 12.º da Lei n.º 22/10 de 03 de Dezembro,
para facilitar os seus trabalhos de recolha de assinaturas e outras exigências legais:
2. No dia 25 de Outubro de 2013 o coordenador da referida Comissão foi notificado do despacho do
Venerando Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional, datado de 24 de Setembro
de 2013, que indeferiu o referido pedido de credenciamento;
3. O despacho proferido pelo Venerando Juiz Presidente do Tribunal Constitucional viola o
estipulado no n.º 3 do artigo 12.º da Lei dos Partidos Políticos que de forma imperativa impõe
ao Presidente do Tribunal Constitucional a obrigação de proferir a decisão no prazo de 30 dias.
4. Sendo o prazo fixado na lei peremptório, o não cumprimento deste pelo Venerando Juiz
Presidente do Tribunal Constitucional, dele só se pode tirar uma única conclusão: autorização
tácita.
5. O incumprimento dos prazos e as suas consequências legais não podem ser tirados a favor de
quem os viole. Não sendo necessário o credenciamento da Comissão Instaladora para que ela
trabalhe na constituição do partido e sendo este acto, uma faculdade, o silêncio do tribunal
na prática de um acto meramente administrativo deve, sem sombra de dúvidas ser concluído
como não havendo impedimento legal para o efeito;
6. O Tribunal embora afirme que a sigla UPA é a anterior sigla e denominação do partido FNLA,
compulsados os dados informativos sobre os partidos legalizados em Angola, não encontrará
nenhum partido que tenha sido inscrito ou credenciado com a sigla UPA;
194
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
7. O facto de a FNLA referenciar nos seus estatutos a UPA, esta sigla não se confunde com a
FNLA, pois, esta também tem na sua génese o PDA e em momento algum foi impedido de se
legalizar este partido;
8. Não pode ser verdade que a sigla UPA possa confundir um homem médio com a sigla FNLA,
tal como o PLDA nunca se confundiu com PLD e PSD não se confundia com com PSDA;
9. Salvo melhor entendimento, a UPA é um Partido ex-novo, porque não se está perante o ressur-
gimento de um partido pré-existente extinto ou de cuja inscrição tenha sido cancelada;
10. Quanto à divisa Uberdade e terra, não há nada na lei que a impeça, todavia ela é passível de
ser eliminada;
II. – COMPETÊNCIA
[4] De acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 12.º da Lei n.º 22/10 de 03 de Dezembro,
Lei dos Partidos Políticos, é o Plenário do Tribunal Constitucional competente para, em sede de
recurso, apreciar a decisão do Juiz Presidente que indefira o pedido de credenciamento da Comissão
Instaladora de Partido Político.
III. – LEGITIMIDADE
[5] Nos termos das disposições vertidas no artigo 26.º do CPC, aplicável subsidiariamente
por força do artigo 2.º da Lei n.º 3/08 - Lei do Processo Constitucional, a parte é legítima quando
tem interesse directo na questão suscitada, o que é o caso do Recorrente.
IV. – OBJECTO
[6] O presente recurso tem por objecto o Despacho do Juiz Presidente do Tribunal Cons-
titucional de 24 de Setembro de 2013, que indeferiu o pedido de credenciamento da Comissão
Instaladora do partido UPA. Deste modo, cabe ao Plenário apreciar os argumentos apresentados
pelo Recorrente para fundamentar a sua pretensão de ver revogado o despacho de indeferimento do
pedido de credenciamento proferido pelo Juiz Presidente do Tribunal Constitucional. Colhidos os
vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
195
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
V. – FUNDAMENTAÇÃO
I – Deferimento Tácito
[7] O Recorrente alega que o seu pedido apresentado a este Tribunal, foi objecto de deferi-
mento tácito visto que nos termos do n°3 do artigo 12.º da Lei dos Partidos Políticos, o Presidente
do Tribunal Constitucional dispõe de um prazo de 30 dias para se pronunciar sobre o pedido. Não
o tendo feito, na óptica do Recorrente, "do silêncio do Tribunal só se pode tirar uma única conclusão:
autorização tácita".
[8] É facto que o Recorrente apresentou o pedido inicial a 02/10/2012 e que a decisão a
respeito só foi tornada a 24/09/2013.
[9] Importa sobre tal facto esclarecer que à data da sua apresentação o pedido estava insufi-
cientemente instruído tendo o Recorrente sido notificado para completa-lo o que apenas se verificou a
04/03/2013. Além disso e pela complexidade do processo o Juiz Conselheiro Presidente, nos termos
previstos no n.º 4 do artigo 5.º da Lei 03/08, Lei dos Partidos Políticos considerou ser necessário
consultar previamente o Plenário acerca da decisão a proferir, o que foi feito em conformidade com
a agenda deste órgão máximo do Tribunal Constitucional. Acresce ainda que no mesmo período
corria termos e foi decidida uma providência cautelar cujo objecto era o supramencionado pedido do
Recorrente que, pela sua natureza urgente teve de ser decidida primeiro (vide acórdão n.º 234/2013).
[10] Sem prejuízo do que acima ficou dito como justificação do protelamento da decisão re-
querida, não se pode dessa demora inferir que se tenha verificado, nos termos da lei, um deferimento
tácito.
[11] Na verdade, ao contrário do que pretende o Recorrente o princípio estabelecido por
lei em casos de atraso ou silêncio de prolação da decisão requerida não é o de deferimento tácito,
pois estabelece taxativamente os números 1 e 3 do artigo 57.º do Decreto-Lei n.º 16-A/95 de 15 de
Dezembro que só se verifica deferimento tácito nos casos especialmente previstos na lei (como os
enunciados neste preceito legal) o que não é o caso ora em apreciação.
[12] Além disso tem-se em consideração que o Tribunal Constitucional é um órgão com
funções jurisdicionais pelo que as suas decisões, atrasos ou omissões não podem estar sujeitas ao
instituto do deferimento tácito porque a lei o não prevê e a sua natureza é incompatível com a da
função jurisdicional do Estado.
[13] De facto, compulsados os arquivos, não existe nenhum partido político inscrito ou
registado neste Tribunal com a sigla UPA. Porém, na interpretação do estabelecido no artigo 19° da
Lei dos Partidos Políticos é de considerar, não só o elemento literal, mas também outros elementos
de interpretação a fim de se extrair o seu verdadeiro significado. Nos termos do n.º 2 do artigo
196
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
19.º da Lei dos Partidos Políticos, a denominação dos Partidos Políticos deve distinguir-se claramente da
denominação sigla e dos símbolos dos Partidos Políticos já existentes.
[14] Ora, esta norma interpretada somente com recurso ao elemento literal, a conclusão é
de que efectivamente, a denominação UPA, não viola o princípio da novidade legalmente previsto.
Porém, recorrendo a outros elementos de interpretação, nomeadamente o elemento teleológico,
certamente o resultado é diferente, porquanto traduz a justificação social da norma e a razão de ser
da sua criação.
[15] Assim sendo, o princípio da novidade plasmado no artigo 19.º da Lei dos Partidos
Políticos, visa não só impedir que os partidos adoptem denominações siglas e outros símbolos
semelhantes, mas também, impedir qualquer comportamento susceptível de causar confusão ou
dúvidas por parte dos militantes e/ou eleitores. O que não é o caso, porquanto é consabido que a
UPA é expressamente referida nos Estatutos da FNLA, como elemento intrinsecamente relacionado à
sua génese, de tal modo que, o seu resgate por qualquer dissidência daquele partido, não pode deixar
de configurar uma forma subtil de tornear decisões já anteriormente tomadas por esse Tribunal, com
vista a pôr fim ao conflito entre militantes daquele partido histórico.
[16] É pois nesse sentido que os documentos analisados nos autos, observa-se claramente
que o Requerente pretende na realidade é fazer ressurgir a UPA, referida nos estatutos da FNLA e
agudizar ainda mais, o clima de instabilidade e de divisão vivenciado no seio deste partido e que
remonta ao longínquo ano de 2004.
[17] Noutra perspectiva, o pedido de inscrição da Comissão Instaladora do Partido UPA
seria de igual modo indeferida em virtude da mesma contrariar o disposto no artigo 19.º da Lei
dos Partidos Políticos, por ter feito uma cópia fiel dos Estatutos da FNLA, adoptado o mesmo
hino, ( Angola), a mesma marcha revolucionária (Angola Avante), e a bandeira ser susceptível de
confundir-se com a da FNLA, uma vez que apresenta as mesmas cores e sinais caracterizadores.
III – Conclusão
[18] Face ao exposto e não obstante o facto de não existir neste Tribunal registo ou inscrição
de partido político com a designação UPA, é de reiterar o despacho de indeferimento do Juiz
Presidente do Tribunal Constitucional, em virtude não só dos estatutos apresentarem premissas,
objectivos e outros elementos identificadores semelhantes, aos previstos nos Estatutos da FNLA,
partido inscrito neste Tribunal, mas, fundamentalmente, em virtude de a referida denominação que
pretendem adoptar estar intrinsecamente relacionada com a génese, a essência e a idiossincrasia do
Partido FNLA, estando referida ao longo dos seus Estatutos. Consequentemente a sua restauração
por outro partido político é susceptível de causar dúvidas ou confusão entre os militantes, tanto do
partido já existente, como do partido político que se pretende criar.
197
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
[19] Contudo, nos termos do que dispõe a Constituição e a lei, o Recorrente e os cidadãos
em geral, podem livremente constituir um partido político desde que observados os requisitos e
procedimentos legalmente estabelecidos.
VI. – DECISÃO
Notifique-se e publique-se.
198
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
SUMÁRIO
PEDIDO DE NULIDADE DO DESPACHO DE DESTITUIÇÃO DE FUNÇÕES PROFERIDO
PELO PRESIDENTE DO PARTIDO FNLA
199
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
despacho em questão foi proferido depois de os Secretários Nacionais terem sido exonerados.
Alega ainda que os Requerentes foram convocados para disciplina mas não compareceram.
Sustenta ainda que o despacho foi proferido em conformidade com os Estatutos e a Lei e que o
despacho foi uma medida preventiva por forma a salvaguardar os interesses do Partido. Pede
a este Tribunal para rejeitar o pedido dos Requerentes.
O Ministério Público julga que este Tribunal deve acolher o pedido dos Requerentes
Este Tribunal entende que, no caso em análise, tratando-se da suspensão dos membros
das actividades no seio do Partido, essa competência é exclusiva do Comité Central. Por
isso, o Presidente usurpou a competência do Comité Central. Por conseguinte, o despacho
impugnado viola normas internas do Partido visto que o Presidente não tinha competência
para o fazer. Contudo, no que concerne a destituição/exoneração dos Requerentes, o despacho
44/GP/12/12/11 refere a existência de proposta do Secretário-Geral, pelo que o Presidente ao
destituir/exonerar os Requerentes, da qualidade de secretários, exerceu adequadamente a sua
competência.
Decidido. Da provimento parcial ao pedido.
A Constituição impõe que a constituição e o funcionamento dos partidos políticos devem,
nos termos da lei, respeitar determinados fundamentos, nomeadamente, organização e funcio-
namento democráticos - artigo 17.º, n.º2, al. f). Já a Lei dos Partidos Políticos, no seu artigo 8.º,
estabelece os pressupostos para a materialização do princípio democrático a que os partidos
políticos estão sujeitos. Nos termos da alínea u) do artigo 26.ºdos estatutos da FNLA apenas o
Comité Central tem competência para mandatar o Bureau Político para promover inquéritos
sobre militantes acusados de actos previstos e puníveis nos termos dos Estatutos, Programa,
Regulamento de Organização e Funcionamento das Estruturas do Partido, Regulamento de
Disciplina do Militante, bem como da legislação em vigor no país. Portanto, só o Comité Central
tem competência para suspender de funções, no seio do partido, militantes culpados de actos
contrários aos estatutos e programa do partido.
Nos termos das alíneas m) e dd) do n.º9 do artigo 34.ºdos Estatutos, compete ao Presi-
dente do Partido a nomeação e exoneração dos secretários, sempre precedidas de proposta do
Secretário-Geral.
DIPLOMAS CITADOS
200
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
O que segue são os motivos da decisão e a decisão proferida pelos Juízes Conselheiros presentes no Plenário do
Tribunal Constitucional.
201
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
I. – RELATÓRIO
[1] João Nascimento Fernandes, Vicente Albino Paulo, José Boaventura, Augusto Ja-
cinto Paulo e Miguel Pinto, melhor identificados nos autos, vieram, com fundamento no art. 29.º da
Lei n.º 22/10 de 3 de Dezembro, Lei dos Partidos Políticos, impugnar e requerer a nulidade do despa-
cho n.º 48/GP/FNLA/12/12/04, proferido pelo Presidente do partido Frente Nacional de Libertação
de Angola (FNLA), com a consequente repristinação do estatuto partidário dos Requerentes.
[2] Os Requerentes alicerçaram a sua pretensão num conjunto de alegações, das quais se
destacam as seguintes:
1. Os Requerentes são membros efectivos do Bureau Político e do Comité Central da FNLA, eleitos
no 1.º Congresso Extraordinário de 08/07/2010;
2. No dia 30 de Outubro de 2012, os Requerentes foram verbalmente convocados pelo Presidente
da FNLA, para uma reunião no interior das instalações da sede nacional do partido;
3. No decurso da referida reunião, os Requerentes alertaram o Presidente do partido para os
atropelos constantes, consubstanciados no esvaziamento das competências do Secretário-Geral
do partido, mormente no que se refere à gestão administrativa e financeira, uma vez que os
carimbos e os cheques do partido se encontravam na residência do Presidente do partido;
4. Terminada essa reunião e passado mais de um mês, o Presidente do partido emitiu o despacho
n.º 48/GP/FNLA, datado de 4 de Dezembro de 2012, ora impugnado, o qual determinou
a destituição dos Requerentes de todas as funções que vinham exercendo no partido e a
suspensão da sua participação em todos e quaisquer órgãos do partido;
5. Surpreendentemente, o despacho impugnado apenas chegou ao conhecimento dos Requerentes
no final do mês de Fevereiro de 2013, a partir de terceiros, de forma verbal, não tendo os
Requerentes sido ouvidos em qualquer processo;
6. Na sequência do despacho impugnado, o Presidente do partido encerrou as portas dos gabinetes
de serviço dos Requerentes, privando-os de todos os seus haveres pessoais, facto que se mantém
até à presente data;
7. Entretanto, os Requerentes tomaram conhecimento da realização da primeira reunião ordinária
do ano 2013 do órgão Bureau Político, que se realizaria a 27 de Maio desse ano, no Hotel Sanza
Pombo, em Viana;
8. Os Requerentes solicitaram, por escrito, aos órgãos do partido, moimente ao seu Presidente,
autorização para participarem na reunião ordinária acima indicada, o que lhes fora negado;
202
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
9. O despacho do presidente da FNLA é nulo na medida em que foi proferido com base na
usurpação de competências próprias de outro órgão do partido, isto é o Comité Central;
10. Por outro lado, o despacho impugnado enferma de vício de forma, porquanto, nos termos dos
estatutos do partido, a instrução dos processos disciplinares é da competência da Secretaria
para o Controlo e Disciplina Partidária;
11. O Presidente do partido, através do despacho impugnado, aplicou a pena disciplinar, violando
não apenas o preceituado nas normas estatutárias do partido mas também o princípio do
contraditório em processo disciplinar;
[3] Recebido o requerimento pelo Presidente deste Tribunal, foi ordenada a citação do Re-
querido, presidente do Partido FNLA, para, querendo e no prazo de oito dias, apresentar contestação
(fls. 43).
[4] Devidamente citado, veio o Partido FNLA, através do seu Presidente, apresentar con-
testação, na qual, no essencial, esgrime os argumentos seguintes:
3. Os Requerentes foram todos regularmente convocados, pela Secretaria para Disciplina, para
serem ouvidos em declarações no âmbito da instrução preparatória do processo disciplinar e
não se fizeram presentes, dificultando pura e simplesmente esse procedimento;
203
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
6. No despacho impugnado, numa primeira análise parece ter havido alguma usurpação de
competências de um outro órgão (o Comité Central), sendo que essa aparência surge da
invocação do artigo 26.º dos Estatutos do Partido;
7. Porém, houve tão-somente um erro de escrita, porque, no mesmo despacho, também se invoca
o artigo 340 dos mesmos Estatutos, o qual atribui competência ao Presidente do partido para
suspender militantes das suas funções;
9. A comissão ad hoc de disciplina só foi criada depois da não comparência dos requerentes junto
da Secretaria Nacional para Controlo e Disciplina Partidária;
II. – COMPETÊNCIA
204
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
III. – LEGITIMIDADE
[8] Os requerentes são partes legítimas nos termos do artigo 26.º do CPC, aplicável por
remissão do artigo 2.º da Lei do Processo Constitucional. Na esteira da mesma regra, o Requerido
é igualmente parte legítima, por ter um interesse directo em contradizer, atento o prejuízo que da
procedência da presente acção lhe pode advir.
IV. – OBJECTO
V. – FUNDAMENTAÇÃO
[11] Tinha o Presidente do partido FNLA competência para proferir o despacho impug-
nado?
[12] Alegam os requerentes que, por despacho n.º 48/GP/FNLA/12/12/04, foram desti-
tuídos (exonerados) das funções que vinham exercendo (Secretários Nacionais) e suspensos de todos
os órgãos do partido. Este facto resulta provado (fls. 16 e 58 dos autos), sendo que o mesmo não é
contestado pelo Requerido.
[13] A questão que se coloca é a de saber se, nos termos dos estatutos e demais regulamentos
do partido o referido despacho é tido por legal e se foi proferido ao abrigo das competências do
Presidente do partido.
205
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
[14] Estabelece o artigo 11.º dos estatutos da FNLA, aprovados pelo Congresso do partido
a 7 de Julho de 2010 e arquivados neste Tribunal, que "Todo o militante que viole os Estatutos, que não
cumpre com as resoluções, os princípios e a disciplina da FNLA ou normas de conduta social, que abuse das
suas junções no Partido ou no Estado, que tenham um comportamento indigno que desprestigie o Partido, será
sujeito às sanções disciplinares" - n.º 1, sendo que A instrução dos processos disciplinares é da competência
da Secretaria para Controle e Disciplina Partidária - n.º 4. A competência para a aplicação das penas, previstas
no Regulamento de Disciplina do Militante é atribuída à Comissão ad hoc de Disciplina - n.º 5.
[15] Contudo, nos termos da alínea u) do artigo 26.º dos estatutos da FNLA apenas o
Comité Central tem competência mandatar o Bureau Político para promover inquéritos sobre mili-
tantes acusados de actos previstos e puníveis nos termos dos Estatutos, Programa, Regulamento de
Organização e Funcionamento das Estruturas do Partido, Regulamento de Disciplina do Militante,
bem como da legislação em vigor no país.
[16] A competência para suspender de funções, no seio do partido, militante culpado de
actos contrários aos estatutos e programa do partido pertence, nos termos dos mesmos diplomas, ao
Comité Central.
[17] Por sua vez o Regulamento de Disciplina do Militante prevê no seu artigo 4.º , a título
de medidas disciplinares: a) Admoestação simples; b) Admoestação registada; c) Suspensão; d)
Destituição; e) Expulsão.
[18] Face ao emaranhado de disposições estatutárias e regulamentares respeitante à questão
da disciplina partidária do partido FNLA, impõe-se determinar a aplicação das referidas regras ao
caso concreto.
[19] Desde logo, parece óbvio que os militantes do partido em Congresso quiseram garantir
que qualquer medida disciplinar que fosse tomada contra um militante devia estar sujeita a um
processo próprio, com a separação dos respectivos órgãos intervenientes no processo. Ou seja, para
os militantes, tratando-se de facto susceptível de aplicação de medidas disciplinares, o órgão instrutor
do processo e o órgão aplicador da medida (com a especificidade no que se refere à suspensão de
funções no seio do partido) devem ser diferentes. Desta sorte, havendo indícios de ocorrência de
um ilícito disciplinar, deve a Secretaria para Controlo e Disciplina Partidária instruir o respectivo
processo e remeter à Comissão Ad-Hoc de Disciplina para efeitos de aplicação da medida disciplinar,
sendo que, tratando-se de suspensão das actividades no seio do partido, essa competência é exclusiva
do Comité Central.
[20] Ora, convém realçar que a Constituição da República de Angola (CRA) impõe que a
constituição e o funcionamento dos partidos políticos devem, nos termos da lei, respeitar determi-
nados fundamentos, nomeadamente, organização e funcionamento democráticos - artigo 17.º , n.º 2, al.
f).
[21] Por seu tumo, a Lei dos Partidos Políticos estabelece os pressupostos para a materiali-
zação do princípio democrático a que os partidos políticos estão sujeitos. - vide artigo 8.º daquele
diploma legal.
206
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
[22] Com o quadro acima traçado, quiseram os legisladores, quer o constitucional quer o
ordinário, que a vida partidária obedecesse a um conjunto de regras básicas de um Estado de Direito
Democrático, garantindo nomeadamente que nenhum militante de um partido fosse submetido a
tratamentos violadores dos direitos, liberdades e garantias conferidos a todos os cidadãos.
[23] E o conjunto de normas internas já referidas, aprovadas pelo Congresso da FNLA
garante esse conjunto de regras básicas, impondo separação de poderes entre os diversos órgãos do
partido e, no que à disciplina partidária diz respeito, diferentes níveis de intervenção e competência.
[24] Aqui chegados, podemos afirmar que o despacho impugnado viola normas internas
do partido, uma vez que o órgão que proferiu não tinha competência estatutária para o efeito, pelo
menos na extensão em que o fez.
[25] Os Estatutos da FNLA dão competência ao seu Presidente para exonerar e/ou destituir
secretários Nacionais do Partido?
[26] Embora os vários diplomas da FNLA que regulam esta matéria não sejam claros e
unívocos, o facto é que nos termos das alíneas alíneas m) e dd) do n.º 9 do artigo 34.º dos Estatutos,
compete ao Presidente do Partido a nomeação e exoneração dos secretários, sempre precedidas de
proposta do Secretário-Geral. Contudo apesar desta exigência e porque o Despacho 44/GP/12/12/11
refere a existência de proposta do Secretário-Geral, admitimos que o Presidente ao destituir/exonerar
os requerentes, da qualidade de secretários, exerceu adequadamente a sua competência.
[27] Assim, admite-se também que teria competência para a suspensão preventiva dos
requerentes das funções de secretários.
[28] Os Estatutos da FNLA dão competência ao seu Presidente para suspender militantes
do Partido do exercício da militância e de funções nos órgãos do Partido para que tenham sido eleitos
em congresso?
[29] Os requerentes são militantes do partido e foram eleitos em congresso para membros
do Comité Central e do Bureau Político da FNLA.
[30] Assim, parece claro que o Presidente do Partido não tem competência para lhes retirar
essas qualidades, impedindo-os de tomar parte das reuniões desses órgãos. Por outro lado, pelos
fundamentos apontados pelo Presidente (terem conspirado contra a unidade e o funcionamento normal do
Partido e contra o seu Presidente... ) ou quaisquer outros, não tem este competência para suspender os
requerentes de participar nos órgãos do partido.
[31] Está claro que a competência para suspender militantes de actividades no seio do
partido está reservada ao Comité Central, nos termos dos artigos 26.º , n.º 3, al. t) dos Estatutos e 26.º
, n.º 7 do Regulamento de Organização e Funcionamento das Estruturas do Partido.
[32] Assim, por tudo aquilo que se vem de dizer, conclui-se que, ao proferir o despacho
impugnado, na parte respeitante à suspensão dos requerentes da sua quaüdade de membros do
Comité Central e do Bureau Político, o Requerido usurpou poderes de outro órgão do partido
(Comité Central), estando por isso o seu acto eivado do vício de nulidade. Realce-se que, para os
207
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
efeitos aqui em causa, a suspensão, ainda que preventiva, sempre seria da competência do Comité
Central.
[33] Assim, pode concluir-se que não foram observadas, à luz dos Estatutos do partido
FNLA, do respectivo Regulamento de Organização e Funcionamento das Estruturas do Partido e
do Regulamento de Disciplina do Militante e das leis em vigor no país, (CRA e Lei dos Partidos
Políticos) as formalidades prévias para o afastamento dos requerentes das actividades inerentes aos
cargos para que foram eleitos em congresso.
[34] Desta forma, por efeito da declaração de nulidade parcial do Despacho impugnado,
podem os requerentes, querendo, retomar as suas actividades de membros do Comité Central e do
Bureau Político da FNLA.
VI. – DECISÃO
Notifique-se e publique-se.
208
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
SUMÁRIO
RECURSO PARA O PLENÁRIO CONTRA O ACÓRDÃO N.º 311/2013 PROFERIDO PELO
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
209
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
DIPLOMAS CITADOS
ACÓRDÃOS CITADOS
CONSIDERADOS:
Acórdão n.º311/2013 do Tribunal Constitucional
O que segue são os motivos da decisão e a decisão proferida pelos Juízes Conselheiros presentes no Plenário do
Tribunal Constitucional.
210
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
I. – RELATÓRIO
[1] O Partido Político Movimento de Defesa dos Interesses de Angola - Partido de Consciên-
cia Nacional - MDIA-PCN, notificado do acórdão n.º 311/2013, proferido pelo Tribunal Constitucional
no âmbito do processo n.º 386-A/2013, que declarou a sua extinção, vem em autos de Recurso para o
Plenário do Tribunal Constitucional recorrer daquela, invocando em síntese, os seguintes fundamen-
tos:
2. Em 2008 aquando da notificação dos acórdãos de extinção dos partidos Políticos que compu-
nham a AD - Coligação, nomeadamente UDA, PAL, PNEA e CNDA, o Partido MDIA- PCN
estando presente não foi extinto por razões históricas deste Partido;
3. Ao acontecer o que se pode chamar de fechar os olhos deixando um partido político a desenvolver
actividade política nacional activa, durante duas legislaturas, tranquilizou o MDIA-PCN
convencido de estar numa situação regular;
4. Nas eleições de 1992 e 2008 estabelecia a Lei Constitucional pleitos eleitorais divididos em dois
momentos, legislativas e presidenciais. A aprovação da Constituição em 2010, trouxe consigo
novas e mais enriquecidas normas jurídicas, tais como o artigo 109.º e 143.º da CRA;
5. Em 2012 o MDIA-PCN não participou nas eleições gerais por questões processuais levantadas
pelo Tribunal Constitucional.
[2] Termina as suas alegações pedindo que não se lhe deve vedar o direito de exercer a sua
actividade político-partidária até à nova legislatura de 2017.
II. – COMPETÊNCIA
[3] Nos termos das disposições combinadas da alínea j) do artigo 3.º , da Lei n° 3/08 de
17 de Junho - Lei do Processo Constitucional (LPC) e da alínea i) in fine do artigo 16.º , da Lei n.º
2/08 de 17 de Junho - Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), com a redacção dada pelo
artigo 2.º da Lei n.º 24/10, de 3 de Dezembro, conjugados com o artigo 33.º da Lei 22/10, de 3 de
Dezembro - Lei dos Partidos Políticos, o Tribunal Constitucional é competente para apreciar e julgar
em primeira instância e na fase de recurso, as acções de extinção de partidos políticos.
211
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
III. – LEGITIMIDADE
[4] A legitimidade processual activa é aferida em função do interesse que a parte tem em
demandar. Ora, o Recorrente, MDIA-PCN, foi extinto pelo Acórdão 311/2013, proferido no âmbito
do processo n.º 386-A/2013, resultando daí o interesse directo em demandar e, consequentemente, a
sua legitimidade no caso subjudice.
IV. – OBJECTO
V. – FUNDAMENTAÇÃO
[6] Alega o Recorrente que as normas jurídicas de 1992 a 2008 bem como a anterior lei dos
Partidos Políticos (Lei n.º 2/05 de 1 de Julho) foram revogadas pela Constituição de 2010 e pela actual
Lei dos Partidos Políticos (Lei n.º 22/10 de 3 de Dezembro). Daí que não se lhe deve aplicar o regime
de extinção previsto na anterior lei, (Lei 2/05 de 1 de Julho) por não ter alcançado a percentagem
mínima do total de votos expressos.
[7] Ora, essa regra não é nova, na medida em que constava já da Lei n.º 2/05 de 1 de Julho -
Lei dos Partidos Políticos ora revogada, com o propósito de impedir a existência de Partidos Políticos
sem uma intervenção activa na vida política do país, e sem uma participação regularem pleitos
eleitorais nos termos da Lei.
[8] Não se pode afirmar nem reconhecer, como pretende o Recorrente que a aprovação
da CRA e da nova Lei dos Partidos Políticos lhe tenham conferido um direito ou uma expectativa
legítima de afastamento da aplicação do que vem estabelecido na lei quanto a extinção de Partidos
que não obtiveram percentagem mínima de 0,5 porcento dos votos expressos.
[9] Efectivamente tanto a CRA com a nova Lei dos Partidos Políticos não fizeram prescrever
o facto gerador da extinção (percentagem mínima de votos) nem o amnistiaram.
[10] Noutra vertente dispõe a alínea i) do n.º 3 do artigo 33.º da Lei dos Partidos Políticos,
que a extinção de um partido político funda-se objectivamente, de entre as várias circunstâncias, no
facto de, tendo concorrido às eleições não alcance o limite mínimo de 0,5 porcento do total dos votos
válidos expressos nas umas.
212
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
[11] Foi com base desta disposição legal que o Tribunal Constitucional apreciou objectiva-
mente a presente acção e não em quaisquer considerações subjectivas, mormente concernentes à
antiguidade, representatividade, dimensão ou importância histórica do partido em questão.
[12] Neste sentido, não procede o argumento aduzido pelo Requerente segundo o qual o
Partido Politico MDIA-PCN não foi extinto com os demais partidos integrantes da AD-Coligação por
ser um partido histórico no contexto político angolano. O facto de não ter havido pronunciamento
deste Tribunal no sentido da extinção do partido Recorrente em 2008, não se de a displicência do
Tribunal Constitucional pois que a este a lei não atribui iniciativa processual só se devendo pronunciar
sobre processos que tenham sido intentados por quem tenha legitimidade.
[13] Assim, tendo reapreciado o Acórdão n.º 311/2013, o Plenário concluiu não existirem
fundamentos em sentido diverso, capazes de sustentar a pretensão do Requente, devendo a decisão
recorrida ser confirmada e, em consequência, indeferido o pedido.
VI. – DECISÃO
Notifique-se e publique-se.
213
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
SUMÁRIO
RECURSO PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL CONTRA O DES-
PACHO DE INDEFERIMENTO DO JUIZ CONSELHEIRO PRESIDENTE
215
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
DIPLOMAS CITADOS
O que segue são os motivos da decisão e a decisão proferida pelos Juízes Conselheiros presentes no Plenário do
Tribunal Constitucional.
216
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
I. – RELATÓRIO
[1] JOSÉ AGOSTINHO ÁLVARO PINTO, com demais sinalética nos autos, veio a este Tri-
bunal interpor recurso para o Plenário por não se ter conformado com o despacho do Juiz Presidente
em exercício no sentido de não admissão do recurso extraordinário de inconstitucionalidade que
interpusera em Janeiro de 2013 (autuado como Processo n.º 312-C/2013, apenso).
[2] A 22 de Novembro de 2011 havia sido condenado, em primeira instância, na pena de
três anos de prisão maior, no âmbito do Processo n.º 3 098/10-A, na Ia Secção da Sala dos Crimes
Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, por um Crime de Burla por Defraudação (fl. 34 do Proc.
n.º 312/C-2013).
[3] Desta decisão, interpuseram recurso, para o Venerando Tribunal Supremo, o Ministério
Público, por dever hierárquico, e o Réu, ora Recorrente, por não se ter conformado com a decisão
recorrida (fl. 37 do Proc. n.º 312/C-2013).
[4] Nas alegações de recurso, o Réu, pediu, em conclusão, que o Venerando Tribunal
Supremo declarasse nula a decisão da primeira instância, já que o Recorrente não havia sido notificado
da acusação proferida pelo Ministério Público e que fosse restituído à liberdade em consequência dos
vícios de procedimento na preparação e efectivação do julgamento (fl. 37 do Proc. n.º 312/C-2013).
[5] O Digníssimo Magistrado do Ministério Público junto ao Venerando Tribunal Supremo,
ao ter vista dos autos, emitiu o parecer de que o artigo do Código Penal que fundamentara a pena
mostrava-se indevidamente aplicado, pelo que a sanção resultava demasiado branda (fl. 37 do Proc.
n.º 312/C- 2013).
[6] Em acórdão datado de 18 de Dezembro de 2012, o Venerando Tribunal Supremo revogou
a decisão recorrida e condenou o Réu na pena de seis anos de prisão maior (fl. 41 do Proc. n.º 312/C-
2013).
[7] Aos 25 de Janeiro de 2013, o Recorrente interpôs no Gabinete do Juiz Presidente do
Tribunal Constitucional um recurso extraordinário de inconstitucionalidade, com alegações anexas,
que foi autuado pela Secretaria Judicial a 29 de Janeiro de 2013 (fl. 2 do Proc. n.º 312/C-2013).
[8] Aos 27 de Fevereiro de 2013, o Juiz Presidente deste Tribunal exarou um despacho
para que o Recorrente apresentasse a cópia da sua notificação do acórdão proferido pelo Tribunal
Supremo, no prazo de cinco dias (fl. 51 do Proc. n.º 312/C-2013). O representante do Recorrente foi
notificado deste despacho a 05 de Março de 2013 (fiLs. 52 e 53 do Proc. n.º 312/C-2013).
[9] Aos 7 de Março de 2013, o Recorrente veio dizer que ainda procurava pela certidão da
notificação e juntou duas fotocópias de um documento extraído de um processo que correra trâmites
no Venerando Tribunal Supremo (fls. 54 a 57 do Proc. n.º 312/C-2013).
[10] Aos 13 de Março de 2013, o Juiz Presidente em exercício deste Tribunal exarou um
despacho de rejeição do requerimento de interposição do recurso, nos termos do artigo 8.º , n.º 1,
217
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
al. c) da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, “Lei do Processo Constitucional”, por não suprimento das
deficiências apresentadas, em virtude de o Recorrente não ter cumprido com o teor do despacho
de fl. 51, não ter respeitado o disposto nos artigos 174.º e 175.º do Código de Processo Civil e ter
juntado documentos extraídos de um processo judicial (fls. 58 e 59 do Proc. n.º 312/C-2013).
[11] O representante do Recorrente foi notificado deste despacho a 15 de Março de 2013
(fls. 60 e 61 do Proc. n.º 312/C-2013).
[12] Aos 18 de Março de 2013, o Recorrente apresentou uma exposição em que diz essenci-
almente que solicitara em tempo uma certidão da notificação do acórdão ao Cartório da Ia Secção da
Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda e que até àquela altura não lhe tinha
sido facultado tal documento. Juntou cópia de uma solicitação que comprova as suas declarações,
que tinha a data de 6 de Março de 2013 e uma segunda via da mesma solicitação, com data de 18 de
Março de 2013. (fls. 62 a 66 do Proc. n.º 312/C-2013).
[13] Aos 9 de Maio de 2013, o Recorrente apresentou o que disse ser a “certidão da noti-
ficação do acórdão” passada pelo Cartório da Ia Secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal
Provincial de Luanda e juntou quatro documentos a acompanhar a referida “certidão”, embora tenha
dito a fl. 68 que eram 22 documentos, (fls. 68 a 90 do Proc. n.º 312/C-2013).
[14] O último dos quatro documentos é, por fim, aquele que se lhe pedia desde a primeira
altura da interposição do Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade: a cópia da notificação do
Acórdão do Tribunal Supremo, em que se vê que esta tinha ocorrido a 22 de Janeiro de 2013 (fl. 90
do Proc. n.º 312/C-2013).
[15] A 10 de Maio de 2013 o Juiz Presidente em Exercício deste Tribunal exarou um despacho
no sentido de manutenção do anterior despacho de rejeição do requerimento de interposição do
recurso, por ter o anterior transitado em julgado e não ter havido recurso, (fl. 91 do Proc. n.º 312/C-
2013).
[16] Aos 25 de Junho de 2013, o representante do Recorrente foi notificado deste último
despacho (fls. 92 e 93 do Proc. n.º 312/C-2013).
[17] Aos 01 de Julho de 2013, o Recorrente apresentou o já referido recurso para o Plenário
do Tribunal Constitucional (fl. 2 do presente processo).
[18] Aos 02 de Julho de 2013, o Juiz Presidente deste Tribunal Constitucional exarou
despacho de admissão do recurso para o Plenário (fl. 3).
II. – COMPETÊNCIA
[19] O Tribunal Constitucional é competente para apreciar o presente recurso, o que resulta
do disposto no n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional.
218
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
III. – LEGITIMIDADE
IV. – OBJECTO
[21] O objecto de apreciação é o conteúdo dos despachos exarados pelo Juiz Presidente em
Exercício deste Tribunal a fls. 58 a 61, aos 13 de Março, e a fls. 91 a 93, aos 10 de Maio, em que se
fundamenta a rejeição da admissibilidade do recurso extraordinário de inconstitucionalidade em
causa. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
V. – FUNDAMENTAÇÃO
219
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
1. O Recorrente está preso, pelo que está em causa a sua liberdade individual, o seu direito fun-
damental de ir, vir e permanecer onde lhe aprouver desde que não ofenda bens juridicamente
tutelados;
2. Foi informando este Tribunal dos esforços que ia encetando para obter a certidão dos acórdãos
capazes de esclarecer a sua pretensão;
3. Provou que só deles tomou posse após a decisão do Juiz Presidente em exercício;
[29] O Plenário considera que a decisão de não admissão do recurso fora bem tomada à
luz dos dados disponíveis na altura.
[30] Porém, levando em consideração os factos arrolados supervenientemente ao processo,
em conjugação com a natureza de protecção de direitos fundamentais de que se reveste a acção, o
Plenário decide revogar a decisão de não admissão do recurso.
VI. – DECISÃO
Notifique-se e publique-se.
220
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
SUMÁRIO
RECURSO PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL CONTRA DESPA-
CHO DE NÃO ADMISSÃO PROFERIDO PELO JUIZ CONSELHEIRO PRESIDENTE
221
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
Este Tribunal entende que o Juiz a quo não observou o prazo de cinco dias para proferir a
decisão de admissão ou rejeição do Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade. Por outro
lado, no caso em análise, o Recorrente interpôs o Recurso Extraordinário de Inconstitucionali-
dade a 16/07/2012 quando estava ainda pendente de admissão o Recurso de “apelação”por
si interposto no Tribunal Provincial de Cabinda a 09/07/2012. O Recurso Extraordinário de
Inconstitucionalidade foi interposto antes do esgotamento prévio dos Recursos ordinários
cabíveis.
Decidido. Nega provimento ao recurso.
A lei estabelece que o prazo para o Juiz a quo proferir decisão de admissão ou rejeição do
referido Recurso é de cinco dias, artigo 42.º, n.º2 da LPC, artigo 52.º, n.º1 também da LPC.
A não prolação da decisão, seja no sentido da admissão, seja no sentido da rejeição de
um Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade, dentro do prazo legalmente estabelecido,
sem que haja uma justificação aceitável para tal inacção, constitui de facto um comportamento
que consubstancia uma retenção do recurso.
Dispõe o parágrafo único do artigo 49.ºda Lei n.º3/08, de 17 de Junho - Lei do Processo
Constitucional, que só pode interpor-se recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade depois
de se esgotar previamente nos Tribunais Comuns os Recursos ordinários legalmente previstos.
Relativamente ao pedido de afastamento do princípio do prévio esgotamento de recursos,
citamos MAURO CAPPELLETTI (in Judicial Review in the Contemporary World, Indianapolis:
The Bobbs - Merrill Company, 1971, apud ANDRÉ RAMOS TAVARES, in Justiça Constitucional
e suas fundamentais funções - Brasília a. 43, n.º171 jul/set 2006, pág. 31): A interpretação
efectuada pelos tribunais constitucionais apresenta seus limites, para além dos quais extravasa
da legitimidade constitucional. Os limites processuais fazem parte da própria essência do
processo que deve ser trilhado por um Tribunal Constitucional. Só partindo deste princípio
poderemos ter um Tribunal Constitucional a julgar de forma previsível, de maneira a garantir
um processo objectivamente justo, em que se salvaguarde a certeza e a segurança jurídica dos
cidadãos.
Não pode legitimamente afastar-se de aplicação de determinada lei processual pelo sim-
ples facto dela ser infra-constitucional. As leis em geral, incluindo as processuais só podem ser
afastadas de aplicação, pelo Tribunal Constitucional ou qualquer outro Tribunal se forem con-
sideradas inconstitucionais por ofensa a princípios ou valores constitucionalmente tutelados.
Não é apenas o Tribunal Constitucional que tem poderes para dicere da justiça consti-
tucional. Todos os tribunais devem preocupar-se com a constitucionalidade das normas que
usam e dos actos que julgam, o que se constitui num reforço da tutela jurisdicional efectiva,
permitindo que vários tribunais afiram da constitucionalidade da matéria antes desta chegar
ao Tribunal Constitucional.
222
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
DIPLOMAS CITADOS
DOUTRINA CITADA:
CAPPELLETTI, Mauro. Judicial Review in Contemporary World, Indianapolis. The Bobbs Merrill Company,
1971 (apud TAVARES, André Ramos. Justiça Constitucional e suas Fundamentais Funcões. Brasília a. 43,
n.º171, Jul/Set 2006). Pág. 31
O que segue são os motivos da decisão e a decisão proferida pelos Juízes Conselheiros presentes no Plenário do
Tribunal Constitucional.
223
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
I. – RELATÓRIO
[1] MENG - ENGENHARIA E GESTÃO INTEGRADA, LDA., com demais sinalética nos
autos, veio a este Tribunal nos termos do n.º 3.º do artigo 5.º e do n.º 2.º do artigo 8.º ambos da Lei n.º
3/08, de 17 de Junho - Lei do Processo Constitucional, apresentar Recurso em virtude do Despacho de
Não Admissão de Requerimento proferido pelo Venerando Juiz Presidente deste Tribunal, constante
a fls. 14 e 15 quanto à sua anterior reclamação contra a retenção material, orgânica e formalmente
inconstitucional pelo Tribunal Provincial de Cabinda do competente recurso para acesso à justiça.
[2] A Recorrente interpôs um Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade no Tribunal
Provincial de Cabinda e este não lhe deu vazão. Na sequência, veio ao Tribunal Constitucional
reclamar contra essa retenção e o Juiz Presidente exarou um Despacho de Indeferimento Liminar.
[3] O Despacho de Indeferimento Liminar está fundado no facto de:
3. O recurso extraordinário de inconstitucionalidade ter sido interposto sem que se tivesse obser-
vado o cumprimento da regra do esgotamento dos recursos ordinários da jurisdição comum, em
contradição com o disposto no parágrafo único do artigo 49.° da Lei do Processo Constitucional.
224
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
4. Quer o Tribunal Provincial de Cabinda, quer o Tribunal Supremo estão desprovidos de compe-
tência para conhecer e decidir em recurso as questões relativas à matéria de natureza jurídico-
constitucional, senão só e somente o Tribunal Constitucional, de harmonia com os termos de
aplicação combinada do disposto no n.º 1 e nas alíneas a) e d), do n.º 2 do artigo 180.º da CRA.
4. Ordene a remessa pelo Tribunal Provincial de Cabinda a este Tribunal Constitucional dos autos
do Processo n.º 0179-C/2011, por efeitos dos termos do artigo 44.º e do disposto no artigo 52.º
da Lei do Processo Constitucional.
5. Consulte as peças processuais e os actos do Tribunal da causa nos autos do Processo n.º 0179-
C/2011, para aferir das provas no que se refere à matéria jurídico-constitucional de que este
Tribunal é competente.
II. – COMPETÊNCIA
225
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
III. – LEGITIMIDADE
[7] Para o caso, a legitimidade é formalmente reconhecida pelo n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º
3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional que dispõe que o recurso deve ser interposto
pelo requerente ou interessado. Tendo sido a actual Recorrente a apresentar a reclamação de cujo
despacho vem agora recorrer, está encontrada a sua legitimidade para fazê-lo. O recurso foi interposto
dentro do prazo legalmente previsto.
IV. – OBJECTO
[8] O objecto de que se trata é o Despacho do Juiz Presidente deste Tribunal que indefere a
Reclamação da Recorrente.
[9] Vai, assim, o Plenário apreciar se:
V. – FUNDAMENTAÇÃO
226
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
[14] Ainda analisando o conteúdo dos anexos à reclamação, inferimos que na génese está
uma providência cautelar não especificada intentada pelo Banco de Poupança e Crédito - BPC -
contra o ora reclamante, tendo a providência sido atendida pelo Tribunal, pois a 9 de Julho de 2012,
o ora reclamante interpôs um recurso de apelação, admitido pelo Meritíssimo Juiz, mas não foram
apresentadas as devidas alegações no prazo legal, pelo que esse recurso foi julgado deserto.
[15] Como acima dito (1.3), o Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade foi interposto
à 16/07/2012 (fls. 7 dos autos), e quase um ano depois, quando a Recorrente veio ao Tribunal
Constitucional apresentar a sua Reclamação à 22/07/2013 (fls. 2 dos autos) tudo indica que o juiz a
quo não havia ainda proferido decisão a respeito.
[16] A lei estabelece que o prazo para o Juiz a quo proferir decisão de admissão ou rejeição
do referido Recurso é de cinco dias, cff. o artigo 42.º , n.º 2 da LPC, exvio artigo 52.º , n.º 1 também
da LPC, o que não foi respeitado.
[17] No caso em apreço não foi observado o acabado de referir.
[18] É entendimento do Tribunal Constitucional que a não prolação da decisão, seja no
sentido da admissão, seja no sentido da rejeição de um recurso extraordinário de inconstituciona-
lidade, dentro do prazo legalmente estabelecido, sem que haja uma justificação aceitável para tal
inacção, constitui de facto um comportamento que consubstancia uma retenção do recurso.
[19] Dispõe o parágrafo único do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho - Lei do Processo
Constitucional, que só pode interpor-se recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade depois de
se esgotar previamente nos Tribunais Comuns os Recursos ordinários legalmente previstos.
[20] No caso em análise a Recorrente interpôs o recurso extraordinário (16/07/2012)
quando estava ainda pendente de admissão o Recurso de apelação por si interposto no Tribunal
Provincial de Cabinda a 09/07/2012 (fls. 8 dos autos).
[21] Isto é: o Recurso extraordinário de Inconstitucionalidade foi interposto antes do
esgotamento prévio dos Recursos ordinários cabíveis. Por outras palavras, não estavam nem estão
reunidos os requisitos legais necessários para a admissão desse Recurso.
[22] Relativamente ao pedido de afastamento do princípio do prévio esgotamento de
recursos, citamos MAURO CAPPELLETTI (in Judicial Review in the Contemporary World, Indianapolis:
The Bobbs - Merrill Company, 1971, apud ANDRÉ RAMOS TAVARES, in Justiça Constitucional e
suas fundamentais funções - Brasília a. 43, n.º 171 jul/set 2006, pág. 31): A interpretação efectuada pelos
tribunais constitucionais apresenta seus limites, para além dos quais extravasa da legitimidade constitucional.
Os limites processuais fazem parte da própria essência do processo que deve ser trilhado por um Tribunal
Constitucional.
227
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
[23] Não é por acaso que a Lei Orgânica do Tribunal Constitucional em Angola foi apro-
vada quase simultaneamente com a Lei de Processo Constitucional, por se entender que não há
desempenho de função jurisdicional que não se baseie num processo, o que também é válido para as
questões constitucionais.
[24] Só partindo deste princípio poderemos ter um Tribunal Constitucional a julgar de
forma previsível, de maneira a garantir um processo objectivamente justo, em que se salvaguarde a
certeza e a segurança jurídica dos cidadãos.
[25] Assim, não há incompatibilidade com o princípio de aplicação directa das normas
constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias constitucionais e sua vinculação a
todas as entidades públicas e privadas (n.º 1 do artigo 28.º da CRA). No caso de alguém ver (ou se
encontrar na iminência de ver) ofendido um seu direito, liberdade ou garantia constitucional, deve
recorrer a quem de direito ainda que não haja leis infra- constitucionais a regular o acesso ao direito,
liberdade ou garantia constitucional em causa; no entanto, não pode deixar de observar as regras
processuais em vigor. O artigo 72.º da CRA reconhece o direito de todo o cidadão a julgamento justo,
célere e, enfatizemos, conforme a lei.
[26] Não pode legitimamente afastar-se de aplicação de determinada lei processual pelo
simples facto dela ser infra-constitucional. As leis em geral, incluindo as processuais só podem ser
afastadas de aplicação, pelo Tribunal Constitucional ou qualquer outro Tribunal se forem considera-
das inconstitucionais por ofensa a princípios ou valores constitucionalmente tutelados.
[27] Também não assiste razão à Recorrente quando alega que somente o Tribunal Constitu-
cional pode conhecer de matérias referentes à constitucionalidade. Com efeito, em Angola, o controle
da constitucionalidade dos actos dos poderes públicos é misto: concentrado e difuso. Não é apenas
o Tribunal Constitucional que tem poderes para dicere da justiça constitucional. Todos os tribunais
devem preocupar-se com a constitucionalidade das normas que usam e dos actos que julgam, o que
se constitui num reforço da tutela jurisdicional efectiva, permitindo que vários tribunais afiram da
constitucionalidade da matéria antes desta chegar ao Tribunal Constitucional.
228
— RECURSOS PARA O PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL —
VI. – DECISÃO
1. Negar provimento ao recurso nos termos do parágrafo único do artigo 49.º da Lei 3/08,
de 17 de Junho - Lei do Processo Constitucional.
Com custas para a Recorrente - artigo 15.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho.
Notifique-se e publique-se.
229
PROCESSOS RELATIVOS AOS PARTIDOS
POLÍTICOS E COLIGAÇÕES
— PROCESSOS RELATIVOS AOS PARTIDOS POLÍTICOS E COLIGAÇÕES —
SUMÁRIO
RECLAMAÇÃO CONTRA 15 PARTIDOS POLÍTICOS PARA ALTERAÇÃO DAS SUAS
SIGLAS POR SEREM SUSCEPTÍVEIS DE CAUSAR CONFUSÃO
233
— PROCESSOS RELATIVOS AOS PARTIDOS POLÍTICOS E COLIGAÇÕES —
por qualquer partido Político no prazo de 15 dias a contar da data da publicação dessa decisão.
Além do mais tem-se em consideração que tanto o Requerente como a quase totalidade dos
Requeridos foram extintos como Partidos Políticos por este Tribunal.
DIPLOMAS CITADOS
O que segue são os motivos da decisão e a decisão proferida pelos Juízes Conselheiros presentes no Plenário do
Tribunal Constitucional.
234
— PROCESSOS RELATIVOS AOS PARTIDOS POLÍTICOS E COLIGAÇÕES —
I. – RELATÓRIO
235
— PROCESSOS RELATIVOS AOS PARTIDOS POLÍTICOS E COLIGAÇÕES —
[4] Existindo fundado receio de que o animus agendi dos proprietários das siglas referidas é
o da colagem ao Partido PDA junto do público eleitor, requer ao Tribunal Constitucional a notificação
dos referidos Partidos para, no prazo máximo de 30 dias, procederam à alteração das suas siglas.
II. – COMPETÊNCIA
[5] Nos termos das disposições combinadas da alínea i) do artigo 16.º , da Lei n.º 2/08, de
17 de Junho, e da alínea b) do n.º 1 do artigo 63.º da Lei n.º 3/ 08, de 17 de Junho, Lei do Processo
Constitucional, este Tribunal é competente para apreciar e julgar as acções e reclamações relativas
aos partidos políticos, incluindo as referentes à impugnação das suas siglas e denominações.
III. – LEGITIMIDADE
[6] A legitimidade processual activa é aferida em função do interesse que a parte tem em
demandar. Ora, o Partido Político PDA aquando da propositura da presente acção, detinha um
interesse directo em demandar e consequentemente legitimidade no caso sub judice.
IV. – TEMPESTIVIDADE
[7] Tal como refere o Requerente os Partidos Políticos cujas siglas são objecto de impugnação
foram legalizados no período compreendido entre 1992 a 2006.
[8] Ora, transcorridos que foram mais de vinte anos, desde a data em que alguns dos
referidos partidos viram aceites e anotadas as respectivas siglas, deve o Tribunal Constitucional,
desde logo, verificar se o pedido apresentado é tempestivo.
[9] Dispõe o n.º 2 do art.º 18.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro - Lei dos Partidos Políticos
que da decisão do Presidente do Tribunal Constitucional, ordene a inscrição de um Partido Político
(o que inclui aceitação da sua sigla e denominação) cabe recurso e pode ser interposto por qualquer
partido Político no prazo de 15 dias a contar da data da publicação dessa decisão.
[10] No caso em apreciação não foi respeitado esse prazo pelo que o pedido é manifesta-
mente extemporâneo.
V. – CONCLUSÃO
[11] Assim, tendo decorrido o prazo para impugnação das decisões que aceitaram as siglas
e denominações impugnadas, tal facto impede que o Tribunal conheça do mérito da causa, nos
termos do disposto no n.º 2 do art.º 493.º do CPC.
236
— PROCESSOS RELATIVOS AOS PARTIDOS POLÍTICOS E COLIGAÇÕES —
[12] Além do mais tem-se em consideração que tanto o Requerente como a quase totalidade
dos Requeridos foram extintos como Partidos Políticos por este Tribunal, estando, em consequência,
desprovidos de personalidade jurídica, pelo que, também assim, seria inútil o conhecimento do
pedido.
VI. – DECISÃO
Notifique-se e publique-se.
237
ÍNDICE DE RESUMOS
Índice de Resumos
241
Índice de Resumos
citado e intervindo no processo, violou os artigos 6.º, 14.ºe 37.ºda Constituição? - Recurso
indeferido, Acordão 334/2014 , Verma c. Tribunal Supremo . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
Constituição - Princípios fundamentais - Direitos e deveres fundamentais - Direito, liberdades
e garantias fundamentais - Garantias do processo criminal - Habeas Corpus - Pressupostos le-
gais - Competência legal - Indeferimento do requerimento para providência de habeas corpus -
Legalidade da prisão - prazos não excedidos - Situação carcerária dos recorrentes mantida - Se
o Tribunal Supremo, ao indeferir pedido de habeas corpus por considerar os prazos de prisão
preventivas não excedidos, violou o artigo 68.ºda Constituição? - Recurso indeferido, Acordão
335/2014 , Ribeiro et al c. Supremo Tribunal Militar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
Constituição - Princípios fundamentais - Direitos e deveres fundamentais - Direitos, liberdades
e garantias fundamentais - reformatio in pejus - Coação física e moral - Recurso Extraordinário
de Inconstitucionalidade - Violação do princípio da legalidade, do contraditório e do acusató-
rio, da presunção de inocência, da igualdade, do processo equitativo e justo, da proibição de
utilização de provas ilegais - Violação do direito a julgamento justo célere e conforme à lei, de-
fesa, à não auto-incriminação - Agravação das penas dos Recorrentes - Se o Acórdão recorrido
do Tribunal Supremo Militar, pelo facto de ter agravado a pena dos recorrentes, violou os prin-
cípios da legalidade, do contraditório e acusatório, da presunção de inocência, da igualdade,
do processo equitativo e justo, da proibição de utilização de provas ilegais, o direito a julga-
mento justo célere e conforme à lei, o direito de defesa e o direito à não auto-incriminação,
todos previstos na Constituição da República de Angola? - Constituição da República de An-
gola, artigos 6.º, 23.º, 34.º, 67.º, 72.º, 174.ºn.º2, 175.ºn.º6 e 177.º- Recurso indeferido, Acordão
336/2014 , Ribeiro et al c. Supremo Tribunal Militar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127
Constituição - Princípios fundamentais - Direitos e deveres fundamentais - Direitos, liberdades e
garantias fundamentais - Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade - Violação do prin-
cípio do contraditório e do acusatório, da presunção de inocência, do processo equitativo e
julgamento justo, do direito de defesa e da proibição da reformatio in pejus - Agravação das
penas do Recorrente - Se o acórdão recorrido do Supremo Tribunal Militar, pelo facto de ter
agravado a pena do Recorrente, violou os princípios do contraditório e do acusatório, do pro-
cesso equitativo e julgamento justo, da presunção de inocência, da proibição da reformatio
in pejus e a restrição do direito de defesa, todos previstos na Constituição da República de
Angola? - Constituição, artigos 6.º, 23.º, 34.º, 67.º, 72.º, 174.ºn.º2, 175.ºn.º6 e 177.º- Recurso
indeferido, Acordão 337/2014 , José c. Supremo Tribunal Militar . . . . . . . . . . . . . . 155
Constituição - Princípios fundamentais - Direitos e deveres fundamentais - Direito, liberdades e
garantias fundamentais - Garantias do processo criminal - Habeas Corpus - Indeferimento do
requerimento para providência de habeas corpus - Notificação do despacho de acusação - Novo
prazo de 4 meses - Ilegalidade da prisão - Restituição de liberdade - Se o Tribunal Supremo, ao
indeferir pedido de habeas corpus por considerar os prazos de prisão preventiva não excedidos,
porque com a notificação do despacho de acusação tinha começado a correr um novo prazo de
Índice de Resumos
4 meses, violou o artigo 68.ºda Constituição? - Recurso deferido, Acordão 338/2014 , Cabongo
c. Tribunal Supremo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169
Processo Constitucional - Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade - Indeferimento do
recurso - Código de Processo Civil - Aclaração de Acórdão - Questões a tratar em sede de acla-
ração de acórdão - Obscuridade ou ambiguidade ou imprecisão na parte da decisão do acórdão
- Alegações no requerimento sobre fundamentação em vez de decisão do acórdão - Inferência
de entendimento do acórdão - Se o acórdão do Tribunal Constitucional, na decisão, apresenta
quaisquer obscuridades (ininteligibilidade) ou ambiguidades (duplos sentidos)? - Se das per-
tinentes alegações no requerimento do Requerente resulta que não entendeu claramente o
sentido do acórdão? - Se estão os fundamentos do pedido do Requerente em linha ou em
contradição com o espirito do legislador quanto aos fins previstos nos artigos 666.ºe 669.ºdo
CPC invocado? - Código de Processo Civil, artigos 669.ºe 666.ºn.º1, 2 e 3 - Lei n.º03/08, de 17
de Junho, Lei do Processo Constitucional, artigo n.º2 - Pedido indeferido, Acordão 339/2014 ,
Ribeiro et al c. Tribunal Constitucional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175
Constituição - Partidos Políticos - Erro de direito - Erro de facto - Pedido de credenciamento - In-
deferimento do pedido de credenciamento - Recurso para o Plenário - Anulação do despacho
de indeferimento - Principio da novidade - Deferimento tácito - Interpretação do artigo 19.ºda
Lei dos Partidos Políticos - Elemento literal - Extrair o seu verdadeiro significado - Elemento
teleológico - Sigla UPA - Cópia fiel dos Estatutos da FNLA - Mesmo hino (Angola) - Mesma
marcha revolucionária (Angola Avante) - Bandeira susceptível de confundir-se com a da FNLA
- Mesmas cores e sinais caracterizadores - Se o Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Cons-
titucional, ao indeferir o pedido de credenciamento da Comissão Instaladora do partido UPA
em virtude do princípio da novidade plasmado no artigo 19°da Lei dos Partidos Políticos, er-
rou em direito; e, por isso, deve o seu despacho ser revogado? - Se o pedido de credenciamento
do Recorrente, pelo facto de o Venerando Juiz Presidente do Tribunal Constitucional não se
ter pronunciado num prazo de 30 dias, foi objecto de deferimento tácito nos termos do n.º3 do
artigo 12.ºda Lei dos Partidos Políticos? - Lei dos Partidos Políticos artigos 5.º, 8.º, 12.º, 19.º-
Lei n°3/08 de 17 de Junho, Lei Orgânica do Processo Constitucional, art. n.º15 - Decreto-Lei
n.º16-A/95 de 15 de Dezembro, n.º1 e 3 do artigo 57.º- Código do Processo Civil, artigo 26.º-
Recurso indeferido, Acordão 322/2014 , Mukumbu c. Juiz Presidente do TC . . . . . . . 191
Constituição - Partidos Políticos - Filiação e disciplina partidária - Disciplina partidária e con-
flitos internos - Estatutos - Despacho de destituição de funções - Suspensão de participação
em órgãos do partido - Se o Presidente da FNLA, ao proferir o despacho em litígio, que deter-
minou a destituição dos Requerentes de todas as funções que exerciam e a suspensão da sua
participação em todos os órgãos do Partido, excedeu a sua competência e/ou usurpou compe-
tência de outros órgãos do Partido? - Lei dos Partidos Políticos - Lei n.º3/08 de 17 de Junho,
Índice de Resumos
ÍNDICE DE RESUMOS
Tribunal Constitucional Acórdãos 1. o Volume 2014